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A INFLUÊNCIA DOS SISTEMAS DE SINCRONIZAÇÃO TEMPORAL NA CONFIABILIDADE DO BARRAMENTO

DE PROCESSO BASEADO EM IEC 61850

Carlos Dutra(*) Lucas Oliveira Marcelo Zapella Higor Rachadel Cynthia Scheffer-Dutra
GE Grid Solutions Instituto Federal de Santa Catarina

RESUMO

Este trabalho visa mostrar como a sincronização temporal está intimamente relacionada com a confiabilidade do
barramento de processo baseado na norma IEC 61850. Assim como a qualidade dos dados de medições, o
sincronismo temporal deve ser fortemente considerado para a correta operação do barramento de processo já que,
com múltiplos equipamentos fazendo parte desta operação, todos devem estar na mesma base de tempo para que
informações possam ser comparadas entre si. Diferentes aspectos relacionados à confiabilidade da sincronização
são abortados como o uso de múltiplos sistemas de navegação por satélites e diferentes osciladores. A relação
entre as arquiteturas de rede, configurações e fontes de sincronismo são discutidas, pois a correta associação
entre estas estruturas são fundamentais para o sucesso dos novos empreendimentos.

PALAVRAS-CHAVE

Sincronização temporal, barramento de processo, confiabilidade

1.0 - INTRODUÇÃO

Os benefícios e a viabilidade econômica do uso de comunicação por rede para interconectar Intelligent Electronic
Devices (IEDs) nas salas de controle das subestações já são reconhecidos pelos integradores de sistemas e pelas
concessionárias de energia. Atualmente as novas subestações já estão sendo planejadas e implementadas para
expandir o uso da rede para interligar os equipamentos da sala de comando com os elementos que estão no pátio
da subestação. Esta interligação, segundo a norma IEC 61850 (1), é chamada de barramento de processo e busca
substituir todo o cabeamento usado nas instalações convencionais por mensagens padronizadas em uma rede
Ethernet com fibras-ópticas.

Neste contexto, sinais de tensão e corrente são amostrados e convertidos para sinais digitais e enviados para a
rede através de mensagens conhecidas como Sampled Values. Esta conversão é realizada por dispositivos
chamados de Merging Units. O uso de barramento de processo tem sido considerado como a mais recente onda de
evolução tecnológica, entretanto ainda há certa resistência ao seu uso por conta do receio quanto a sua
confiabilidade.

Ao se modificar a abordagem de interligação convencional por cabos para uma abordagem por rede, vários
aspectos precisam ser avaliados para que a confiabilidade do sistema seja preservada. Diferentes topologias de
rede ou protocolos de comunicação podem ser utilizados para prover diferentes níveis de redundância, e
analiticamente, baseados em índices de confiabilidade obtidos do MTBF (Mean Time Between Failure) ou MTTR
(Mean Time to Repair) dos equipamentos, é possível demonstrar que a abordagem por barramento de processo
pode ser tão confiável quanto à abordagem convencional (2).

Na abordagem por barramento de processo baseado em IEC 61850, onde as funções de proteção e as medições
são realizadas em diferentes equipamentos conectados através de uma rede Ethernet, a sincronização temporal
passa a ser essencial para a correta operação de todo o sistema. Esta sincronização também pode ser realizada
utilizando a mesma rede Ethernet que interconecta todos os equipamentos, mas para isso é necessário o uso de
equipamentos apropriados e que suportem o protocolo PTP (Precision Time Protocol) definido pela norma IEEE
1588 (3).

