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O conceito de sentença após as últimas modificações no CPC

1. Introdução

O presente artigo pretende analisar se há, de fato, um novo conceito de sentença,

diante das modificações legislativas que o Código de Processo Civil tem sofrido –

principalmente pela Lei n.º 11.232/2005, que alterou o texto do artigo 162 do CPC.

Também serão investigadas as implicações práticas que tal nova concepção dos

provimentos jurisdicionais – marcadamente ao sistema recursal brasileiro.

2. Transcurso histórico

O Código de Processo Civil Brasileiro, antes de sofrer as alterações promovidas

pela Lei nº 11.232/2005, definia sentença como “o ato pelo qual o juiz põe termo ao

processo, decidindo ou não o mérito da causa” (art. 162, §1º, CPC – antiga redação).

Adotou-se um critério topológico, uma vez que se atribuía à localização do ato judicial – a

extremidade final do procedimento – a qualidade de sentença.1

Tal opção conceitual rompeu com a acepção de sentença trazida pelo Código de

1939, que a caracterizava de acordo com seu conteúdo substancial. Segundo Cândido

DINAMARCO, este tradicional conceito gerava enorme insegurança em relação à

determinação do recurso cabível contra certas decisões, ensejando evidente prejuízo às

partes. Aos atos decisórios que versavam sobre a falta de legitimidade ad causam, por

exemplo, a doutrina atribuía caráter terminativo, enquanto os tribunais entendiam que tais

atos versavam sobre o mérito da causa. Vale dizer que a apelação só cabia contra as

decisões de mérito, uma vez que somente estas eram consideradas sentenças.2

1
DINAMARCO, Cândido. Instituições de direito processual civil. 5. ed. rev. amp., vol. 3. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 654.
2
DINAMARCO, Cândido. Instituições de direito processual civil. 5. ed. rev. amp., vol. 3. São Paulo:
Malheiros, 2005, p. 653.

1
MARINONI e ARENHART afirmam que, dessa forma, o Código de Processo Civil

de 1973 passou a oferecer clara identificação de qual seria o recurso adequado para a

impugnação dos atos do juiz. Em relação ao ato que colocasse fim ao processo –

portanto, sentença – o recurso de apelação era o adequado; já da decisão sobre questão

incidente no curso do processo, independentemente de seu conteúdo, era cabível o

recurso de agravo.3

Vale ainda ressaltar que antiga redação do art. 162, §1º não correspondia

integralmente mesmo à realidade da época, pois o processo só se extinguia, de fato, caso

não viesse a ser interposto recurso contra a sentença em questão. Mais adequado seria,

portanto, dizer que a sentença é ato que põe termo ao procedimento em primeiro grau de

jurisdição, no processo de conhecimento.

2. Egas MONIZ DE ARAGÃO: sentença como ato que extingue o processo

Egas MONIZ DE ARAGÃO, em “Exegese do Código de Processo Civil”, assevera

a necessidade de o jurista despir-se de preconceitos em relação à idéia de sentença, a

fim de que possa efetuar a adequada aplicação do Código de Processo Civil – para o qual
4
o conteúdo do pronunciamento judicial não é “dado decisivo” para sua definição. Esse

diploma consagra o efeito de término do processo como caracterizador da sentença,

distinguindo-a dos demais atos decisórios.

O jurista reconhece, por certo, a existência de imprecisões no art. 162, §1º, CPC –

dentre as quais se destaca o comprometimento do vocábulo processo. Primeiramente,

vale dizer que o processo nem sempre se encerra com a sentença, dada a possibilidade

da interposição de recurso pelas partes. Há ainda casos em que o processo de

conhecimento divide-se em duas etapas, como na prestação de contas (arts. 915, §2º e
3
MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento. 5. ed. rev.
atual. e aum. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 406.
4
MONIZ DE ARAGÃO, Egas. Exegese do Código de Processo Civil. Vol. IV, tomo I (artigos 329-399). Rio
de Janeiro: Aide Editora e Comércio de Livros Ltda, [s.d.], p. 26.

2
916, §2º, CPC): nesta, inicialmente se examina o direito de exigir ou oferecer contas;

depois de julgada esta fase, as contas apresentadas serão objeto de análise. Este

segundo momento não consiste em processo de execução em relação à primeira – o qual

somente será admissível depois deste duplo julgamento.5

Uma acepção mais ampla de sentença, contudo, elidiria o primeiro equívoco, ao

considerar que, em caso de julgamento de recurso pelo tribunal, há substituição da

sentença de 1º grau pelo acórdão – o qual também é sentença. Já em relação ao

segundo aspecto, apenas se poderia considerar que a segunda sentença extingue

“verdadeiramente” o processo.

