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Universidade de Brasília

Instituto de Relações Internacionais – IREL


Disciplina: Política Comparada
Professor: Luiz Daniel Jatobá França
Aluna: Vanessa Raquel Alves Souza
Matrícula: 202056501

VERSÃO FINAL DO PROJETO DE PESQUISA

Título: Guiné Equatorial e Sudão: uma análise comparativa de regimes autoritários e


influência externa.

Resumo: Esta pesquisa tem como objetivo fazer um estudo comparativo das políticas
autoritárias nos países Guiné Equatorial e Sudão. A pesquisa tem potencial relevância para
destrinchar como o autoritarismo tem ramificações e diferentes formas, mesmo em países do
mesmo continente, por conta das variáveis como etnicidade, religião e influência externa, e
como esses fatores impactam na relação governamental e no nível de poder. Para que esta
pesquisa tenha sucesso, será utilizado fontes primárias como teses e estudos de ambos os
países, assim como fontes secundárias, tais como matérias de jornais e dados estatísticos.

Palavras-chave: autoritarismo; países; política; África; Guiné Equatorial; Sudão; regime


autoritário.

Delimitação temática e problematização: Apesar de ser uma forma de governo pouco


popular nos dias atuais pelo forte chamado à liberdade de expressão, o autoritarismo ainda é
bastante forte em países e regiões específicas. Neste caso específico, estamos falando da
África, e esta pesquisa visa comparar os regimes autoritários na Guiné Equatorial sob o
governo de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, que governa a Guiné desde 1979, e do Sudão
durante o governo de Omar al-Bashir, que governou o país de 1989 até 2019. Apesar das
diferenças inerentes a qualquer construção de um Estado, ao analisar mais de perto a Guiné
Equatorial e o Sudão, percebe-se que os regimes autoritários partiram de um forte discurso
anticolonial após sua independência, e que em busca da liberdade, ambos os ditadores deram
golpes de Estado com o discurso de unificação e expurgação estrangeira. Para além do
anticolonialismo, esses regimes autoritários usam como pano de fundo a questão do conflito
étnico, presente em praticamente todo país do continente africano, assim como a abordagem
religiosa. Esses conflitos fortalecem o discurso ditatorial, que argumentam em cima de um
poder fortemente repressor para conseguir unificar os países, e com isso, perpetuar ditadores
sanguinários no poder durante décadas.

Objetivo: O objetivo principal da pesquisa é aprofundar no tema do autoritarismo, fazendo


uma comparação entre dois países africanos. Para além da questão de serem dois países que
passaram, no caso do Sudão, e passam, no caso da Guiné, por um governo ditador, percebe-se
que o discurso usado para comandarem com mãos de ferro é em cima do forte sentimento
anticolonialista pelo passado, em que foram explorados pelos grandes países europeus, que
também têm grande culpa pelo conflito étnico fortemente atrelado à região. O resultado desse
histórico caótico de formação e unificação estatal forçada resultou na construção de governos
sanguinários e pouco tolerantes à democracia ou oposição.

Justificativa: É de conhecimento geral que regimes autoritários constituíram uma grande


parte da paisagem política da África por longas décadas, mas que ao longo do tempo, muitos
países passaram para regimes híbridos, e até mesmo chegaram à democracia (Vaz, 2013),
porém, a Guiné e o Sudão constituem ainda nos dias atuais como dois países com forte
repreensão estatal sobre a população, definidos como países de regime autocrático e que não
apresentam sinais de transição para algo menos centralizado em seus líderes, que governam
com poucas rédeas.

Pergunta de pesquisa: Existem diferenças entre o sistema ditador equato-guineense e


sudanês?

Hipótese ou argumento: A hipótese é que a dinâmica do autoritarismo e resistência política


se assemelha entre a Guiné e o Sudão devido a fatores como anticolonialismo, estrutura étnica
e religiosa, e que essas questões são usadas como pano de fundo para governos fortemente
repressores, que não dão de forma alguma alguma uma esperança, em algum futuro próximo,
de um regime menos centralizado de poder.

Revisão da literatura: Estudando mais profundamente sobre a construção das nações


