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PROST, Antoine. As questões do historiador. In: _______.

Doze lições sobre a


História. Tradução: Guilherme João de Freitas Teixeira. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.

1. Tema
O texto define o que é uma questão histórica.

2. Tese central
Para o autor, a história não se define pelo seu objeto, mas pela construção de uma
questão, e é através dela que se estabelece o objeto de conhecimento.

3. Lógica interna
O texto está subdividido em 4 partes: uma introdução (sem nome), mais outras
três, assim denominadas: O que é uma questão histórica?, O enraizamento social
das questões históricas e O enraizamento pessoal das questões históricas.

O autor abre o texto afirmando que a história é uma forma de conhecimento que
não se define pelo seu objeto, mas pela construção do mesmo. De fato, não há
uma ação humana que seja histórica em si mesma, e, além disto, toda ação humana
pode se tornar objeto de estudo da história. O objeto histórico é, então, construído,
mas construído por uma questão.

A segunda parte (“O que é uma questão histórica?”) está subdividida em dois
itens: “Questões e documentos” e “A legitimidade das questões”. No primeiro
item, Prost mostra que para cada questão há sempre um documento possível,
pressuposto, e não pode haver questão sem um documento que possa vir a elaborá-
lo. Há, portanto, um primado da questão sobre o documento, o que leva a (a)
impossibilidade da leitura definitiva de um documento; (b) renovação do
conhecimento significa uma ampliação metodológica. No segundo, Prost
argumenta que é a questão que faz avançar o conhecimento historiográfico, cujo
progresso não se mede pelo preenchimento de lacunas, mas pelo levantamento de
dúvidas acerca da identidade herdada.
A terceira parte (“O enraizamento social da questão histórica”) está também
dividida em duas: a pertinência social e a pertinência científica. Nesta, o autor
toca em uma questão relevante: a relevância social não necessariamente se liga a
um desejo da sociedade por informação, sobretudo, se esta informação for apenas
uma curiosidade ou futilidade. Neste ponto, Prost coloca uma provocação:
pertinência social e pertinência científica nem sempre coincidem. A pertinência
científica já é socialmente pertinente, pois algum grau de identidade está sendo
questionado; mas nem toda pertinência social questiona a imagem que uma
sociedade faz de si mesma.

No segundo item, Prost aborda outra questão: a historicidade das questões


históricas. Aqui Prost aprofunda a pertinência científica, mostrando que o
historiador elabora questões surgidas na vida prática, ou seja, quando esta deixa
de ser óbvia para si mesma, quando os critérios de valor de uma cultura não dão
conta de explicar o que se passa com ela, temos a possibilidade de uma questão.

Na última parte, denominada “O enraizamento pessoal das questões históricas”,


vemos como Prost nos mostra as bases subjetivas da questão histórica: de um lado,
uma dimensão de engajamento público; de outro, um exame da própria situação.
Uma complementa a outra; a primeira, chamada “O peso dos compromissos”,
corre o risco da história ser plataforma para que o historiador se projete no
passado; mas a segunda, chamada “O peso da personalidade”, a equilibra, na
medida em que, ao se medir com o passado, o historiador passa a se conhecer
melhor, conhece as camadas da qual é composto.

4. Interlocução
✓ R. G. Collingwood – p. 75 – 76. sustenta o argumento do primado da
questão histórica.
✓ Reinhart Koselleck – p. 84-85. – sustenta o argumento da historicidade da
questão histórica.
✓ Henri-Irenne Marou – p. 91 – sutenta a ideia de que a história pode ser
uma forma de análise existencial.
5. Trechos significativos

Não existem fatos, nem história, sem um questionamento; neste caso, na


construção da história, as questões ocupam uma posição decisiva.
Com efeito, a história não pode definir-se por seu objeto, nem por documentos.
Como vimos, não existem fatos históricos por natureza; além disso, o campo de
objetos, potencialmente históricos, é ilimitado. (...)
Do ponto de vista epistemológico, a questão desempenha uma função
fundamental (...): com efeito, ela serve de fundamento e constitui o objeto
histórico. (p.75) → ilustra a introdução

