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FICHAMENTO - AULA 04/05

Livro: A audiovisão: som e imagem no cinema


(os dois primeiros capítulos para as aulas 03 e 04).

CAPÍTULO 01

1) A ILUSÃO AUDIOVISUAL
Para iniciar a discussão, Chion fala sobre a cena de abertura de Persona, do Bergman e como
o som é fundamental nesta cena para espacializar e temporalizar as imagens que são
mostradas. Elas têm um poder de dar sentido e valor às imagens, criando uma ilusão
cinematográfica. O cinema é a arte da ilusão imagética e sonora e a relação de ambos se dá
pela adição de valores.

2) O VALOR ACRESCENTADO (ADD VALUE): DEFINIÇÃO


“Por valor acrescentado, designamos o valor expressivo e informativo com que um som
enriquece uma determinada imagem, até dar a crer, na impressão imediata que dela se tem ou
na recordação que dela se guarda, que essa informação ou essa expressão decorre –
naturalmente – daquilo que vemos e que já está contido na imagem”. (CHION, 2011, P. 12).
É a capacidade do som de enriquecer a imagem, mas isso não quer dizer que o som é um
acessório desnecessário e secundário da imagem.
“Este fenómeno de valor acrescentado funciona, sobretudo, no âmbito do sincronismo
som/imagem, pelo princípio da síncrise (ver capítulo 3), que permite estabelecer uma relação
imediata e necessária entre qualquer coisa que se vê e qualquer coisa que se ouve” (CHION,
2011, P. 12).

3) VALOR ACRESCENTADO PELO TEXTO

3.1) Vococentrismo e verbocentrismo do cinema


Todo som sincronizado com uma imagem adiciona valores, mas um fato é que na maioria das
vezes essa adição vem pelos diálogos, pois o cinema é um fenômeno “verbocentrico” ou
“vococentrico”.
Ele é vococentrico porque, durante as gravações, é ela que os técnicos buscam captar de
maneira audível, a destacando dos demais, “(...) e é a voz que se isola na mistura, como um
instrumento solista, do qual os outros sons, músicas e ruídos, seriam apenas os
acompanhamentos”. (CHION, 2011, P. 13) Toda a evolução tecnológica se concentrou nas
vozes.
O verbocentrismo, está no fato de que não é tudo da voz que se é captado, gritos, sussurros e
gemidos também são ignorados. O que importa é o verbo, o discurso. “E aquilo que se
procura obter quando captamos não é tanto a fidelidade acústica ao seu timbre original, mas a
garantia de uma inteligibilidade clara das palavras pronunciadas”. (CHION, 2011, P. 13).
Esse fenômeno é natural aos seres humanos, que tendem a focar sua atenção nas vozes e seus
significados do que qualquer outro som, apenas quando é satisfeita a necessidade de
significação das vozes que os demais sons começam a chamar sua atenção também.
“Mas se, no cinema, o som é vococêntrico e verbocêntrico, isso deve-se, desde logo, ao facto
de as pessoas, no seu comportamento e reações quotidianos, também o serem. Se o ser
humano ouvir vozes no meio de outros sons que o rodeiam (sopro do vento, música,
veículos), são essas vozes que captam e concentram logo a sua atenção. Depois, em rigor, se
as conhecer e souber quem está a falar e o que dizem, poderá então interessar-se pelo resto.
Se essas vozes falarem numa língua que lhe seja acessível, vai começar por procurar o
sentido das palavras, e só passará à interpretação dos outros elementos quando o seu interesse
sobre o sentido estiver saturado” (CHION, 2011, P. 13).
(mostrar o trecho do filme Maioria absoluta, comentar sobre a relação entre narração e
imagem e como a voz, para além de seu sentido semântico, impacta a estética sonora).