africanas, usando a análise comparativa, percebe-se as semelhanças e diferenças no processo
de formação desses estados.
Como dito anteriormente, por conta do alto índice de exploração do continente
africano por parte dos europeus, a construção identitária africana sofre de uma alta
instabilidade política (Vaz, 2013), marcada por inúmeros golpes de estado, governos cercados
de grande poder militar e uma certa intolerância com regimes democráticos em países
vizinhos. De acordo com Hadenius e Teorell (2006), um estado mais propenso à democracia é
aquele com o regime autoritário multipartidário limitado, ou seja, apesar de apresentar um
índice elevado de concentração de poder nas mãos de um líder, vê-se com bons olhos uma
nação que aceita ao menos um partido de oposição.
Por parte da Guiné, encontram-se obras (Bogaards, 2009), que concluem que o país foi
forjado no autoritarismo em consequência do forte sentimento anticolonialista, advinda dos
colonizadores espanhóis. O Coronel Mbasogo assassinou o próprio tio, em 3 de agosto de
1979, para ascender ao poder e instaurar uma ditadura que perdura até os dias atuais. Mesmo
com a pressão internacional em 1991, para criar um regimo multipartidário, os números nas
eleições subsequentes mostram indícios fraudulentos de votação, como nas votaçãos do
Partido Democrático da Guiné Equatorial (PDGE) do coronel Mbasogo apresentar índices de
95 a 100% dos votos. além disso, o Supremo Tribunal equatorial-guineense é nomeado e
removido pelo Presidente.
Em um relatório anual da Freedom House (2012), com um estudo sobre a Guiné
Equatorial, descreve-se o país como um dos mais repreesivos na África Saariana, destacando
o controle sanguinário sobre as forças de oposição, grupos étnicos divergentes e a censura
discriminalizada sobre canais de notícias e comunicação. A Freedom House, no ano de 2023,
fez uma escala de pontuação para definir o nível de liberdade dos países, estando a Guiné em
números de direitos políticos com um total de zero pontos, com o máximo de 40, e de cinco
pontos, no máximo de 60, para liberdade civil. O país é definido, de acordo com o relatório
deste ano, como não livre.
O estudo também indica que vários familiares do presidente em exercício estão
embrenhados na vida econômica do país, e relatórios como o do Transparency International
coloca a Guiné Equatorial na posição 172 dos países mais corruptos, em ordem crescente, em
um total de 183 países. O número por si só já é bastante expressivo sobre o andamento
político e econômico do Estado. É difícil, no entanto, mensurar a real situação do país, pois é
muito fechado à abertura externa além do estritamente necessário e se consolidou como uma
nação pouco amigável à imigração e laços políticos.
Já no caso do Sudão, o início é bem parecido: a influência europeia, ainda que por um
período relativamente curto, foi muito intenso e modificou profundamente o sistema dos
Estados africanos (Schneider, 2008). O país é o de maior extensão da África, conhecido
principalmente pelo conflítuo perpétuo com o vizinho com nome parecido, o Sudão do Sul.
As incessantes guerras civis deturparam a formação política sudanesa desde sua
independência do domínio britânico, em 1956, e por isso não há um consenso sobre a
formação desse Estado, marcado pelos conflitos sangrentos que ceifaram milhões de vidas em
seu berço.
O golpe militar de 1989 de Omar al-Bashin constituiu um divisor de águas
antagônico na relação dos Estados Unidos com o Sudão. al-Bashin ascendeu com um forte
discurso islâmico radical e apoio amplamente divulgado ao Iraque na Guerra do Golfo. Tal
apoio fez com que os Estados Unidos fechassem sua embaixada no Sudão. O governo
fortemente repreensor do presidente sudanês foi marcado principalmente pela alta
fundamentação nos princípios do Islã, marcando uma forte influência religiosa em seu Estado
ditatorial. No entanto, a grande figura da ideologia islâmica no Sudão seria Hassan al-Turabi,
uma das figuras mais importantes da história do país africano. Foi ele quem reorganizou a
Irmandade Muçulmana no pais, e seria de fato o cabeça do governo, enquanto Omar al-Bashin
seria apenas um fantoche do líder islamista (Schneider, 2008). Tal fato não duraria muito, pois
al-Bashin não só se acostumaria com o governo, como ameaçaria diretamente o poder de
al-Turabi, dando por fum um golpe em dezembro de 1999, em que declarou estado de
emergência e suspendeu a Constituição vigente no país, chegando até mesmo a enviar o
exército ao Parlamento (Economist, 1999).
Grande parte do problema sudanês reside em Darfur, onde ocorreu uma insurgência
contra o Estado moderno sudanês (Jooma, 2006). Darfur é palco de uma grande guerra entre
população árabe e não- árabe, e os não árabes sofrem de ações contínuas de extermínio por
parte de al-Bashir, em uma clara resposta de intolerância religiosa, comandou forças armadas
para destruir a região, desde pilhagens em vilas até incêndios.
Geldenhuys (2005), define o governo sudanês como um desrespeito a inúmeros
direitos fundamentais humanos, definindo a situação de Darfur como uma completa falta de
compromentimento com os códigos de um Estado. O conflito no território é tão grave que a
situação em Darfur levou a Assembleia Geral da ONU a condenar os índices de desrespeito
aos direitos humanos no Sudão, adotando a Resolução 50/197 em dezembro de 1995. Apesar
de a política em geral do presidente al-Bashir incorporar alguns pontos da democracia, o
presidente é pouco tolerante à diversidade étnica e, principalmente, religiosa, e persegue
abertamente os cidadãos não árabes.
O Sudão foi até mesmo acusado de tentar compulsoriamente incorporar africanos não
árabes. As práticas de Cartum, capital do país, seriam de uma política sistemática e brutal de
mudança de identidade cultural (African Rights, 1995). Desaprovado abertamente pelo
Ocidente, especialmente pela pregação islã e associação ao Iraque na Guerra do Golfo, o
governo sudanês encontrou um aliado não muito surpreendente: a China, a despeito do que
aconteceu em Darfur, que viria a fazer Omar al-Bashin ser acusado pelo Tribunal Penal
Internacional (TPI) por crimes contra a humanidade e genocídio na região, declarou que o
Sudão devia resolver o problema entre si, e não com interferência externa.
Importante ressaltar que a relação da China com o Sudão, no âmbito comercial,
apresenta negócios mais vantajosos para o país africano do que o Ocidente: o Sudão exporta
em torno de 70% de seu petróleo para a China, sendo o segundo país que mais exporta para os
chineses. Em contrapartida, os chineses investem na indústria de energia sudanesa.
Tal relação não é surpreendente do ponto de vista comercial, mas destaca a diferença
crucial entre o Estado equatorial-guineense e o sudanês: este está mais aberto a influência
externa, enquanto aquele apresenta uma frente fechada à interferência exterior e se mostra
pouco amigável com parceiros político-comerciais, além de uma clara perseguição étnica
religiosa por parte do Sudão que, apesar da Guiné também mostrar indícios, não tem sua
história tão fortemente marcada por esse traço. Ambos os governos têm pouco abertura para a
descentralização das figuras de liderança, que tomaram o poder como parte do exército militar
até então vigente, mas um é marcado pela perseguição religiosa e autoritarismo cravado sobre
grupos étnicos específicos, enquanto o outro governa com punho de ferro sobre tudo e todos e
apresenta pouco tolerância para qualquer figura externa.

