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HABEAS CORPUS 228.

620 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN


PACTE.(S) : LEANDRO JOSE COELHO
IMPTE.(S) : LARA CRISTINA RODRIGUES DE OLIVEIRA
COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Decisão:

Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido no


âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado (eDOC.07, p. 1-
2):

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO


REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS.
DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DO
AUMENTO DA PENA-BASE. DISCRICIONARIEDADE.
AUMENTO PROPORCIONAL. NATUREZA DA DROGA E
MAUS ANTECEDENTES. EXCLUSÃO DA AGRAVANTE DA
REINCIDÊNCIA. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO
REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. No que tange ao pedido de
afastamento da agravante da reincidência, observo que o foco da
petição inicial do writ foi a desclassificação do crime de tráfico e o
afastamento do aumento da pena-base, sendo que a reincidência não foi
sequer destacada em sede de exordial, configurando tal proceder
inovação recursal, inadmissível pela jurisprudência desta Corte de
Justiça. 2. O habeas corpus não se presta a apreciação de alegações que
buscam a absolvição e/ou desclassificação do crime do paciente, em
virtude da necessidade de revolvimento do conjunto fático-probatório,
o que é inviável na via eleita. 3. A Corte de origem concluiu haver
prova concreta da prática do tráfico de drogas, apresentando elementos
concretos que indicam que houve tentativa de comercializar os
entorpecentes posteriormente descartados pelo paciente, tendo sido ele
encontrado, ainda, com dinheiro em espécie. Dessa forma, não procede
a pretensão de absolvição pelo delito de tráfico de drogas, uma vez que,
sem maiores incursões no acervo probatório, à luz apenas dos
fundamentos expendidos pelas instâncias ordinárias, revelam-se
suficientes as provas produzidas para a condenação pelo crime do art.

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HC 228620 / SP

33, caput, da Lei n. 11.343/06. 4. A individualização da pena é


submetida aos elementos de convicção judiciais acerca das
circunstâncias do crime, cabendo às Cortes Superiores apenas o
controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios
empregados, a fim de evitar eventuais arbitrariedades. Assim, salvo
flagrante ilegalidade, o reexame das circunstâncias judiciais e dos
critérios concretos de individualização da pena mostram-se
inadequados à estreita via do habeas corpus, por exigirem
revolvimento probatório. 5. Nesse contexto, no legítimo exercício de
sua discricionariedade, correto e proporcional o Tribunal de origem ao
considerar a natureza da droga apreendida em poder do agravante
(crack), aliada aos maus antecedentes como circunstâncias judiciais
negativas, elevando em 1/4 as básicas, em cumprimento ao que
determina o art. 42 da Lei n. 11.343/2006, que o juiz, na fixação das
penas, considerará, com preponderância sobre o previsto no art. 59 do
Código Penal, a natureza e a quantidade da substância ou do produto,
a personalidade e a conduta social do agente. 6. Agravo regimental
desprovido.”

Busca-se, em suma, a concessão da ordem a fim de desclassificar a


conduta pela qual restou condenado o ora paciente (tráfico de drogas)
para a figura prevista no art. 28 da Lei 11.343/2006.
É o relatório. Decido.

1. Cabimento do habeas corpus:

A Corte compreende que, ordinariamente, o habeas corpus não se


presta a rescindir provimento condenatório acobertado pelo manto da
coisa julgada, daí a impossibilidade de figurar como sucedâneo de
revisão criminal. Acerca do tema:

“O Supremo Tribunal Federal não admite a utilização do


habeas corpus em substituição à ação de revisão criminal.”

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(HC 128693 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO,


Primeira Turma, julgado em 04/08/2015, grifei)

“O habeas corpus não pode ser utilizado como


sucedâneo de revisão criminal.” (HC 123430, Relator(a): Min.
LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 14/10/2014, grifei)

“(...) habeas corpus não pode ser utilizado, em regra,


como sucedâneo de revisão criminal, a menos que haja
manifesta ilegalidade ou abuso no ato praticado pelo tribunal
superior.” (HC 86367, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE,
Segunda Turma, julgado em 30/09/2008, grifei)

No caso concreto, por contrariar frontalmente a jurisprudência do


Supremo Tribunal Federal, o habeas corpus não merece conhecimento,
na medida em que funciona como sucedâneo de revisão criminal.

2. Análise da possibilidade de concessão da ordem de ofício no


caso concreto:

Devido ao caráter excepcional da superação da jurisprudência da


Corte, a concessão da ordem de ofício configura providência a ser tomada
tão somente em casos absolutamente aberrantes e teratológicos, em que a
ilegalidade deve ser cognoscível de plano, sem a necessidade de
produção de quaisquer provas ou colheita de informações, o que, no caso
concreto, se verifica.