Com a questão do historiador – e eis por que ela permite construir os fatos -, ele
tem uma ideia das fontes e dos documentos que lhe permitirão resolvê-la, ou seja,
também uma primeira ideia de procedimento a adotar para abordá-los (...)
Não há questão sem documento (...)
(...)
Tampouco existe documento sem ter sido questionado. Por sua questão, o
historiador estabelece os vestígios deixados pelo passado como fontes e como
documentos; antes de serem submetidos a questionamento, eles nem chegam a ser
preenchidos como vestígios possíveis, seja qual for o objeto. (p. 75-76) → ilustra
segunda parte

De um ponto de vista científico, nem toda a produção de obras chamadas


históricas à disposição de nossos contemporâneos possui o mesmo grau de
aceitabilidade.
Algumas histórias desempenham um papel de diversão, com o objetivo de distrair,
de fazer sonhar. Elas procuram o insólito no tempo, um exotismo análogo ao que
era proporcionado, no espaço, pelas revistas de vulgarização geográfica (...) Sua
função social não é desprezível, nem inofensiva (...) em vez de ser desqualificada
por seus métodos que podem garantir a perfeita observância das regras da
crítica, a história midiática é desacreditada pela futilidade de suas questões. (p.
82-83). → ilustra a terceira parte
Por psicanálise existencial, H. I. Marrou entendia o esforço despendido para
elucidar as próprias motivações; de fato, trata-se de uma catarse, de uma
purificação e de um despojamento. Neste sentido, em vez de um passatempo e de
um ganha-pão, a história é, em determinados aspectos, uma ascese pessoal, a
conquista de uma libertação interior. O recuo criado pela história é, também,
recuo em relação a si mesmo e a seus próprios problemas. Vemos, aqui, a
seriedade profunda da história. Além de um saber, ela é um trabalho de
autoanálise; é ainda insuficiente afirmar que é uma escola de sabedoria. Ao
escrever história, o historiador se cria a si mesmo. (p.91) → ilustra a última parte

6. Comentários
Podemos ver como o texto de Antoine Prost pode servir de critério para a leitura
de artigos empíricos, isto é, de textos que abordam assuntos não explicitamente
teóricos. Entenda-se por isso o seguinte: textos que, apesar de terem uma
fundamentação teórica, não abordam diretamente questões que interessam à
Teoria da História, tais como: “o que são as crises históricas?”, “a história é uma
ciência?”, “qual a importância da narrativa na histórica, e como diferenciá-la da
narrativa ficcional”, “qual a função da pesquisa histórica na sociedade?” entre
outras que tratam do trabalho do/a historiador/a.
Um exemplo da aplicabilidade das reflexões de Prost para um texto empírico se
verifica, por exemplo, ao lermos a introdução de Robert Gelatelly para seu livro
“Apoiando Hitler: Coerção e Consentimento na Alemanha nazista”. A questão de
Gelatelly é saber se a população alemã (que não era considerada como integrante
da comunidade judaica pelos critérios racistas do regime nazista) havia consentido
ou sido coagida pela ditadura chefiada por Hitler. Para responder a tal pergunta,
Gelatelly pesquisou nos arquivos remanescentes da GESTAPO (Polícia Secreta
de Estado), para ver como ocorriam as prisões. No fim, após fazer um
levantamento em três cidades distintas entre si, ele percebeu que
aproximadamente 70% das prisões efetuadas pela GESTAPO resultavam de
denúncias voluntárias da população, e não de um trabalho de espionagem da
polícia. Portanto, ele conclui que havia sim um consentimento populacional.
Tudo isso é para mostrar como a pesquisa de Gelatelly é um bom exemplo de
como uma questão sempre precede a documentação, ainda que, sem ela, ela ficará
sem resposta, ou, muito pior, ficará presa ao senso comum e a uma autoimagem
que uma sociedade cria para si mesma.

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