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MEDIDA CAUTELAR NO HABEAS CORPUS 208.

240 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


PACTE.(S) : FRANCISCO CICERO DOS SANTOS JUNIOR
IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
ADV.(A/S) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL DO ESTADO DE SÃO
PAULO
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão: Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão


proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado
(AgRg no HC 143353/CE - eDOC 12):

HABEAS CORPUS. TRÁFICO. 1,53 GRAMAS DE


COCAÍNA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DOSIMETRIA.
DESPROPORCIONALIDADE. VALORAÇÃO NEGATIVA DA
PERSONALIDADE COM FUNDAMENTO EM
ANTECEDENTES CRIMINAIS. IMPOSSIBILIDADE.
FLAGRANTE ILEGALIDADE. QUANTIDADE DE DROGA
QUE NÃO JUSTIFICA AFASTAR A CAUSA DE DIMINUIÇÃO
DO ART. 33, § 4º, DA LEI N. 11.343/2006. ÍNFIMA
QUANTIDADE QUE DEVE PREVALECER SOBRE A
REINCIDÊNCIA, PERMITINDO FIXAR REGIME MAIS
BRANDO E SUBSTITUIR A REPRIMENDA. FLAGRANTE
ILEGALIDADE. ORDEM CONCEDIDA À UNANIMIDADE.
AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE EIVADO DE
NULIDADE. BUSCA PESSOAL. FUNDADA SUSPEITA
ORIGINADA EM ELEMENTO INIDÔNEO. COR DA PELE
NÃO PODE CONFIGURAR ELEMENTO CONCRETO
INDICIÁRIO DE DESCONFIANÇA DO AGENTE DE
SEGURANÇA PÚBLICA. ILICITUDE DOS ELEMENTOS DE
PROVA QUE EMBASARAM A CONDENAÇÃO.
CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
CONVICÇÃO DO RELATOR NÃO ACOMPANHADA NA
SEXTA TURMA. 1. A valoração negativa da personalidade com
fundamento nas condenações transitadas em julgado não
encontra respaldo na atual jurisprudência do Superior Tribunal

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de Justiça, consolidada no sentido de que eventuais


condenações criminais do réu transitadas em julgado e não
utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser
valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de
antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização
também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do
agente. Precedentes da Quinta e da Sexta Turmas desta Corte
(EAREsp n. 1.311.636/MS, Ministro Reynaldo Soares da
Fonseca, Terceira Seção, DJe 26/4/2019 - grifo nosso). 2. A ínfima
quantidade da droga apreendida não justifica o afastamento da
causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006,
sendo perfeitamente cabível a sua aplicação em patamar
intermediário (1/2), diante da reincidência. 3. Ordem concedida
para redimensionar a pena, com modificação do regime e
reconhecida a possibilidade de substituição da pena por duas
restritivas de direito a serem fixadas pelo Juízo das Execuções
Criminais. 4. Busca pessoal do paciente feita em razão de o
mesmo ser negro conforme depoimento dos responsáveis pelo
flagrante: “QUE AO PASSAR PELA RUA SANTA TERESA,
QUADRA 4, AVISTOU AO LONGE UM INDIVÍDUO DE COR
NEGRA QUE ESTAVA EM CENA TÍPICA DE TRÁFICO DE
DROGAS, UMA VEZ QUE ELE ESTAVA EM PÉ JUNTO O
MEIO FIO DA VIA PÚBLICA E UM VEÍCULO ESTAVA
PARADO JUNTO A ELE COMO SE ESTIVESSE
VENDENDO/COMPRANDO ALGO” e “QUE AO SE
APROXIMAREM DA RUA SANTA TERESA VIRAM UM
INDIVÍDUO NEGRO QUE "SERVIA" ALGUM USUÁRIO DE
DROGA EM UM CARRO DE COR CLARA”. 5. A cor da pele
do paciente foi o que, considerando o depoimento dos policiais
responsáveis pelo flagrante, despertou a suspeita que justificou
a busca pessoal no paciente. Ainda que não tenha sido somente
a cor da pele, mas, sim, todo o contexto, como estar o indivíduo
ao lado de veículo, em atitude de mercancia, em área de tráfico,
pela experiência dos policiais, a meu ver, a cor da pele foi o
fator que primeiramente despertou a atenção do agente de
segurança pública, o que não pode ser admitido. 6. Este