2.1. No caso, o Juízo de 1º grau condenou paciente pela prática do


crime disposto no art. 33, caput, c/c art. 40, III, ambos da Lei 11.343/2006,
nos seguintes termos (eDOC.05, p. 3-11, grifei):

“Demonstra-se a materialidade delitiva pelo Auto de Prisão em


Flagrante (fls. 01), pelo Boletim de Ocorrência (fls. 06/08), pelo Auto

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de Exibição/Apreensão (fls. 09), pelo Laudo de Constatação Provisória


(fls. 35/37) e pelo Laudo Definitivo (fls. 189/191), bem como pela
prova oral produzida.
Quanto aos entorpecentes, concluiu o senhor perito que: “No
material acima descrito, submetido à metodologia descrita abaixo, foi
DETECTADA a presença da substância METIL BENZOIL
ECGONINA (COCAÍNA), alcalóide extraído do vegetal
“Erythroxylum coca”. A substância consta na Lista “F” LISTA DE
SUBSTÂNCIAS DE USO PROSCRITO NO BRASIL da portaria
ANVISA 344/98 e atualizações posteriores” (fl. 190).
Não resta, portanto, dúvida a respeito da materialidade.
Da mesma sorte, a autoria do crime de tráfico de drogas é certa e
recai sobre o acusado.
Eis a prova oral colhida em juízo.
A testemunha policial GILBERTO SANTOS DA COSTA
relatou que, de início, que LEANDRO é conhecido pela prática
do tráfico de drogas; que o local da detenção de LEANDRO
funciona um bar, chamado “Bar Redondo”, situado na esquina
da Rua 40 com a Rua 17; que, neste local, funciona uma
biqueira, pertencente a LEANDRO; que, há aproximadamente
cinco anos, LEANDRO foi preso por outro processo e a sua
biqueira parou de funcionar, ou seja, durante o tempo em que
LEANDRO esteve recluso, não havia solicitação de ocorrência
no local envolvendo tráfico de entorpecentes; que, após
LEANDRO sair da prisão, voltaram as denúncias de tráfico de
drogas no local. Sobre o dia dos fatos, disse que estava em
patrulhamento, quando visualizou LEANDRO segurando um
objeto na referida esquina, conversando com um indivíduo que
estava de bicicleta; que, ao perceberem a viatura policial, o
rapaz saiu de bicicleta e LEANDRO dispensou o objeto que
tinha em mãos no cesto de lixo do bar, tentando, em seguida, se
evadir; que, na sequência, realizaram a abordagem e
encontraram a droga no cesto de lixo. Relatou não se recordar
se LEANDRO tinha dinheiro consigo. Disse que localizaram a
droga logo em seguida a abordagem pessoal do acusado e que o
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cesto de lixo dentro do qual o entorpecente foi encontrado


estava a poucos metros de LEANDRO.
No mesmo sentido, foi o depoimento do policial militar
EDINALVO SILVA SANTANA JÚNIOR. Disse que, na data dos
fatos, estava em patrulhamento, quando, na esquina da Rua 17
com a Rua 40, avistaram LEANDRO, que, de pronto, ao
visualizar a viatura, dispensou um pequeno envelope contendo
algo. Ato contínuo, os policiais abordaram o acusado e, em
diligência na lixeira na qual o acusado havia dispensado o
referido envelope, encontraram a droga descrita na denúncia,
razão pela qual deram voz de prisão a ele e o apresentaram ao
DP. Relatou que, na região da abordagem, existe uma quadra
poliesportiva. Disse, ainda, que LEANDRO negou a
propriedade da droga no ato da abordagem. Ressaltou que o
local da abordagem é conhecido ponto de drogas.
Nesse ponto, consigno que não há que se falar em
desconsideração ou relativização da força probatória da palavra policial
no processo penal. Isso porque, de acordo com diversos precedentes
judiciais, a relativização da força probatória de seus depoimentos só é
indicada quando houver provas de falsa imputação de delito ao
acusado em razão, por exemplo, de perseguição policial ou inimizade, o
que inexiste no caso em testilha.
Ora, em casos tais, que envolvem tráfico de drogas, há de se
atribuir especial realce ao depoimento do agente estatal que tem o
dever legal de preservar a ordem e a incolumidade das pessoas e do
patrimônio, mormente quando os depoimentos são harmônicos, firmes
e coerentes.
(...)
Pontuo que singular relevo deve ser atribuído ao
depoimento do policial GILBERTO, na medida em que trouxe
aos autos informação a respeito do funcionamento da biqueira
em que LEANDRO foi detido. Com efeito, relatou o policial que
a referida biqueira é de LEANDRO e permaneceu inativa
durante todo o período em que o acusado esteve preso em razão
de outro processo, voltando a funcionar a partir do momento
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em que ele foi colocado em liberdade, dando por certo a prática