É possível dizer, por fim, que a classificação do ato decisório, bem como do

recurso cabível, varia conforme o efeito deste sobre o processo. Qualifica-se como

sentença o ato judicial que leva o processo ao término, sendo deste cabível o recurso de

apelação; é decisão interlocutória se ainda permite seu desenvolvimento, mesmo que

parcial. Contra esta, em caso de rejeição da alegação da parte, é somente viável o agravo

de instrumento.6

A redução do objeto, à qual o autor alude como “extinção parcial”, não enseja o

cabimento de apelação, uma vez que não houve encerramento material do processo: ele

não foi extinto em primeiro grau, lá prosseguindo para apreciação da matéria restante.

Uma decisão agravada, que não enseja o término do processo, pode vir a ser

reformada, conforme previsto no art. 527, §5º, 1ª parte, CPC. Nesse caso, o juiz pode

levar o processo a termo com o novo pronunciamento – o qual, portanto, será sentença,

recorrível por meio de apelação.

5
MONIZ DE ARAGÃO, Egas. Sentença e coisa julgada: exegese do Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Aide Editora, 1992, p. 79-80.
6
MONIZ DE ARAGÃO, Egas. Exegese do Código de Processo Civil. Vol. IV, tomo I (artigos 329-399). Rio
de Janeiro: Aide Editora e Comércio de Livros Ltda, [s.d.], p. 25-26.

3
Faz-se interessante reproduzir, em linhas gerais, a digressão história efetuada por

MONIZ DE ARAGÃO para demonstrar a alteração que o conceito de sentença sofrera. 7 O

jurista alude a estudos de CHIOVENDA, os quais demonstraram que os romanos

consideravam sententia apenas os pronunciamentos que trouxessem solução aos

conflitos de interesses, mediante acolhida ou rejeição do pedido do autor. As

manifestações do juiz no decorrer do processo eram denominadas interlocutiones.

Muitas dessas decisões no percurso do processo adquiriram grande importância

no Direito Germânico, que consagrou algumas delas como “sentenças interlocutórias”. Já

o Direito Canônico vislumbrou definitividade em alguns desses atos judiciais,

caracterizando-os pelo ensejo de recurso imediato a órgão judiciário superior.

MONIZ DE ARAGÃO considera, contudo, que o termo “sentença interlocutória”

padece de evidente contradição: se a sentença é o ato que ultima o processo, ela jamais

poderia ser proferida em seu desenvolvimento, antes que tenha alcançado o ponto final –

o qual só pode ser obtido, precisamente, por meio de sentença.

Portanto, o conceito de sentença explicitado pelo Código de Processo Civil, antes

da Lei nº 11.232/2005, no artigo 162, §1º, afasta-se da noção do Digesto, visto que não se

restringe ao julgamento do pedido. Há quatro categorias diferentes de sentença para

Egas MONIZ DE ARAGÃO, que as classifica conforme produzam: i) a extinção do

processo sem composição da lide, permitindo a propositura de novo processo a seu

respeito – as terminativas; ii) a extinção do processo sem que o juiz emita opinião sobre a

lide, devido a sua prévia composição pelo Estado-juiz, ou existência de processo

anteriormente ajuizado para esse fim (coisa julgada e litispendência, respectivamente) –

também terminativas; iii) a extinção do processo sem julgamento do mérito, em vista de

prévia composição pelos próprios litigantes (transação, reconhecimento da procedência

7
MONIZ DE ARAGÃO, Egas. Sentença e coisa julgada: exegese do Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Aide Editora, 1992, p. 81-82.

4
do pedido) – as homologatórias; iv) a extinção do processo com julgamento do mérito,

gerando a composição do litígio e extinguindo o processo. 8

3. Teresa Arruda Alvim WAMBIER: sentença como ato de conteúdo decisório

Na obra “O novo regime do agravo”, de 1996, Teresa Arruda Alvim WAMBIER

vislumbra no art. 162, §1, do Código de Processo Civil, uma definição “quase tautológica” 9

de sentença, ao indicar somente o principal efeito desses pronunciamentos judiciais: pôr

fim ao procedimento, indicando ou não o mérito.