3.2) O texto estrutura a visão


O som nos ajuda a ver a imagem mais naturalmente. Isto ocorre porque ela direciona o nosso
olhar sobre a tela. No cinema, o som ajuda a estruturar a imagem, “O valor acrescentado do
texto sobre a imagem vai muito para além de uma opinião colada sobre uma visão (isto seria
fácil de contestar), e a própria estruturação da visão que ela implica, enquadrando-a de uma
forma rigorosa” (CHION, 2011, P. 14).
Já que não é possível apreciar de forma independente uma imagem no filme, como ocorre em
uma fotografia ou pintura. O som ajuda para que possamos apreciar da forma mais intensa a
imagem.
“De qualquer modo, a visão da imagem de cinema, fugaz e passageira, não se presta a ser
explorada ao nosso ritmo, ao contrário de um quadro numa parede ou de uma fotografia num
livro, que podemos explorar durante o tempo que quisermos, de maneira que é mais fácil vê-
los separando-os das suas legendas e dos seus comentários” (CHION, 2011, P. 14).

4) VALOR ACRESCENTADO PELA MÚSICA

4.1) Efeito empático e anempático.


O autor define duas formas de música para causar emoção aos espectadores.
Na “empathetic” (empática), os códigos musicais direcionam os espectadores a sentirem
sentimentos específicos, dando tom e ritmo a cena, ela está muito associada à cultura de uma
forma geral, usando melodias que representam emoções, como tristeza e alegria.
“Numa das formas, a música exprime diretamente a sua participação na emoção da cena,
dando o ritmo, o tom e o fraseado adaptados, isto evidentemente em função dos códigos
culturais da tristeza, da alegria, da emoção e do movimento. Podemos então falar de música
empática (do termo empatia: faculdade de partilhar os sentimentos dos outros)” (CHION,
2011, P. 14).
Já o anempathetic (anempática), a trilha sonora não está diretamente ligada com a cena, com
o ritmo da montagem e com o que acontece na cena. Como em um texto, ela tem uma “vida”
própria, independente da imagem. “
“Na outra, pelo contrário, a música manifesta uma indiferença ostensiva relativamente à
situação, desenrolando-se de maneira igual, impávida e inexorável, como um texto escrito - e
é sobre o próprio fundo de – indiferença – que se desenrola a cena, o que tem não por efeito
não a suspensão da emoção, mas, pelo contrário, o seu reforço, inscrevendo-a num fundo
cósmico”. (CHION, 2011, P. 14).
Esse tipo de som indiferente já existia nas óperas, no écran se desenvolveu de uma forma que
construiu uma relação íntima com a essência do cinema: sua mecânica escondida.
Há ainda sons que não são nem um nem outro, os sons abstratos que não tem relação direta
com nada na imagem.
(mostrar as sequências de Chaplin e silêncio dos inocentes, como exemplos de músicas
empáticas e anempáticas).

4.2) Ruídos anempáticos


Ruídos que possuem a mesma função da música anempática, com um som de um objeto que
sonoriza as cenas sem interagir com ela.

5) INFLUÊNCIAS DO SOM SOBRE AS PERCEPÇÕES DE MOVIMENTO E VELOCIDADE

5.1) O som é movimento


“A perceção sonora e a perceção visual, comparadas entre si, são muito mais díspares do que
se imagina. Se temos pouca consciência disso é porque, no contrato audiovisual, estas
percepções se influenciam mutuamente e emprestam uma à outra, por contaminação e
projeção, as suas propriedades respetivas” (CHION, 2011, P. 15).
O som e a imagem possuem naturezas bem diferentes, mas se unem na linguagem do
audiovisual, por conta do contrato audiovisual.
Uma diferença clara entre ver e ouvir. Na imagem, existe uma distinção clara de objetos
móveis e imóveis. Já o som, tem só a capacidade do som de representar, um deslocamento ou
uma vibração. A ilusão da imobilidade sonora acontece apenas em sons específicos, quando
falamos de um ruído circular ou contínuo, como o toque de um telefone.

