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1.

O Outro Lado da Rua

Um filme de:
Marcos Bernstein

Para se refugiar da solidão, Regina, uma aposentada de 65 anos, sai à procura de


pequenos delitos para denunciar à polícia. Uma noite, xeretando o prédio do outro
lado da rua, ela presencia o que supõe ser um assassinato. Quando a polícia declara
ter sido morte natural, Regina resolve provar que está certa e acaba se envolvendo
com o suposto assassino, Camargo, numa relação tardia e cheia de contradições, em
que os dois irão reavaliar suas vidas de um modo que nunca poderiam imaginar.

Regina, vive solitária em seu apartamento em Copacabana, a não ser por sua
cachorrinha vira-lata, Betina, a quem ela trata melhor do que a maioria dos seres
humanos, e que respeita sua mania de deixar tudo arrumado. Dividindo sua rotina
entre a casa, onde toma cerveja vendo programas considerados masculinos, como
esportes em geral e noticiário, e o bairro, onde resolve todos os seus problemas,
Regina anda todos os dias no calçadão com Betina, não sem carregar seu providencial
e ordeiro saco plástico e cumprimentar os outros donos de cachorro. Apesar de sua
extroversão, no entanto, seu excesso de sinceridade e ironia a afasta das pessoas,
como fica claro no dia em que encontra no elevador de seu prédio algumas vizinhas,
ativas senhoras, indo para um show de música, todas maquiadas com suas bocas
borradas de batom, e ela faz um comentário irônico: "Ai, tem uma idade em que a
gente não acerta mais a boca". Não é de estranhar que no dia seguinte uma das velhas
vire a cara para ela.

Assim é que, aparentemente sem amigos ou parentes, e para evitar o tédio ou


para se sentir importante, Regina preenche seu tempo sendo informante da polícia.
Uma informante especial, é claro. Ela não recebe nada por seus serviços e sua única
"obrigação" é avisar à Delegacia de Polícia do bairro caso presencie algum crime ou
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infração. Desse modo, ela denuncia estacionamento irregular, camelôs, flanelinhas


ilegais e, em seus dias mais agitados, assaltos e furtos.

Apesar de apenas o delegado conhecê-la pessoalmente, e de ter que se


proteger usando um codinome quando se comunica por telefone com a polícia, por
sua carência, ela desenvolveu uma relação especial com os funcionários da delegacia.
Conversa com eles durante horas, achando-se íntima, prescrevendo-lhes remédios
caseiros, e oferecendo conselhos para casos de rupturas conjugais e subseqüentes
dores da alma. Já os policiais fazem troça, no bom sentido, é claro, de dona “Branca-
de-Neve”, como ela é conhecida por lá. Com o tempo, Regina acaba se atribuindo
mais deveres do que deveria. Ela passa a buscar possíveis suspeitos em porta de
bancos, se veste para a noite e vai a boates e inferninhos reprimir a prostituição de
menores... Isso, claro, causa certa irritação aos policiais e exaustiva movimentação em
sua pacata vida.

Uma noite, sem nada para fazer em casa, Regina resolve checar a vizinhança
com seu binóculo, uma atividade facilitada pela grande concentração de edifícios
altos, populosos e próximos que formam Copacabana. A princípio, nada de
interessante acontece no prédio do outro lado da rua: são só jantares familiares,
corpos em repouso prostrados em frente à TV, adolescentes fumando com a cabeça
para fora da janela e desinfetando o quarto com Bom Ar. O mais “emocionante”
ocorre em uma das poucas janelas acesas, onde uma rajada de vento abre uma fresta
na cortina e ela vê um homem debruçado sobre uma mulher na cama. Mas eles não
estão fazendo sexo. Pelo que ela pode ver, ele aplica uma injeção na mulher e
Regina logo perde o interesse. Segue adiante. Só que também não há nada de bom
nas outras janelas e ela decide encerrar o expediente... Mas antes ela resolve olhar o
casal mais uma vez. E o que vê a surpreende: o homem, indeciso, cobre a mulher,
inclusive o rosto, com um lençol; segundos depois, desiste e deixa o rosto dela
visível...

Rapidamente, Regina disca para a delegacia. Relata que provavelmente um


homem matou uma mulher no prédio da Rua Bolívar nº 339B, décimo andar. Pouco
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depois, aparece na rua o carro da polícia espraiando aquela luz que ofusca e
hipnotiza, seguido de um carro de reportagem de um jornal de porta de cadeia. Ela
os observa subirem o prédio, tocarem a campainha e entrarem, o fotógrafo do jornal
espocando flashes impiedosamente. O homem tenta esconder o rosto com os
braços... Regina observa os policiais interrogando o homem, a chegada dos legistas,
etc. Até que dorme sentada.