(*) Delminda Silveira, n˚ 855 – CEP 88.025-500 Florianópolis, SC – Brasil


Tel: (+55 48) 2108-0300 – Fax: (+55 48) 2108-0310 – Email: carlos.dutra@ge.com
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A perda de sincronismo pode levar a comportamentos errôneos, pois os equipamentos passam a operar em bases
de tempo diferentes o que pode repercutir drasticamente naqueles sistemas fortemente dependentes de
associação temporal de grandezas, como é o caso do sistema de proteção das subestações bem como as
aplicações de sincrofasores e de localização de faltas por ondas viajantes. Logo, é natural observar que a
confiabilidade do barramento de processo também é dependente da qualidade do sinal de sincronismo provido
pelas fontes de referência de tempo.

Os relógios de referência de tempo são em geral baseados no sistema de navegação por satélites (GNSS – Global
Navigation Satellite System) e estão sujeitos a problemas decorrentes de falta de visibilidade dos satélites,
interferências de sinais, mau funcionamento dos equipamentos ou devido à infraestrutura precária.

Neste trabalho, na seção 2, é mostrada a influência do sincronismo temporal nos sistemas elétricos e como afeta a
sua confiabilidade. As fontes de sincronismo temporal baseadas em sistemas de navegação por satélites são
apresentadas na seção 3, enquanto na seção 4 são discutidas possibilidades de melhorias na confiabilidade para a
sincronização dos equipamentos. Finalmente na seção 5 são apresentadas as conclusões.

2.0 - INFLUÊNCIA DO SINCRONISMO TEMPORAL NA CONFIABILIDADE DO BARRAMENTO DE PROCESSO

O uso de sincronismo temporal em subestações de energia elétrica vem cada vez mais sendo uma prática comum.
Em certas aplicações como medição de sincrofasores por PMUs (Phasor Measurement Units) ou localização de
faltas por ondas viajantes, o sincronismo temporal já é considerado essencial por conta da necessidade da
precisão da sincronização dos dados adquiridos pelos vários equipamentos envolvidos.

Existem vários protocolos disponíveis para prover o sincronismo de tempo. O IRIG-B é o mais utilizado nas
subestações tradicionais e pode prover informações de tempo com precisão em torno de 1 microssegundo,
entretanto necessita de uma rede própria para a distribuição dos sinais (4).

Com base na abordagem IEC 61850, a rede Ethernet é o meio principal para a troca de mensagens entre todos os
dispositivos que fazem parte do sistema. Neste contexto, o sincronismo temporal deve ser obtido por protocolos de
rede apropriados para prover a precisão adequada.

Originalmente o NTP (Network Time Protocol) (5) foi adotado pela norma IEC 61850 como padrão para
sincronização temporal, entretanto, por conta das características deste protocolo, a precisão obtida é na ordem de
1 milissegundo. Para os requisitos do barramento de estação esta precisão era considerada satisfatória, entretanto
com o barramento de processo o sincronismo temporal requer uma mudança na ordem de grandeza da precisão
obtida.

No conceito da IEC 61850, as merging units são os equipamentos com a função de realizar a interface entre os
elementos de campo como os transformadores de potencial (TPs), transformadores de corrente (TCs), disjuntores,
chaves seccionadoras, sensores, etc., com os demais equipamentos que fazem parte do sistema de proteção,
automação e controle da subestação. As merging units, em geral, são instaladas no pátio da subestação e são
interligadas aos equipamentos da sala de controle por meio de uma rede Ethernet com cabos de fibra-óptica
(barramento de processo).

Como a interface para os sinais utilizados em diferentes funções no sistema de Proteção, Automação e Controle é
realizada pelas merging units, vários aspectos que envolvem a confiabilidade devem ser observados. Um dos
pontos mais críticos está relacionado à necessidade de comparação (principalmente de ângulo) dos sinais
monitorados em diferentes equipamentos.

No barramento de processo, as questões referentes à topologia da rede de comunicação, sincronismo temporal,


qualidade dos equipamentos e configurações estão todas fortemente inter-relacionadas. Não é incomum se
negligenciar estes aspectos na concepção dos sistemas e como consequência levar a redução da sua
confiabilidade.