5.2) Diferença de velocidade perceptiva


A percepção visual e sonora é diferente. Você consegue distinguir de forma mais rápida e
mais eficiente um som do que uma imagem. Um movimento brusco não forma uma imagem
nítida, mas no som sim. Isso não é uma questão de atenção. Se repetimos a imagem, ela
continua não-nítida, mas o som é melhor perceptivo a cada vez que é reproduzido. “Para os
ouvintes, o som é o veículo da linguagem, e uma frase falada faz o ouvido trabalhar mais
depressa” (CHION, 2011, P. 16).
O olho é mais lento porque trabalha mais, precisa captar tudo, no espaço e no tempo. O
ouvido segue apenas uma linha, de um ponto a outro, dentro de uma linha temporal. Quando
se trata de ser perceptível a uma mensagem, o olho é mais ágil espacialmente e o ouvido,
temporalmente.
“Em suma, num primeiro contacto com uma mensagem audiovisual, o olho é mais ágil
espacialmente e o ouvido é mais ágil temporalmente” (CHION, 2011, p. 16)
.
5.3) Consequências: Movimentos visuais marcados ou iludidos pelo som
“Durante a audiovisão de um filme sonoro, as diferenças de velocidade na análise não são
identificadas enquanto tais pelo espectador, na medida em que intervém o valor
acrescentado” (CHION, 2011, P. 17).
No cinema mudo, sem a técnica do som, se procurava simplificar a imagem ao máximo, para
se ter uma melhor espacialização. O som, então, em sincronia com a imagem, se tornou um
meio de marcar o trajeto visual de um objeto, dentre os vários elementos visuais presentes na
tela. Ela tem a capacidade de, até mesmo, mostrar a trajetória de um objeto que não está na
tela.

5.4) Abertura temporal do ouvido


Em resumo, o ato de ouvir e entender o som, é diferente, por uma questão de tempo.
“Chegamos então a este paradoxo: só ouvimos os sons (no sentido em que os reconhecemos)
pouco depois de os termos percecionado. Bata as palma: de forma breve e seca e ouça o
barulho que fazem: a escuta - de facto, apreensão sintética de um pequeno fragmento,
guardado na memória, da história sonora - seguirá o acontecimento de muito perto, mas não
lhe é totalmente simultânea” (CHION, 2011, P. 18).

6) A influência do som na percepção da imagem

6.1) Os três aspectos da temporalização


A percepção de tempo da imagem tem muita influência do som. Esses efeitos de
temporalização têm três aspectos:
1) Animação temporal da imagem: onde o som concretamente temporaliza a imagem em
movimento. “A perceção do tempo da imagem é dada pelo som mais ou menos fino,
pormenorizado, imediato e concreto - ou, pelo contrário, vago, flutuante e amplo”
(CHION, 2011, P. 18).
2) Linearização temporal dos planos: no cinema mudo, não havia uma ideia de sucessão
sonora dos planos, com o cinema sincrônico, isto se tornou uma obrigatoriedade. Ou
seja, é preciso uma continuidade sonora, do plano 1, para o plano 2.
3) Vetorização: “Ou seja, dramatização dos planos, orientação para um futuro, um fim,
e criação de um sentimento de iminência e expectativa. O plano segue um trajeto e é
orientado no tempo (CHION, 2011, P. 19).