Metodologia: Para que esta pesquisa tivesse sucesso em sua proposta, foi preciso comparar
dois países, sendo eles a Guiné Equatorial e o Sudão. Landman (2008), define o most similar
systems design (MSSD) em “seeks to compare political systems that share a host of common
features in an effort to neutralize some differences while highlighting others”
Conforme Gonzalez (2008), o método utilizado foi o método comparativo, baseado no
desenho dos sistemas similares (“most similar systems”). Para construir essa pesquisa,
observou-se diversas semelhanças nas formações desses governos, e, portanto, são sistemas
muito idênticos em suas características. Logo, as características comuns, que são consideradas
variáveis controladas, podem ser expressas no discurso desses governos para manterem o
poder e ordem. As características que não são comuns aos países, tais como as influências
externas e a perseguição étnica e religiosa, são as variáveis explicativas.
Tipos de evidências e fontes: Para que a pesquisa tenha um bom embasamento teórico, foi
usado diversas fontes, como artigos, jornais, notícias e dados estatísticos para a coleta de
dados. Preponderantemente, foi usado fontes primárias como teses, livros e dissertações, além
de projetos de pesquisa. Tais fontes contém informações como legislações e decisões de
atores internacionais. Porém, também foi usado fontes secundárias, como os dados estatísticos
de organismos internacionais como exemplo de parâmetro para o que seria um governo com
alguma liberdade ou não. Com esse conjunto de informações, é possível construir uma análise
mais elaborada e confiável, visto que estudar sobre a formação de um Estado requer entender
todo um contexto histórico, assim como um amplo leque de evidências que torna possível que
este projeto se torne o mais coerente possível.

Referências bibliográficas:
AFRICAN RIGHTS. Sudan's invisible citizens: the policy of abuse against displaced people
in the north. London: African Rights, 1995.
BOOGARDS, Matthijs. “How to classify hybrid regimes? Defective democracy and electoral
authoritarianism”. Democratization, 16: 399-423, 2009.
Freedom in the world 2023. Freedom House, 2023. Acesso em:
https://freedomhouse.org/country/equatorial-guinea/freedom-world/2023
GELDENHUYS, Deon. Darfur and Sudan's politics of deviance. Africa Insight, v. 35, n. 3,
2005.
GONZALEZ, Rodrigo S. “O método comparativo e a ciência política”. Revista de Estudos e
Pesquisas sobre as Américas, 2008, vol. 2, n.1.
HADENIUS, Axel e Teorell;. “Authoritarian Regimes: Stability, Change, and Pathways To
Democracy, 1972–2003”. Kellogg Institute Working Paper, 2006.
LANDMAN, Todd. Issues and methods in comparative politics: An Introduction. New York:
Routledge, 2008.
MOISÉS, Beatriz Perrone. Conflitos recentes, estruturas persistentes: notícias do Sudão.
Scielo, 2012.
SCHNEIDER, Luíza Galiazzi. As causas políticas do conflito no Sudão: determinantes
estruturais e estratégicos, UFRG, 2008.
VAZ, Rodrigo. Regimes Autoritários em África: o caso da Guiné Equatorial. In:
CONFERENCE PROCEEDINGS Vol. 2013, p. 624.

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