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CISTITE BACTERIANA EM UMA CADELA: RELATO DE CASO

RESUMO
A cistite se caracteriza por um processo inflamatório/infeccioso comum na rotina clínica
médica de pequenos animais. Dentre elas, pode-se destacar a cistite bacteriana que pode ser
causada por bactérias Gram positivas e/ou Gram negativas. Diante disso, o objetivo desse
trabalho é relatar um caso de cistite bacteriana em uma cadela. Foi atendida em uma clínica
veterinária em Fortaleza, Ceará, uma cadela, da raça Poodle, com sete anos de idade. A tutora
relatou que no início da micção do animal, a urina apresentava-se amarelada e, ao final da
micção, apresentava um aspecto “avermelhado”. Ao exame físico, verificou-se temperatura de
38,5˚C, bom escore corporal, mucosas rosadas e pelagem brilhosa. Palpação e ausculta
normais, sem demonstrar nenhuma alteração ou dor na avaliação física. Dessa forma, foram
solicitados: hemograma, dosagens bioquímicas e urinálise. A urinálise mostrou a presença de
leucócitos, hemácias, cilindros, células epiteliais, proteínas, dentre outros. Um quadro de
neutropenia também foi observado. A quantificação de creatinina mostrou-se dentro dos
limites da normalidade. Conclui-se, nesse relato, que os exames complementares foram
essenciais para se alcançar o diagnóstico. A cistite bacteriana não induziu alterações clínicas,
hematológicas e bioquímicas significativas. O diagnóstico precoce foi essencial para se
manter o bem estar do animal.

Palavras-chave: Bexiga; Bactéria; Canino; Urinálise; Hematologia; Bioquímica.

1 INTRODUÇÃO

A cistite se caracteriza por um processo inflamatório e/ou infeccioso da vesícula


urinária, sendo considerada rotineira na clínica veterinária. Ela pode ser classificada em
aguda, tendo como etiologia as mais diversas, entretanto, uma das principais é a infecção
bacteriana. Tem-se também a cistite crônica, com diversas etiologias, sendo a mais comum, os
cálculos vesicais (ZACHARY, 2018).
Dados mostram que as neoplasias, urolitíase, alterações do sistema nervoso, uso de
corticosteróides, e doenças endócrinas, podem predispor à cistite. Ainda, comorbidades e
diversos fatores demográficos podem estar associados à predisposição para essa enfermidade,
incluindo idade avançada, porte físico, e raças específicas (SENIOR, 2011).
Em relação aos sinais clínicos, é mais comum o animal apresentar quadro de
hematúria, disúria e polaciúria, podendo ser evidenciados isolados ou em conjunto (HARRER
et al., 2022).

O diagnóstico de cistite baseia-se na anamense, exame físico e exames


complementares como: urinálise, urinocultura para detecção de agentes microbianos, e
também o exame ultrassonográfico (VASCONCELLOS, 2012). Já o prognóstico vai ser
determinado a partir da causa da cistite, do diagnóstico precoce e início do tratamento.
Considerando que a cistite bacteriana é uma das mais prevalentes na clínica veterinária
e que pode comprometer o bem estar do animal, torna-se interessante estudá-la. Dessa forma,
o objetivo desse trabalho é relatar um caso de cistite bacteriana canina com diagnóstico em
Fortaleza, Ceará.

2 RELATO DE CASO

Foi atendida em uma clínica veterinária em Fortaleza, Ceará, uma cadela, da raça
Poodle, com sete anos de idade, pesando 9 kg. A tutora relatou que no início da micção do
animal, a urina apresentava-se amarelada e, ao final da micção, apresentava-se
“avermelhada”. Foi comentado também que a cadela não ingeriu muita água, mas alimentava-
se normalmente. Ao exame físico, verificou-se temperatura de 38,5˚C, bom escore corporal,
mucosas rosadas e pelagem brilhosa. Palpação e ausculta normais, sem demonstrar nenhuma
alteração ou dor na avaliação física. Dessa forma, foram solicitados: hemograma, dosagens
bioquímicas e urinálise.

3 DISCUSSÃO

Nesse relato, foi realizada a urinálise. Em relação ao seu resultado (Tabela 1), não se
observou qualquer alteração no exame físico. Entretanto, na anamnese foi relatada a
existência de uma coloração avermelhada. Esse achado pode estar relacionado à presença de
hemácias, o que de fato foi visualizado no exame de sedimento (Tabela 1). Dados mostram
que a hematúria pode estar associada a quadros inflamatórios no trato urinário como
pielonefrite, ureterite, cistite, bem como congestão passiva renal, distúrbios hemostáticos,
dentre outros (LOPES et al., 2007).

Tabela 1: Resultado da urinálise de uma cadela com quadro de cistite.

