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Fundamentos

em Hematologia
A.V. Hoffbrand P.A.H. Moss
6ª Edição
H698f Hoffbrand, A. V.
Fundamentos em hematologia [recurso eletrônico] / A. V.
Hoffbrand, P. A. H. Moss ; tradução e revisão técnica: Renato
Failace. – 6. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre :
Artmed, 2013.

Editado também como livro impresso em 2013.


ISBN 978-85-65852-30-2

1. Medicina. 2. Hematologia. I. Moss, P. A. H. II. Título.

CDU 616.15

Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052


2 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss

Este primeiro capítulo trata de aspectos gerais medula hemopoética no adulto é confinada ao
da formação de células sanguíneas (hemato- esqueleto central e às extremidades proximais do
poese). São também discutidos os processos que fêmur e do úmero (Tabela 1.1). Mesmo nessas
regulam a hematopoese e os estágios iniciais da regiões hematopoéticas, cerca de 50% da medu-
formação de eritrócitos (eritropoese), de granu- la é composta de gordura (Figura 1.1). A me-
lócitos e monócitos (mielopoese) e de plaquetas dula óssea gordurosa remanescente é capaz de
(trombocitopoese). reverter para hematopoética e, em muitas doen-
ças, também pode haver expansão da hemato-
poese aos ossos longos. Além disso, o fígado e o
Locais de hematopoese baço podem retomar seu papel hematopoético
Nas primeiras semanas da gestação, o saco viteli- fetal (“hematopoese extramedular”).
no é o principal local de hematopoese. A hemato-
poese definitiva, entretanto, deriva de uma popu- Células-tronco hematopoéticas e
lação de células-tronco observada, pela primeira células progenitoras
vez, na aorta dorsal, designada região AGM (aor-
ta-gônadas-mesonefros). Acredita-se que esses A hematopoese inicia-se com uma célula-tronco
precursores comuns às células endoteliais e he- pluripotente, que tanto pode autorrenovar-se
matopoéticas (hemangioblastos) aninhem-se no como também dar origem às distintas linhagens
fígado, no baço e na medula óssea; de 6 semanas celulares. Essas células são capazes de repovoar
até 6 a 7 meses de vida fetal, o fígado e o baço uma medula cujas células-tronco tenham sido
são os principais órgãos hematopoéticos e conti- eliminadas por irradiação ou quimioterapia
nuam a produzir células sanguíneas até cerca de letais. As células-tronco hematopoéticas são
duas semanas após o nascimento (Tabela 1.1; ver escassas, talvez uma em 20 milhões de células
Figura 7.1b). A medula óssea é o sítio hemato- nucleadas da medula óssea. Embora tenham
poético mais importante a partir de 6 a 7 meses fenótipo exato desconhecido, ao exame imu-
de vida fetal e, durante a infância e a vida adulta, nológico são CD34+, CD38– e têm a aparência
é a única fonte de novas células sanguíneas. As de um linfócito de tamanho pequeno ou médio
células em desenvolvimento situam-se fora dos (ver Figura 23.3). Residem em “nichos” especia-
seios da medula óssea; as maduras são liberadas lizados. A diferenciação celular a partir da célula-
nos espaços sinusais e na microcirculação medu- -tronco passa por uma etapa de progenitores
lar e, a partir daí, na circulação geral. hematopoéticos comprometidos, isto é, com po-
Nos dois primeiros anos, toda a medula tencial de desenvolvimento restrito (Figura 1.2).
óssea é hematopoética, mas, durante o resto da
infância, há substituição progressiva da medula
dos ossos longos por gordura, de modo que a

Tabela 1.1 Locais de hematopoese

Feto 0-2 meses (saco vitelino)


2-7 meses (fígado, baço)
5-9 meses (medula óssea)

De 0 a 2 anos Medula óssea (praticamente


todos os ossos)

Adultos Vértebras, costelas, crânio,


Figura 1.1 Biópsia de medula óssea normal (crista
esterno, sacro e pelve,
ilíaca posterior). Coloração por hematoxilina-eosina;
extremidades proximais dos
aproximadamente 50% do tecido intertrabecular é he-
fêmures
matopoético, e 50%, gordura.
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Célula-tronco
pluripotente

CFUGEMM
Célula progenitora
mieloide mista

Célula-tronco
linfoide

CFUbaso
BFUE CFUGMEo

Progenitor CFUEo
de eritroides Progenitor
de eosinófilo
CFUGM
CFUMeg Progenitor de
CFUE Progenitor de granulócito e Timo
megacariócito monócito

CFU-M CFU-G

B T NK

Eritrócitos Plaquetas Monócitos Neutrófilos Eosinófilos Basófilos Linfócitos Células NK

Figura 1.2 Diagrama mostrando a célula-tronco multipotente da medula óssea e as linhagens celulares que dela
se originam. Várias células progenitoras podem ser identificadas por cultura em meio semissólido pelo tipo de
colônia que formam. É possível que um progenitor eritroide/megacariocítico seja formado antes de o progenitor
linfoide comum divergir do progenitor mieloide misto granulocítico/monocítico/eosinofílico. Baso, basófilo; BFU,
unidade formadora explosiva; CFU, unidade formadora de colônia; E, eritroide; Eo, eosinófila; GEMM, granulocí-
tica, eritroide, monocítica e megacariocítica; GM, granulócito, monócito; Meg, megacariócito; NK, natural killer.