A precisão da estampa de tempo dos sampled values enviados na rede bem como a estabilidade do sistema de
aquisição estão intimamente relacionados com o sistema de sincronismo temporal. Variações no sincronismo
levam a variações na estabilidade da taxa de aquisição, o que faz com o que as amostras não sejam adquiridas no
momento correto, o que afeta diretamente a análise de fase das medidas levando a diferentes tipos de
consequências. A atuação da função de check de sincronismo para os religadores, comandos de abertura dos
disjuntores considerando a passagem da corrente por zero, atuação de proteções de barra, transformadores ou de
linha onde há a ação diferencial são exemplos de casos críticos em que os erros provocados por desvios no
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sincronismo temporal entre equipamentos do barramento de processo podem afetar o sistema de proteção,
automação e controle.

Com o protocolo de sincronismo PTP é possível alcançar precisões na ordem de nanossegundos. Este nível de
precisão é obtido com vários mecanismos estabelecidos na norma IEEE 1588 como uma maior frequência de envio
de pacotes de atualização de tempo, compensações de atrasos dentro dos dispositivos e nos cabos, diferentes
profiles, etc.

Para que a sincronização ocorra corretamente e atinja os níveis propostos, diferentes fatores precisam ser
considerados:

a. Fonte de sincronismo confiável: A consideração básica para a sincronização temporal de todos os


equipamentos é que a referência de tempo a ser seguida deve estar correta e estável. A fonte de informação
deve ser baseada em um sinal global de maneira que diferentes locais possam estar na mesma base de tempo
sem a necessidade de interligação direta. Os sistemas de navegação por satélites (GNSS) são uma forma
eficaz de alcançar a abrangência necessária e com um nível de precisão na ordem de nanossegundos.
Entretanto, nos casos em que o sistema de navegação por satélites fique indisponível a qualidade da referência
de tempo pode vir a se deteriorar rapidamente e alternativas precisam ser consideradas para manter a
confiabilidade.

b. Equipamentos devem estar em acordo com a norma IEEE1588: o suporte ao PTP é bastante complexo e
depende de características relacionadas ao firmware, mas primordialmente do projeto dos circuitos eletrônicos
que compõem o hardware dos equipamentos. Produtos com suporte integral ao PTP devem ter a capacidade
de identificar a estampa de tempo dos pacotes nas camadas inferiores de acesso a rede (nível do MAC). Esta
característica é essencial para evitar o jitter na compensação de atrasos na transmissão e recepção dos
pacotes.

c. Estrutura da rede: Todos os equipamentos que compõe a rede necessariamente tem que ter o suporte integral
ao protocolo PTP. Todas as compensações de atrasos precisam ser contempladas. Especialmente os switches,
como elementos centrais na rede, devem ser capazes de prover a priorização adequada dos pacotes bem
como proporcionar os ajustes nas mensagens com base nos profiles estabelecidos.

d. Topologia de rede: A forma como os equipamentos são distribuídos na rede afeta diretamente a qualidade da
sincronização. A definição da arquitetura em estrela ou em anel implica em requisitos diferenciados para os
equipamentos bem como na forma com que os pacotes PTP são transportados do master (equipamento que
serve de referência de tempo para toda a rede) até chegarem aos slaves (equipamentos que fazem uso das
mensagens recebidas do master para obter o sincronismo temporal). Este quesito torna-se ainda mais
importante e complexo quando é adicionado redundância no sistema. Para o barramento de processo, a norma
IEC61850 define o uso do protocolo de redundância de rede PRP (Parallel Redundancy Protocol) quando se
trata de topologias em estrela, e o protocolo HSR (High-Avaliability Seamless Redundancy) quando a topologia
é em anel. Ambos são descritos na norma IEC 62439-3 (6). A implementação do PTP em conjunto com os
protocolos de redundância é bastante desafiadora e poucos dispositivos no mercado são completamente em
acordo com as normas de redundância. É comum que nestes casos, equipamentos conhecidos como redboxes
façam a interface entre estes dispositivos e a rede redundante. Fica evidente que, com a multiplicidade de
caminhos para o tráfego dos dados de sincronismo e com um alto fluxo na rede, a compensação dos atrasos se
torna mais complexa a medida que a topologia se modifica, o que potencialmente leva a existência de variações
nos ajustes por parte dos elementos da rede, impedindo que os relógios internos dos equipamentos
(principalmente das merging units) tenham desvios de tempo em relação ao master.

