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OSs NA REDE ESTADUAL DE EDUCAÇÃO

Wanderson Ferreira Alves

[Jornal O Popular, 26. 12. 2015]


O ano de 2015 termina com um gosto amargo para a educação goiana: o governador do
estado decidiu que escolas serão transferidas para Organizações Sociais (OSs). Mas
atenção com o remédio: quando o diagnóstico é equivocado, as ações ao invés de ajudar
prejudicam.

Em 2013, o Center for Research on Education Outcomes, um centro de pesquisas ligado


à Universidade de Stanford nos Estados Unidos, publicou uma pesquisa intitulada
National Charter School Study na qual analisava o desempenho de alunos matriculados
em escolas públicas com gestão privada em 26 estados daquele país. A pesquisa indicou
que esses alunos eram 29% melhores em matemática que os alunos matriculados nas
escolas públicas tradicionais de sua região, que 36% não apresentavam desempenho
diferente e que 31% tiveram desempenho inferior. No caso do aprendizado em leitura
os resultados foram semelhantes. O relatório termina com uma recomendação aos
responsáveis pelas políticas: é preciso ser mais exigente com o perfil daqueles que serão
autorizados a gerir as escolas terceirizadas. Essa recomendação deve mesmo ser
importante, pois matérias publicadas no The New York Times relatam casos de
empresários que desviaram dinheiro público e desapareceram fechando suas escolas.
Estudos como esses, elaborados por instituições sérias, foram produzidos nos Estados
Unidos desde que o modelo das escolas públicas com gestão terceirizada se tornou parte
da política educacional daquele país nos anos 1980. Tais estudos não identificaram
diferenças significativas entre o desempenho de alunos em escolas convencionais e
alunos em escolas públicas com gestão privada, mas lançaram dúvidas sobre a
pertinência desse modelo de educação. Para muitos pesquisadores trata-se de um
modelo com efeitos colaterais graves, o que o torna não recomendável.
As pesquisas identificaram que escolas públicas com gestão terceirizada costumavam
estreitar seus currículos (foco em matemática e leitura) e treinar os alunos para fazer as
provas do governo. Prezado leitor ou leitora, vocês gostariam que a vida escolar de seus
filhos fosse reduzida a treinamento para prova? Seus filhos se sentiriam felizes nessa
escola? Eu não desejo isso para meus filhos.
Todavia, os pesquisadores disseram mais. Eles notaram que tais escolas focalizavam a
atenção sobre os alunos com desempenho ótimo e moderado, mas que se
desinteressavam pelos alunos com desempenho muito baixo, não raro excluindo-os no
momento das avaliações externas realizadas pelo governo. Foi observado também que
essas escolas tinham menos estudantes negros que as escolas públicas tradicionais,
menos alunos com pais fluentes na língua inglesa, menos alunos com deficiência, bem
como tinham em média estudantes com perfil socioeconômico mais elevado.
Motivo desse comportamento? As escolas estavam sob forte pressão por desempenho,
se não atingem metas perdem recursos (dinheiro) e podem ser fechadas. Como variável
muito importante no desempenho das escolas é o perfil socioeconômico e cultural do
aluno, elas promoviam, de maneira deliberada ou não, a exclusão de alunos que
atrapalhariam seu desempenho ou que fossem mais caros, como os deficientes.
Escolhendo os estudantes ou convidando-os a se retirar (vocês conhecem escolas que
fazem isso?) elas melhoravam sua performance. Notem que o modelo da concorrência
e do prêmio pelo desempenho não funciona em algumas áreas. Esse é o caso da
educação. Onde a escola funciona bem no mundo, ela é uma instituição preservada
dessa lógica.
A escola pública tradicionalmente nasceu em oposição a tudo o que foi anteriormente
descrito. O ideário da escola pública, aquele que animava Condorcet à época da
Revolução Francesa, é o de uma instituição que acolhe a todos, promove a igualdade
entre desiguais e serve de fundamento para a democracia. É a escola que acolhe brancos
e negros, homens e mulheres, não importando credo religioso, nível cultural ou perfil
socioeconômico. Essa escola é a que precisa ser fortalecida. Ela contribui na promoção
da igualdade, não de desigualdade. Ela aproxima, não afasta pessoas. Os melhores
sistemas educacionais (Alemanha, França, Finlândia etc) são públicos e com gestão
pública, não são terceirizados, não são militarizados e não são conduzidos por
empresários. Eles custam, sem dúvida, bem mais que os parcos recursos depositados
pelo Brasil na sua escola pública.
Wanderson Ferreira Alves – Doutor em Educação pela USP. Coordenador do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Goiás

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