Você está na página 1de 27

Fabrício Castagna Lunardi

Luiz Otávio Rezende

Curso de

SENTENÇA
PENAL
Técnica • Prática • Desenvolvimento de habilidades


edição
revista e
atualizada

2023
C apítulo II

ESTRUTURAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO DA SENTENÇA
(Fabrício Castagna Lunardi)

1. R
  EQUISITOS DA SENTENÇA

A palavra sentença deriva, etimologicamente, do latim sententia, cuja


raiz é sentire. Desse modo, ainda que sejam impostos diversos limites pelo
sistema jurídico ao julgador na sentença, ao fim e ao cabo, há uma grande
margem de valoração dos fatos, das provas e do direito.
Todo o processo criminal se desenvolve para o ato decisório final do juiz,
que é a sentença. Trata-se do principal ato do juiz e certamente de um dos
atos mais importantes do processo, onde diversas deficiências e atipicidades
processuais podem ser corrigidas, supridas, convalidadas.1 Contudo, para que
este ato judicial seja legítimo e válido, é preciso que tenha sido desenvolvido
argumentativamente dentro de determinados parâmetros, balizados, sobretu-
do, pela Constituição Federal, pela legislação e pela jurisprudência.
A sentença criminal possui requisitos essenciais e facultativos. Os requisitos
facultativos são os dispensáveis, ou seja, aqueles cuja ausência não enseja
qualquer invalidade, nem mesmo irregularidade. De outro lado, a falta dos
requisitos essenciais tem como consequência a nulidade absoluta da sentença.
De acordo com o art. 381 do Código de Processo Penal, a sentença de-
verá conter: “I – os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações
necessárias para identificá-las; II – a exposição sucinta da acusação e da

1. “Na relação processual o juiz é o eixo do procedimento penal. A lei regula sua atividade, pro-
curando torná-la capital. Mesmo falha a atividade das partes principais – o Ministério Público,
o réu ou seu defensor –, se o juiz cumprir realmente, com rigor, suas atribuições na relação
processual, a apuração da verdade – objeto do processo – será quase sempre conseguida.”
(BITTENCOURT, Edgard de Moura. O juiz. 3. ed. Campinas, SP: Millennium, 2002. p. 87)
CURSO DE SENTENÇA PENAL • Fabrício Castagna Lunardi | Luiz Otávio Rezende

defesa; III – a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a


decisão; IV – a indicação dos artigos de lei aplicados; V – o dispositivo; VI – a
data e a assinatura do juiz”.
Em termos estruturais, são requisitos facultativos: a) preâmbulo; e b)
ementa.
Os requisitos estruturais essenciais são: a) relatório; b) fundamenta-
ção; c) dispositivo; d) individualização da pena (para o caso de sentença pe-
nal condenatória); e) disposições finais;2 e f) parte autenticativa ou fecho.3
Nos Juizados Especiais Criminais, Estaduais ou Federais, é dispensável
o relatório, nos termos do art. 38 da Lei nº 9.099/1995, ou seja, o relatório é
requisito facultativo, diferentemente das demais espécies de procedimento cri-
minal.
No processo penal, estão em questão a pretensão punitiva estatal, de
um lado, e, de outro, o direito de liberdade do réu. Por esse motivo, num sis-
tema processual penal que preza por garantias constitucionais, as formas pro-
cessuais ganham imenso valor, na medida em que qualquer desrespeito a elas
em prejuízo ao acusado pode acarretar nulidade. Por conseguinte, conhecer
os requisitos da sentença e saber aplicá-los dentro da técnica é fundamental.4

2. F
  ORMA DE EXPOSIÇÃO DOS ELEMENTOS DA SENTENÇA
A divisão entre relatório, fundamentação e dispositivo pode ser feita
em itens separados ou subentendida em um só texto. Neste caso, existem

2. Chamamos de disposições finais a parte imediatamente anterior à parte autenticativa ou fecho.


Embora não seja utilizada pela maioria dos autores, essa nomenclatura é didaticamente útil, além do
que auxiliará o magistrado e o candidato a concurso a não se esquecerem de que, após a individua-
lização da pena, há diversas determinações e providências essenciais a serem adotadas pelo juiz.
3. Alguns autores como Ricardo Augusto Schmitt entendem que os elementos estruturais seriam
relatório, motivação ou fundamentação, parte dispositiva ou conclusiva e parte autenticativa
(SCHMITT, Ricardo Augusto. Teoria da sentença penal condenatória: teoria e prática. 9. ed. Sal-
vador: Juspodivm, 2015. p. 17). Contudo, no caso da sentença penal condenatória, a individua-
lização da pena é requisito essencial, além do que, ao contrário do que alguns autores afirmam,
não pode ser categorizada como dispositivo. Isso porque, na individualização da pena, também
há fundamentação. Além disso, as disposições finais, onde constam os efeitos penais e extra-
penais da condenação, dentre outras especificações, também constituem requisito essencial da
sentença. Por todas essas razões, prefere-se dividir estruturalmente a sentença da forma que foi
acima exposta.
4. “O estudo do tema, Requisitos da sentença, deve ter em vista precipuamente a preocupação
em se evitarem nulidades, uma vez que a ausência de alguns destes requisitos ou mesmo a sua
simples deficiência poderá ter implicações na subsistência do ato judicial.” (SOUZA, Eduardo
Francisco de. Sentença criminal para concursos da magistratura. São Paulo: Edipro, 2012. p. 22)

64
Capítulo II • ESTRUTURAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA SENTENÇA

palavras, expressões e frases que tradicionalmente caracterizam a transição


de um elemento da sentença para outro.
Observem-se as formas abaixo:

Forma 1:
I. RELATÓRIO
II. FUNDAMENTAÇÃO
III. DISPOSITIVO
IV. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA
V. DISPOSIÇÕES FINAIS

Forma 2:
Trata-se de [...]
É O RELATÓRIO. DECIDO.
[...]
ANTE O EXPOSTO, [...]

Observe-se que, na última forma (forma 2), a frase “É O RELATÓRIO. DECIDO”


caracteriza a transição entre o relatório e a fundamentação, ou seja, indica que
se trata do fim do relatório e que se iniciará a fundamentação; a expressão “ANTE
O EXPOSTO”, por sua vez, indica que se encerrou a fundamentação e que se está
passando para o dispositivo. Essas frases e expressões possuem variações. Por
exemplo, para a transição do relatório para a fundamentação, também pode se
utilizar: “É o relatório. Passo a decidir”; “É a síntese do necessário. Decido”;
“É o relatório. Passo a fundamentar”. De outro lado, para indicar o dispositivo,
também são usuais expressões como: “ANTE TODO O EXPOSTO”; “POR TODO O
EXPOSTO” etc.
Adotar um ou outro estilo – divisão em itens ou redação num texto
único (sem subdivisões em itens) – é opcional. Na prática judicial, não há
unanimidade entre os magistrados.
Por tais razões, aqui vale reforçar uma dica importante, exposta no ca-
pítulo anterior: se o candidato tiver acesso a sentenças ou acórdãos do exa-
minador, ou, de qualquer modo, conhecer o seu estilo de redação, seria de
bom alvitre segui-lo (para utilizar a sistemática da subdivisão em tópicos ou
a redação num texto único). Isso porque, em termos de psicologia comporta-
mental, todo ser humano possui mais afeição e avalia melhor a forma a que
está mais acostumado.

65
CURSO DE SENTENÇA PENAL • Fabrício Castagna Lunardi | Luiz Otávio Rezende

Assim, se o candidato somente tiver de continuar o relatório já estabele-


cido na questão, quando constar do enunciado “Trata-se de [...] É o relatório.
Decido”, aconselha-se seguir um só texto, sem subdivisão entre “II. FUNDA-
MENTAÇÃO; III. DISPOSITIVO; IV. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA; DISPOSIÇÕES
FINAIS”.

3. PREÂMBULO
O preâmbulo, também chamado por alguns autores de cabeçalho5, é a
indicação sintética do órgão julgador, do número do processo, do tipo de
ação e das partes processuais.
Há autores que afirmam que também devem constar no preâmbulo o
nome do representante do Ministério Público e dos advogados ou defensores
do réu6, embora isso seja mais comum em decisões de tribunais.
Por não se apresentar, no Código de Processo Penal, como requisito da
sentença, não gera nulidade a ausência de preâmbulo.
De qualquer forma, na praxe judicial, a colocação do preâmbulo é re-
corrente, porque, mediante fácil visualização, qualquer um pode rapidamente
identificar o processo.
Em alguns tribunais, o sistema informatizado já formata o preâmbulo, a
exemplo do que ocorre no TJDFT. O preâmbulo formatado pelo sistema deste
Tribunal é o seguinte:

“PODER JUDICIÁRIO DA UNIÃO


TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
PRIMEIRA VARA CRIMINAL DA CIRCUNSCRIÇÃO JUDICIÁRIA DE BRA-
SÍLIA-DF
Número do processo: 0000000-XX.2022.8.07.0009
Classe judicial: AÇÃO PENAL
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
Réu: FULANO DE TAL”
Na prova do concurso, somente será necessário consignar o preâm-
bulo se tiver de elaborar o relatório, pois, se somente precisar partir da

5. JANSEN, Euler. Manual de sentença criminal. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. pp. 9/10.
6. JANSEN, Euler. Manual de sentença criminal. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 10.

