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Ciclos biológicos
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Demonstrar os diferentes ciclos biológicos parasitários.


 Identificar o tipo de hospedeiro em cada ciclo biológico.
 Apontar o modo de transmissão envolvido em cada ciclo biológico
estudado.

Introdução
A essência do parasitismo está na natureza da relação parasita-hospedeiro.
Assim, a ecologia do hospedeiro pode ser considerada simultaneamente
no ciclo de vida de um parasito, uma vez que o hospedeiro é o hábitat do
parasito e, por isso, variantes bióticas e abióticas influenciam a ecologia
dos hospedeiros, afetando também o parasito. Complexo, não é?
Isso é particularmente relevante para os ciclos biológicos complexos
que os parasitos seguem em suas vidas (em busca de temperatura, umi-
dade e alimento propício para viver, reproduzir e perpetuar a espécie),
muitas vezes marcados por diferentes formas evolutivas e estágio repro-
dutivo, implicando, também, a passagem por mais de um hospedeiro
(REY, 2008; NEVES, 2016).
Neste capítulo, você vai aprender sobre os diferentes ciclos biológicos
parasitários, conhecendo os variados tipos de hospedeiro de acordo com
o ciclo, assim como os modos de transmissão envolvidos.

Ciclos biológicos: conceitos básicos


Denomina-se ciclo biológico de um ser vivo as diversas fases e etapas que um
ser vivo (inclusive parasitos) passa durante sua vida (Figura 1). Cada espécie
desenvolveu, ao longo do processo evolutivo, recursos próprios que garantis-
sem seu sucesso reprodutivo e de dispersão. Assim, nas relações parasitárias,
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em alguns ciclos, observa-se que há passagem do parasito de um hospedeiro


para outro(s), passando, em alguns casos, por duas ou mais fases evolutivas
(PARKER; BALL; CHUBB, 2015).
Fase evolutiva (ou biológica) é aquela fase pelas quais os parasitos passam
durante seu ciclo biológico. Habitualmente, em parasitos, destacam-se como
fases evolutivas: ovo/cisto, larva, pupa e adulto (Figura 1) (PARKER; BALL;
CHUBB, 2015; BLASCO-COSTA; POULIN, 2017).

Durante uma mesma fase evolutiva do parasito, podem ser observadas modificações
morfológicas e/ou fisiológicas. Essas modificações são denominadas mudas. A evolução
das larvas de nematoides é um exemplo importantes desses eventos. Neste caso, o
intervalo entre essas mudas é denominado estádio. Assim, distinguem-se: larvas de
1º estádio, larvas de 2º estádio, larvas de 3º estádio, larvas de 4º estádio e larva de 5º
estádio — uma fase evolutiva com 5 estádios de desenvolvimento.

Mosca adulta

Pupa
Ovos

Larva de 1º estádio
Larva de 3º estádio

Larva de 2º estádio

Figura 1. Exemplo do ciclo biológico da mosca doméstica — adulto, ovo, larva,


pupa. Observe que as larvas são diferenciadas em 1º, 2º e 3º estádios.
Fonte: Adaptada de BlueRingMedia/Shutterstock.com.
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Hospedeiro versus ciclos biológicos


Os organismos nos quais os parasitos se desenvolvem são denominados hos-
pedeiros. Aquele hospedeiro que alberga o parasito na sua forma adulta e/ou
reprodutiva é denominado hospedeiro definitivo (REY, 2008; NEVES, 2016).
Aqueles organismos nos quais o parasito desenvolve suas formas jovens/as-
sexuadas são denominados vetores biológicos ou hospedeiros intermediários
(REY, 2008; NEVES, 2016). A Figura 2 mostra esta relação entre hospedeiros
e o desenvolvimento do parasito.

Figura 2. Relação entre o hospedeiro e a fase de desenvolvimento dos parasitos.

Vários estudos, dentre os quais se destaca o de Parker, Ball e Chubb (2015),


mostram as características dos parasitos que podem apresentar ciclos vitais
variados, de acordo com os requisitos de cada fase do ciclo, da forma que segue.