6.2) Condições para uma temporalização das imagens pelo som

1) Em casos de imagens estáticas, sem nenhuma espera de ação, não torna possível haver
animação temporal, nem de vetorização. Exemplo, uma imagem parada de um reflexo, neste
caso, o som é que temporaliza a imagem.
2) Em casos de cenas com imagens que dão uma ideia de temporalidade, o som se une a ela e
se combinam na temporalização, seja seguindo o mesmo fluxo, ou indo contrário a ela.
3) Os tipos de som influenciam no tipo de percepção temporal, como qualidade, quantidade,
tons e texturas, contribuindo com maior ou menor intensidade na temporalização.
4) A natureza da sustentação do som (o tempo que ele um som se mantém na mesma nota,
sem ser preciso tocá-la de novo) é muito importante. Um som com uma sustentação lisa e
contínua, como o som de um violino, é menos animador do que uma nota trêmula e
acidentada, como troque rápidos de acordes (tremolo).
5) Previsibilidade ou imprevisibilidade do desenvolvimento sonoro. Um som repetitivo e com
uma pulsação regular, como o som de um relógio, tende a ser mais previsível e ter menos
animação temporal que um som irregular e imprevisível, que nos remete a um estado de
alerta.
6) O papel do tempo também é algo a ser levado em consideração, pois, “a animação
temporal da imagem pelo som não é uma questão mecânica do tempo: uma música mais
rápida não acelera necessariamente a percepção da imagem. Na verdade, a temporalização
depende mais da regularidade ou irregularidade do débito sonoro do que do tempo no sentido
musical do termo” (CHION, 2011, P. 20).
7) Definição do som: Trilhas ricas em sons agudos geram maiores tensões e deixam os
espectadores em alerta.
8) “A temporalização depende também do modelo de ligação entre o som e a imagem e da
distribuição dos pontos de sincronização. Também aqui, o som ativa mais ou menos uma
imagem conforme introduz pontos de sincronização mais ou menos previsíveis ou
imprevisíveis, variados ou monótonos. De uma forma geral, a antecipação controlada é um
fator importante de temporalização” (CHION, 2011, P. 20).

6.3) O cinema sonoro é uma cronografia


Um ponto histórico importante. O som foi responsável por transformar a arte do cinema em
uma arte do tempo. “Por causa dela, o tempo do filme tornou-se, já não um valor elástico,
mais ou menos transponível segundo o ritmo da projeção, mas um valor absoluto” (CHION,
2011, P. 21).
Até o cinema mudo, não existia um fator temporal, o projecionista podia alterar a velocidade
da projeção como quisesse, com o som, isso se tornou impossível. “Não é também por acaso,
que a mesa de montagem como um motor que controla e regula a velocidade de
desenrolamento do filme só apareceu com o cinema sonoro” (CHION, 2011, P. 21).
Ainda que a velocidade dos planos não represente o tempo real de gravação das tomadas. O
som coloca uma determinação de tempo controlada no filme após a montagem.

6.4) Linearização Temporal


Quando uma sucessão de imagens não produz por si só um encadeamento temporal das
ações. A adição de um som realista e diegético, impõe-lhe um tempo real, linear e sucessivo.
Se, por exemplo, vemos uma sequência de rostos rindo sem som, não precisamos de uma
temporalização para entender o que está acontecendo. Com a adição do som, essas risadas se
concentra em uma delimitação de tempo e espaço na diegese fílmica.
A adição da voz falada, localizada no tempo diegético e sincronizada com a imagem, tem o
poder de colocar a imagem em um tempo real e linearizado, já que ela não tem elasticidade.

6.5) Vetorização do tempo Real


Uma imagem que é apresenta uma cena com elementos que não constituem nada de
narrativo, como um plano de árvores balançando com o vento, representa uma cena real e
natural, mas não é vetorizada. Ela pode estar em qualquer momento do filme, no passado ou
no futuro. O som, por outro lado, é vetorial, ele coloca o filme no tempo e no espaço, uma
cena com som não pode ser colocada de trás pra frente sem que ninguém note. Assim, a
mesma cena da árvore com som, teria um início e um fim definido.
“Em contrapartida, uma imagem que mostra ações causadas por forças não reversíveis (queda
de um objeto por efeito da gravidade, explosão que dispersa estilhaços, etc). É claramente
vetorizada”. (CHION, 2011, P. 23).
(mostrar o exemplo do filme “Touro indomável”, como uma forma de representar o som a
síncrese na noção de temporalização. Afinal, sem os socos, ou os socos em uma ordem
aleatória, o filme perderia o sentido).

