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ANÁLISE DA CONVERSAÇÃO
Tópicos da aula
Situando a reflexão...
Sob a aparente “desordem” do oral espontâneo, escondem-se regularidades que são de natureza
diversa das que se observam na escrita, porque as condições de produção/recepção do discurso
são de outra natureza. E, se permanecemos durante tanto tempo cegos a essas regularidades que
a análise conversacional traz hoje à luz, é sem dúvida porque estamos muito acostumados a nos
“acomodar” exclusivamente ao discurso escrito.
É paradoxal constatar que, apesar de as conversações serem, antes de tudo, objetos e linguagem,
a linguística só tenha vindo a se interessar por elas tardiamente e sob a pressão de pesquisas
conduzidas além de suas fronteiras. Mas o fato é esse: até muito recentemente, a linguística se
ocupava essencialmente desse sistema abstrato que é a língua, apreendida a partir de exemplos
produzidos para a circunstância; quando ousados a enfrentar o discurso, geralmente se tratava de
discursos escritos e “monologais”.
Para que haja troca comunicativa, não basta que dois falantes (ou mais) falem alternadamente; é
ainda preciso que eles se falem, ou seja, que estejam, ambos, “engajados” na troca e que deem
sinais desse engajamento mútuo, recorrendo a diversos procedimentos de validação
interlocutória. (Kerbrat-Orecchioni, 2006, p. 8).
O emissor em geral sugere estar falando com alguém, pela orientação do corpo, pela direção do
olhar, pelas formas de tratamento.
Aquele que toma a palavra tende a utilizar certas estratégias linguísticas para manter a natureza
dialogal da comunicação oral (“né?”, “entende?”, “sabe...”, “você vê...”, “ok?”, “nem te conto”,
“vou te contar...” etc.).
“A produção regular desses sinais de escuta é indispensável para o bom funcionamento da troca:
experiências provaram que sua ausência acarreta importantes perturbações no comportamento
do falante” (Kerbrat-Orecchioni, 2006, p. 9).
AS REGRAS CONVERSACIONAIS
Quando interagimos em práticas de conversação – cumprimentando alguém, conversando
informalmente, participando de uma entrevista de emprego, ministrando uma aula etc. –,
atendemos a algumas regras (ou condutas) gerais, sobre as quais Kerbrat-Orecchioni (2006, p.
14-15) trata nos seguintes termos:
Essas regras são de natureza bastante diversa, porque as conversações são objetos
complexos que funcionam em diferentes níveis.
Algumas dentre elas valem para todos os tipos de interação e outras são específicas de
um ou de outro gênero particular.
Variam amplamente, segundo as sociedades e as culturas.
Estão em conjuntos relativamente flexíveis (mais flexíveis, por exemplo, que as regras
da gramática das frases).
São adquiridas progressivamente desde o nascimento, mas não se constituem, em sua
maioria, como o objeto de um aprendizado sistemático.
São aplicadas de maneira inconsciente (a consciência da existência de tais regras quase
nunca ocorre).
Vejamos três tipos de material da conversação: (a) verbal, (b) paraverbal e (c) não verbal.
a. Material verbal
b. Material paraverbal
Em certas situações de conversação face a face, elementos não verbais funcionam como
CONDIÇÃO NECESSÁRIA PARA O INÍCIO, A MANUTENÇÃO E O ENCERRAMENTO DA INTERAÇÃO.
Vejamos alguns exemplos:
a. Para iniciar uma interação conversacional face a face, é preciso que o falante (i)
desloque-se em direção a seu interlocutor, (ii) aproxime-se dele suficientemente, (iii)
vire-se em sua direção e (iv) estabeleça contato visual mínimo.
b. Para manter uma interação conversacional face a face, é preciso que os interlocutores
estabeleçam uma distância física adequada ao tipo de interação (e ao gênero). Também
devem, para bom funcionamento da interação, trocar olhares, produzir validações
interlocutórias fáticas etc.
c. Para encerrar uma interação conversacional face a face, é preciso que os parceiros do
diálogo se afastem fisicamente ou que desviem o contato visual.
Conseguimos claramente perceber que o DIÁLOGO CONVERSACIONAL FACE A FACE vai muito
além da simples troca de palavras.
“Falamos com nossos órgãos vocais, mas é com todo o corpo que conversamos” (D.
Abercrombie)
ESPECIFICIDADES DA MODALIDADE ORAL DA LÍNGUA
A oralidade configura a modalidade mais natural da linguagem verbal.
A língua falada tem uma organização própria, muito distinta da língua escrita.
Comumente, certas características do texto falado são encaradas como vícios ou equívocos que
devem ser evitados.
Exemplos dessas supostas “falhas” que ocorrem no texto falado: interrupções abruptas, lapsos,
frases inacabadas, repetições, reformulações, marcadores de hesitação (é... hmm...), bem como
os marcadores das atividades fáticas de que falamos acima (né? ok? entende? certo? etc.)
Essas supostas “falhas” (ou “vícios”, como se costuma dizer no senso comum) ocorridas no
texto oral não raro exercem certas funções comunicativas no processo interacional. Vide os
marcadores das atividades fáticas.
Quando se trabalha com gravações em vídeos, constata-se que as interrupções desse tipo
(“autointerrupções”) coincidem frequentemente com uma baixa de atenção do ouvinte, marcada
por um desvio prolongado do olhar. A interrupção tem, portanto, por função reconquistar esse
olhar e essa atenção; uma vez que o contato se tenha restabelecido, a frase prossegue
normalmente. (...) a interrupção aparece então como uma espécie de estratégia inconsciente do
falante, visando restaurar o bom funcionamento da troca.
“Essas regras criam para os interactantes um sistema de direitos e deveres, portanto um sistema
de expectativas, que podem ser satisfeitas ou contrariadas” (Kerbrat-Orecchioni, 2006, p. 43).
Toda interação conversacional funciona por meio de um sistema de sucessão de turnos de fala
em que há, implicitamente, certos direitos e deveres subjacentes. Vejamos, a partir de Kerbrat-
Orecchioni (2006, p. 44):
a. O falante de turno (L1: current speaker) tem o direito de manter a fala por certo tempo,
mas também o dever de cedê-la num dado momento;
b. Seu “sucessor” potencial (L2: next speaker) tem o dever de deixar F1 falar e de ouvi-lo
enquanto ele fala; o sucessor potencial também tem o direito de reivindicar o turno de
fala ao final de certo tempo e o dever de tomá-la quando lhe é cedida.
A sucessão dos turnos de fala segue o que em Análise da Conversação entende por PRINCÍPIO
DA ALTERNÂNCIA. São três as máximas que regulam esse princípio geral da conversação:
Essas negociações podem tomar diferentes tons: agressivo (vai me deixar falar?) – cortês (é
rapidinho, me permita só terminar o meu raciocínio).
Essas negociações podem acontecer de modo explícito ou implícito. Vejamos, com base em
Kerbrat-Orecchioni (2006, p. 45):
Por esse motivo, sentimos desconforto quando, em uma conversa face a face, o silêncio é
predominante. Buscamos tomar o turno de fala, mesmo que sem ter o que dizer, ou tentar
convencer o interlocutor a fazê-lo.