Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Hematopoese
Hematopoese
Hematopoese.
Regulação e Microambiente
Helder Henrique Paiva Eduardo Magalhães Rego
11
lha), por um tecido gorduroso (amarelo). Esse processo células-tronco ficam mais próximas do endotélio vascular
ocorre principalmente em ossos longos e inicia-se nas diá- (sinusoides da medula), nos quais a tensão de O2 é maior.
fases, restringindo gradualmente o tecido hematopoético As células hematopoéticas mais imaturas estão localizadas
ativo às epífises, além de ossos chatos como pélvis, crânio, ao longo da superfície endosteal, com um gradiente de dife-
vértebras, costelas e esterno. renciação movendo-se em direção ao eixo central da cavi-
A hematopoese tem como pré-requisito a existência de dade medular para a região perivascular. As células adiposas
um microambiente normal, capaz de sintetizar fatores ne- situam-se adjacentes aos sinusoides e também participam
cessários à sobrevivência das células progenitoras, favorecer da regulação da hematopoese secretando fatores solúveis
as interações entre células de diferentes tipos e acomodar inibitórios de diferenciação e funcionando como uma re-
as células em desenvolvimento. Desta forma, nos diferen- serva de lipídeos que são necessários ao metabolismo das
tes nichos hematopoéticos descritos desde a vida uterina células em proliferação. De fato, o nicho das células-tronco
até fase adulta, existem, além dos precursores hematopoé- hematopoéticas atua como uma unidade funcional e ana-
ticos, outras células, que constituem o estroma, formado tômica onde células do tecido ósseo, células endoteliais,
por componente celular (representado por fibroblastos, adiposas e elementos mesenquimais coexistem em proxi-
osteoblastos, osteoclastos, células-tronco mesenquimais, midade, regulando as células-tronco de forma combinada.
adipócitos, macrófagos, linfócitos e células endoteliais dos Várias moléculas relacionadas ao estroma estão envol-
sinusoides medulares), e um componente acelular, com- vidas na regulação de CTH. O fator de células-tronco (Stem
posto por substâncias que modulam as atividades celulares, Cell Factor – SCF) é produzido por células endoteliais, quer
chamadas fatores de crescimento, citocinas e proteínas de na forma solúvel, quer como uma proteína transmembra-
matriz extracelular, as quais favorecem a organização e a na. SCF liga-se ao receptor KIT (também conhecido como
estrutura da MO. A regulação de CTH compreende, por- SCFR e CD117) presente na superfície das CTHs. Esta li-
tanto, um processo multifatorial, incluindo também sinais gação é necessária para a regulação tanto da manutenção do
químicos, físicos e mecânicos, como temperatura, força de estado quiescente característico das células-tronco, quanto
cisalhamento, tensão de O2 constituintes de matrix e pre- da sua localização no nicho. As CTHs também expressam
sença de íons (ex.: Ca+2). Notch, que se une ao seu ligante Jagged 1 em osteoblastos
A seguir descreveremos os principais aspectos do mi- e, assim, desencadeiam sinais que contribuem para evitar
croambiente e dos fatores humorais relevantes para a regu- a diferenciação. Osteoblastos e células endoteliais também
lação da hematopoese. secretam moléculas quimioatraentes que orientam a volta
de células-tronco para a medula óssea, quando estas estão
MICROAMBIENTE E FATORES DE presentes na corrente sanguínea (homing). Por exemplo, a
CRESCIMENTO quimiocina CXC-12 (CXCL12, também conhecida como
SDF1) é produzida por osteoblastos e células endoteliais
Microambiente medulares e se liga ao receptor de quimiocina CXC-4
A exposição das CTHs a diferentes microambientes du- (CXCR4) da superfície de CTH.
rante a vida uterina tem importante influência na sua ma- Estudos in vivo realizados com camundongos genetica-
turação e em seu desenvolvimento. Na AGM e placenta mente modificados contribuíram para a melhor compreen-
fetal, as células hematopoéticas originam-se no endotélio são da relação entre o estroma e as células hematopoéticas.