e. Tráfego da rede: O volume de dados que é transferido entre os diferentes dispositivos no barramento de
processo é bastante significativo. Várias merging units podem estar enviando pacotes simultaneamente para a
rede com taxas de transmissão elevadas e estas informações precisam ser transportadas e disponibilizadas
para os vários destinatários com o menor atraso possível. Dependendo da arquitetura estabelecida, diferentes
equipamentos passam a ser mais susceptíveis ao fluxo de dados. Considerando por exemplo uma arquitetura
em anel e com redundância HSR, todo o tráfego de dados circula por todos os equipamentos da rede. Mesmo
com técnicas de otimização, como cada elemento do anel se comporta como um switch, os atrasos acumulados
da passagem das mensagens entre uma porta a outra podem se significativos, além dos tempos de espera
para a disponibilidade de envio dos pacotes para o anel. Este comportamento pode afetar a sincronização pois
com o tráfego variando, os atrasos e as compensações podem levar a certa instabilidade do sistema de
sincronismo, causando jitter no relógio interno dos equipamentos.
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f. Profiles: A norma IEEE1588 define os parâmetros gerais para a comunicação entre os dispositivos da rede para
que se obtenha alta precisão no sincronismo temporal. Como a norma abrange diferentes tipos de aplicações
(desde sincronização de equipamentos para telecomunicações quanto para o setor elétrico), foram definidos
conjuntos de parâmetros associados a cada aplicação. O chamado Utillity profile (IEC 61850-9-3) (7) define as
características do protocolo a serem utilizadas para aplicações em subestações e estabelece como os switches
devem realizar as compensações de atrasos bem como o formato e sequenciamento dos pacotes. Esta
parametrização visa dar maior estabilidade ao processo de sincronização dos equipamentos envolvidos. Todos
os equipamentos devem suportar o profile estabelecido para que não haja variação na forma com que os
equipamentos interpretam as mensagens PTP.

g. Configurações: Com a norma IEC 61850, devido a forte interação entre os dispositivos, a correta configuração
de todos os equipamentos passa a ser uma parte fundamental para o bom funcionamento do sistema como um
todo. O processo de configuração tornou-se bastante complexo, pois em um sistema de proteção não só os
parâmetros das funções é levado em conta. Tão importante quanto à parametrização das funções de proteção,
a configuração da rede e de seus elementos passou a ser ponto central para que o bom funcionamento do
sistema. Neste contexto, o sistema de sincronismo da subestação se inter-relaciona com os vários
equipamentos. A parametrização do master PTP deve estar adequada aos parâmetros de rede. A configuração
dos switches deve conter todas as regras que definem as segregações de pacotes de forma que o fluxo de
dados não seja destinado a partes indevidas da rede. É vital que a parametrização dos switches leve em conta
os parâmetros corretos do PTP e estejam em conformidade com o profile determinado sob pena de não serem
realizadas corretamente as compensações de atrasos, o que provocaria efeitos nocivos para o sincronismo dos
relógios internos das merging units. Experiências em projetos piloto mostram que os erros na parametrização
são responsáveis pela maior parte dos problemas em campo.

A principal consequência da instabilidade do sistema de sincronismo é a variação da frequência de aquisição das


merging units, o que leva ao envio de sample values com identificação de tempo erradas em relação ao momento
correto da amostragem, provocando interpretações equivocadas por parte dos elementos que executam as funções
de proteção, o que pode ser muito danoso para o sistema como um todo.