de tráfico de drogas por parte de LEANDRO.
Nesse contexto, pouco crível é a versão apresentada pelo
acusado, de que a droga era destinada ao sustento de seu vício.
O acusado LEANDRO JOSÉ COELHO, ao ser
interrogado, admitiu a propriedade da droga apreendida, mas
ressalvou que o entorpecente era destinado ao seu uso, e não ao
tráfico. Disse que, no presente ano, perdeu dois entes queridos,
sua mãe e seu pai, em razão de câncer e Covid-19,
respectivamente, o que o levou a ter recaídas em relação ao
crack. Relatou que estava trabalhando vendendo marmitas
com o seu irmão no restaurante “Lolla Coelho” e que o dinheiro
com ele encontrado era referente ao seu trabalho. Argumentou
que estava com uma pequena quantia de droga, o que
evidenciaria o destino ao uso pessoal. Admitiu que, de fato, ao
avistar os policiais dispensou a droga em uma lixeira, mas
quando os agentes encontraram o entorpecente, colaborou e não
resistiu à prisão. Solicitou ajuda para encaminhamento à
clínica de reabilitação para se livrar do vício. Questionado pelo
Promotor de Justiça, disse que pretendia consumir os 15g de crack em
uma noite. Indagado pela defesa, relatou que pagou R$ 100,00 pela
droga, a qual adquiriu nas redondezas.
Como adiantado, em que pese a versão apresentada pelo
denunciado, negando a autoria do crime de tráfico de drogas, fato é
que ele admitiu ser o responsável pela guarda da droga apreendida nas
circunstâncias descritas na denúncia, não tendo logrado em
demonstrar causa capaz de excluir a ilicitude ou a culpabilidade de sua
conduta.
Nessa linha, incontroversa a propriedade da droga, dado o
reconhecimento por parte de LEANDRO, inviável a pretendida
desclassificação para o delito do art. 28 da Lei de Drogas, dada
a quantidade dos entorpecentes apreendidos, que não se
coaduna à mera posse de drogas para consumo pessoal.
Consigno que diferente do que fez crer em seu interrogatório,
LEANDRO foi encontrado com expressiva quantidade de cocaína, em
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forma de crack, a saber 15,50g gramas. Conforme bem salientou o


Ministério Público em suas alegações finais, com a referida quantidade
de droga seria possível confeccionar aproximadamente 75 pedras de
crack, conforme se extrai do seguinte trecho do acórdão proferido pelo
Des. José Damião Pinheiro Machado Cogan, que compõe a 5ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, nos autos da Apelação
Criminal nº 0000152-73.2017.8.26.0286:
(...)
No contexto narrado, a quantidade de droga apreendida, o
contexto em que se deu a prisão conforme o relato dos policiais
militares, bem como o histórico do acusado referente ao seu
envolvimento no tráfico de entorpecentes (fls. 38/44) tornam a
finalidade comercial da droga inconteste.
Saliento que, para a caracterização do tráfico de drogas, nem ao
menos é imprescindível que a pessoa seja encontrada praticando atos
de mercancia, bastando à sua caracterização a ocorrência de uma das
condutas descritas no caput do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, in
verbis: importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar,
adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar,
trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou
fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em
desacordo com determinação legal ou regulamentar (destaquei).
(...)
Pelo fundamentado até aqui, tem-se que o órgão
acusatório se desincumbiu do ônus probatório que sobre ele
recai no processo penal, não havendo o que se falar em
fragilidade probatória para lastrear o decreto condenatório
pelo tráfico de drogas.
Ressalto que os documentos acostados pela defesa às fls.
205/395 são insuficientes para afastar a conclusão aqui
alcançada, visto que sequer comprovam que os referidos recibos
revelam pagamentos feitos diretamente à LEANDRO.
Além disso, nesses autos, sequer restou configurada
fundada dúvida para a instauração de incidente destinado a
apurar eventual dependência química por parte do acusado,
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sendo mais uma razão a afastar a tese defensiva de


desclassificação.
Em relação à causa de aumento de pena prevista no art. 40, III,
da Lei 11.343/2006, o relatório de fls. 133/134 dá conta que o local da
apreensão da droga destinada ao tráfico dista cerca de 50 metros da
Quadra Poliesportiva, de modo que aplicável a majorante em questão.
Como se vê, a prova é robusta e suficiente para demonstrar a
materialidade do crime e a sua autoria. Sendo assim, por não se
vislumbrar, no caso, a presença dos requisitos caracterizadores de
qualquer das causas excludentes da ilicitude ou imputabilidade penal
do acusado, é de rigor a condenação pelo crime do art. 33, caput, do
Código Penal, com aplicação da causa de aumento de pena prevista no
inciso III do art. 40 do mesmo diploma.”

Na mesma toada, a Corte local manteve o enquadramento da


conduta no art. 33 da Lei 11.343/2006, considerando comprovada a
autoria nos seguintes termos:

“Consta da denúncia que, no dia 12 de junho de 2021, por volta


das 20h30, na Avenida 17, bairro Guaíra E, na cidade e comarca de
Guaíra/SP, o réu, com consciência e vontade, trazia consigo, para fins
de tráfico, droga, qual seja, 01 (uma) porção de Metil Benzoil
Ecgonina, substância vulgarmente conhecida como cocaína, na forma
de “crack”, com peso líquido de 15,500g (quinze gramas e quinhentos
miligramas), sem autorização e em desacordo com determinação legal
ou regulamentar, sendo certo que a infração foi cometida nas
imediações de recinto onde se realizam diversões de qualquer natureza
(quadra poliesportiva 50 metros de distância aproximadamente).
Segundo o apurado, o réu realiza o tráfico de drogas nesta
cidade, sendo tal fato de conhecimento da Polícia Militar.
No dia dos fatos, ele se encontrava em um conhecido
ponto de venda de drogas e trazia consigo o entorpecente acima
descrito, que se destinava ao tráfico.
Na ocasião, ele fez contato com um indivíduo de bicicleta,