6.6) A estridulação e o tremolo: Caráter cultural ou natural desta influência


A temporalização do som não é apenas um fenômeno puramente físico e mecânico, é também
cultural. Várias influências da cultura ajudam na animação temporal da imagem, como o
tremolo, de uma orquestra. Cenas em que o contexto cultural do som não condiz com a
imagem, não tem o mesmo efeito. Apesar de que ela também tem suas propriedades não
naturais.
Podemos pensar, por exemplo, em sons da natureza que possuem certa estridulação, como os
de insetos, que dentro de um contexto imagético, produzem o mesmo efeito de drama e
tensão que o tremolo criado por instrumentos musicais. Engenheiros de som e sonoplastas
utilizam esses artifícios o tempo inteiro. O espectador percebe neste caso, é uma identidade
acústica, de que os sons que são agudos e desiguais em seus compassos provocam um
sentimento de tensão, independente da origem.
7) EXEMPLO DE RECIPROCIDADE DO VALOR ACRESCENTADO: OS SONS DO HORROR
“O valor acrescentado é recíproco: se o som faz ver a imagem de uma maneira diferente da
imagem sem o som, a imagem, por seu lado, faz ouvir o som de uma maneira diferente do
que se ouviria se este soasse no escuro. No entanto, através desta reciprocidade, o ecrã
continua a ser o suporte principal desta percepção. O som transformado pela imagem que ele
influencia volta a projetar sobre esta o produto das suas influências mútuas”. (CHION, 2011,
P. 24). Um exemplo disto, são os sons aterrorizantes de filmes de terror.
Nesta relação, um som de algo que naturalmente representa uma coisa, ao ser colocada
sincronizada, ganha um sentido diferente, como o som de uma melancia esmagada, que por
sua textura viscosa e úmida, pode representar uma cabeça esmagada, se for sincronizada
como tal. Da mesma forma, o contexto se aplica a qual gênero estamos falando, este som
pode soar engraçado em um filme de comédia.
Algo a ser bastante impactante nos sons, é a interrupção da fala.
(mostrar cena de “o massacre da serra elétrica”: 34:00 - 40:25.

Capítulo 2: As três escutas

1) Primeira atitude da escuta: a escuta causal

1.1) Definição:
Existem três formas de escutar um som. O “Casual Listening” (escuta casual), o “Semantical
Listening” (Escuta semântica) e “reduced listining” (escuta reduzida). A causal, é a mais
comum entre elas, mas também a mais influenciável e enganadora.
Basicamente, a escuta causal é aquela que utilizamos para saber a causa da fonte sonora. Esta
fonte pode ser visível e nós retiramos informações sobre o objeto a partir deste som, ou pode
ser invisível e a partir da fonte sonora nós deduzimos o que se trata. Ela nunca surge do zero.

1.2) Natureza da identificação causal


“A escuta causal pode efetua-se em diferentes níveis” (CHION, 2011, P. 27).
Podemos reconhecer a causa exata e individual, mas essa distinção dificilmente se faz fora de
um contexto. Não podemos distinguir o latido de um cachorro entre vários latidos, mas se
isolarmos esse som em um contexto onde, por exemplo, ele vem da casa do vizinho,
saberemos que se trata daquele cachorro específico. Essa fonte, contudo, não é
necessariamente nomeada, como a voz de uma locutora de rádio, identificada pela sua voz,
mesmo sem sabermos seu nome ou suas características físicas.
Nós costumamos a identificar, no caso da escuta causal, a ideia geral do som, do que o som
propriamente dito, como a voz de um homem, um barulho mecânico, um rugido de animal e
etc. Também percebemos variações de velocidade, volume e densidade, mesmo sem
sabermos que som o produz. Da mesma forma, temos esta relação com elementos físicos do
som, como fricção, mudanças de velocidade e de amplitude sonora.
“Podemos também, sem identificar a fonte no sentido da natureza do objeto causal, seguir
com precisão a história causal do próprio som. Por exemplo, conseguimos seguir a história de
uma fricção (acelerada, precipitada, em câmara lenta, etc.) e sentir mudanças de pressão, de
velocidade e de amplitude, sem saber de modo algum aquilo que fricciona e contra o quê”.
(CHION, 2011, P. 28).

