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ENSINO DA PESSOA

COM ALTAS
HABILIDADES/
SUPERDOTAÇÃO

Fernanda Mendes Arantes


Direitos humanos e
os sujeitos com altas
habilidades/superdotação
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Analisar a Declaração Universal dos Direitos Humanos.


 Reconhecer a importância da Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos para a inclusão social do público-alvo da Educação Especial.
 Descrever aspectos importantes desse documento para os sujeitos
com altas habilidades/superdotação.

Introdução
O ser humano necessita de proteção, independentemente de raça, credo,
religião, etnia, gênero, deficiência ou habilidades. Essa é uma constatação
atual, elaborada à luz da chamada contemporaneidade. Na época das
grandes guerras mundiais, na primeira metade do século passado, os
direitos humanos ainda não haviam sido estabelecidos, e a humanidade
presenciou atrocidades, como o holocausto e a escravidão.
Os direitos humanos são requeridos no convívio em sociedade em
todos os ambientes que nos cercam: família, escola, atendimento educa-
cional especializado, trabalho e lazer. Cotidianamente, exercemos direitos
e deveres. Com os alunos com altas habilidades e superdotação (AH/
SD), não é diferente. Entretanto, por se tratar de uma temática pouco
constante no debate social, ainda há muito a avançar.
Neste capítulo, você vai estudar a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, conhecendo a importância desse documento para os sujeitos
com AH/SD e sua inclusão social.
2 Direitos humanos e os sujeitos com altas habilidades/superdotação

1 Declaração Universal dos Direitos Humanos:


uma visão ampla
A criação da Organização das Nações Unidas (ONU) aconteceu um mês após
o fim da Segunda Guerra Mundial. Cerca de 50 países assinaram a Carta
das Nações Unidas. Em seu preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (DUDH) afirma:

Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU,


sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser
humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram
promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade
mais ampla, […] A ASSEMBLÉIA GERAL proclama A PRESENTE DECLA-
RAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS como o ideal comum a
ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada
indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração,
se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses
direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacio-
nal e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância
universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto
entre os povos dos territórios sob sua jurisdição (MARTINS, 2017, p. 181).

Com a análise do preâmbulo da DUDH, verifica-se o peso dado à educação,


e à escola em particular, no sentido de garantir promoção e manutenção aos
direitos constituídos. De acordo com Claude (2005, p. 37):

A educação é valiosa por ser a mais eficiente ferramenta para crescimento pes-
soal. E assume o status de direito humano, pois é parte integrante da dignidade
humana e contribui para ampliá-la com conhecimento, saber e discernimento.
Além disso, pelo tipo de instrumento que constitui, trata-se de um direito de
múltiplas faces: social, econômica e cultural. Direito social porque, no contexto
da comunidade, promove o pleno desenvolvimento da personalidade humana.
Direito econômico, pois favorece a autossuficiência econômica por meio do
emprego ou do trabalho autônomo. E direito cultural, já que a comunidade
internacional orientou a educação no sentido de construir uma cultura univer-
sal de direitos humanos. Em suma, a educação é o pré-requisito fundamental
para o indivíduo atuar plenamente como ser humano na sociedade moderna.

A educação corrobora a instituição de uma cultura universal dos direitos


humanos, mas, por si só, não é ferramenta que garantirá estes direitos. Essa
premissa pode ser validada quando encontramos escolas que se negam a
receber alunos com deficiência ou altas habilidades. Outras, se os recebem,
Direitos humanos e os sujeitos com altas habilidades/superdotação 3

não conseguem incluí-los verdadeiramente. Analisaremos, a seguir, os direitos


humanos relacionados à educação em uma perspectiva inclusiva.

Confira no link a seguir o artigo “Direito à educação e educação para os direitos hu-
manos”, de Richard Pierre Claude (2005).

https://qrgo.page.link/JtM5f

2 Declaração Universal dos Direitos Humanos:


uma visão direcionada
Quais são os direitos específicos dos alunos com AH/SD? Em quais ambientes
esses direitos se aplicam? O que fazer para garanti-los?
Em primeiro lugar, para o aluno com AH/SD, o debate é amplo quando
se fala em garantias educacionais na perspectiva da Educação Especial ou
Inclusiva. Isso porque, em nosso país, esse debate é frequentemente dire-
cionado aos alunos com deficiência e não aos que possuem AH/SD. É senso
comum, na escola, que estes últimos não causam transtornos e que, por isso,
o convívio seria mais fácil. No entanto, por não saber lidar com esses alunos,
o professor frequentemente se envolve em situações complicadas e, com isso,
acaba dificultando ou atrasando seu desenvolvimento.
Essa é uma situação frequente tanto na escola regular, na sala de aula
comum, quanto no atendimento educacional especializado (AEE). De acordo
com Sant’ana et al. (2015, p. 37417):

Historicamente o atendimento educacional especializado brasileiro tem se


constituído como atendimento aos portadores de algum tipo de deficiência,
a partir do final do século XIX, mais especificamente a partir da criação da
Escola México em 1887 no Rio de Janeiro, que se dedicava ao atendimento
de crianças com deficiências físicas e intelectuais.