Contudo, destaca que pairaria grande dúvida em relação a quais sentenças poriam

fim ao feito, mas não resolveriam a lide, caso não houvesse previsão legal (arts. 267,

CPC). Uma decisão que versasse sobre decadência ou prescrição, por exemplo, não

suscitaria questionamento em relação ao fato de seu conteúdo material gerar, ou não,

sentença de mérito?

A jurista ainda ressalta o afastamento efetuado pelo Código, em diversos

momentos, em relação a seus próprios parâmetros para pronunciamentos judiciais.

Estabeleceu ser sentença o ato que declara insolvente o devedor, embora tal decisão não

leve ao término do processo (art. 761, CPC); fez o mesmo em relação à primeira sentença

de prestação de contas (art. 915, §2º).

Por tais razões, a autora defende a idéia de que não seria o término do processo

que qualificaria um ato como sentença, e sim a adequação do seu conteúdo às

disposições dos arts 267 e 269, do CPC, conforme resta explícito a seguir:

“Isto porque, como se vê, não é o colocar fim no processo o que caracteriza

essencialmente a sentença, mas o seu conteúdo. Nestes casos, são sentenças,

8
MONIZ DE ARAGÃO, Egas. Sentença e coisa julgada: exegese do Código de Processo Civil. Rio de
Janeiro: Aide Editora, 1992, p. 82.
9
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O novo regime do agravo. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1996, p. 72.

5
porque julgam o mérito. Pôr fim ao processo não é senão um efeito das

sentenças”.10

O efeito de por fim ao procedimento em primeiro grau, portanto, decorreria

exatamente do fato de este ato possuir conteúdo de sentença – e, por isso, sê-la. Em

relação às decisões interlocutórias, contudo, não seria seu conteúdo específico o

responsável por sua caracterização, mas a natureza de seu conteúdo: de caráter

decisório. Assim, não seria importante a matéria sobre a qual versaria a decisão, desde

que esta não seja encartável em alguma das hipóteses descritas pelos arts. 267 e 269 –

de modo a não trazer em si o efeito de término do procedimento de primeiro grau ou ao

processo.

Sob esta perspectiva, a jurista considera que o agravo é o recurso cabível contra

toda e qualquer decisão interlocutória – enquanto a apelação, a toda sentença. Todavia,

ela destaca a existência de algumas exceções a essa regra: nos casos de indeferimento

da reconvenção, indeferimento liminar da oposição, da denunciação da lide e de ações

incidentais, bem como de exclusão de litisconsorte ou extinção do processo por

prescrição, em relação a cada um destes, têm-se sentenças que ensejam recurso de

agravo, e não de apelação.

Para justificar sua posição, alude à diferença entre processo e procedimento.

Entende que, como um mesmo procedimento pode conter mais de um processo (o qual é

caracterizado, fundamentalmente, pela sua finalidade e necessária correspondência a

uma relação jurídica), tais sentenças que põem fim ao processo de reconvenção, de

oposição, denunciação da lide e ações incidentais – ainda que não levem a termo o

procedimento como um todo (que ainda abarca, ao menos, a ação principal, nestes

casos).

10
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O novo regime do agravo. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1996, p. 73.

6
Destaca-se ainda que esses atos decisórios teriam conteúdo de sentença, uma

vez que o juiz decidiria necessariamente com fulcro em algum (ou alguns) dos incisos dos

arts. 267 e 269. Como exemplo, a autora enumera os dispositivos 267, incs. I, IV e VI;

269, I a VI e parágrafo único, I a IV como as possibilidades nas quais o juiz indefere

liminarmente a reconvenção.

A opção pelo recurso de agravo, e não de apelação, de tais sentenças, seria de

ordem pragmática, levando em conta que não visam pôr fim ao procedimento como um

todo.11

Na 3ª edição da aludida obra, intitulada “Os agravos no CPC brasileiro”, a autora

reafirma tal entendimento, trazendo ainda a idéia de que sua compreensão teria grande

força argumentativa em relação à não incidência da regra de retenção do Recurso

Extraordinário ou do Recurso Especial – que ficaria à espera da interposição e subida do

recurso principal de mesma espécie, de decisão final. Somente os acórdãos que tivessem

julgado agravos cujo conteúdo fosse de decisão interlocutória poderiam ser submetidos

ao regime de retenção – e não aqueles de natureza jurídica de sentença.12

11
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O novo regime do agravo. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1996, p. 128-141.
12
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Os agravos no CPC brasileiro. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2000, p. 142-143.

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