RESULTADOS VALORES DE REFERÊNCIA

ANÁLISE FÍSICA
Densidade 1021 1015-1045
Aspecto Límpido Límpido
Cor Amarelo Claro Amarelo
Volume 4 mL
Odor Sui Generis Sui Generis

ANÁLISE QUÍMICA
Leucócitos Negativo Negativo
pH 5,0 5,5-7,5
Glicose Negativo Negativo
Nitrito Negativo Negativo
Proteínas + Neg - Pos+
Cetonas Negativo Negativo
Urobilinogênio Normal Normal (até 1mg/dL)
Bilirrubinas Negativo Negativo
Sangue Negativo Negativo

SEDIMENTOSCOPIA
Céls. Descamativas Ausentes Ausentes
Céls. Transicionais Até 6/cga Até 2/cga
Céls. Caudadas Ausentes Até 2/cga
Céls. Renais Ausentes Até 2/cga
Aglomerado de Células Ausentes
Hemácias Até 3.000/mL Até 2.000/mL
Leucócitos Até 2.000/mL Até 10.000/mL
Cil. Hialinos Ausentes Ausentes
Cil. Celulares Ausentes Ausentes
Cil. Granulares 0-2/cpa 0-1/cpa
Cil. Lipídicos Ausentes Ausentes
Cil. Cerosos Ausentes Ausentes
Pigm. Bilirrubina Ausentes Variável
Fil. Muco Ausentes Ausentes
Bactérias Cocos + Ausentes
Gotículas de gordura +
Cristais Amorfos + Ausentes - Raros
Cristais Ausentes Ausentes - Raros

Quanto ao exame químico da urina, verificou-se uma redução do valor do pH (Tabela


1). Essa discreta acidez pode ter sido ocasionada, então, pela baixa ingestão hídrica da cadela,
mostrando desidratação pela falta de água, fazendo com que o pH da mesma tenha alterado
levemente por estar no início desta condição de cistite e/ou associado a infecção bacteriana
(SKIN; FELDMAN, 2004).
Outro achado visualizado foi a proteinúria (Tabela 1), dados visualizados também na
literatura (Magalhães et al., 2019). Sabe-se que a proteinúria visualizada de grau leve a
moderado pode ser atribuída às infecções do trato urinário em humanos (VADEN et al., 2004;
CARTER et al. 2006), fato também observado em cães. Dessa forma, esses achados
visualizados no exame físico do animal em questão, referem-se provavelmente a um quadro
inflamatório/infeccioso.
Quanto à sedimentoscopia, verificou-se a presença de células transicionais, leucócitos,
hemácias cilindros granulares, cocos, gotículas de gordura e cristais amorfos (Tabela 1).
Dados mostram que células do epitélio de transição podem ser oriundas da pelve renal, ureter
ou bexiga (GONZÁLEZ; SILVA, 2008) e estão associadas a processo inflamatório. Em
relação à presença de hemácias e leucócitos, esses podem estar associados a quadros
hemorrágicos ou inflamatórios/infecciosos. De fato, esse achado foi confirmado pela presença
de cocos no sedimento. Em relação à presença de cilindros granulares, esses estão associados
degeneração tubular ou necrose de células tubulares (LOPES et al., 2008), fato que pode estar
associado a infecção e lesão celular, nesse relato de caso. Ainda, a presença de cristais
amorfos pode estar associadaa variações de pH, temperatura ou concentração. Dessa forma,
seria interessante investigar esse achado nesse relato. E, por fim, a presença de gotículas de
gordura pode estar associada a uma nutrição hipercalórica no animal.
Diante dos achados visualizados no resultado, diagnosticou-se cistite bacteriana no
animal em questão. Dados da literatura mostram que as infecções do trato urinário inferior
podem ser causadas por bactérias Gram positivas e/ou Gram negativas
(OLIVEIRA;SANTOS, 2018). Dessa forma, seria interessante a solicitação de urinocultura
para se esclarecer se o quadro de cistite desse relato de caso estava associado a cocos Gram
positivos e/ou Gram negativos. Ainda, sabe-se que em algum momento da vida, o animal
pode desenvolver cistite (Thompson et al., 2011). Nesse relato, o animal tinha 7 anos.
Em relação ao resultado do hemograma, verificou-se um eritrograma dentro dos
limites da normalidade e, no leucograma, apenas uma discreta neutropenia (Tabela 2). Dados
mostram que esse achado pode ser observado em quadro de infecção bacteriana aguda
(LOPES et al., 2008). De fato, o animal foi diagnosticado com cistite bacteriana, o que pode
justificar a neutropenia no animal.

Tabela 2: Resultado do hemograma de uma cadela com quadro de cistite.

Parâmetros Resultados Valores de Referência


Hemácias 6.990.000 5,5 –8,5 milhões/mm3
Hematócrito 50.0 37 - 55 %
Hemoglobina 16,2 12 - 18 g/dL
Plaquetas 331.000 200.000 – 500.000/mm3
Leucócitos 6.900 6.000 – 17.000/mm3

Net.Bastões 0 0-300
Net.Segmentados 3.036 3.500 – 12.500
Eosinófilos 414 100 -1.250
Linfócitos 2.967 1.000 – 4.800
Monócitos 483 150 – 1.350
Proteínas totais 8,9 6,0 - 8,0

Nesse relato foi solicitada a quantificação de creatinina. Dados da literatura mostram que a
creatinina pode estar associada a dano renal, podendo, dessa forma, ser considerada um
marcador desse órgão (KANEKO et al., 2008). Diante disso, verificou-se que, provavelmente,
o animal desse relato não apresentou dano renal.
Diante dos achados visualizados e o diagnóstico de cistite bacteriana, foi prescrito
alterações de manejo, com dieta adequada e maior ingestão de água. Administração de
complexo B e vitamina C também foram prescritos no intuito de melhorar a imunidade do
animal.

4 CONCLUSÃO

Conclui-se, nesse relato, que os exames complementares foram essenciais para se


alcançar o diagnóstico. A cistite bacteriana não induziu alterações clínicas, hematológicas e
bioquímicas significativas. O diagnóstico precoce foi essencial para se manter o bem estar do
animal.
REFERÊNCIAS

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