O movimento da Escola Nova, no início da década de 1930, influenciou


fortemente uma revolução nas escolas. Isso abarcou também as crianças com
4 Direitos humanos e os sujeitos com altas habilidades/superdotação

deficiência e altas habilidades/superdotação, caminhando a favor de uma escola


democrática e livre. Entretanto, no Brasil, somente em 1967 o Ministério da
Educação e Cultura organizou “[…] a primeira comissão para estabelecer
critérios de identificação dos alunos superdotados para elaborar a posteriori
o atendimento educacional especializado” (SANT’ANA et al., 2015, p. 37148).
Como mencionado anteriormente, os direitos humanos são garantidos
por políticas públicas. A DUDH prevê que: “Art. 1º - Todos os seres huma-
nos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e
consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraterni-
dade” (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948, documento
on-line). Já em relação à educação, o documento estabelece:

Artigo 26° - 1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser
gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental.
O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser
generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em
plena igualdade, em função do seu mérito. 2.A educação deve visar à plena
expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e
das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância
e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos,
bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a ma-
nutenção da paz (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948,
documento on-line).

Portanto, todas as pessoas, com deficiência ou altas habilidades, possuem


igualdade de direitos. Além disso, um dos direitos essenciais é a educação,
que deve ser gratuita e oferecida de maneira obrigatória no ensino funda-
mental. Após o ensino elementar, o acesso ao ensino superior deve estar em
condições de igualdade para todos. Ainda no Art. 26, a Declaração nos alerta
sobre compreensão, tolerância e amizade necessárias para o convívio entre
todas as nações e todos os grupos (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES
UNIDAS, 1948).
Na década de 1970, aconteceu no Brasil o Seminário Nacional para Su-
perdotados. De acordo com Sant’ana et al. (2015, p. 37419):

[…] com o Seminário Nacional sobre Superdotados destacam-se os Pareceres


do CFE n.º 255/1972; CFE n.º 436/1972; CFE n.º 681/1973, que determinam
respectivamente: o respeito ao ritmo, aptidões e interesses dos alunos com
AH/SD eliminando barreiras entre anos letivos, o que representa a primeira
possibilidade de aceleração do currículo, com intuito de atender as necessi-
dades específicas do aluno com Altas Habilidades/Superdotação; Admissão
Direitos humanos e os sujeitos com altas habilidades/superdotação 5

antecipada de alunos com Superdotação no Ensino Superior; Definição de


conceitos para identificação de alunos com Superdotação.

Verifica-se, por meio das políticas públicas, que ainda há muito para ser
feito, mas, sem dúvida, a década de 1970 foi frutífera para os alunos com AH/
SD no que diz respeito à garantia de direitos pela legislação nacional. Como
lei maior de nosso país, é fundamental que a Constituição Federal aborde essa
temática. O Art. 208 da Constituição Federal constitui importante avanço para
esses alunos: “Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de: (EC no 14/96, EC no 53/2006 e EC no 59/2009): […]
V – acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artís-
tica, segundo a capacidade de cada um” (BRASIL, 1988, documento on-line).
Com o inciso V do Art. 208, entende-se que o atendimento deve ser ofe-
recido a todas as crianças “precoces”, bem como deve ser favorecida sua
inserção e evitar a marginalização e o preconceito. Além disso, todo o País
deve, por meio de suas políticas públicas, estabelecer formas de atendimento
educacional e/ou de saúde, inserção no mercado de trabalho, dentre outros
aspectos, para todas as pessoas.

É essencial que você conheça a Declaração Universal dos Direitos Humanos por
completo. São apenas 30 artigos, que tratam de um tema vasto e complexo: o ser
humano. Ao ler esse documento, você perceberá que muitos de seus artigos não
são cumpridos na prática. Cabe, nesse momento, a reflexão: onde estamos errando?
Acesse a Declaração na íntegra no link a seguir.

https://qrgo.page.link/nxdbG

3 Direito à dignidade humana


Depois da análise geral a respeito da DUDH, cabe aqui a análise entre teoria
e prática para verificar a efetividade do documento no contexto inclusivo da
escola. Antes de tudo, a criança com AH/SD tem o direito de saber da sua
situação. De acordo com Pérez (2004, documento on-line):
6 Direitos humanos e os sujeitos com altas habilidades/superdotação

Negar à criança o direito de confirmar algo que ela já sabe fere os direitos
humanos e principalmente o compromisso com a verdade, ensinamento básico
para qualquer criança. As crianças com AH/SD frequentemente manifestam
seu sentimento de diferença com seus pares; ‘são diferentes às outras e sabem
disto’, talvez sem compreender exatamente essa diferença, mas sim como algo
que, muitas vezes, lhes incomoda ou causa mal-estar.