 Ciclo direto (ou monoxênico): o desenvolvimento do parasito ocorre em


apenas um hospedeiro, o definitivo. O parasito passa toda a vida em
parasitismo, mas desenvolve formas de resistência que são encontra-
das no ambiente — os ovos dos helmintos e os cistos de protozoários
(REY, 2008; FERREIRA, 2012; NEVES, 2016). Ali, pode ocorrer o
embrionamento os ovos e o desenvolvimento da(s) larva(s). As formas de
resistência suportam fatores adversos do ambiente por longos períodos
de tempo. Exemplo: ciclo biológico do Ascaris lumbricoides (Figura 3a).
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 Ciclo indireto (ou heteroxênico): é um ciclo mais complexo, no qual


o desenvolvimento do parasito exige a participação de um (ou mais)
hospedeiro(s) intermediário(s); nele(s), desenvolvem-se as formas evolu-
tivas e/ou infectantes para o hospedeiro definitivo. Neste tipo de ciclo, o
parasito pode desenvolver etapas de vida livre. Há ainda aqueles ciclos
heteroxenos em que não há fase de vida livre nem formas de resistên-
cia no ambiente — nestes casos, a transmissão é feita por artrópodes
(MATTHEWS, 2011; SOKOLOW et al., 2016; BLASCO-COSTA;
POULIN, 2017). Exemplo: a forma infectante da Fasciola hepatica se
desenvolve no corpo do caramujo Lymnea sp. (Figura 3b).

Figura 3. Ciclos biológicos de parasitos. (a) Ciclo monoxênico de Ascaris lumbricoides — o


homem é o único hospedeiro do parasito (hospedeiro definitivo). (b) Ciclo heteroxênico
de Fasciola hepatica — o caramujo é o hospedeiro intermediário (em que se desenvolvem
as formas infectantes do parasito), e o hospedeiro definitivo pode ser bovino, ovino ou o
homem.
Fonte: Adaptada de Aldona Griskeviciene; Viktoriia_P/Shutterstock.com.

Parasitos estenoxenos e eurixenos


Há parasitos que só se desenvolvem em uma única espécie de hospedeiro,
enquanto outros admitem variedade de hospedeiros. No primeiro caso, diz-se
que o parasito é estenoxeno; no segundo caso, o parasito é denominado eurixeno
(REY, 2008; NEVES, 2016). Essa peculiaridade não interfere na definição
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do ciclo biológico em direto ou indireto. Por exemplo, a Taenia saginata é


um parasito do organismo humano (estenoxeno) que se desenvolve num ciclo
indireto, em que o boi é o hospedeiro intermediário.

Durante o ciclo biológico de um parasito, pode-se encontrar hospedeiros denominados


vetores, organismos capazes de transmitir o parasito entre dois hospedeiros. Os vetores
biológicos são aqueles nos quais o parasito se reproduz ou se desenvolve (por exemplo,
moluscos e artrópodes). Há ainda os vetores mecânicos, quando o parasito não se
reproduz e nem se desenvolve no vetor, que apenas o transporta. Objetos inanimados
também podem veicular parasitos e, nesses casos, são denominados fômites.

Vias de transmissão
Os parasitos desenvolvem-se e distribuem-se em regiões que ofereçam condi-
ções para sua sobrevivência e propagação. O modo de transmissão é, portanto,
a forma pela qual o agente infeccioso atinge o hospedeiro (REY, 2008; MAT-
THEWS, 2011; FERREIRA, 2012; NEVES, 2016). Os principais mecanismos
são os seguintes:

 Transmissão vertical: trata-se da transmissão direta de um patógeno


entre mãe e filho(a), ainda durante o período gestacional, trabalho de
parto e/ou parto e da amamentação; refere-se à denominada transmissão
congênita.
 Transmissão horizontal: trata-se da transmissão direta ou indireta de
um patógeno entre indivíduos.
■ Transmissão direta: é a transferência direta do agente infeccioso por
uma porta de entrada para que se possa causar a infecção. Também
é denominada transmissão de pessoa a pessoa e pode acontecer por
meio do contato direto, como por porque ou relações sexuais. Entre
os parasitos, podemos exemplificar a transmissão da tricomoníase,
em que o trofozoíto é transmitido durante a relação sexual.
■ Transmissão indireta: pode acontecer de várias maneiras. Entre as
parasitoses humanas, destacam-se as transmissões que ocorrem das
formas a seguir.
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– Mediante veículos mecânicos de transmissão: por meio de objetos ou


materiais contaminados, tais como água, alimentos, leite, produtos
biológicos, incluindo soro e plasma. O agente pode ou não ter se
multiplicado ou desenvolvido no veículo antes de ser transmitido.
– Por meio de um vetor (biológico): por intermédio de um portador vivo
(inseto, ácaro, molusco), que transporta um agente infeccioso até um
indivíduo suscetível, sua comida ou seu ambiente imediato. O agente
pode ou não se desenvolver, propagar ou multiplicar dentro do vetor.
O agente infeccioso pode transmitir em forma vertical (transmissão
transovariana) às gerações sucessivas do vetor, bem como aos es-
tágios sucessivos do ciclo biológico do vetor. A transmissão pode
ocorrer por meio da saliva durante a picada (como na malária), por
regurgitação (como na leishmaniose) ou ao depositar sobre a pele,
com a defecação do artrópode vetor (como na doença de Chagas),
os agentes infecciosos, que podem entrar pela ferida da picada ou ao
coçar-se (MATTHEWS, 2011).
– Por meio do ar/pó: é a disseminação de ovos/cistos leves, de dimensões
variáveis, que se precipitam no solo, o que pode dar origem a uma
transmissão direta ao serem ressuspendidos pelo vento ou por agitação
mecânica (ao sacudir vestidos e roupas de cama, por exemplo).