de grandes vasos, como vitelínico, aorta dorsal e artérias O produto do gene W é o receptor de membrana chamado
umbilicais. Esses dados fomentam a hipótese de endotélio- c-Kit (CD117), expresso na superfície das células progeni-
-hemogenia, segundo a qual as CTHs surgem diretamente toras hematopoéticas. O produto do gene Sl é o ligante de
de células endoteliais, que perdem as características feno- c-Kit, também chamado Stem Cell Factor (SCF), expresso em
típicas endoteliais e passam progressivamente a expressar forma solúvel e na membrana de células estromais. Muta-
marcadores hematopoéticos. Por outro lado, a hipótese da ções que causam a inativação desses genes, quando presen-
origem das CTHs a partir de hemangioblastos defende a exis- tes em homozigose (W/W e Sl/Sl ), são letais ao embrião.
tência de um precursor bipotente e indiferenciado comum Entretanto, foram identificados alelos W e Sl mutantes que
às células endoteliais e hematopoéticas. Ainda durante a mantêm parte de sua função, chamados W v e Sl d. Camun-
gestação, a hematopoese fetal migra para a medula óssea, dongos heterozigotos W/W v e Sl/Sl d apresentam efeitos
que se torna, por fim, o principal reservatório de células- pleiotrópicos comuns: alterações pigmentares, esterilidade
-tronco. Acredita-se que essa relocalização seja resultado do e anemia congênita. Animais W/W v quando irradiados de
surgimento de osteoblastos e condrócitos, que são, então, forma subletal e, em seguida, transplantados com células-
capazes de formar o novo nicho para manutenção e desen- -tronco provenientes da medula óssea de um camundongo
volvimento de CTH. normal (tipo selvagem) foram capazes de reconstituir a he-
De forma simplista e didática, dois tipos de nichos me- matopoese, o mesmo não ocorrendo com os mutantes Sl/
dulares têm sido descritos: o endosteal ou osteoblástico, onde as Sl d. O experimento complementar, no qual a medula óssea
células-tronco hematopoéticas permanecem próximas aos de camundongos Sl/Sl d foi injetada em receptores W/W v
osteoblastos das trabéculas ósseas; e o perivascular, onde as irradiados, mostrou que a hematopoese era reconstituída
12 Tratado de Hematologia
nos receptores. Esse conjunto de experimentos mostrou fetal, angiopoitina 2 e 3 e IGFBP-2 (Insulin Growth Factor
que os mutantes Sl/Sl d possuem células-tronco normais Binding Protein-2) foram identificadas como os principais fa-
e o estroma defeituoso, enquanto que nos camundongos tores responsáveis pela manutenção da autorrenovação das
W/W v ocorre o oposto. Desta forma, a ativação do recep- CTHs, além de sua expansão e diferenciação.
tor c-Kit é essencial para a sobrevivência e o desenvolvimen- Os osteoblastos secretam G-CSF (Granulocyte Colony-Sti-
to das células progenitoras hematopoéticas. mulating Factor), GM-CSF (Granulocyte-Macrophage Colony-Sti-
Além do SCF, o estroma também é responsável pela mulating Factor) e interleucina 6 (IL-6), os quais estimulam
produção de G-CSF, GM-CSF, IL-1, IL-3, IL-6, IL-7, sobrevivência e diferenciação das CTHs. Ainda, osteoblas-
TGF-, entre outros fatores que participam da regulação tos produzem angiopoetina, trombopoetina, WNT, Nocht,
da hematopoese. O estroma ainda contém matriz extra- N-caderina e esteopoetina que, embora os mecanismos
celular composta por várias proteínas, glicoproteínas e de ação ainda sejam desconhecidos, regulam o número de
proteoglicanas produzidas pelas células estromais. Essas CTH no nicho.