66
Capítulo II • ESTRUTURAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA SENTENÇA

fundamentação, não haverá que se falar em preâmbulo. Além disso, no caso


de somente ter de fazer a fundamentação, a colocação de preâmbulo ficaria
deslocada e não seria pontuada pelo examinador, além de o candidato ficar
sujeito a perder pontos. De outro lado, nas hipóteses em que se tem de ela-
borar toda a sentença desde o relatório, aconselha-se colocar o preâmbulo,
de forma sucinta e objetiva.7

4. EMENTA

A ementa constitui-se na síntese das questões postas e do que foi


decidido no processo.
É requisito essencial somente para os acórdãos de Tribunal. Para as
sentenças, não é requisito essencial, nem é usual. Contudo, alguns magistrados
– ainda que sejam minoria – optam por elaborar uma ementa na sentença.
De outro lado, para o candidato à magistratura, se não for exigida a ementa
na prova do concurso, não convém despender tempo com algo que somente
pode lhe tirar pontos, além de tomar espaço na folha de resposta (em alguns
certames, limitada a 120 linhas).
De qualquer forma, alguns concursos podem vir a exigi-la,8 razão pela
qual é importante que o candidato saiba fazer uma ementa.
Os elementos da ementa são: a) verbete; b) sumário; e c) dispositivo.
O verbete da ementa compreende a palavra ou o conjunto de palavras
que permitem a compreensão imediata do que trata a sentença. Deve conter o
assunto, o tipo de crime e o resultado do julgamento. Ex.: “PROCESSO PENAL.
ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO”.
O sumário consiste no resumo da sentença. Deve conter a espécie de
crime, bem como os principais argumentos da fundamentação, em ordem ló-
gica, tais como preliminares (ao mérito e de mérito), prejudiciais, materiali-
dade, autoria, o que foi provado, bem como as circunstâncias que influenciam
na pena, além do resultado do julgamento. Exemplo: “Denúncia por crime de

7. Naturalmente, será preciso avaliar o histórico de cada certame, bem como eventual preferência
do examinador responsável pela elaboração e correção da prova. Além disso, na eventualidade
de ser exigida a sua elaboração, é preciso evitar sempre a identificação do candidato (inserção
de informação não prevista no enunciado ou alocação de grande variedade de elementos do
feito etc.). Ademais, deve se considerar a limitação de linhas para a resolução da prova de
sentença. Por fim, comumente se trata de parte que não é pontuada nos espelhos de correção
dos examinadores.
8. Nos enunciados recentes das provas de sentença penal, nenhum concurso da magistratura
estadual e federal exigiu a elaboração de ementa.

67
CURSO DE SENTENÇA PENAL • Fabrício Castagna Lunardi | Luiz Otávio Rezende

roubo duplamente circunstanciado, por concurso de pessoas e restrição da li-


berdade da vítima. Preliminar de nulidade de citação rejeitada. Afastada a ale-
gação de ‘ausência de concurso pela menoridade do coautor’. Materialidade e
autoria comprovadas pela prova pericial e testemunhal. Suficiência probatória”.
No dispositivo da ementa, por sua vez, deve constar o imperativo ou o
comando da sentença. Exemplo: “Procedência da pretensão punitiva estatal.
Condenação do réu como incurso nas penas do art. 157, § 2º, incs. II e V, do
Código Penal”.
Apresenta-se o seguinte modelo de ementa de sentença:
PROCESSO PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. PROCEDÊNCIA. CON-
DENAÇÃO. Denúncia por crime de roubo duplamente circunstanciado,
pelo concurso de pessoas e restrição da liberdade da vítima. Preliminar
de nulidade de citação rejeitada. Afastada a alegação de “ausência de
concurso pela menoridade do coautor”. Materialidade e autoria com-
provadas pela prova pericial e testemunhal. Suficiência probatória.
Procedência da pretensão punitiva estatal. Condenação do réu como
incurso nas penas do art. 157, § 2º, incs. II e V, do Código Penal.

5. R
  ELATÓRIO DA SENTENÇA CRIMINAL
5.1. Funções do relatório

O relatório é a suma dos acontecimentos do processo.


A função principal do relatório é possibilitar que o jurisdicionado e o
leitor possam compreender exatamente a demanda e a tese defensiva, bem
como saber o que aconteceu no processo.
Além disso, também serve para demonstrar que o julgador leu e compre-
endeu todo o processo, a acusação, a tese defensiva e as provas produzidas.
O relatório ainda é útil para instrumentalizar o próprio julgador no mo-
mento em que está redigindo a fundamentação, pois, se o relatório foi bem
elaborado, bastará fazer a sua releitura para relembrar a acusação, as teses
defensivas e as provas produzidas nos autos, de modo a não deixar nada es-
capar à análise na fundamentação.

5.2. Questões redacionais

5.2.1. A expressão “Vistos etc.”

Inicialmente, é preciso dizer que não é mais correto o uso da expressão


“VISTOS ETC.” Com efeito, originariamente tal expressão significava “vistos,

68
1. FURTO
A aposta na apresentação de questionamento envolvendo o crime de
furto é uma das mais conservadoras a se fazer quando da preparação para a
prova de sentença penal2, ainda mais ante a expressiva produção jurispru-
dencial recente não só sobre a sua consumação, mas também a respeito da
incidência ou não de suas qualificadoras e figura privilegiada.
Com efeito, após a devida afetação de vários recursos à sistemática dos
repetitivos (CPC/73, art. 543-C; CPC/15, art. 976), o Superior Tribunal de
Justiça assentou várias teses jurídicas em alinhamento com a jurisprudência
do STF, sendo necessário realçar que a fixação do momento consumativo do
crime de furto certamente foi a mais relevante delas.
Seguindo orientação plenária do Supremo Tribunal Federal, o STJ con-
solidou a adoção da teoria da apprehensio (ou amotio), segundo a qual se
considera consumado o delito de furto quando, cessada a clandestinidade, o
agente detenha a posse de fato sobre o bem, ainda que seja possível à vítima
retomá-lo, por ato seu ou de terceiro, em virtude de perseguição imediata,
afastando-se, assim, a obrigatoriedade de verificação da posse mansa e pací-
fica ou desvigiada da res furtiva3.
Em outro julgado também importante, fixou-se a rejeição da tese de cri-
me impossível para o caso de furto em localidade guarnecida por sistema de
segurança e vigilância eletrônica, sob o argumento de que tais sucedâneos de
proteção não implicam impedimento absoluto à prática do crime, que poderia
se consumar ante falhas técnicas do equipamento ou dos responsáveis pela
vigília e análise das imagens gravadas4.

2. Crime cobrado na última prova do concurso do TRF 1ª Região, com provas realizadas no ano de
2015, e no concurso promovido pelo Tribunal de Justiça da Paraíba no ano de 2015. Também
foi objeto da última prova de sentença do TJMG.
3. Desse modo, quando for levantada tese defensiva no sentido de se considerar o crime em sua
forma tentada pelo fato da posse mansa e pacífica da res furtiva não ter se materializado, essa
deve ser rejeitada com fundamento na orientação trazida pelos Tribunais Superiores, de maneira
a se considerar que a consumação do crime depende apenas da simples inversão da posse, após
cessada a clandestinidade da conduta delitiva – teoria da amotio ou apprehensio (REsp 1524450/
RJ, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 29/10/2015).
4. STJ. REsp 1385621/MG, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
27/05/2015, DJe 02/06/2015. Nesse sentido, o STJ editou a Súmula 567: “Sistema de vigi-
lância realizado por monitoramento eletrônico ou por existência de segurança no interior de
estabelecimento comercial, por si só, não torna impossível a configuração do crime de furto”.
De igual modo, quando a tese de crime impossível for levantada pela defesa, sua rejeição
depende apenas dos argumentos acima plasmados, especialmente a falta de subsunção da
hipótese à previsão legal trazida no artigo 17 do CP.