O Guia de Bolso de Doenças Infecciosas e Parasitárias é reconhecido pelos profis-


sionais da saúde como um manual prático e de grande utilidade para aqueles que
desempenham as suas funções nos serviços de saúde pública no Brasil. Para saber
mais, acesse o link a seguir.

https://qrgo.page.link/MTK8V

Água: um importante veículo de transmissão


de parasitoses
A compreensão dos mecanismos envolvidos e capazes de agravar os riscos de
infecção é de suma importância para a melhoria das condições de saúde de uma
população. Nesse sentido, a água, um dos principais elementos presentes em
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nosso cotidiano, é de extrema importância, uma vez que a sua contaminação


pode levar a prejuízos na qualidade de vida da população e na economia do
país (STRUNZ et al., 2014; NEVES, 2016).
Considerando as parasitoses humanas, Rey (2008) destaca que:

 a água impede a dessecação e a morte dos parasitos nos momentos de


passagem de um hospedeiro para outro, devendo suportar condições
ambientais adversas;
 a água veicula as formas infectantes de várias espécies de parasitos, a
exemplo de amebíase, esquistossomose, ascaridíase e outras;
 hospedeiros intermediários e vetores de doenças parasitárias têm a água
como hábitat (moluscos vetores da esquistossomose, por exemplo) e/ou
utilizam a água como criadouros (formas evolutivas de moscas vetores
das filarioses, por exemplo).

Nesse sentido, a melhoria das condições no acesso à água e ao sane-


amento tem papel fundamental na redução de uma grande variedade de
doenças, inclusive as parasitárias. De acordo com o Instituto Trata Brasil,
a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas
para a Infância (UNICEF), os indicadores de morbidade e mortalidade por
enfermidades diarreicas, entre outras doenças, estão entre os que apresentam
mais forte correlação com os indicadores de saneamento (STRUNZ et al.,
2014; NEVES, 2016).

Um estudo publicado em 2019 pela OMS e pelo UNICEF mostrou que, a cada 3 pessoas,
1 não tem acesso a água potável, o que equivale a cerca de 2,2 bilhões de pessoas no
mundo. A OMS também aponta que 4,2 bilhões de pessoas não apresentam acesso a
esgotamento sanitário. O estudo afirma que, todos os anos, 297 mil crianças menores
de cinco anos de idade acabam morrendo por desidratação devido a diarreia associada
a falta de água e saneamento básico adequados. Segundo dados do Sistema Nacional
de Informações sobre Saneamento (SNIS — ano base 2017), o Brasil tem 35 milhões de
brasileiros sem acesso a água por rede de abastecimento, cerca de 100 milhões não
possuem coleta de esgoto e apenas 45% dos esgotos são tratados. Mais informações
podem ser obtidas no site do Instituto Trata Brasil, no link a seguir.

https://qrgo.page.link/A3RDc
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Rede de casualidade das doenças


— a tríade epidemiológica
Os agentes infecciosos são necessários, mas nem sempre suficientes, para
causar a doença. Os fatores do hospedeiro são os que determinam a exposição
de um indivíduo, sua suscetibilidade e capacidade de resposta, assim como
características de idade, grupo étnico, constituição genética, gênero, situação
socioeconômica e estilo de vida. Por último, os fatores ambientais englobam o
ambiente social, físico e biológico (ROCHE; GUEGUAN, 2011; NEVES, 2016).
Assim, a tríade epidemiológica (Figura 4) é um modelo tradicional de
causalidade das doenças transmissíveis no qual a doença é o resultado da
interação entre o agente, o hospedeiro suscetível e o ambiente, que em doenças
transmitidas por vetores, representam o elo de transmissão (REY, 2008; OPAS,
2010; ROCHE; GUEGUAN, 2011; NEVES, 2016).
Utiliza-se o esquema tradicional denominado cadeia epidemiológica, tam-
bém conhecido como cadeia de infecção, para entender as relações entre os
diferentes elementos que levam ao aparecimento de uma doença transmissível.
Essa cadeia organiza os elos que identificam os pontos principais da sequência
de interação entre o agente, o hospedeiro e o meio (e o vetor, se for o caso)
(OPAS, 2010; ROCHE; GUEGUAN, 2011; NEVES, 2016).

Figura 4. Tríade epidemiológica.


Fonte: Adaptada de Organização Pan-Americana da Saúde (2010).

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