1.3) A fonte é um foguetão de vários andares


Um som ele na maioria das vezes é composto por diversas fontes sonoras. Uma gravação de
uma caneta escrevendo sobre uma folha de papel, temos aqui o som do atrito da caneta sobre
o papel, do feltro e da tinta, além da própria gravação na fita magnética.
“Note-se que, no cinema, a escuta causal é constantemente manipulada na sua totalidade pelo
contrato audiovisual e nomeadamente pela utilização da síncrise. Com efeito, trata-se, na
maioria dos casos, não das causas iniciais dos sons, mas de causas que somos levados a
acrescentar” (CHION, 2011, P. 29).

2) Segunda atitude da escuta: a escuta semântica


“Chamamos de escuta semântica, àquela que se refere a um código ou a uma linguagem para
interpretar uma mensagem: A linguagem falada, evidentemente, bem como os códigos, a
exemplo do Morse”. (CHION, 2011, P. 29).
Complexo, profundamente estudado por linguistas, esses códigos são puramente diferencial e
sua escuta não depende apenas do seu valor acústico, mas também, de todo um sistema de
oposições e diferenças.
O som da pronúncia não será reconhecido se não estiver no seio de seu contexto cultural e
linguístico.
O som causal e semântico acontece paralela e independente um do outro. Podemos ouvir a
voz de alguém, mas só entenderemos se falarmos a mesma língua. Os linguistas já fizeram
essa distinção.

3) Terceira atitude de escuta: a escuta reduzida

3.1) Definição
A escuta reduzida é o estudo das particularidades do som por si só, sem pensar no seu
significado ou na fonte sonora. Desenvolvido por Pierre Schaeffer, ele considerava esse som
como meio de observação.
Este tipo de escuta envolve escutar o mesmo som várias vezes, percebendo suas
particularidades sonoras físicas, sem se importar com a fonte ou significado. Também
envolve um processo que Schaeffer chama de “intersubjetividade”, partindo de uma
subjetividade extrema de quem escuta este som.
“O inventário descritivo de um som na escuta reduzida não se pode contentar apenas com
uma apreensão. É preciso voltar a escutar e, para isso, ter o som fixado num suporte. Porque
um instrumentista a tocar à nossa frente ou um cantor é incapaz de repetir sempre o mesmo
som: só pode reproduzir a sua altura e o seu perfil geral, não as finas qualidades que
particularizam um acontecimento sonoro e o tornam único” (CHION, 2011, P. 30).
“A escuta reduzida implica, portanto, a fixação dos sons, que acendem ao estatuto de
verdadeiros objetos". (CHION, 2011, P. 30).

3.2) Exigências da escuta reduzida


“A escuta reduzida é um método novo, fecundo e... pouco natural. Pertuba os hábitos e as
preguiças instaladas, e, àquelas que a aborda, abre um mundo de questões que anteriormente
nem sequer pensaria em colocar” (CHION, 2011, P. 30).
Perceber a altura de uma nota, ou o intervalo entre notas, sem prestar atenção aos demais
elementos estamos, muitas vezes sem perceber, fazendo uma escuta reduzida. Para criar a
descrição dos sons, abstraindo de sua causa, precisamos criar novos conceitos e critérios
novos para analisar o som.
O problema é que um som não é unicamente definido por uma altura es?específica, pois tem
muitas outras características perceptivas. Por outro lado, muitos sons quotidianos não têm
uma altura específica e sensível, sem o que a escuta reduzida não seria mais do que o velho
solfejo tradicional. Será possível formular qualquer coisa de descritivo sobre os sons,
abstraindo a sua causa? Schaeffer mostrou essa possibilidade, mas só pôde abrir o caminho,
propondo um sistema de classificação no seu Traité des Objets Musicaux, sistema que não
está acabado nem ao abrigo de toda a crítica, mas que tem o imenso mérito de existir.