264
Capítulo III • ASPECTOS ESSENCIAIS DOS CRIMES MAIS COBRADOS NOS CONCURSOS

Como a aplicação do artigo 17 do CP (crime impossível) exige a inefi-


cácia absoluta do meio ou a impropriedade do objeto, e o cometimento do
crime de furto ainda se mostraria possível mesmo em ambientes monitorados
eletronicamente (inidoneidade relativa), descabe falar em afastamento do
crime narrado na hipótese descrita.
Noutro giro, também seguindo precedentes do STF, o STJ assentou tese no
sentido de possibilidade de aplicação do privilégio plasmado no artigo 155, §
2º, do CP, para os casos de furto qualificado (CP, art. 155, § 4º), com a ressalva,
porém, de que a qualificadora deveria ser de ordem objetiva, e acompanhada,
ainda, da primariedade do réu e do pequeno valor do bem subtraído5.
Já no ano de 2018, com a edição da Lei n. 13.654/2018, houve modifi-
cação nos parágrafos do artigo 155 do Código Penal, que passou a contar com
novas qualificadoras (4º-A6 e 7º)7. Como se percebe da redação dos citados
parágrafos, as qualificadoras são ligadas ao emprego de explosivo ou de ar-
tefato análogo que cause perigo comum na prática do furto, ou mesmo se a
subtração recair sobre substâncias explosivas ou acessórios que se prestem a
possibilitar a posterior fabricação, montagem ou emprego do explosivo.
E, em 2021, a Lei n. 14.155/21 acrescentou os parágrafos 4º-B e 4º-C
no artigo 155 do Código Penal, trazendo qualificadora própria para o furto
mediante fraude por meio de dispositivo eletrônico ou informático, com cau-
sas de aumento específicas versando sobre o uso de servidor mantido fora do
território nacional e prática do delito contra idoso ou vulnerável.
Como em toda situação de novidade legislativa, a atenção deve ser re-
dobrada no tocante a inviabilidade de se aplicar a nova lei a fatos
anteriores

5. STJ. REsp 1193932/MG, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, jul-
gado em 22/08/2012, DJe 28/08/2012. Nesse sentido, o STJ editou a Súmula 511: “É possível
o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do artigo 155 do CP nos casos de crime de
furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da causa
e a qualificadora for de ordem objetiva”. Assim como nas hipóteses anteriormente descritas,
caso a defesa apresente pedido no sentido de reconhecimento do privilégio para o delito em
sua forma qualificada, o magistrado poderá deferir o pleito, fazendo uso, por certo, e à luz
do caso concreto, dos argumentos e requisitos delineados pelo STJ. Confira-se ainda recente
precedente nesse sentido: (AgRg no REsp 1825972/SP, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA
FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 27/08/2019, DJe 10/09/2019).
6. Atenção para o fato dessa figura ser considerada crime hediondo, conforme previsão da Lei n.
13.964/19.
7. Art. 155, § 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver empre-
go de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Incluído pela Lei nº 13.654,
de 2018); (...) § 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração
for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem
sua fabricação, montagem ou emprego. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018).

265
CURSO DE SENTENÇA PENAL • Fabrício Castagna Lunardi | Luiz Otávio Rezende

à sua vigência, por força do artigo 5º, XL, da CF (somente é admitida a retro-
ação da lei penal em benefício do réu)8.
No que tange às novidades jurisprudenciais, importante mencionar dois
julgados recentes do STJ, sob a sistemática dos recursos repetitivos. O pri-
meiro se refere à impossibilidade de uso da causa de aumento prevista no §1º
do artigo 155 do CP (prática do delito no período noturno) no caso de crime
de furto qualificado (CP, art. 155, § 4º)9. Segundo consignado, por ser uma
norma incriminadora, a regra do artigo 155, §1º, do CP tem sua extensividade
vedada, sendo vedado o uso de raciocínio analógico integrativo no Direito
Penal quando a situação de prejuízo ao acusado for verificada.
Por sua vez, o segundo julgado sedimentou a orientação no sentido
de que no crime de furto praticado durante o repouso noturno, o fato de as
vítimas estarem ou não dormindo no momento do delito, é irrelevante, assim
como o local da ocorrência do ato criminoso (em estabelecimento comercial,
via pública, residência desabitada ou em veículos), sendo exigido apenas,
nesse último caso, que seja cometido à noite e em situação de repouso10.
Por fim, colaciona-se abaixo quadro esquemático com algumas alegações
passíveis de questionamento quanto ao crime de furto, com a consequente
resposta ao lado, devidamente acompanhada da citação jurisprudencial apli-
cável para fins de resolução do problema.

8. Questão interessante sobre a nova dicção legal diz respeito à falta de diferenciação das pe-
nas (4 a 10 anos) nas hipóteses de furto com explosivos e de explosivos, situação essa não
repetida no crime de roubo, onde há diferença entre as causas de aumento para o roubo
de explosivos (1/3 até a metade) e com explosivos (2/3) – Art. 157, § 2º, VI, e § 2-A, II.
9. STJ, REsp n. 1.888.756/SP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Seção, julgado
em 25/5/2022, DJe de 27/6/2022.
10. STJ. REsp n. 1.979.989/RS, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Terceira Seção, julgado em
22/6/2022, REPDJe de 30/06/2022, DJe de 27/6/2022.

266
Capítulo III • ASPECTOS ESSENCIAIS DOS CRIMES MAIS COBRADOS NOS CONCURSOS

Teses passíveis de cobrança Argumento para resolução

Aplicação do princípio da in- Reconhecimento, desde que a conduta do


significância ao crime de furto. agente seja marcada pela ofensividade míni-
ma ao bem jurídico tutelado, reduzido grau
de reprovabilidade, inexpressividade da le-
são11 e nenhuma periculosidade social12.
Afastamento da aplicabilidade Análise casuística pelo magistrado para o
do princípio da insignificância afastamento do benefício, uma vez que a
ao furto – reincidência, habi- reincidência, a reiteração delitiva e a simples
tualidade delitiva e presença presença das qualificadoras do art. 155, § 4º,
de qualificadoras. do CP não implicam imediato afastamento do
princípio da insignificância13-14.

11. Sobre o ponto, confira-se o seguinte aresto do STJ: (...) A jurisprudência desta Corte Superior não
admite a aplicação do princípio da insignificância se o valor da res furtiva equivale a mais de 10 %
do salário mínimo vigente à época do fato, isso porque a lesão jurídica provocada não é inexpres-
siva (AgRg no AREsp 1062163/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, julgado
em 04/10/2018, DJe 19/10/2018). Em recente precedente o STJ assentou que “não se aplica o
princípio da insignificância ao furto de bem de inexpressivo valor pecuniário de associação sem fins
lucrativos com o induzimento de filho menor a participar do ato” (RHC 93.472/MS, Rel. Ministra
MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 27/03/2018).
12. STF. HC 128130, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 08/09/2015,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-189 DIVULG 22-09-2015 PUBLIC 23-09-2015.
13. Agravo regimental em habeas corpus. 2. Furto. Insignificância. No julgamento conjunto dos HC
123.108, 123.533 e 123.734, o STF fixou orientação sobre a aplicação do princípio da insignificância
aos casos de furto – Rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, julgados em 3.8.2015. Decidiu que, se a coisa
subtraída é de valor ínfimo (i) a reincidência, a reiteração delitiva e a presença das qualificadoras do
art. 155, § 4º, devem ser levadas em consideração, podendo acarretar o afastamento da aplicação
da insignificância; e (ii) nenhuma dessas circunstâncias determina, por si só, o afastamento da in-
significância, cabendo ao juiz analisar se a aplicação de pena é necessária. Além disso, conclui que,
(iii) uma vez aplicada pena privativa de liberdade inferior a quatro anos de reclusão ao reincidente, o
juiz pode, se considerar suficiente, aplicar o regime inicial aberto, afastando a incidência do art. 33,
§ 2º, “c”, do CP. 3. As instâncias ordinárias têm margem larga para avaliação dos casos, concluindo
pela aplicação ou não da sanção e, se houver condenação, fixando o regime. Essa atividade envolve
análise do conjunto das circunstâncias e provas produzidas no caso concreto. Apenas em hipóteses
excepcionais a via do habeas corpus será adequada a rever condenações. 4. Aplicação do princípio
da insignificância. Subtração de aparelho celular, avaliado em R$ 72,00 (setenta e dois reais). Rein-
cidência específica. O paciente registrava uma série de condenações e antecedentes, indicando que o
furto em questão não fora uma ocorrência criminal isolada em sua vida. 5. Agravo regimental a que se
nega provimento. (STF. HC 126174 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado
em 26/04/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-092 DIVULG 06-05-2016 PUBLIC 09-05-2016).
14. No STJ, vários arestos caminham em sentido oposto, no sentido de barrar a possibilidade
de aplicação do princípio da insignificância para o caso de furto qualificado pela escala-
da, destreza, rompimento de obstáculo ou concurso de agentes, ao argumento de que a re-
provabilidade da conduta seria óbice não contornável na espécie. Nesse sentido: AgRg no
REsp 1899462/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado
em 09/02/2021, DJe 12/02/2021; AgRg no AREsp 1511333/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ,
SEXTA TURMA, julgado em 13/08/2019, DJe 27/08/2019; AgRg no AREsp 1272319/PR, Rel.