3.0 - REFERÊNCIAS DE TEMPO BASEADAS EM SISTEMAS DE NAVEGAÇÃO POR SATELITES

A necessidade de se utilizar uma referência única para equipamentos geograficamente posicionados em locais
diferentes e que tenham informações inter-relacionadas levou ao uso dos relógios baseados no sistema de
navegação por satélites, em inglês Global Navigation Satellite System (GNSS), como fonte de sincronismo. Isto se
dá devido à abrangência global deste sistema.

O princípio de operação do GNSS baseia-se no procedimento de cálculo da posição do receptor conhecido como
triangulação e consiste no uso da informação de pelo menos 3 satélites. A distância entre o receptor e o satélite é
determinada pela diferença de tempo entre a estampa de tempo do sinal enviado pelo satélite e o momento do
recebimento pelo receptor. Para cada satélite se tem uma região circular de possibilidades para a determinação da
posição do receptor. Com o cálculo da distância em relação à 3 satélites, se pode determinar a posição do receptor
como sendo a intersecção entre os vários círculos. Como a distância dos satélites é calculada através da diferença
de tempo entre o envio e recepção dos sinais do satélite e a velocidade da transmissão pode variar por conta de
condições atmosféricas e/ou obstáculos no caminho, um quarto satélite é necessário para que se possa garantir a
precisão do sistema.

Para que se tenha cobertura global, a constelação ou grupo de satélites que compõe o GNSS precisa ter no
mínimo 24 satélites. Assim se garante que tenha pelo menos 4 satélites acima da linha do horizonte em qualquer
parte do planeta.

Somente é possível alcançar a alta precisão desse sistema devido à existência de relógios extremamente estáveis
em cada satélite. Todos possuem um relógio atômico de alta estabilidade que proporcionam a determinação de um
tempo padrão. Uma vez que se tenha a garantia de que o relógio interno do receptor esteja devidamente ajustado
com o tempo padrão obtido dos relógios atômicos dos satélites (estado de locked) pode-se determinar que, além
do geoposicionamento, a informação de tempo também é precisa em qualquer parte do globo, podendo ser
utilizada como uma referência.

Diferentes sistemas de navegação foram criados. O GPS (Global Positioning System) por ser o primeiro GNSS a
cobrir integralmente o planeta tornou-se o mais popular, alcançando precisão no sincronismo temporal na ordem de
nanosegundos. Concebido para aplicações militares em 1973 nos Estados Unidos, o Sistema GPS foi declarado
operacional em 1985. Atualmente conta com 31 satélites em órbita sendo que apenas 24 estão disponíveis e os
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demais permanecem em espera para o caso de falha de algum dos satélites ativos. Os satélites orbitam a terra a
20200 quilômetros de altitude e completam duas voltas ao redor do globo por dia. Uma vez que o GPS está em
operação por um longo período de tempo, ele se tornou o sistema mais difundido e em alguns casos o único a ser
suportado, Entretanto a precisão para aplicações não militares é controlada pelo governo americano.

O sistema de navegação russo conhecido como Globalnaya Navigazionnaya Sputiknovava Sistema (GLONASS)
começou a ser desenvolvido em 1976 também para fins militares. O projeto foi interrompido por muito tempo após
o fim da União Soviética mas foi reestabelecido e ganhou notoriedade durante a última década, influenciado pelo
presidente russo Vladmir Putin. Este sistema é similar ao GPS e conta com uma constelação de 24 satélites
funcionais que orbita o planeta de forma equivalente ao sistema americano.

Outros sistemas estão em desenvolvimento como é o caso do europeu Galileo e do sistema de navegação chinês
conhecido como BeiDou-2, também chamado de Compaas e que já tem vários satélites funcionais em órbita mas
cobrindo apenas algumas regiões.