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fato que chamou a atenção de policiais que patrulhavam pelo


local. Diante disso, os militares se aproximaram para realizar
a abordagem, tendo o indivíduo fugido, enquanto LEANDRO,
ao perceber a presença dos policiais, dispensou discretamente a
droga que trazia consigo em uma lixeira próxima.
Abordado, com o réu foram encontrados R$ 90,00
(noventa reais) em dinheiro e um aparelho celular.
Ato contínuo, os militares foram até a lixeira e ali
encontraram um invólucro plástico contendo o entorpecente,
que consistia em várias pedras pequenas de “crack”.
A materialidade do crime ficou demonstrada nos autos,tanto que
contra tal prova não houve insurgência.
No que tange a autoria, os elementos probatórios
coligidos nos autos, sob o crivo do contraditório, dão conta de
que o apelante estava atuando no mercado ilegal de drogas.
Em juízo, o réu admitiu a propriedade da droga
apreendida, mas alegou que era destinado ao seu uso, e não ao
tráfico.Disse que, no presente ano, perdeu dois entes queridos,
sua mãe e seu pai, em razão de câncer e Covid-19,
respectivamente, o que o levou ater recaídas em relação ao
crack. Relatou que estava trabalhando vendendo marmitas
com o seu irmão no restaurante “Lolla Coelho” eque o dinheiro
com ele encontrado era referente ao seu trabalho. Estava com
uma pequena quantia de droga, o que evidenciaria o destino ao
uso pessoal. Admitiu que, de fato, ao avistar os policiais
dispensou a droga em uma lixeira, mas quando os agentes
encontraram o entorpecente,colaborou e não resistiu à prisão.
Solicitou ajuda para encaminhamento à clínica de reabilitação
para se livrar do vício. Questionado pelo Promotor de Justiça,
disse que pretendia consumir os 15g de crack em uma noite.
Indagado pela defesa, relatou que pagou R$ 100,00 pela droga,
a qual adquiriu nas redondezas.
Entretanto, a autodefesa do réu, não merece acolhida,tendo
ficado isolada no contexto probatório.
O policial militar Gilberto Santos da Costa, em
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juízo,relatou que LEANDRO é conhecido pela prática do


tráfico de drogas.No local da detenção de LEANDRO funciona
um bar, chamado “Bar Redondo”, situado na esquina da Rua
40 com a Rua 17. Neste local funciona uma biqueira,
pertencente a LEANDRO. Há aproximadamente cinco anos,
LEANDRO foi preso por outro processo e a sua biqueira parou
de funcionar, ou seja, durante o tempo em que LEANDRO
esteve recluso, não havia solicitação de ocorrência no local
envolvendo tráfico de entorpecentes. Após LEANDRO sair da
prisão, voltaram as denúncias de tráfico de drogas no local.
Sobre o dia dos fatos, disse que estava em patrulhamento,
quando visualizou LEANDRO segurando um objeto na referida
esquina, conversando com um indivíduo que estava de
bicicleta. Ao perceberem a viatura policial, o rapaz saiu de
bicicleta e LEANDRO dispensou o objeto que tinha em mãos no
cesto de lixo do bar, tentando, em seguida, se evadir. Na
sequência, realizaram a abordagem e encontraram a droga no
cesto de lixo. Não se recordou se LEANDRO tinha dinheiro
consigo. Localizaram a droga logo em seguida à abordagem
pessoal do acusado. O cesto de lixo dentro do qual o
entorpecente foi encontrado estava a poucos metros de
LEANDRO.
No mesmo sentido, o depoimento do policial militar
Edinalvo Silva Santana Junior, que corroborou a versão do
colega, ao narrar que estava em patrulhamento, quando, na
esquina da Rua 17 coma Rua 40, avistaram LEANDRO, que, ao
visualizar a viatura, dispensou um pequeno envelope contendo
algo. Ato contínuo, os policiais abordaram o acusado e, em
diligência na lixeira na qual o acusado havia dispensado o
referido envelope, encontraram a droga descrita na denúncia,
razão pela qual deram voz de prisão a ele e o apresentaram ao
DP. Relatou que, na região da abordagem, existe uma quadra
poliesportiva. Indagado, disse que LEANDRO negou a propriedade da
droga no ato da abordagem. O local da abordagem é conhecido ponto
de drogas.
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Não há qualquer indício de que os policiais tenham agido com a