267
Teses passíveis de cobrança Argumento para resolução

Pleito ministerial de reconhe- A jurisprudência do STJ não se encontra paci-


cimento das qualificadoras do ficada. Existem precedentes tanto no sentido
rompimento de obstáculo e de necessidade da prova pericial15, quanto no
escalada. Requerimento defen- sentido de viabilidade de realização de laudo
sivo de desconsideração ante a pericial indireto, desde que justificada pelas
falta de prova pericial. circunstâncias do caso concreto16.
Qualificadora do rompimento No âmbito do STJ, apresentam-se entendi-
de obstáculo – afastamento mentos dissonantes. Nas duas turmas do STJ
na hipótese de a violência em- existem precedentes no sentido de que a ava-
pregada no furto ser dirigida à ria do próprio bem subtraído não tem o con-
própria res furtiva. dão de desconfigurar o efetivo rompimento de

Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 10/10/2018. Igual
argumento é utilizado pelo STJ para manter o entendimento da inviabilidade de se reconhecer
a insignificância na hipótese de habitualidade delitiva e reincidência. Nesse sentido: AgRg no
HC 627.232/RS, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 09/02/2021, DJe
12/02/2021; AgRg no HC 455.694/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado
em 11/12/2018, DJe 04/02/2019; STJ. AgRg no REsp 1558235/MG, Rel. Ministro ROGERIO
SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 24/05/2016, DJe 06/06/2016; STJ. AgInt no AREsp
905.030/ES, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 28/06/2016,
DJe 01/08/2016. Todavia, alguns arestos já sinalizam a adoção do entendimento do STF. Nesse
sentido: HC 445.784/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 09/10/2018,
DJe 29/04/2019; STJ. HC 360.863/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA
TURMA, julgado em 30/06/2016, DJe 01/08/2016.
15. PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FURTO QUALIFICADO TENTADO. ESCALA-
DA. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. RECONHECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PROVA
PERICIAL. FURTO SIMPLES TENTADO. CONDENAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1.No julgamento do REsp n. 1.320.298/MG, a Sexta Turma desta Corte Superior examinou a
possibilidade de, em razão das particularidades do caso concreto e em respeito ao sistema de
livre apreciação da prova, reconhecer a incidência da qualificadora da escalada nos delitos de
furto quando sua ocorrência for incontroversa nas provas colhidas nos autos, a despeito da
ausência de laudo pericial que a ateste. Na oportunidade – na qual fiquei vencido -, firmou-se
o entendimento de que o exame pericial é imprescindível para a configuração da qualificadora
da escalada. 2. Em relação à qualificadora do rompimento de obstáculo, não é diferente a
conclusão das duas Turmas que compõem a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça. Pre-
cedentes. (AgRg no AREsp 644.717/PA, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
julgado em 10/05/2016, DJe 19/05/2016). E também: HC 521.617/SC, Rel. Ministro RIBEIRO
DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 10/10/2019, DJe 15/10/2019; AgRg no AREsp 1318701/
RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 02/10/2018,
DJe 11/10/2018; AgRg no REsp 1735124/RS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA,
julgado em 20/09/2018, DJe 28/09/2018.
16. STJ, AgRg no REsp n. 1.895.487/DF, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma,
julgado em 26/4/2022, DJe de 2/5/2022.

268
Capítulo III • ASPECTOS ESSENCIAIS DOS CRIMES MAIS COBRADOS NOS CONCURSOS

Teses passíveis de cobrança Argumento para resolução

obstáculo17. Por outro lado, julgados da 5ª Tur-


ma sinalizam a adoção do entendimento opos-
to, ao argumento de que se o dano é contra o
próprio objeto do furto, sendo o obstáculo pe-
culiar à res furtiva, não incide a majorante18-19.
Aplicação da majorante do rou- Tese ofensiva ao princípio da reserva legal.
bo para o caso de furto qualifi- O fato de o julgador entender que o legisla-
cado pelo concurso de agentes. dor deveria ter tipificado de forma diversa a
norma não lhe autoriza a utilizar outra, por
semelhança. A analogia não pode ser utilizada
para criar pena que o sistema não haja deter-
minado20.
Reconhecimento do furto fa- Possibilidade, com a exclusão da ilicitude do
mélico. delito. Análise casuística pelo magistrado,
cabendo realçar que a simples alegação de di-
ficuldades financeiras, desemprego e penúria
não representam hipótese automática de afas-
tamento do crime21. Necessidade, por exemplo,

17. STJ. REsp 1395838/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em
20/05/2014, DJe 28/05/2014.
18. STJ. AgRg no AREsp 230.117/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
24/02/2015, DJe 03/03/2015. Nesse caso, considerando que esse entendimento é mais recen-
te, e da mesma turma, sua adoção se mostra mais acertada para a hipótese.
19. Para a hipótese de quebra de vidro do veículo para o furto do aparelho de som, o STJ assentou
que mostra-se aplicável a qualificadora do rompimento de obstáculo, pois o vidro danificado
dificultava a ação do autor, e, ademais, não era parte integrante da res furtiva visada, no caso,
o som automotivo (HC 328.896/DF, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado
em 05/04/2016, DJe 15/04/2016). E também: AgRg no AREsp 783.675/SP, Rel. Ministro RO-
GERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 09/03/2016.
20. Súmula 442 do STJ: “É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a
majorante do roubo”. Nesse sentido: STJ. AgRg no REsp 981.990/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO
NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 29/05/2008, DJe 30/06/2008.
21. STJ. RHC 92.194/MG, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado
em 08/02/2018, DJe 21/02/2018; HC 400.041/SP, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 26/06/2018, DJe 02/08/2018; HC 227.474/MG, Rel. Minis-
tra ALDERITA RAMOS DE OLIVEIRA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/PE), Rel. p/ Acór-
dão Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 02/04/2013, DJe
01/07/2014.

269
Teses passíveis de cobrança Argumento para resolução

de demonstração pelo agente que o crime foi


cometido para saciar a fome22.
Consunção. Crime do artigo 14 Admissibilidade, visto se tratar de mero exau-
da Lei n. 10.826/03. Arma sub- rimento do delito (post factum impunível)23.
traída integrante dos bens da
vítima.

Incompetência. Justiça Federal No primeiro caso, resta assentada a compe-


– furto contra carteiro da Em- tência da Justiça Federal, pois a lesão atinge
presa de Correios e Telégrafos, serviço fim dos Correios nos exatos termos
e contra agência franqueada24. do artigo 109, IV, da CF25. No segundo, a
competência será da Justiça Estadual, já que,
no contrato de franquia, a franqueada res-
ponsabiliza-se por eventuais perdas, danos,
roubos, furtos ou destruição de bens cedidos
pela franqueadora, não se configurando, por-
tanto, real prejuízo à Empresa Pública26.
Reconhecimento do furto pri- Muito embora o bem jurídico tutelado seja
vilegiado – hipótese em que o patrimônio, a ausência de prejuízo à víti-
houve a devolução do bem fur- ma (apreensão ou devolução da res furtiva)
tado à vítima. não é circunstância caracterizadora do furto
privilegiado27, razão pela qual descabe sua
admissão apenas com fundamento no retorno
do bem objeto de furto à vítima.

22. STJ. HC 267.447/MG, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 25/06/2013,
DJe 06/08/2013.
23. STJ. REsp 1503548/SC, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em
06/08/2015, DJe 26/08/2015.
24. Entendimento também aplicável ao crime de roubo.
25. STJ. AgRg no CC 161.363/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
24/04/2019, DJe 30/04/2019; STJ. CC 143.045/CE, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FON-
SECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2015, DJe 06/11/2015.
26. STJ. AgRg no CC 161.363/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
24/04/2019, DJe 30/04/2019; CC 133.751/SP, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Rel. p/
Acórdão Ministro NEFI CORDEIRO, Terceira Seção, julgado em 24/9/2014, DJe 4/12/2014.
27. STJ. AgRg no HC 469.005/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em
06/11/2018, DJe 13/11/2018; STJ. REsp 77.218/SP, Rel. Ministro VICENTE LEAL, SEXTA TUR-
MA, julgado em 12/03/1996, DJ 02/06/1997, p. 23864; STJ. HC 325.703/SC, Rel. Ministro
FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 01/10/2015.