3.3) Para que serve a escuta reduzida?


Na prática, não é muito usado no cinema, mas com certeza, o exercício da escuta reduzida,
pode ajudar bastante um técnico, artista ou pesquisador, a afinar seu entendimento sobre sons
e saber utilizá-los em seus trabalhos.
“No entanto, a escuta reduzida tem a imensa vantagem de abrir a escuta e de afinar o ouvido
do realizador, do investigador ou do técnico, que assim conhecerão o material de que se
servem e dominá-lo-ão melhor. Com efeito, o valor afetivo, emocional, físico e estético de
um som está associado não só à explicação causal de que falámos, mas também às suas
qualidades específicas de timbre e de textura, ao seu frémito. Tal como no plano visual, um
realizador ou um diretor de fotografia têm tudo a ganhar em refinar o seu conhecimento da
matéria e da textura visuais, mesmo que nunca façam filmes abstratos” (CHION, 2011, P.
30).

3.4) Acustomática e a escuta reduzida


A escuta acusmática, entendida como um som que não se sabe a fonte sonora, força e ajuda o
ouvinte a prestar atenção em outros elementos, fazendo assim um exercício de escuta
reduzida. “A acustomática permite verdadeiramente revelar os sons em todas as suas
dimensões”. (CHION, 2011, P. 31).
Contudo, Chion acredita que, na verdade, a escuta acusmática, por conta da falta da
orientação visual, força o ouvinte a procurar saber e imaginar a fonte sonora, sendo uma
escuta mais voltada para a causal, fazendo interpretações incorretas.
O autor concluí que a melhor maneira seria escutar um som acusmático de maneira repetida,
só assim nos distanciamos da preocupação de saber qual a fonte sonora e iremos nos
concentrar nas suas características intrínsecas.
“Para um ouvinte exercitado, de resto, a escuta causal e a escuta reduzida podem ser feitas em
paralelo, tanto mais que têm correlações: com efeito, a partir de quê deduzimos uma causa,
senão a partir da forma caraterística à qual o som obedece? O facto de saber que é «o som
de ... » já não ameaça então parasitar a interrogação sobre: o que é o próprio som?” (CHION,
2011, P. 32).

4) Escutar/ouvir e ver/olhar
Apesar de ser importante separar e definir os tipos de escutas, é importante lembrar que no
mundo misturado e múltiplo, essas três escutas se sobrepõem e se misturam.
“A questão da escuta e inseparável da do ouvir, tal como a do olhar está ligada a visão. Por
outras palavras, para descrever os fenômenos perceptivos, somos obrigados a ter em conta o
facto de que a percepção consciente e ativa é apenas uma escolha num dado mais vasto que
se apresenta e se impõe”. (CHION, 2011, P. 32).
No cinema, o olhar é uma exploração, simultaneamente espacial e temporal, num dado a ver
delimitado que se mantém no quadro de um ecrã. Ao passo que a escuta é uma exploração
num dado a ouvir e até num imposto a ouvir muito menos delimitado em todos os aspectos,
com contornos incertos e mutáveis. (CHION, 2011, P. 32).
Nós não controlamos o som que escutamos. Os ouvidos não têm pálpebras. Assim, existe
uma cultura da imposição sonora, onde a diferenciação do som se faz quando os ouvimos de
maneira consciente ou inconsciente.
“As consequências para o cinema, são que o som é, mais do que uma imagem, um meio
insidioso, de manipulação afetiva e semântica. Quer o som nos trabalhe fisiologicamente,
(ruídos de respiração); quer, pelo valor acrescentado, interprete o sentido da imagem e nos
faça ver aquilo que sem ele não veríamos, ou que veríamos de outra forma”. (CHION, 2011,
P. 33).
(mostrar música “études aux torniquetes” de schaeffer e pedi para eles analisarem por
meio de uma escuta reduzida e acusmática).
CAPÍTULO 3