Dia seguinte, ela acorda com o sol acertando em cheio seus olhos, Betina
lambendo sua mão e o corpo dolorido pela posição. Olha o prédio em frente. Na
entrada, tão conhecida em seus percursos pela rua, aglomeram-se alguns jornalistas,
inclusive de TV. Ela sai de casa e vai até o jornaleiro. Procura a notícia em todos os
jornais. Finalmente a encontra na "Voz do Povo" sob a manchete: "Denúncia
Anônima acusa falsamente de homicídio marido de suicida". Ela lê de novo.
Pergunta ao jornaleiro se ele sabe do que se trata. Ele aponta o prédio do viúvo, cujo
nome é Camargo, e fala da infeliz confusão. Diz que os repórteres estão ali, pois
querem saber se o tal de Camargo vai processar a polícia ou vai tomar uma atitude
mais drástica, já que é um advogado de prestígio.

Mais uma vez, Regina, ou Branca-de-Neve, liga para a polícia. Recebe uma
bronca do delegado por ter exposto a já desacreditada polícia carioca a mais um
vexame, além de ter posto o projeto de informantes aposentados em perigo. Ela
retruca que tem certeza do que viu e, portanto, do que aconteceu, e que a polícia não
pode aceitar a versão mais adequada sem uma investigação mais acurada. O
delegado não quer ouvi-la e desliga o telefone na sua cara. Arrasada por poder
perder a atividade que mais lhe dá prazer na vida e afrontada por ter sua capacidade
e meticulosidade questionada, Regina resolve provar ao delegado que estava certa.
Para isso, ela começa a perseguir Camargo em busca de provas que confirmem a sua
versão. Descobre onde é o enterro e, de longe, fica observando o suspeito,
procurando ver algum sinal de culpa no plácido semblante do homem. Passa
observar com seu binóculo o dia-a-dia de Camargo e o quê flagra é sua solidão.
Uma coisa puxa a outra e ei-la seguindo o sujeito em seus diversos afazeres pelo
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bairro, como banco, jornaleiro, um eventual restaurante de comida self-service. É


claro que com isso, eles acabam se esbarrando diversas vezes, se tornam quase
conhecidos de vista, e um dia Regina é surpreendida sendo abordada por Camargo.
A princípio, ela fica temerosa de que ele tenha percebido suas intenções. Mas logo
descobre que ele quer conhecê-la. Dias depois da morte da esposa, “que
atrevimento, que sangue frio!”. Mesmo sabendo que pode correr perigo, afinal ele é
um criminoso em primeira instância, ela vê nessa aproximação uma possibilidade de
ter acesso às necessitadas provas.

Das conversas, eles rapidamente evoluem para encontros e programas e aos


poucos, a energia de Regina vai tirando Camargo de sua aparente depressão. Ela o
faz voltar a andar no calçadão, a jogar vôlei na praia... Já a forte relação dele com a
família, sua intimidade com a filha que ela não conhece, pois mora na Austrália e
não pôde vir para o enterro, angustia Regina. Mas, mais do que uma contradição
inesperada para um assassino de esposas, isso traz à tona um lado da vida de Regina
que ela nunca soube realizar plenamente, e que ela tenta manter apagado e distante,
afastando-se do único filho como quem nega sua incômoda existência.

Um dia, cansada da repetição de idas a restaurantes, ela o convence a ir a um


inferninho que conhece de suas “rondas”. Após o estranhamento inicial de Camargo,
eles têm uma noite divertida que acaba numa briga de boate com tiroteio e tudo.
Resta-lhes fugir correndo. Arfantes e quase tendo um ataque cardíaco, eles param
numa esquina e riem revigorados. Pinta um clima e eles começam a se beijar, mas
logo param sem ar. Riem. Ele a chama para ir com ele até sua casa de campo. E ela
aceita, entre receosa e encantada.

Assim, entre aproximações e temores, certezas e verdades mal explicadas,


esse homem e essa mulher irão resgatar um no outro sentimentos adormecidos e
qualidades esquecidas e não demorará muito para que Regina sofra com a cruel
ambiguidade de se ver atraída por um homem que ela julga um criminoso a quem
denunciou.
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E desse encontro tardio, acontecido ao acaso na maturidade, naquele momento em


que a maior parte das pessoas se contenta em esperar o tempo passar
inexoravelmente, e em que a solidão os espreita, os dois conseguirão ver e reavaliar
suas vidas de um modo que nunca poderiam imaginar. Numa jornada em que ele tenta
fazê-la se reaproximar de sua família, enquanto ela traz de volta a ele a alegria de
viver.

FIM

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