270
Capítulo III • ASPECTOS ESSENCIAIS DOS CRIMES MAIS COBRADOS NOS CONCURSOS

Teses passíveis de cobrança Argumento para resolução

Furto de energia elétrica. Plei- Rejeição. Inviabilidade de aplicação analógi-


to de reconhecimento de ex- ca do disposto no art. 34 da Lei n. 9.249/95 e
tinção da punibilidade pelo do art. 9º da Lei n. 10.684/03. Bens jurídicos
pagamento do débito antes do tutelados diversos. Natureza da remuneração
oferecimento da denúncia. da prestação de serviço público sem caráter
tributário. Hipótese de aplicação possível do
artigo 16 do CP (arrependimento posterior),
mas que não afeta a pretensão punitiva.28

2. ROUBO

Assim como o crime de furto, o delito de roubo também se apresenta


como uma aposta mais do que segura para as provas dos certames da magis-
tratura.
Todos os anos, pelo menos um certame apresenta questão problema
envolvendo a prática desse crime para resolução pelos candidatos, sendo
exemplo recente o último concurso promovido pelo TJCE e, no ano de 2016,
o do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios.
No que toca ao delito do artigo 157 do CP, é importante mencionar a
situação atinente ao seu momento consumativo, também assentada pelo STJ
em julgamento submetido à sistemática dos recursos repetitivos.
Tal como no delito de furto, o STJ decidiu que “consuma-se o crime de
roubo com a inversão da posse do bem, mediante emprego de violência ou
grave ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida a perseguição ime-
diata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse
mansa e pacífica ou desvigiada”29.
Por esse motivo, argumentos defensivos no sentido de se reconhecer a
tentativa para a hipótese de falta de posse mansa, pacífica ou desvigiada do

28. STJ. AgRg no REsp 1799613/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, jul-
gado em 28/04/2020, DJe 30/04/2020; RHC 101.299/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel.
p/ Acórdão Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/03/2019, DJe
04/04/2019.
29. STJ. REsp 1499050/RJ, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em
14/10/2015, DJe 09/11/2015. Nesse sentido, o STJ editou a súmula n. 582: “Consuma-se o
crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante o emprego de violência ou grave
ameaça, ainda que por breve período e em seguida à perseguição imediata ao agente e recu-
peração da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada”.

271
C apítulo V

PROVAS SIMULADAS
(Luiz Otávio Rezende)

Como já adiantado nos capítulos anteriores, somente a realização de


exercícios simulados irá permitir a aquisição da correta técnica de redação
da sentença criminal, sobretudo porque tal atividade se presta a emprestar
efeito prático aos ensinamentos teóricos de direito penal e processo penal
inerentes à feitura do ato.
Nos itens a seguir, serão colacionados exercícios simulados para o aper-
feiçoamento acima relatado, com foco nas últimas provas dos certames da
magistratura estadual.
À evidência, a sentença penal é essencialmente prática, e, a partir do
momento em que se apreende o conhecimento da ordenação da peça, torna-
-se muito mais fácil a resolução de qualquer prova, pois aqueles que conse-
guem a aprovação para a etapa de sentença certamente têm o conhecimento
técnico-jurídico necessário sobre os crimes mais comuns, cuja cobrança nos
testes é naturalmente esperada.
Os espelhos dos exercícios estão alocados ao final, mas, ante a disso-
nância de entendimentos entre os vários Tribunais brasileiros, não devem ser
vistos como verdade absoluta, mas apenas como um norte a ser seguido, pois
refletem a opinião do elaborador do texto sobre a capitulação legal passível
de uso nos casos concretos expostos.
Espera-se que esse capítulo, inédito entre os manuais de elaboração
da sentença penal, em sua maioria focados na reprodução singela de provas
anteriores de concursos para a magistratura, sem o respectivo padrão de res-
posta, possa representar um incremento no estudo das técnicas de redação da
sentença criminal, permitindo aos postulantes ao cargo um treinamento sério
e real antes dos testes a que irão se submeter.
Os exercícios têm variação no tocante à omissão deliberada da capitula-
ção, entre outras especificidades, e intentam trazer a abordagem dos crimes
CURSO DE SENTENÇA PENAL • Fabrício Castagna Lunardi | Luiz Otávio Rezende

mais comumente apreciados tanto na praxe forense quanto nos certames para
o ingresso na magistratura.
Não há nenhum exercício simulado de alta dificuldade, pois o objetivo
dessas formulações é tão somente permitir treinamento qualificado aos lei-
tores desse manual, visando lhes auxiliar a obter a técnica básica de feitura
da peça prática penal.

1. ENUNCIADOS
1.1. E
 xercício 01 – crime contra a pessoa em situação de violência
doméstica
O Ministério Público ofereceu denúncia contra Julio Castro, dando-o
como incurso nas sanções do art. 129, § 9º, c/c o art. 61, I, (1º fato) e
do art. 147, caput, c/c o art. 61, I e II, “f”, (2º e 3º fatos), todos do CP,
na forma do art. 69, caput, do Estatuto Repressivo, e nos termos na Lei nº
11.340/06. Assim foram narrados os fatos:
“1º FATO: No dia 11 de novembro de 2021 (quinta-feira), por volta das 9
horas, nas dependências da residência situada na Rua Quadra X, nº 29, Bairro
Getúlio Vargas, em Ijuí/RS, o denunciado Julio Castro, ofendeu a integrida-
de corporal da vítima Thayane Silva, sua companheira, ocasionando-lhe as
lesões corporais de natureza leve descritas no auto de exame de corpo de
delito da fl. 21/IP, que refere “ao exame verifica-se na face externa do braço
esquerdo área de coloração arroxeada (equimose) com dois e meio centí-
metros de diâmetro máximo. Em região fronto-temporal esquerda, no couro
cabeludo verifica-se presença de área de infiltração subcutânea (edema) com
dois e meio centímetro de diâmetro médio”. Na oportunidade, o denunciado,
na condição de companheiro da vítima, ao chegar à residência do casal com
o comportamento alterado (possivelmente pelo consumo de substâncias en-
torpecentes), e após breve desentendimento com a vítima, razão de que ela
pediu a ele que comprasse fraldas para a filha do casal, agindo com violência
de ordem física contra a mulher (art. 7º, I, da Lei nº 11.340/06), passou a
agredi-la fisicamente, desferindo-lhe socos, tapas e pontapés, ocasionando-
-lhe, assim, as lesões corporais de natureza leve supramencionadas. Sinala-se
que, ao que consta, o denunciado e a vítima conviviam maritalmente por cer-
ca de dois anos. O denunciado é reincidente, conforme se verifica na Certidão
Judicial Criminal acostada às fls. não numeradas do IP.
2º FATO: Nas mesmas circunstâncias de tempo e local, logo após a prá-
tica do 1º fato, o denunciado Julio Castro ameaçou, mediante palavras, de
causar mal injusto e grave contra a vítima Thayane Silva, sua companheira.