4.0 - MELHORIAS NA CONFIABILIDADE DA SINCRONIZAÇÃO

O uso de um sistema GNSS único como referência de tempo é a solução mais comum, principalmente em se
tratando do sistema GPS. Porém esta solução introduz uma série de vulnerabilidades e limitações para o sistema
como um todo.

A disponibilidade do sistema é um exemplo. O GPS é controlado pelo governo americano e pode ter o seu serviço
interrompido para uso civíl a qualquer momento sem aviso prévio. Isto pode ser considerado um ponto de
vulnerabilidade para todo o sistema, pois todos os equipamentos podem deixar de ter uma referência de tempo
confíável.

Outra limitação é a cobertura de satélites. Embora 24 satélites possam garantir o mínimo de 4 satélites visíveis a
qualquer momento e em qualquer local, condições atmosféricas como dias com nuvens intensas ou obstáculos
geográficos como montanhas ou edifícios nas cidades podem levar a forte redução ou até mesmo a eliminação
no sinal recebido.

A precisão também é um problema. Mesmo que para muitas aplicações a precisão do GPS esteja suficiente,
algumas aplicações demandam precisão abaixo de poucos nanossegundos.

O uso de multiplos GNSSs simultaneamente é uma possível solução para eliminar ou mitigar o efeito destas
vulnerabilidades e limitações. Esta técnica consiste do uso de dados de satélites de diferentes sistemas de
navegação e combinando-os como se fossem um único sistema fornecendo a referência de tempo. Tal solução
traz grandes vantagens em relação ao sistema de navegação simples.

O primeiro benefício é o número total de satélites. A combinação de constelações aumenta o número de satélites
disponíveis e visíveis para a análise. O aumento do número de satélites melhora as chances de uma boa
recepção de sinais e consequentemente deixa o sistema de sincronismo mais imune às condições climáticas e a
presença de obstáculos físicos.

Outra vantagem é a precisão da solução combinada. Como mostrado em (9) a precisão obtida por um sistema
multi-GNSS é maior do que com a solução única baseada em GPS. Isto pode ser explicado pelo maior número de
satélites disponíveis permitindo um maior refinamento das estimativas de tempo e uma melhor compensação de
ruídos no sinal recebido com base na aplicação de diferentes filtros.

Do ponto de vista de confiabilidade, o uso de múltiplos GNSSs operando em conjunto traz uma redução de pontos
de vulnerabilidade, mantendo a fonte de sincronização de tempo totalmente funcional mesmo quando somente um
sistema está disponível.

4.1 Avaliação do Comportamento dos Relógios Baseados em Satélites

Com o objetivo de investigar as melhorias reais trazidas com essa solução, um projeto de pesquisa foi
desenvolvido. Um equipamento protótipo foi implementado de forma a permitir a comparação de desempenho dos
relógios com soluções onde apenas o sistema GPS está disponível ou com ambos sistemas GPS e GLONASS
habilitados.
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Os receptores consideram dois conjuntos de satélites: os visíveis e os que realmente estão sendo utilizados para
os cálculos de posição e tempo. Uma monitoração de 24 horas contínuas com a distribuição do número de satélites
visíveis e dos em uso para soluções com somente o sistema GPS e com o sistema GPS+GLONASS são
mostradas nas Figuras 1 e 2 respectivamente.

FIGURA 1 – Distribuição de número de satélites visíveis e efetivamente utilizados apenas com o sistema GPS

FIGURA 2 – Distribuição de número de satélites visíveis e os efetivamente utilizados com sistemas


GPS+GLONASS

Os resultados encontrados foram coerentes com os estudos prévios. O ganho em número de satélites com os
sistemas combinados foi bastante expressivo, o que leva ao entendimento de que com o acesso a múltiplos GNSS
os relógios tendem a ser menos suceptíveis a perderem o sincronismo por falta de satélites. É interessante notar
que neste caso de estudo, mesmo considerando um período curto de análise, por conta das características do
local analisado em determinado momento o número de satélites GPS se reduz para um número abaixo do mínimo
necessário para manter o sincronismo, enquanto que o equipamento com os sistemas combinados foi capaz de
permanecer imune a esta redução.