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Superior Tribunal de Justiça por diversas vezes constatou


abusos praticados pelas forças policiais na execução das buscas
pessoal e domiciliar, concedendo a ordem para reconhecer a
nulidade das provas obtidas nessas buscas irregulares, com a
consequente absolvição dos acusados. 7. Não se pode ter como
elemento ensejador da fundada suspeita a convicção do agente
policial despertada a partir da cor da pele, como descrito no
Auto de Prisão em Flagrante constante dos autos, sob o risco de
ratificação de condutas tirânicas violadoras de direitos e
garantias individuais, a configurar tanto o abuso de poder,
quanto o racismo. 8. Nula a abordagem realizada pelos policiais
militares, diante da manifesta ausência de fundada suspeita de
o paciente estar portando drogas no momento da abordagem,
acarretando a ilicitude das provas obtidas por meio da busca
pessoal. 9. Ausentes os elementos probatórios que ensejaram a
condenação, a sentença deverá ser anulada, absolvendo-se o
paciente por ausência de provas da materialidade do delito. 10.
Na sessão de julgamento de 14/9/2021, a Sexta Turma não
acompanhou o Relator na concessão da ordem de ofício, quanto
à ilegalidade da busca pessoal, à mingua de fundada suspeita.
9. Ordem concedida, à unanimidade, nos termos da impetração,
a fim de redimensionar a pena para 2 anos e 11 meses de
reclusão, além de 250 dias-multa, no valor mínimo legal, e, de
ofício, para estabelecer o regime aberto e determinar a
substituição da pena privativa de liberdade por duas medidas
restritivas de direitos a serem fixadas pelo Juízo das Execuções
Criminais.

Narra o impetrante que: a) o paciente foi condenado pela prática do


delito previsto no art. 33 da Lei de Drogas, à pena de 07 (sete) anos, 11
(onze) meses e 08 (oito) dias de reclusão, em regime fechado, por ter sido
flagrado com 1,53 gramas de entorpecente para fins de tráfico; b) o
Tribunal local negou provimento ao recurso defensivo; c) o STJ concedeu
o habeas corpus, inclusive de ofício, para redimensionar a pena do
paciente, com a incidência da minorante prevista no art. 33, § 4º, da Lei de
Drogas, tornando-a definitiva em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de

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reclusão, em regime aberto; d) restou vencido, em parte, o Ministro


Relator quanto à concessão da ordem de ofício para reconhecer a
nulidade das provas e absolver o paciente; e) “[a]pesar da diminuição da
pena e melhora em sua situação jurídica, o paciente continua sujeito a coação
ilegal à sua liberdade de locomoção porque, (...), sua absolvição é a medida que se
impõe”; f) o réu não deveria ter sido condenado, pois, apesar de
reincidente, a ínfima quantidade de droga apreendida demonstra que não
restou violado de forma significativa o bem jurídico tutelado pelo tipo
penal, devendo ser aplicado o princípio da insignificância, conforme fora
feito nesta Corte no julgamento do HC 127.573/SP; g) o réu também deve
“ser absolvido em razão da inexistência de provas para a condenação, na medida
em que a prova da materialidade do delito (droga apreendida com o réu) é ilícita
por derivação”; h) a ilicitude da prova decorre da busca pessoal baseada
em filtragem racial, pois “a ‘fundada suspeita’ para a abordagem policial que
deu azo à revista corporal e à apreensão da droga (1,53 gramas) foi fundada
essencialmente na cor da pele (negra) do suspeito, o que configura perfeito
exemplo de perfilamento racial”; i) “é nula a abordagem realizada pelos policiais
militares, diante da manifesta ausência de fundada suspeita legalmente válida
para a revista pessoal”; j) caso os argumentos anteriores não sejam
acolhidos, a conduta deve ser desclassificada para o tipo previsto no art.
28 da Lei de Drogas, ante a ínfima quantidade de droga apreendida e o
fato de que o réu informou, tanto em sede policial como em juízo, que a
droga era destinada ao seu consumo pessoal; k) “[n]ão há, nos autos,
qualquer prova contundente de que a droga era destinada à traficância além de
uma suposta confissão informal que, evidentemente, não possui qualquer valor
probatório, na medida em que não documentada”.
À vista do exposto, pugna, liminarmente, pela concessão da ordem
“para que o paciente seja absolvido tanto em razão da atipicidade material da
conduta (princípio da insignificância) como em razão da inexistência de provas
de materialidade do delito (após o reconhecimento de que a única prova da
materialidade do delito é ilícita por derivação)”. Subsidiariamente, requer a
desclassificação da conduta para o crime previsto no art. 28 da Lei de
Drogas.

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É o relatório. Decido.

Cumpre assinalar, por relevante, que o deferimento da medida


liminar, resultante do concreto exercício do poder geral de cautela
outorgado aos juízes e tribunais, somente se justifica em face de situações
que se ajustem aos seus específicos pressupostos: a existência de
plausibilidade jurídica (fumus boni juris), de um lado; e a possibilidade de
lesão irreparável ou de difícil reparação (periculum in mora), de outro. Sem
que concorram esses dois requisitos, essenciais e cumulativos, não se
legitima a concessão da medida liminar.
Num juízo de cognição sumária, próprio desta fase processual, não
depreendo ilegalidade flagrante na decisão atacada a justificar a
concessão da liminar.
Outrossim, o deferimento de liminar em habeas corpus constitui
medida excepcional por sua própria natureza, que somente se justifica
quando a situação demonstrada nos autos representar manifesto
constrangimento ilegal, o que, nesta sede de cognição, não se confirmou.
Sendo assim, prima facie, não verifico ilegalidade evidente, razão pela
qual indefiro a liminar.
Abra-se vista à PGR.

Publique-se. Intime-se.
Brasília, 17 de dezembro de 2021.

Ministro Edson Fachin


Relator
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