abominável intenção de acusar falsamente o réu. Nem soa crível que os
milicianos tenham simulado a prisão de inocente pela prática de crime
tão grave.
A Defesa alega que os depoimentos dos policiais são insuficientes
para incriminar o réu, mas não justificou tal afirmação,deixando de
trazer para os autos provas ou indícios de que os policiais que
efetuaram a prisão não merecem credibilidade.
Os policiais não estão impedidos de depor. Seus depoimentos têm
o mesmo valor que outro qualquer. Há dispositivos expressos no CPP
determinando que a Polícia deverá colher todas as provas que servirem
para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias (art. 6º, III) e que
toda pessoa poderá ser testemunha (art. 202). O só fato de ter sido a
prova acusatória baseada em depoimentos prestados por policiais que
procederam à prisão em flagrante não autoriza absolvição (TJSP - AC
- Rel. Carlos Bueno - RT 654/278 e RJTJSP125/563).
É de se destacar a relevância dos depoimentos prestados pelos
policiais, sendo meio hábil a comprovar a prática de delitos. Seria um
contrassenso o Estado credenciar cidadãos para a repressão ou
investigação dos delitos e, após, sem justificativa, negar-lhes crédito no
cumprimento de suas funções.
Dessa forma, sem a indicação de fatos objetivos e concretos que
possam sugerir o comprometimento da isenção dos policiais, deverá
prevalecer a palavra desses agentes públicos sobre a do réu.
Ademais, as circunstâncias da prisão do réu, surpreendido
em local conhecido pelo comércio ilegal de entorpecentes, na
posse de uma porção de crack, pesando 15,5g, além de R$90,00
em dinheiro, confirmando as denúncias anônimas recebidas
pelos policiais, aliado à tentativa de se livrar da droga ao
avistar os milicianos, além da ausência de comprovação de
atividade laborativa lícita e origem lícita do dinheiro
apreendido, não deixam margem à dúvida quanto à traficância,
não havendo se falar em absolvição por insuficiência de
provas, ou mesmo em desclassificação para o delito previsto no
artigo 28, da Lei 11.343/2006.
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De se ver que, para alicerçar a pretendida condenação, não


é necessária a prova do comércio de substância entorpecente. O
denominado tráfico ilícito de entorpecente é infração que se integra de
várias fases sucessivas, articuladas umas com as outras, desde
aprodução até sua entrega ao consumo, com atos de comércio
propriamente ditos, bem como os que lhe são preparatórios, acessórios
ou complementares e alguns até despidos de caráter de mercancia.
Como seria extremamente, para não se dizer praticamente impossível
apurar em conjunto e em sua integralidade, todas as fases em que se
desenvolve essa atividade criminosa, contenta-se a lei, no esforço de
combater as toxicomanias, em admitir que qualquer delas configura,
por si só, delito contra a saúde pública (AC n. 172.880-3/7-00 Relator
Desembargador Cunha Camargo TJSP).
O fato de o apelante ser usuário e ou dependente, por si só, não
afasta a possibilidade de estar traficando. É sabido que muitos usuários
se prestam ao desprezível comércio clandestino, às vezes, até mesmo
para sustentar o próprio vício.
Conjunto probatório consistente, a condenação era mesmo de
rigor.” (trecho da Apelação Criminal n. 1500339-
28.2021.8.26.0557 retirado do sítio eletrônico do TJSP).

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, negou provimento ao


agravo regimental deduzido pelo ora impetrante, referente ao pedido de
desclassificação para a figura prevista no art. 28, caput, da Lei 11.343/2006,
sob a alegação de que a análise do pleito demandaria o reexame de fatos e
provas, procedimento incabível na via estreita do habeas corpus
(eDOC.07).

2.2. Inicialmente, esclareço que a análise da questão versada na


inicial prescinde de revolvimento da matéria fático-probatória dos autos,
providência que seria inviável na via eleita. Em verdade, o caso desafia o
enfrentamento de questão eminentemente jurídica, relativa à robustez da
prova da autoria para a condenação do paciente como incurso no art. 33

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da Lei 11.343/2006.
Tal proceder está em consonância com a jurisprudência pacífica
desta Corte, no sentido de que a “mera revaloração jurídica dos fatos, a partir
do acervo colhido nas instâncias ordinárias, distingue-se do revolvimento do
conjunto fático e probatório dos autos.” (HC 192.115 ED, Relator(a): ROSA
WEBER, Primeira Turma, DJe 17.02.2021)
Uma condenação não prescinde de provas concretas e objetivas de
que o agente tenha praticado ou concorrido para o crime.
Com efeito, o princípio da presunção de inocência, que tem sua
origem no direito romano pela regra do in dubio pro reo, foi consagrado no
art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. Trata-se de princípio vetor do
processo penal brasileiro, orientado pelo sistema acusatório e que tem,
dentre as suas características, o ônus da prova da culpa atribuído à
acusação.
Indissociável dos postulados do contraditório e da ampla defesa, a
presunção de inocência impõe tanto um dever de tratamento quanto um
dever de julgamento. O dever de tratamento exige que a pessoa acusada
seja tratada, durante todo o curso da ação penal, como presumidamente
inocente; por outro lado, o dever de julgamento significa que recai
exclusivamente sobre o órgão de acusação o ônus de comprovar de
maneira inequívoca a materialidade e a autoria do crime narrado na
denúncia – e não sobre o acusado o ônus da demonstração de sua
inocência –, de sorte que, ao final da instrução processual, a dúvida deve
inexoravelmente gerar decisão favorável ao réu.
No caso concreto, como se depreende das decisões emanadas pelas
instâncias ordinárias, os policiais militares realizavam patrulhamento de
rotina quando avistaram o paciente em companhia de outro indivíduo,
não identificado, que estava de bicicleta. Por terem informação de que
“após LEANDRO sair da prisão, voltaram as denúncias de tráfico de drogas no
local”, decidiram abordá-lo. Ao notar a aproximação dos policiais, o
paciente teria arremessado para um cesto de lixo cerca de 15,5g de
substância entorpecente.
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A conclusão de que o paciente seria traficante e não usuário baseou-