4.2 Outras Abordagens para Melhoria da Confiabilidade

Com o protocolo PTP há a possibilidade de se ter diferentes relógios configurados como o master da rede.
Normalmente ele é uma fonte de sincronismo cuja base de tempo é um GNSS. Os diversos candidatos a master
elegem segundo critérios definidos na norma IEEE1588 o equipamento mais qualificado para operar como a
referência para a rede. Este equipamento passa a enviar mensagens com informações de tempo para toda a rede
enquanto os demais que perderam a eleição param de enviar mensagens e permanecem somente avaliando as
mensagens enviadas pelo master. Se por algum motivo o master tem uma perda de desempenho, ocorre uma nova
eleição e um novo master assume. Este processo permite a existência de redundância intrínseca para o sistema de
sincronismo sempre que mais de uma referência esteja disponível, fazendo com que haja uma menor
susceptibilidade a falhas dos equipamentos.

Com os equipamentos de referência de tempo instalados na mesma região geográfica, ainda que tenha diversos
candidatos a master, há o potencial para que uma redução do número de satélites afete todos os relógios GNSS e
consequentemente vários relógios saiam momentaneamente do estado de locked.

Para minimizar os impactos das saídas de sincronismo, a estabilidade dos osciladores internos dos equipamentos
pode ser aumentada dependendo da tecnologia adotada. Osciladores de baixa deriva como os TCXOs
(Temperature Compensated Crystal Oscillators) ou OCXOs (Oven Controlled Crystal Oscillators), proporcionam um
aumento da confiabilidade, já que nos casos em que a referência de tempo deixa de estar confiável, os osciladores
mantem por um determinado período de tempo a estabilidade do relógio interno dos equipamentos. Este tempo é
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conhecido como tempo de holdover, e é um parâmetro associado ao desempenho dos produtos. Ele mostra o
período de tempo em que os equipamentos devem permanecer com suas funcionalidades ativas mesmo sem a
presença do sinal de sincronismo.

Foi realizado um experimento em laboratório com diferentes tipos de osciladores embarcados: simples, TCXO e
OCXO. Diferentes relógios sincronizados por GNSS, cada um contendo um tipo de oscilador, foram mantidos
sincronizados por algumas horas. De forma sincronizada, o sinal da antena foi removido. O comportamento ao
longo do tempo da variação do sinal de 1PPS (um pulso por segundo) gerado pelos equipamentos foi monitorado e
gráficos como os mostrados nas Figuras 3, 4 e 5 foram criados.

Com o experimento observou-se uma diferença bastante significativa na estabilidade do sinal PPS produzido de
acordo com cada tipo de oscilador. O OCXO se mostra claramente mais estável, chegando a manter o relógio com
erros menores que 1 microssegundo por aproximadamente 30 minutos. No TCXO este tempo é menor que 8
minutos enquanto que no oscilador simples se reduz para cerca de 2 minutos. O tipo de oscilador afeta diretamente
o custo do equipamento. Entre os OCXOs existem opções de diferentes características e que podem levar a
desvios menores que 50 microssegundos por dia. Ainda que tenham um custo diferenciado estes equipamentos
trazem uma melhoria substancial na confiabilidade do sistema de sincronismo.

FIGURA 3 – variação do sinal PPS considerando um oscilador simples

FIGURA 4 – Variação do sinal PPS considerando um oscilador TCXO

FIGURA 5 – Variação do sinal PPS considerando um oscilador OCXO


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5.0 - CONCLUSÔES

O sincronismo temporal é algo impressindível para as aplicações com barramento de processo. Problemas devido
a falta de confiabilidade podem levar a comportamentos indesejáveis nos sistemas de proteção, automação e
controle das subestações, afetando o fornecimento de energia para a população bem como onerar a
concessionária.