366
Capítulo V • PROVAS SIMULADAS

Na ocasião, o denunciado, na condição de companheiro da vítima, agindo


com violência de ordem psicológica contra a mulher (artigo 7º, II, da Lei nº
11.340/06), após agredi-la fisicamente (1º Fato), ameaçou-a de morte, di-
zendo que, se a ofendida registrasse ocorrência policial em seu desfavor, ma-
tar-lhe-ia. Sinala-se que, ao que consta, o denunciado e a vítima conviviam
maritalmente por cerca de dois anos. O denunciado é reincidente, conforme
se verifica na Certidão Judicial Criminal acostada às fls. não numeradas do IP.
3º FATO: No dia 12 de novembro de 2021 (sexta-feira), em horário não
suficientemente esclarecido, na Rua Quadra X, nº 29, Bairro Getúlio Vargas,
em Ijuí/RS, o denunciado Julio Castro ameaçou, mediante palavras, de causar
mal injusto e grave contra a vítima Thayane, sua ex-companheira. Na opor-
tunidade, o denunciado, na condição de ex-companheiro da vítima, agindo
com violência de ordem psicológica contra a mulher (art. 7º, II, da Lei nº
11.340/06), dirigiu-se até a residência da vítima, ocasião que a ameaçou,
referindo que atearia fogo na casa. Sinala-se que, ao que consta, o denun-
ciado e a vítima tinham convivido maritalmente por cerca de dois anos. O
denunciado é reincidente, conforme se verifica na Certidão Judicial
Criminal acostada às fls. não numeradas do IP.”
Constam dos autos os seguintes documentos: a) Registro de Ocorrência
Policial; b) Laudo firmado por médico do Hospital da Comarca de Ijuí/RS (“Ao
exame verifica-se na face externa do braço esquerdo área de coloração arroxe-
ada (equimose) com dois e meio centímetros de diâmetro máximo. Em região
fronto-temporal esquerda, no couro cabeludo verifica-se presença de área de
infiltração subcutânea (edema) com dois e meio centímetro de diâmetro mé-
dio”); c) Termos de Declarações prestadas perante a autoridade policial – (i)
Vítima (primeiro depoimento): “que convive com o réu há aproximadamente
dois anos, e que este não trabalha “vive de furtos”, além de ser usuário de
crack; que é seguidamente agredida, e, por várias vezes, pediu o fim do re-
lacionamento, mas sempre é ameaçada de morte; que Julio chegou em casa
na companhia de um amigo “totalmente transtornado, agressivo e drogado”;
que pediu para ele comprar fraldas, o qual se irritou e “começou a agredir a
declarante com socos e tapas”, bem como a ameaçou de morte caso fizessem
algum registro contra ele; que ele costuma fazer ameaças à sua mãe, afir-
mando que vai colocar fogo na casa; que ele é agressivo e descontrolado; (ii)
Vítima (segundo depoimento, prestado no dia seguinte, na Defensoria Pública
da Comarca): “que, mesmo após o deferimento das medidas protetivas e afas-
tamento do lar, Julio continuou lhe importunando, alegando que ele ameaçou
atear fogo na residência onde ela mora; que ele subtraiu os seus documentos
pessoais e está ocupando a sua residência; que possui uma filha de dois anos
e por isso precisa retornar à residência; que está assustada, não sabendo o

367
CURSO DE SENTENÇA PENAL • Fabrício Castagna Lunardi | Luiz Otávio Rezende

que fazer, temendo por sua integridade física e psíquica”; (iii) autor do fato:
“que não desobedeceu a medida protetiva e não tentou se aproximar da víti-
ma, e que permanecerá em silêncio”.
Foram deferidas medidas protetivas em favor da vítima no dia 11/11/2021,
cumpridas no mesmo dia. Notícia pela vítima de descumprimento das medidas
do dia seguinte, o que ensejou decreto de prisão preventiva do réu.
Designada audiência nos termos do artigo 16 da Lei Maria da Penha, a
vítima compareceu e reiterou a representação manifestada perante a autori-
dade policial. O MP solicitou o recebimento da denúncia.
A denúncia foi recebida pelo MM. Juiz.
O acusado foi citado e apresentou resposta à acusação, pleiteando a
absolvição pelo fato de ter inexistido o crime narrado. A resposta foi apresen-
tada pela Defensoria Pública, e não foram arroladas testemunhas. A Defesa
pleiteou a gratuidade de justiça.
Ausente qualquer hipótese de absolvição sumária, foi designada audi-
ência de instrução e julgamento, na qual foi ouvida a vítima e tomado o
interrogatório do réu. Apesar de intimado (certidão de fl. XX e ciente aposto
à fl. XX), o representante do MP não compareceu à assentada, sendo que as
perguntas foram feitas pelo MM. Juiz e pela Defesa constituída.
Assim foram consignados os depoimentos:
Vítima: “que reitera o depoimento perante a autoridade policial; que
conviveu com o réu por quase três anos; que foi agredida pelo réu; que ele
saiu de casa e retornou no dia seguinte; que, no dia anterior, disse para ele
comprar fraldas para a filha, mas o réu retornou sem dinheiro para comprar as
fraldas, com outro indivíduo, e com drogas; que o réu fumou a droga e passou
a praticar os fatos, lhe agredindo na cabeça e na perna; que, além disso, lhe
ameaçou de morte, alegando que se fosse à Delegacia iria lhe matar; que não
visitou o réu na prisão, mas não sabia se iriam retomar o relacionamento; que
ficou com lesões no braço; que, no dia seguinte, também foi ameaçada, sendo
que o réu ficou em sua casa, de modo que teve que sair do local; que o réu
ameaçava sua mãe, a qual lhe telefonava e lhe contava; que o réu dizia que
colocaria fogo na sua casa, que lhe mataria, tendo inclusive colocado fogo
em um colchão; que somente sua mãe viu alguns fatos; que sua irmã Eleusa
somente lhe acompanhou à Delegacia; que não quer mais representar contra
o réu, mas disse não saber sobre a manutenção das medidas protetivas; que
não sabe se retomarão o relacionamento”;
Interrogatório: “que é inocente e, no mais, se reserva ao direito de per-
manecer em silêncio”.

368
Capítulo V • PROVAS SIMULADAS

Na fase de diligências finais, o MP solicitou a juntada da folha de


ante-cedentes atualizada. A defesa nada requereu.
Os documentos foram trazidos aos autos, com a folha de anteceden-
tes apontando uma anotação – condenação com trânsito em julgado em
03/03/2020 pela prática do crime de extorsão em 01/05/2019.
O Ministério Público apresentou suas alegações finais, na qual
solicitou a condenação do acusado na forma prevista na peça acusatória.
Em sede preliminar, a defesa arguiu a nulidade pela falta de exposição
especificada dos fatos na denúncia, que trouxe mero resumo do suposto ato
criminoso, inviabilizando a defesa. No mérito, a defesa requereu a absolvição
quanto ao crime do CP pela ausência de provas, haja vista a impossibilidade
de se promover a condenação com base unicamente em depoimento das ví-
timas. Rechaçou ainda a possibilidade de aplicação da regra do artigo 69 do
CP no caso. No que toca ao delito previsto na legislação especial, requereu a
absolvição, haja vista que não há prova de que J.M. e I.J. foram corrompidos,
e também pelo fato de que não constam dos autos elementos aptos a de-
monstrar a idade de J.M e I. J, tais como número de registro geral ou certidão
de nascimento, tendo sido juntada apenas a menções às datas de nascimento
desses por força da simples declaração prestada à autoridade policial.
Em caráter alternativo, caso não acolhidas as teses defensivas, solicitou
o reconhecimento de crime único com relação ao delito do CP, ou, se rejeita-
da essa tese, concurso formal entre os delitos previstos no CP, e entre esses e
o delito previsto em legislação especial. Pleiteou ainda a fixação da pena no
mínimo legal, e o reconhecimento do direito de recorrer em liberdade.
Por fim, vieram os autos conclusos para prolação de sentença.
Foram acostados ao processo os seguintes documentos: a) auto de pri-
são em flagrante; b) auto de apresentação e apreensão; c) ocorrência policial;
d) termos de restituição; e) relatório policial; f) termos de depoimentos e
declarações.

2. ESPELHOS PADRÃO

2.1. Exercício 1

RELATÓRIO
– Exposição
  sucinta da narrativa da denúncia e capitulação, bem
como teses defensivas e fatos processuais relevantes.

405
C apítulo VI

SENTENÇAS DE CASOS REAIS


(Luiz Otávio Rezende)

Uma das grandes dificuldades durante o aprendizado relativo à redação da


sentença penal se refere ao acesso a peças reais, derivadas da análise pormenori-
zada de fatos concretos submetidos à apreciação judicial.
Neste capítulo, procura-se apresentar diversas formas de elaboração do ato
sentencial, sempre no intuito de aumentar o acesso efetivo à praxe forense, e sem
determinar um formato único de escrita e análise como o correto, uma vez que se
entende de suma importância a disponibilização de variadas técnicas de aborda-
gem para que o leitor possa escolher aquela que melhor se adequa ao seu perfil
quando da redação da sentença criminal.
Cabe realçar que todas as sentenças colacionadas neste capítulo são de au-
toria de colegas da Justiça Federal e da Justiça do Distrito Federal e Territórios
e do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. As peças foram adaptadas
para ocultar os nomes reais nelas citados, e adequadas para formatação de livro,
mantendo, todavia, todas as menções de análise e avaliação tal como descritas
nos casos reais.
Serão colacionadas as sentenças afetas à justiça federal1 e à justiça estadual2,
visando atender o intento de exposição comparativa acima delineado.
Espera-se que esse capítulo possa servir de auxílio a todos que procuram
aprender os caminhos rumo à correta construção da peça criminal, seja com o
objetivo voltado ao concurso público, seja para o dia a dia forense.