A existência de células progenitoras separadas vel ampliação na proliferação do sistema: uma


para cada linhagem pode ser demonstrada por célula-tronco, depois de 20 divisões celulares, é
técnicas de cultura in vitro. Células progenito- capaz de produzir cerca de 106 células sanguí-
ras muito precoces devem ser cultivadas a longo neas maduras (Figura 1.3). As células precurso-
prazo em estroma de medula óssea, ao passo que ras, contudo, são capazes de responder a fatores
células progenitoras tardias costumam ser culti- de crescimento hematopoético com aumento de
vadas em meios semissólidos. Um exemplo é o produção seletiva de uma ou outra linhagem ce-
primeiro precursor mieloide misto detectável, lular de acordo com as necessidades. O desenvol-
que origina granulócitos, eritrócitos, monócitos vimento de células maduras (eritrócitos, granu-
e megacariócitos, chamado de CFU (unidade lócitos, monócitos, megacariócitos e linfócitos)
formadora de colônias)-GEMM (Figura 1.2). A será abordado em outras seções deste livro.
medula óssea também é o local primário de ori-
gem de linfócitos (Capítulo 9), que se diferen-
ciam de um precursor linfocítico comum. Estroma da medula óssea
A célula-tronco tem capacidade de autor- A medula óssea constitui-se em ambiente ade-
renovação (Figura 1.3), de modo que a celula- quado para sobrevida, autorrenovação e forma-
ridade geral da medula, em condições estáveis ção de células progenitoras diferenciadas. Esse
de saúde, permanece constante. Há considerá- meio é composto por células do estroma e uma
4 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss

Multiplicação

Autor- Diferenciação
renovação

(a)

Células
maduras

Células-tronco Células progenitoras Precursores


multipotentes comprometidos

(b)

Figura 1.3 (a) Com a diferenciação crescente, as células da medula óssea perdem a capacidade de autorreno-
vação à medida que amadurecem. (b) Uma única célula-tronco produz, depois de múltiplas divisões (mostradas
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pelas linhas verticais), > 10 células maduras.

rede microvascular (Figura 1.4). As células do Células-tronco mesenquimais, também


estroma incluem adipócitos, fibroblastos, célu- chamadas células estromais mesenquimais mul-
las endoteliais e macrófagos, e secretam molécu- tipotentes ou células mesenquimais aderentes,
las extracelulares, como colágeno, glicoproteínas são críticas na formação do estroma. Junto com
(fibronectina e trombospondina) e glicosamino- os osteoblastos, formam nichos e fornecem os
glicanos (ácido hialurônico e derivados condroi- fatores de crescimento, moléculas de adesão e
tínicos) para formar uma matriz extracelular, citoquinas que dão suporte às células-tronco,
além de secretarem vários fatores de crescimento por exemplo, a proteína que permeia as células
necessários à sobrevivência da célula-tronco. estromais liga-se a um receptor NOTCH1 nas

Célula-tronco

Matriz
extracelular

Macrófago
Célula adiposa

Célula endotelial Fibroblasto

Molécula de adesão Ligante

Fator de crescimento Receptor de fator de crescimento

Figura 1.4 A hematopoese ocorre em microambiente adequado (“nicho”) fornecido pela matriz do estroma na
qual as células-tronco crescem e se dividem. Há locais de reconhecimento específico e de adesão (ver p. 13);
glicoproteínas extracelulares e outros componentes estão envolvidos na ligação.
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células-tronco, tornando-se um fator de trans- Células-tronco tecido-específicas


crição envolvido no ciclo celular.
As células-tronco são capazes de circular no Células-tronco estão presentes em diferentes
organismo e são encontradas em pequeno núme- órgãos. São pluripotentes e podem gerar vários
ro no sangue periférico. Para deixar a medula ós- tipos de tecidos, como células epiteliais, células
sea, as células devem atravessar o endotélio vascu- nervosas (Figura 1.5). Estudos em pacientes e
lar – e esse processo de mobilização é aumentado em animais que receberam transplante de cé-
pela administração de fatores de crescimento, lulas-tronco hematopoéticas (ver Capítulo 23)
como o fator estimulante de colônias granulocí- sugerem que as células hematopoéticas doadas
ticas (G-CSF) (ver p. 6). O processo reverso, de podem contribuir para os tecidos, como o neu-
“volta ao lar” (homing), parece depender de um ral, o hepático e o muscular. A contribuição
gradiente quimiocinético, no qual tem papel crí- de células hematopoéticas de doadores adul-
tico o fator derivado do estroma (SDF-1). Várias tos a tecidos não hematopoéticos, entretanto,
interações críticas suportam a viabilidade das cé- se houver, é mínima. A persistência de células
lulas-tronco e a produção no estroma, incluindo pluripotentes na vida pós-natal, a presença de
o fator de células-tronco (SCF) e proteínas per- células-tronco mesenquimais na medula óssea
meantes estromais e seus respectivos receptores e a fusão de células transplantadas com células
KIT e NOTCH, expressos em células-tronco. do hospedeiro foram propostas como explicação