se em quatro elementos, quais sejam: (i) a inexistência de exigência legal
de que, para subsunção ao tipo penal do tráfico, “ a pessoa seja encontrada
praticando atos de mercancia”; (ii) a quantidade da droga (15,5g de crack) e
a quantia em dinheiro (R$ 90,00) apreendidas; (iii) notícias de que o local
onde foi apreendida a droga “funciona uma biqueira, pertencente a
LEANDRO” e (iv) “histórico do acusado referente ao seu envolvimento no
tráfico de entorpecentes”.
Nada obstante, conforme se extrai do quadro probatório apontado
pelas instâncias ordinárias, não restou devidamente demonstrado que o
paciente praticou o crime do art. 33 da Lei 11.343/2006. Por outro lado, há
elementos que emprestam credibilidade à tese de que ele seria usuário,
devendo-se, por isso, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo,
desclassificar a conduta para a figura prevista no art. 28 da Lei
11.343/2006.
Em primeiro lugar, diversamente do que constou na sentença
condenatória, ainda que seja desnecessária a prova de atos de comércio -
trata-se o art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 de tipo penal misto alternativo
que se configura com a realização de outros núcleos (importar, exportar,
remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, expor à venda, dentre outros) -, a
comprovação do dolo de traficar, isto é, da intenção de trasladar o
domínio ou a posse de substância entorpecente para uma ou mais
pessoas no contexto da mercancia irregular é indispensável para a
caracterização do crime de tráfico. A propósito, esse é o ponto nodal a
diferenciar esse tipo de penal da figura prevista no art. 28 da Lei
11.343/2006.
Com efeito, é de fácil constatação, a partir de uma leitura
comparativa entre os tipos penais da Lei 11.343/2006, a identidade entre
diversos verbos típicos, que se repetem em mais de um artigo. Os núcleos
“guardar”, “ter em depósito”, “transportar”, “trazer consigo”, dentre outros,
estão presentes tanto no art. 33, caput, como no art. 28. Do mesmo modo,
verifica-se a presença do verbo “oferecer” no art. 33, § 3° que guarda
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semelhança com a conduta de “entregar” prevista no caput do art. 33.


Nessa esteira, à vista da própria arquitetura da Lei 11.343/2006, -
constituída por tipos penais distintos que contém alguns verbos
coincidentes, com semelhante redação, e que visam à tutela do mesmo
bem jurídico - o dolo dirigido à conduta praticada figura como elemento
fundamental para o adequado enquadramento jurídico.
Assim, se evidenciado que o agente “guarda”, “tem em depósito” ou
“traz consigo” entorpecentes “para consumo pessoal”, ter-se-á a figura do
art. 28 da Lei 11.343/2006; em contrapartida, se o agente “guardar” ou
“trouxer consigo” com a intenção de promover a mercancia e a difusão da
droga, configurada está a conduta prevista no art. 33, caput, da Lei
11.343/2006. Por outro lado, se o agente “oferece” a droga a outrem para
“juntos consumirem”, a conduta adéqua-se ao art. 33, §3°, da Lei
11.343/2006; e, se o agente “oferece” droga a outrem com intuito de
mercancia, a conduta melhor se amolda à prevista no art. 33, caput, da Lei
11.343/2006.
Portanto, diante da teoria finalista da ação adotada pelo Código
Penal (art. 18), o elemento subjetivo é indispensável para o correto
enquadramento dos crimes previstos na Lei de Drogas.
Ademais, é importante que se esclareça que a menção ao
oferecimento de drogas “ainda que gratuitamente”, presente no art. 33,
caput, da Lei 11.343/2006, não afasta tal compreensão, mas antes a reforça.
É que o fornecimento gratuito de drogas constitui também um dos
métodos para consolidação da mercancia do tráfico, a fim de que usuários
conheçam e experimentem o produto oferecido. Assim, a ausência de
contraprestação financeira, em um primeiro momento, não afasta o ânimo
comercial da atividade exercida.
Portanto, estabelecidas essas premissas, cumpre refutar
fundamentações que estabelecem falsa equivalência entre o art. 28 e o art.
33, caput, da Lei 11.343/2006, como se o julgador pudesse, a partir de
parâmetros próprios, ora enquadrar uma conduta em uma descrição
legal, ora em outra.
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No caso em apreço, a destinação da droga a outrem não restou