1. Vale o agradecimento aos colegas Débora Valle de Brito, Juíza Federal da Justiça Federal da 2ª Região – TRF
2ª Região, Paulo Augusto Moreira Lima, Juiz Federal da Justiça Federal da 1ª Região – TRF 1ª Região, e Ser-
gio Fernando Moro, à época Juiz Federal da Justiça Federal da 4ª Região – TRF 4ª Região, que gentilmente
enviaram várias peças por eles elaboradas envolvendo crimes submetidos à competência da justiça federal.
2. Quanto às sentenças cedidas envolvendo casos de competência da Justiça comum, cabe o especial agradecimen-
to aos amigos Ana Claudia Barreto, Aragonê Fernandes, Carlos Bismarck Piske de Azevedo Barbosa, Fabriziane
Figueiredo Stellet Zapata, Germano Oliveira Henrique de Holanda, Jorgina de Oliveira Carneiro e Silva Rosa, Maria
Graziella Barbosa Dantas, Ricardo Rocha Leite e Paulo Rogério Santos Giordano, todos Juízes da Justiça do Dis-
trito Federal e Territórios, e a Edison Ponte Burlamaqui, Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.
1. ART. 140, § 3º, DO CP

O Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios ofereceu denúncia


contra MIRIAM SOUZA SILVA, vulgo “NEGA”, qualificado nos autos, atribuindo-lhe a
autoria do crime previsto no art. 140, § 3º, c/c art. 141, III, ambos do Códi-go
Penal, narrando à conduta delitiva nos termos da exordial acusatória de ID
103777899, nos seguintes termos:
No dia 13 de março de 2021, entre 17h20min e 17h30min, na via pública da
QR 01, Conjunto A, Candangolândia/DF, a denunciada, de forma consciente e
voluntária, injuriou JOANA DA SILVA, MESSIAS DA SILVA, MAIARA COSTA, AMANDA
COSTA DE ARAUJO, JOÃO PEDRO DE JESUS e JANAÍNA BENTO DE JESUS, ofenden-do-
lhes a dignidade, consistente em utilizar elementos referentes à religião, na
presença de várias pessoas. Consta do feito que, nas circunstâncias de tempo e
lugar acima descritas, as vítimas caminhavam para pegar ervas, as quais seriam
utilizadas em sessões de Candomblé e Umbanda, cujas vítimas são adeptas, quando
a denunciada e outras pessoas, dentre as quais ASTROGILDO NUNES (em relação ao
qual se realizou ANPP), passaram a hostilizar as vítimas, em razão da religião que
professam, proferindo xingamentos, tais como: “demônios, capetas, macumbeiros,
satanás, diabos, queima Senhor!, tira esse demônio de perto de mim!”, além de
chamarem MESSIAS e JOÃO PEDRO de “viados”. Ademais, a denunciada e os outros
autores ainda disseram que iam jogar água nas vítimas, acaso elas passassem pelo
local novamente. Anota-se que os xingamentos foram praticados na presença de
várias pessoas, sendo que a denunciada ainda seguiu as vítimas e filmou os insul-
tos, o que facilita a divulgação.
A denúncia foi recebida no dia 24/09/2021.
A ré, regularmente citada, apresentou a defesa prévia.
Devidamente saneado o feito, foi designada audiência de instrução, oca-
sião em que prestaram depoimento as testemunhas Lucas da Silva Porto, JOANA
DA SILVA, MESSIAS DA SILVA, MAIARA COSTA, AMANDA COSTA DE ARAUJO, JOÃO
PEDRO DE JESUS e JANAÍNA BENTO DE JESUS, MICHELE GOMES E CARITA GOMES.
Posteriormente, a acusada foi interrogada e foi encerrada a instrução criminal.
O Ministério Público apresentou alegações finais por memoriais, pugnando
pela condenação da acusada nos termos da denúncia.
A Defesa da acusada apresentou as derradeiras alegações também por memo-
riais, requerendo a absolvição por falta de provas. Subsidiariamente, requereu a
atipicidade da conduta referente ao crime de injúria. Por outro lado, requereu a
atipicidade em relação à vítima Messias, ao argumento de que sua honra subje-
tiva não foi atingida. Por fim, pugnou pelo afastamento da causa de aumento de
pena, por falta de provas.
É O RELATÓRIO. DECIDO.

452
Capítulo VI • SENTENçAS DE CASOS REAIS

Examinados os autos, destaco, inicialmente, que foram observadas todas as


normas referentes ao procedimento, estando presentes os pressupostos proces-
suais, as condições da ação e a justa causa para a ação penal, sob as luzes dos
princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5°, LV, CF).
Destarte, inexistem quaisquer irregularidades a serem sanadas. Avanço, por-
tanto, à análise do mérito.

1 – DA MATERIALIDADE
Compulsando os autos, verifico que a materialidade se encontra comprovada
pelos documentos juntados aos autos, mais especificamente pelo Ocorrência Poli-
cial (ID 90825054), bem como pela prova oral produzida ao crivo do contraditório e
da ampla defesa.

2 – DA AUTORIA
No que tange à comprovação da autoria, os elementos colhidos pela Auto-
ridade Policial, em cotejo com os depoimentos prestados na fase inquisitorial e
durante a instrução criminal, apontam que a acusada é a autora do crime de injúria
qualificada praticada contra as vítimas.
A acusada, por ocasião de seu interrogatório, exerceu o direito constitucional
de permanecer calada.
A vítima JOANA DA SILVA, em juízo, narrou os fatos conforme constam na
denúncia, dizendo que a ré, na presença de outras pessoas, disse que eram capeta,
demônio, satanás, e que jogaria sabão em pó e água sanitária. Afirmou que os
xingamentos foram proferidos em razão da religião, uma vez que é mãe de santo do
Candomblé e do Umbanda.
A versão da vítima foi corroborada pelas demais vítimas, bem como por Pe-
dro, que informou que são espíritas e estavam vestidos de roupas típicas da ati-
vidade religiosa quando foram xingados pela ré e outras pessoas. Afirmou que a ré
foi a que mais xingou, sendo que inclusive a acusada estava gravando a cena.
De acordo com o art. 140, do Código Penal, o crime de injúria é aquele que
ofende a dignidade e o decoro da vítima, sendo um crime cometido normalmente
por meio de xingamentos, que acabam por atingir a honra subjetiva da vítima (sua
autoestima).
Em algumas situações específicas, o legislador entendeu por bem qualificar a
conduta delitiva, prevendo uma pena maior para a injúria cometida em razão da
religião, como é o caso dos fatos em apuração.
Pelos depoimentos prestados em juízo, a acusada, na presença de outras pes-
soas, inclusive outros agressores e diante de várias vítimas, proferiu xingamentos
relacionados à religião das vítimas, qual seja, Candomblé e Umbanda.

453
CURSO DE SENTENÇA PENAL • Fabrício Castagna Lunardi | Luiz Otávio Rezende

Não são raros os casos em que os praticantes da religião das vítimas sofrem
com esse tipo de constrangimento à honra subjetiva, de modo que a conduta da
acusada, ao contrário do alegado pela Defesa, se amolda perfeitamente ao tipo
em questão. Vejamos o posicionamento deste E. TJDFT, em caso análogo: (Acór-
dão 1197781, 20170710085674APR, Relator: JOÃO TIMÓTEO DE OLIVEIRA, Revisor:
JAIR SOARES, 2ª TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 29/8/2019, publicado no
DJE: 2/9/2019. Pág.: 289/304)
Dessa forma, não há se falar em ausência de provas. Passo a analisar as de-
mais teses defensivas.

3 – ATIPICIDADE DA CONDUTA
A Defesa, em alegações finais, requer a atipicidade da conduta ao argumento
de que “a vítima JOANA DA SILVA é conhecida na Candangolândia e todos sabem
das práticas realizadas por essa, e como mencionado acima, se houvesse perda na
honra subjetiva, a que as vítimas têm em relação a si mesmas, buscariam outros
locais para procurar as ervas e evitariam os transtornos causados”.
Dito de outra forma, a Defesa requer que seja reconhecida a atipicidade da
conduta ao argumento de que é notória a prática religiosa da vítima, dizendo que
se a vítima se sentiu ofendida, deveria buscar outro lugar para a prática religiosa,
para evitar transtornos.
Entendo, porém, que não se pode imputar à vítima a responsabilidade
pelos fatos narrados na denúncia.
Em um Estado laico, como o que vivemos, não é dado aos praticantes de
determinados segmentos religiosos achacarem, constrangerem ou embaraçarem a
prática religiosa diversa. Para defender sua crença, a pessoa não é autorizada a
hostilizar quem pensa de modo diferente. Também não se pode alegar liberdade
religiosa ou de expressão, na medida em que, como já decidiu a Corte Suprema, a
conduta mais se amolda ao chamado hate speech (discurso de ódio).
A convivência harmônica, sem preconceitos de qualquer ordem, é objetivo
fundamental de nossa República, plasmado no artigo 3º da Constituição Federal.
Aceitar comportamento diverso seria o mesmo de exigir a segregação de gru-
pos religiosos, cada qual em uma parte da cidade, o que não se compatibiliza com
o Estado Democrático de Direito.
Não há como admitir a tese de uma espécie de “exceção de notoriedade”,
autorizando que a acusada obrigue as vítimas a praticarem sua religiosa em local
diverso, caso não queira ser incomodada ou vítima de atos injuriosos.
Por outro lado, o crime de injúria é crime formal, sendo praticado com dolo
de dano, pouco importando, inclusive, se a vítima se sente ou não ofendida. Basta
que o agente, com intenção de causar dano à vítima, profira xingamentos, con-
sumando-se o delito com o conhecimento dos xingamentos pela vítima, que foi
exatamente o ocorrido, conforme consta na denúncia.