macromoléculas que mantêm a estrutura tridimensional Na regulação da mielopoese, que dá origem a hemácias,
do compartimento e que dão suporte às células incluem o granulócitos, monócitos e megacariócitos, a IL-3 e o GM-
colágeno (tipos I, III, IV, V e VI), fibronectina, laminina, -CSF atuam em um amplo espectro de precursores imatu-
hemonectina, sulfato de heparina e sulfato de condroitina. ros, enquanto que o G-CSF e M-CSF são necessários para
As células progenitoras hematopoéticas possuem recepto- o desenvolvimento de células granulocíticas e monocíticas
res de superfície para essas macromoléculas e se ligam a maduras, respectivamente. Ademais, o GM-CSF inibe a
sítios específicos do estroma, o que, acredita-se, contribui migração, aumenta a atividade fagocítica e induz a Cito-
para regular sua proliferação e diferenciação. toxicidade Dependente de Anticorpos (antibody-dependent
cytotoxicity, ADCC) dos neutrófilos polimorfonucleares do
Fatores de crescimento sangue. Já o G-CSF induz a síntese de superóxido e estimu-
A regulação da hematopoese é dependente tanto de la a ADCC dos neutrófilos, e o M-CSF ativa macrófagos
interação célula-célula quanto de fatores de crescimen- maduros.
to solúveis presentes nos diferentes microambientes, Na regulação da eritropoese, a eritropoetina exerce um
compondo os nichos hematopoéticos. Os fatores de papel essencial nos processos de maturação e apoptose dos
crescimento são glicoproteínas secretadas pelas células precursores da linhagem eritroide. Sua produção é contro-
estromais que atuam na sobrevivência, na proliferação e lada pelo teor de O2 do sangue arterial que irriga as células
diferenciação das células hematopoéticas. São citocinas e peritubulares no córtex renal. Além dela, o ligante Kit, a
hormônios que se ligam a receptores específicos nas su- IL-3 e o GM-CSF também participam na regulação da pro-
perfícies das células-tronco e células progenitoras exer- liferação e diferenciação.
cendo atividades modulatórias sobre elas. Esses fatores A linfopoese é regulada principalmente por interleuci-
não possuem uma função única, podendo ser relevantes nas, tais como IL-7 e IL-6, que exercem importante função
para a sobrevivência das células-tronco em uma dada as- na proliferação dos precursores de linfócitos B, ao passo
sociação de citocinas ou ser importantes para a função que IL-2, IL-3 são mais relevantes aos precursores de cé-
de células diferenciadas em outra nova combinação. Os lulas T. Deve ser lembrado que a diferenciação das células
efeitos da associação desses fatores podem ocorrer de T se faz no timo, e que as vias envolvidas na proliferação/
duas formas: a) permitindo a proliferação e diferencia- ativação dos linfócitos serão discutidas em outro capítulo.
ção de células que, sem o estímulo, morreriam ou per- In vitro, a megacariocitopoese é regulada por fatores que
maneceriam quiescentes; ou b) agindo em sinergismo na atuam nos precursores imaturos associados a várias linha-
proliferação de uma subpopulação específica de células gens, tais como IL-3, IL-6, GM-CSF e ligante Kit, e o nú-
precursoras. mero de precursores megacariocíticos depende diretamente
Durante o estágio embrionário, as linhagens estro- da presença da combinação desses fatores. Entretanto, a di-
mais da AGM produzem altas quantidades de fatores que ferenciação dos megacariócitos e a produção de plaquetas
estimulam a expansão de células-tronco e a formação de são controladas in vivo pelo número de plaquetas no sangue
precursores hematopoéticos. São mais comuns, nesta periférico, o qual não afeta a produção desses fatores. O fator
fase, a expressão de BMP-4 (Bone Morphogentic Protein-4), responsável por esta modulação é a Trombopoetina (TPO),
uma proteína da família do TGF-; do fator neurotrófi- produzida principalmente no fígado, que atua através do re-
co -NGF (-Nerve Growth Factor); e da quimiocina (C-C) ceptor da família das citocinas chamado Mpl.
MIP-Υ (Macrophage Inflammatory Protein-Υ). No fígado
14 Tratado de Hematologia