No barramento de processo a questão do sincronismo temporal e sua associação com a estrutura e arquitetura da
rede ainda é pouco considerada. Neste trabalho foi mostrado que o comportamento do sincronismo está
fortemente ligado com a qualidade e estabilidade da referencia de tempo mas também com as características da
rede.

A fonte de sincronismo é o primeiro elo da cadeia de confiabilidade do sistema como um todo. Mostrou-se que
com a aplicação de multiplos GNSSs operando simultaneamente eleva-se a quantidade de satélites em uso,
reduzindo-se a chance de perda de sincronismo por falta de sinal. O efetivo uso desta técnica depende da
tecnologia empregada pelos produtos.

Para minimizar os impactos com a perda momentânea do sincronismo com a fonte primária, os vários
equipamentos podem ser dotados de osciladores diferenciados. Como mostrado neste documento, os osciladores
do tipo OCXO são os que apresentaram a menor deriva com o passar do tempo. Pode ser usado tanto nas fontes
de sincronismo quanto pelos slaves da rede e proporciona um ganho significatico de confiabilidade. O custo do
equipamentos que suportam o OCXO é bastante expressivo e por esta razão o seu uso ainda é mais restrito.

O conhecimento necessário para a implantação dos sistemas de proteção, automação e controle está sendo
ampliado para as aplicações de rede, o que é uma mudança complexa para parte do corpo técnico do setor.

A conclusão mais importante é que a melhoria na confibilidade da sincronização temporal é fundamental para a
confiabilidade do sistema como um todo, entretanto o meio de comunicação precisa estar adequado.

6.0 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

(1) IEC 61850:2016 SER Series: “Communication networks and systems for power utility automation - ALL PARTS”,
Ed. 1.0, 2016

(2) Dutra, Carlos; Oliveira, Lucas; Zimath, Sérgio; “Process Bus Reliability Analysis”, CIGRE Actual Trends in
Development of Power System Protection and Automation, Sochi, Russia, junho 2015

(3) IEEE Std 1588: “IEEE Standard for a Precision Clock Synchronization Protocol for Networked Measurement and
Control Systems”, 2008.

(4) Dutra, Carlos; Oliveira, Jurandir; Zimath, Sérgio; “How to Guarantee that Devices are Properly Time
Synchronized?”, GeorgiaTech Fault and Disturbance Analysis Conference, Atlanta, EUA, março 2012

(5) RFC 5905: “Network Time Protocol Version 4: Protocol and Algorithms Specification”, 2014,
https://tools.ietf.org/html/rfc5905

(6) IEC 62439-3:2016: “Industrial communication networks - High availability automation networks - Part 3: Parallel
Redundancy Protocol (PRP) and High-availability Seamless Redundancy (HSR)”, 2016

(7) IEC/IEEE 61850-9-3: “Communication networks and systems for power utility automation, Part 9-3: Precision
time protocol profile for power utility automation”, Ed. 1.0, 2016

(8) “GPS+GLONASS: Using the best of both worlds”,


http://www.telit.com/fileadmin/user_upload/media/Telit_WP_GPS_Glonass_1211.pdf
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7.0 - DADOS BIOGRÁFICOS

Carlos Alberto Dutra é natural de Florianópolis/SC (1974), formou-se engenheiro de Controle e


Automação pela Universidade Federal de Santa Catarina (1999) e é mestrando em Mecatrônica
pelo Instituto Federal de Santa Catarina. Trabalha na GE Grid Solutions desde 2003 no
departamento de Pesquisa e Desenvolvimento participou no desenvolvimento dos diversos
produtos da empresa como localizador de faltas por ondas viajantes, Registrador de Perturbações,
relógios GPS e Merging Unit. Atualmente é gerente de pesquisa e desenvolvimento.

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