Célula
totipotente

(a) Células-tronco embrionárias

Células mieloides
e linfoides
Fígado, etc.

Célula-tronco
epitelial

Célula-tronco
hematopoética

Tecido
Músculo, nervoso
tendão,
cartilagem,
gordura, etc. Célula-tronco
Célula-tronco nervosa
mesenquimal

(b) Células-tronco adultas

Figura 1.5 (a) Células da camada interna do blastocisto no embrião recém-formado são capazes de gerar todos
os tecidos do organismo e são designadas totipotentes. (b) Células-tronco especializadas adultas, da medula
óssea, dos tecidos nervoso, epitelial e outros, originam células diferenciadas do mesmo tecido.
6 A. V. Hoffbrand e P. A. H. Moss

alternativa de muitos resultados sugestivos de


Tabela 1.2 Características gerais dos fatores
plasticidade das células-tronco. de crescimento mieloides e linfoides

Glicoproteínas que agem em concentrações muito


Regulação da hematopoese baixas

A hematopoese começa com mitoses das célu- Atuam hierarquicamente


las-tronco; em cada divisão, uma célula-filha Em geral, são produzidos por muitos tipos de células
repõe a célula-tronco (autorrenovação) e a
outra se compromete em diferenciação. Essas Em geral, afetam mais de uma linhagem
células progenitoras precocemente compro- Em geral, ativos nas células-tronco/progenitoras e
metidas expressam baixos níveis dos fatores nas células funcionais finais
de transcrição que as comprometem com li-
Em geral, têm interações sinérgicas ou aditivas
nhagens específicas; a seleção da linhagem de com outros fatores de crescimento
diferenciação, portanto, pode variar tanto por
alocação aleatória como por sinais externos Muitas vezes, agem no equivalente neoplásico da
célula normal
recebidos pelas células progenitoras. Vários
fatores de transcrição regulam a sobrevivência Ações múltiplas: proliferação, diferenciação,
das células-tronco (p. ex., SCL, GATA-2, NO- maturação, ativação funcional, prevenção de
TCH-1), enquanto outros estão envolvidos na apoptose de células progenitoras
diferenciação ao longo das principais linhagens
celulares. Por exemplo, PU.1 e a família CEBP
comprometem células para a linhagem mieloi- Tabela 1.3 Fatores de crescimento
hematopoético
de leucocitária, enquanto GATA-1 e FOG-1
têm um papel essencial na diferenciação eritro- Agem nas células do estroma
poética e megacariocítica. IL-1
TNF

Agem nas células-tronco pluripotentes


Fatores de crescimento SCF
hematopoéticos FLT3-L
VEGF
Os fatores de crescimento hematopoéticos são
Agem nas células progenitoras multipotentes
hormônios glicoproteicos que regulam a pro-
IL-3
liferação e a diferenciação das células proge- GM-CSF
nitoras hematopoéticas e a função das células IL-6
sanguíneas maduras. Podem agir no local em G-CSF
que são produzidos por contato célula a célula Trombopoetina
ou podem circular no plasma. Também podem Agem em células progenitoras comprometidas
ligar-se à matriz extracelular, formando nichos G-CSF*
aos quais aderem as células-tronco e as células M-CSF
progenitoras. Os fatores de crescimento podem IL-5 (CSF-eosinófilo)
Eritropoetina
causar não só proliferação celular, mas também Trombopoetina*
podem estimular a diferenciação, a maturação,
prevenir a apoptose e afetar as funções de células CSF, fator estimulante de colônias; FLT3-L, FLT3 ligante;
G-CSF, fator estimulante de colônias granulocíticas; GM-CSF,
maduras (Figura 1.6). fator estimulante de colônias granulocíticas e macrofágicas;
Os fatores de crescimento compartilham IL, interleuquina; M-CSF, fator estimulante de colônias
certo número de propriedades (Tabela 1.2) e macrofágicas; SCF, fator de célula-tronco; TNF, fator de necrose
tumoral; VEGF, fator de crescimento do endotélio vascular.
agem em diferentes etapas da hematopoese (Ta- * Estes também agem sinergicamente com fatores
bela 1.3, Figura 1.7). anteriormente ativos em progenitores pluripotentes.

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