4) O ponto de sincronização, a síncrese


4.1) Definição
Um ponto de sincronia, é quando uma imagem e um som estão sincronizados de maneira
proeminente, que chama a atenção. É onde o poder da síncrese é mais acentuado.
“A emergência dos pontos de sincronização significativos obedece largamente a leis
gestaltistas. Assim, um ponto de sincronização emerge por vezes mais especialmente numa
sequência:
1) Enquanto dupla ruptura inesperada e síncrona no fluxo audiovisual (cortes cut-cut do
som e da imagem), características da lógica externa (...)
2) Enquanto pontuação preparada à qual chegam os caminhos inicialmente separados do
som e da imagem (ponto de sincronização de convergência);
3) pelo mero caráter físico; por exemplo, quando o ponto de sincronização recai sobre
um grande plano que cria um efeito fortíssimo visual, ou quando o próprio som tem
mais volume do que outros.
4) Mas também pelo seu caráter afetivo e semântico: Uma palavra no diálogo, que tem
um sentido forte e é dita de certa maneira, pode ser o lugar de um ponto de
sincronização importante com a imagem”. (CHION, 2011, P. 52).
Os pontos de sincronia podem acontecer com elementos de naturezas diferentes, como por
exemplo o uso da voz-over. Os pontos de sincronia dão ao filme uma sensação de harmonia e
dinâmica, como notas musicais de um acorde.

4.2) Ponto de sincronização evitado


Por questões poéticas, existe no mundo da sonorização do cinema, a chamada “sincronia
evitada”, herdada da música clássica, que se baseia na escolha de ao invés de criar uma
sincronia visível na imagem, ela se transporta para a mente do audioespectador. Assim, uma
cena em que um homem coloca uma arma na cabeça e dispara, mas só ouvimos seu som, é
um exemplo de sincronia evitada.

4.3) O corte, o símbolo do ponto de sincronização


O autor dá o exemplo do som do muro, que mesmo que na vida real ele não faça barulho, no
filme é essencial que haja o som sincronizado a imagem, ou então o muro não tem um
impacto que deveria. “Este encontro pontual, instantâneo e abrupto de um som e de um
impacto visível torna-se então a representação mais direta e mais imediata do ponto de
sincronização audiovisual. (CHION, 2011, P. 53).
Uma imagem assim não se fixa na memória, mas o som sim.
Qual é o objeto importante na figuração audiovisual? O corpo humano. O que é que pode ser
o encontro mais imediato e mais breve entre dois desses objetos? O golpe. E qual é a relação
mais imediata? A sincronização entre um choque ouvido e um choque visto, ou que julgamos
ver. Porque de facto, não vemos realmente o golpe – O que podemos verificar ao cortarmos o
som da cena. Aquilo que ouvimos, em suma, é aquilo que não tivemos tempo de ver.

4.4) Pontos de sincronização acentuados e elasticidade temporal


Aqui o autor trata de filmes de ação, luta e animações. Voltar se for necessário.
4.5) A instância da sincronização: a síncrese
Synchresis (sincrese): Palavra que une sincronia e síntese, e que o autor define como a
capacidade de unir um som a uma imagem e gerar resultados psíquicos diferentes, a
manipulação do audiovisual existe por conta disso
É nela que se permite a dobragem e os efeitos sonoros, dando diversas possibilidades
criativas a uma imagem. Na videoarte e no cinema experimental, temos a prova que a
síncrese funciona no vazio, onde o som dá sentido há imagens aleatórias.
Existe todo um contexto que contribui com a síncrese. O ritmo, a imagem, a cultura, todo
gera um significado diferente dentro do contrato audiovisual. Mas também há algo de
ontológico nele. Hoje, a linguagem audiovisual está extremamente naturalizada, faz parte do
cotidiano, o som e a imagem andam juntos desde sempre, até mesmo no cinema mudo e a
forma que a trilha sonora era trabalhada. Precisamos nos desvencilhar um pouco dessa
percepção, para podemos compreender sua construção.

(finalizar com o filme “blue”, como forma de provocação a ideia de síncrese).

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