454
Capítulo VI • SENTENçAS DE CASOS REAIS

Dessa forma, ainda que a vítima não se sentisse ofendida – o que não parece
ser o caso –; que ela já tenha sido xingada anteriormente pelo mesmo motivo; que
todos na região saibam a respeito de sua prática religiosa; ou mesmo que todos na
região estranhem a referida prática religiosa, o crime de injúria qualificada pela
prática religiosa se consumou no momento em que a vítima tomou conhecimento
dos xingamentos que a acusada, com dolo de dano, proferiu.
Pelo mesmo motivo, não acolho o pedido de atipicidade em relação à vítima
Lucas, ao argumento de que “a vítima não se sentiu ofendida”.

4 – DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA


Em relação à causa de aumento de pena prevista no art. 141, III, do Código
Penal, verifica-se que o crime foi praticado na presença de várias pessoas, o que
gera uma causa de aumento de pena, em razão da potencialidade do dano.
A Defesa requer o decote da majorante, ao argumento de que não ficou com-
provada a presença de pessoas alheias às que constam na denúncia. No entanto,
sendo várias as vítimas da ofensa, uma é considerada terceira pessoa em relação à
ofensa da outra.
Nesse sentido, inclusive, Rogério Sanches destaca, em sua obra, o entendi-
mento de Noronha sobre o tema, que afirma que “no número mínimo exigido não
entra a pessoa do ofendido; se, entretanto, o agente ofende vários indivíduos, cada
um será terceiro em relação à ofensa a um deles”[1].
Dessa forma, não acolho o pedido defensivo e mantenho a causa de aumento
mencionada na denúncia.

5 – DO CONCURSO FORMAL DE CRIMES


Não há dúvidas de que a conduta recaiu sobre diferentes vítimas, como anun-
ciado na peça acusatória.
É certo que mesmo a combativa Defesa indica a pluralidade de crimes, tanto
que pugnou pela atipicidade do fato em relação à vítima Messias.
Houve uma só ação, atingindo a honra de diversas vítimas, de modo a atrair
a incidência da regra prevista no artigo 70 do Código Penal.
Na linha da orientação doutrinária e jurisprudencial dominante, o quantum
de elevação da sanção varia em função do número de infrações. Tratando-se de 6
vítimas (JOANA DA SILVA, MESSIAS DA SILVA, MAIARA COSTA, AMANDA COSTA DE
ARAUJO, JOÃO PEDRO DE JESUS e JANAÍNA BENTO DE JESUS), a exasperação deve
se operar pela metade.

6 – DO DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo procedente a pretensão acusatória para CONDENAR
a acusada MIRIAM SOUZA SILVA, vulgo “NEGA”, nas penas do art. 140, § 3º, c/c
art. 141, III, por seis vezes, na forma do artigo 70, todos do Código Penal.

455
7 – DA DOSIMETRIA
Destaco que, em relação à primeira fase da dosimetria, considerando que não
há quantum de aumento de pena previsto em lei, cabe ao juiz, na análise do caso
concreto, definir o critério a ser utilizado para majoração da pena em caso de
circunstância judicial valorada negativamente.
Dessa forma, adotando o entendimento pacífico neste E. TJDFT, utilizarei,
para cada circunstância judicial valorada negativamente, a fração de 1/8 a ser
aplicada sobre o intervalo entre a pena máxima e a pena mínima prevista em
abstrato para o delito respectivo, critério este que será utilizado no cálculo da
dosimetria de todos os condenados.
Já na segunda fase da dosimetria, pelo fato de também não haver previsão
legal em relação ao quantum de pena a ser majorado para cada agravante, ou para
ser reduzido para cada atenuante, utilizarei a fração de 1/6, a ser aplicada sobre
a pena-base fixada na primeira fase, conforme orientação jurisprudencial deste E.
TJDFT.
Passo a dosar a pena, o que faço observando o princípio da individualização
da pena.
Destaco inicialmente que não há circunstância a diferenciar a sanção
relativa a cada um dos crimes. Assim, procedo a apenas uma dosimetria, com
o acréscimo relativo ao concurso formal ao final.
Na primeira fase, a culpabilidade não extrapola o tipo penal.
Com relação aos antecedentes, verifico que a condenada não ostenta anota-
ções em sua folha penal.
Não há maiores informações nos autos no que diz respeito a sua
personalida-de e conduta social. Não acolho, nesse ponto, o pedido ministerial
de valoração negativa da personalidade em razão de a acusada ficar rindo durante
o depoimento da vítima, por se tratar de fato posterior aos fatos narrados na
denúncia.
Os motivos, as circunstâncias e as consequências do crime são as comuns
para o delito de injúria qualificada.
Dessa forma, não havendo circunstâncias judiciais desfavoráveis, fixo a pe-
na-base no mínimo legal, a saber, 1 (um) ano de reclusão, além de 10 (dez)
dias-multa, à razão mínima.
Na segunda fase da dosimetria, não há agravantes e atenuantes, motivo pelo
qual mantenho a pena intermediária em 1 (um) ano de reclusão, além de 10
(dez) dias-multa, à razão mínima.
Por fim, na terceira fase da dosimetria, considerando que a ofensa foi pro-
ferida na presença de várias pessoas, aumento a pena em 1/3, equivalente a 4
(quatro) meses, tornando a pena definitiva em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses
de reclusão, além de 13 (treze) dias-multa, à razão mínima.
456
Capítulo VI • SENTENçAS DE CASOS REAIS

Considerando o número de infrações praticadas – seis –, elevo a sanção al-


cançada pela metade, alcançando 2 (dois) anos de reclusão, mais pagamento de
19 (dezenove) dias-multa, à razão de 1/30 do valor do salário-mínimo vigente
ao tempo dos fatos, pena que torno definitiva por não haver outras modificadoras.
Na fixação do regime inicial para o cumprimento da pena, o juiz deve atentar
para três fatores: [a] quantidade de pena; [b] reincidência; e [c] circunstâncias ju-
diciais favoráveis. No caso em análise, dada a ausência de circunstâncias judiciais
desfavoráveis, e levando em consideração a quantidade de pena e a primariedade
da ré, fixo o regime aberto para o início do cumprimento da pena.
Substituo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, a
serem estipuladas pelo juízo da execução.
Considerando que não houve mudança fática suficiente para que seja de-
cretada a prisão preventiva da acusada, lhe concedo o direito de recorrer em
liberdade.

8 – PROVIDÊNCIAS
Custas processuais pela condenada. Registro que compete ao juízo de execu-
ções penais o exame das condições de miserabilidade da ré para fins de concessão
dos benefícios da justiça gratuita, de modo que eventual suspensão da cobrança
das custas deve ser pleiteada juízo competente.
Com o trânsito em julgado, expeça-se a carta de guia definitiva.
Certifique a secretaria a existência de bens apreendidos. Transcorrido o prazo
do art. 123 do Código de Processo Penal, sem qualquer manifestação, determino
o PERDIMENTO dos referidos bens em favor da União. Oficie-se à CEGOC para a
adoção das providências necessárias à destinação que lhe for cabível.
A Secretaria deverá promover as diligências cabíveis e necessárias, e anota-
ções e comunicações de praxe.
Sentença registrada eletronicamente nesta data.
Publique-se. Intimem-se.
BRASÍLIA-DF, data.
Juiz de Direito.

2. ART. 171, § 3º, C/C OS ARTIGOS 69 E 71, TODOS DO CÓDIGO PENAL

I – RELATÓRIO
O Ministério Público Federal, por seu representante legal, ofereceu denúncia
em face de ELCÍDIO OLIVEIRA, DULCE SILVA e MARLENE ROSA, qualificados e repre-
sentados nos autos, imputando-lhes a prática de fatos descritos no art. 171, § 3º,
c/c os artigos 69 e 71, todos do Código Penal.

457

Você também pode gostar