demonstrada, muito menos que essa destinação tenha ocorrido em um
contexto mercantil.
Como se extrai dos depoimentos transcritos em sentença, o policial
Gilberto afirma que no momento da abordagem o paciente estava
somente “conversando com um indivíduo que estava de bicicleta”, situação
que, não demonstra a realização de conduta proscrita.
Na mesma toada, tampouco há como se extrair dados de mercancia
com a droga a partir do relato do policial Edinalvo, o qual somente
afirma que o paciente “ao visualizar a viatura, dispensou um pequeno envelope
contendo algo”.
Portanto, não ha elementos suficientes e seguros para afirmar que o
paciente trazia consigo drogas com a intenção de transladar a substância
para outrem.
Com relação ao segundo fundamento invocado pelas instâncias
ordinárias, consigno que a quantidade de entorpecente apreendido,
15,5g de crack, não é, em princípio, incompatível com a conduta de
usuário. Igualmente, a indicação da quantidade de pedras de crack que
poderiam ser confeccionadas com a droga apreendida não é suficiente
para chancelar a intenção de mercancia.
Nesse particular, destaco que a Pesquisa Nacional sobre o Crack,
publicada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em 2014, concluiu que
o consumo médio de crack nas capitais brasileiras é de 14,66 pedras por
dia, destacando, contudo, que “não há como definir de forma minimamente
precisa o peso em gramas e conteúdo do que cada usuário denomina “pedra”
(Fundação Oswaldo Cruz. Pesquisa Nacional sobre o uso de crack: Quem
são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Quantos são nas
capitais brasileiras?. Organizadores: Francisco Inácio Bastos, Neilane
Bertoni. Rio de Janeiro: Editora ICICT/FIOCRUZ, 2014. Disponível em:
<https://www.icict.fiocruz.br/sites/www.icict.fiocruz.br/files/Pesquisa%20
Nacional%20sobre%20o%20Uso%20de%20Crack.pdf>. Acesso em 05 de
jun. de 2023).
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No tocante ao terceiro fundamento, consigo que a menção a notícias


de que no local da abordagem “funciona uma biqueira, pertencente a
LEANDRO” é, na mesma medida, insuficiente para assentar sua
subsunção à figura típica prevista no art. 33, caput da Lei 11.343/2006.
O STF entende, à luz do princípio da presunção de inocência, que a
utilização de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em
julgado é insuficiente para comprovar a dedicação do paciente a
atividades criminosas. Vejamos:

“Habeas corpus. 2. Tráfico de entorpecentes. Condenação. 3.


Causa de diminuição de pena do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006.
4. Não aplicação da minorante em razão de sentença sem trânsito em
julgado. 5. Paciente primário. 6. Ausência de provas de que integra
organização criminosa ou se dedique à prática de crimes. 7. Decisão
contrária à jurisprudência desta Corte. Constrangimento ilegal
configurado. 7.1. O Pleno do STF, ao julgar o RE 591.054, com
repercussão geral, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, firmou
orientação no sentido de que a existência de inquéritos policiais ou de
ações penais sem trânsito em julgado não pode ser considerada como
maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. 7.2. Para efeito de
aumento da pena, somente podem ser valoradas como maus
antecedentes decisões condenatórias irrecorríveis, sendo impossível
considerar para tanto investigações preliminares ou processos
criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal, sob
pena de violação ao artigo 5º, inciso LIV (presunção de não
culpabilidade), do texto constitucional. 8. Decisão monocrática do STJ.
Ausência de interposição de agravo regimental. Superação. 9. Ordem
concedida parcialmente para que o Juízo proceda à nova dosimetria.”
(HC 151431, Relator Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe
08.05.2018)

Nesse sentido, por iguais razões, não há como admitir que meras
notícias acerca da dedicação do paciente ao tráfico, motivem sua

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condenação no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, notadamente se o cenário


do flagrante delito é duvidoso, como no caso dos autos, e também
quando a prova produzida em Juízo não comprova com solidez tal
conclusão.
Quanto a esse particular, ressalto que diferentemente do que
afirmou o Juízo sentenciante, o policial militar Gilberto não “trouxe aos
autos informação a respeito do funcionamento da biqueira”. Ao contrário,
aponta o paciente como “dono do ponto de tráfico” sem, contudo, indicar
provas concretas que comprovem essa condição, deduzindo, com base
em denúncias anônimas, que a soltura de Leandro motivou o retorno do
tráfico no local, sem aparo substancial em provas produzidas
judicialmente. Aliás, nesse ponto específico, observo, por exemplo, que
houve determinação de quebra de sigilo de dados do celular do paciente
(eDOC.05, p. 2), mas não há, nos autos, qualquer menção às informações
do aparelho extraídas, tudo a indicar que nada ali se colheu de relevante
a demonstrar sua dedicação a prática do tráfico.
Destaco ainda que o fato de o local ser “conhecido como ponto de
drogas” pode servir tanto para indicar a mercancia, quanto para afirmar o
uso, de modo que a dúvida deve prevalecer em favor do réu. Por óbvio, o
deslocamento até o ponto de tráfico é ato necessário e comum para um
indivíduo que objetiva adquirir entorpecente para consumo pessoal.
Por fim, não há como reputar suficiente a argumentação
remanescente que vincula o crime ora processado com “o histórico do
acusado referente ao seu envolvimento no tráfico de entorpecentes”, haja vista o
nítido tangenciamento de tal fundamento com uma perspectiva de direito
penal do autor.
Cumpre elucidar que a presunção de inocência deve ser observada
em todo e qualquer processo criminal, independentemente das
condenações anteriores do paciente, de modo que a reincidência só gera
consequências concretas na sentença condenatória, em especial na
dosimetria da pena, após a comprovação da autoria e da materialidade
do segundo delito.
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A reincidência, sob essa óptica, surte efeitos legalmente autorizados