Para a verdadeira inclusão, a escola deve mobilizar-se para garantir seu


atendimento no turno regular, bem como no contraturno, oferecendo o atendi-
mento educacional especializado. Além disso, deve atuar de maneira verdadeira
e fiel aos princípios elencados aqui, garantidos pela DUDH.
A criança com AH/SD possui dificuldades que podem aparecer nos rela-
cionamentos, em algumas disciplinas específicas na escola (porque eles não
são bons em tudo), no relacionamento familiar e na escola de uma forma geral.
Assim como as crianças com deficiência, as crianças com AH/SD precisam de
atenção especial e adaptação curricular. Além disso, seus professores devem
apresentar uma formação condizente com as suas necessidades. Confira a se-
guir os aspectos envolvidos na interação aluno e escola no contexto de AH/SD:

 adaptação curricular;
 envolvimento familiar;
 atendimento educacional especializado;
 formação docente adequada;
 conteúdo socioemocional;
 diagnóstico adequado;
 escola regular.

Como se vê, o espectro que envolve o atendimento às crianças com AH/


SD é amplo. Não se trata somente de um ou outro direito adquirido, mas de
adaptações estruturais para que se possa compreendê-lo por completo.
Como visto anteriormente, a educação é uma ferramenta necessária para
mudanças a longo prazo, direcionadas às gerações futuras. O Art. 26 da
DUDH (ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948) estabelece:

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo
menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será
obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem
como a instrução superior, está baseada no mérito.
2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da per-
sonalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos
e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a
Direitos humanos e os sujeitos com altas habilidades/superdotação 7

tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e


coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que
será minis trada a seus filhos.

Aqui é importante ressaltar a expressão: “pleno desenvolvimento da per-


sonalidade humana”, tendo por base nosso público-alvo, as crianças com
AH/SD. Essa expressão garante direitos dentro e fora da escola, visto que,
de acordo com a DUDH, todos somos iguais (ASSEMBLEIA GERAL DAS
NAÇÕES UNIDAS, 1948). Segundo Claude (2005, p. 40), a expressão “pleno
desenvolvimento da personalidade humana”:

[…] articulou e sintetizou todos os direitos sociais, econômicos e culturais


da Declaração. Dado o objetivo de pleno desenvolvimento da personalidade
humana no contexto da sociedade — o único contexto em que ele pode ocorrer
—, conclui-se que o direito à educação é um direito social, um bem social e
uma responsabilidade da sociedade como um todo.

Sendo responsabilidade da sociedade como um todo, cabe à escola adaptar-


-se aos seus alunos com AH/SD, favorecendo seu desenvolvimento intelectual,
emocional e social em busca da garantia de igualdade prevista na DUDH.

Para saber mais sobre as características dos alunos com AH/SD, leia a dissertação de
Susana Pérez, intitulada “Gasparzinho vai à escola: um estudo sobre as características
do aluno com altas habilidades produtivo-criativo”. Você pode dar atenção especial ao
capítulo 2.4, “Dos mitos e crenças: sobre como assombrar fantasmas”, que trata sobre
visões inverídicas que acabam prejudicando o desenvolvimento social dos alunos
com AH/SD. Confira no link a seguir.

https://qrgo.page.link/NgQEZ
8 Direitos humanos e os sujeitos com altas habilidades/superdotação

ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos.
1948. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Transla-
tions/por.pdf. Acesso em: 24 jan. 2020.
BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988. Brasília, DF, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 24 jan. 2020.
CLAUDE, R. P. Direito à educação e educação para os direitos humanos. Sur - Revista
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scielo.br/pdf/sur/v2n2/a03v2n2.pdf. Acesso em: 24 jan. 2020.
MARTINS, R. V. A pedagogia de Freire e Freinet e a prática dos direitos humanos: uma
contribuição para as comunidades indígena e quilombola da cidade de Aquiraz-Brasil.
Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2017.
PÉREZ, S. G. P. B. Gasparzinho vai à escola: um estudo sobre as características do aluno com
altas habilidades produtivo-criativo. 2004. 308 p. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2004. Disponível em: https://www.researchgate.net/profile/Susana_Perez21/
publication/29732961_GASPARZINHO_VAI_A_ESCOLA_UM_ESTUDO_SOBRE_AS_CA-
RACTERISTICAS_DO_ALUNO_COM_ALTAS_HABILIDADES_PRODUTIVO-CRIATIVO/
links/59f89f7ca6fdcc075ec98fc1/GASPARZINHO-VAI-A-ESCOLA-UM-ESTUDO-SOBRE-
-AS-CARACTERISTICAS-DO-ALUNO-COM-ALTAS-HABILIDADES-PRODUTIVO-CRIATIVO.
pdf. Acesso em: 24 jan. 2020.
SANT’ANA, C. et al. Debates científicos: compreendendo a identidade das altas habi-
lidades/superdotação no Brasil. In: CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 12., 2015,
Curitiba. Anais […]. Curitiba, PR: EDUCERE, 2015. Disponível em: https://educere.bruc.
com.br/arquivo/pdf2015/16057_7556.pdf. Acesso em: 24 jan. 2020.

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