sob a dosimetria da pena somente após firmada a convicção quanto à
culpa (lato sensu) do acusado, mas constitui - ou deve constituir -
elemento neutro para fase que antecede à dosagem da reprimenda.
Não bastasse, no caso em apreço a reincidência mencionada refere-se
a uma condenação pregressa também por ínfima quantidade de drogas -
0,1g de crack, no autos nº 0001005-19.2017.8.26.0210, acesso disponível no
sítio eletrônico do TJSP - o que a priori não descredibiliza a sua tese de
que era usuário.
De todo o coligido resulta, por conseguinte, que tem-se, de um lado,
depoimentos que não demonstram o exercício a intenção de trasladar
drogas outrem no contexto do comércio irregular com a droga e, de
outro, a confissão do ora paciente quanto à prática da figura prevista no
art. 28 da Lei 11.343/2006, cenário probatório que indica ser adequada a
desclassificação do crime de tráfico de entorpecentes para a figura do
porte de drogas para uso pessoal.
Efetivamente, presente hipótese factível, não pode o Tribunal
atribuir ao réu o dever de provar a inocência, nem reconhecer a culpa por
mera presunção, pois o ônus da prova da culpabilidade do agente é do
Ministério Público.
Nessa direção, registro os seguintes precedentes deste Tribunal:

“HABEAS CORPUS" […] AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO


SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE,
EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Nenhuma acusação
penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua
inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de
forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a
culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de
direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo
político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de
pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o
acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de
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20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes. - Para o acusado exercer, em


plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o
órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais
("essentialia delicti") que compõem o tipo penal, sob pena de se
devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de
provar que é inocente. - Em matéria de responsabilidade penal, não se
registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de
o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras
suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que
informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que
transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem
responsabilidade criminal por mera suspeita.” (HC 84580,
Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em
25/08/2009, DJe-176 DIVULG 17-09-2009 PUBLIC 18-09-2009
EMENT VOL-02374-02 PP-00222 RT v. 98, n. 890, 2009, p. 500-
513)

“PENAL E PROCESSO PENAL. IMPOSSIBILIDADE DE


CONDENAÇÃO FUNDADA SOMENTE EM ELEMENTOS
INFORMATIVOS OBTIDOS NA FASE DO INQUÉRITO
POLICIAL NÃO CORROBORADOS EM JUÍZO. OBSERVÂNCIA
DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA
DEFESA. AÇÃO PENAL IMPROCEDENTE. 1. A presunção de
inocência exige, para ser afastada, um mínimo necessário de provas
produzidas por meio de um devido processo legal. No sistema
acusatório brasileiro, o ônus da prova é do Ministério Público, sendo
imprescindíveis provas efetivas do alegado, produzidas sob o manto do
contraditório e da ampla defesa, para a atribuição definitiva ao réu, de
qualquer prática de conduta delitiva, sob pena de simulada e
inconstitucional inversão do ônus da prova. 2. Inexistência de provas
produzidas pelo Ministério Público na instrução processual ou de
confirmação em juízo de elemento seguro obtido na fase inquisitorial e
apto a afastar dúvida razoável no tocante à culpabilidade do réu. 3.
Improcedência da ação penal.” (AP 883, Relator(a): ALEXANDRE
DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 20/03/2018,
20

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ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 11-05-2018


PUBLIC 14-05-2018)

Logo, considerando que a sentença condenatória restou embasada


em dados subjetivos, especialmente na convicção íntima dos agentes, e
que há dúvida razoável quanto ao papel do paciente no contexto da
mercancia (traficante ou usuário), a situação deve ser solucionada em seu
favor, sendo, portanto, imperativa a desclassificação da conduta para o
tipo previsto no art. 28 da Lei de Drogas.
Como bem pontuou o Min. Alexandre de Moraes, em caso análogo
ao presente,“[s]em precisar examinar a fundo a matéria fática, a solução
adequada ao caso é a desclassificação da conduta para aquela prevista no art. 28
da Lei 11.343/2006, sendo certo, consoante antigo julgado desta CORTE, que é
questão de direito definir o campo da livre apreciação das provas, para
anular decisão calcada em dados meramente subjetivos, fruto de
convicção íntima, haurida de elementos probatórios indiretos (HC 40.609,
Rel. Min. EVANDRO LINS, Tribunal Pleno, DJ de 3/9/1964” (HC 181.630/SP,
Relator Min. Alexandre de Moraes, j. 05.03.2020, grifei).

3. Posto isso, com fulcro no art. 21, § 1º do RISTF, não conheço do


habeas corpus, mas concedo a ordem de ofício para desclassificar a
conduta de tráfico de drogas (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) para
posse de droga para consumo pessoal (art. 28, caput, da Lei 11.343/2006).
Comunique-se, com urgência, ao Juízo da causa.
Comunique-se, ainda, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
e ao Superior Tribunal de Justiça, para dar-lhes ciência desta decisão.
Publique-se. Intime-se.
Brasília, 28 de junho de 2023.

Ministro EDSON FACHIN


Relator
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