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622-Texto Do Artigo-961-1-10-20071121
622-Texto Do Artigo-961-1-10-20071121
RESUMO
Alega que a proposta de incluir todos os alunos em uma única modalidade educacional, o ensino regular, tem-se chocado com uma cultura
assistencialista/terapêutica da educação especial e com o conservadorismo de nossas políticas públicas na área. Enfoca a perspectiva de inclusão
social nos âmbitos jurídico e educacional.
Afirma que, se do ponto de vista legal há de se conciliar os impasses entre a Constituição de 1988 — que não permite a diferenciação pela deficiência
– e as leis infraconstitucionais referentes à educação, do ponto de vista educacional, é urgente estimular mudanças, buscar e divulgar novas práticas
pedagógicas e experiências de sucesso nas nossas escolas.
Para a criação da escola inclusiva, aduz ser premente a redefinição da educação, a qual se deve voltar à cidadania global, plena, livre de preconceitos
e disposta a reconhecer as diferenças entre as pessoas. Além disso, entende que a educação especial, apesar de importante, não constitui um nível de
ensino, devendo ater-se aos limites de suas atribuições e complementar o processo de escolarização de alunos com deficiência regularmente
matriculados em escolas comuns.
PALAVRAS-CHAVE
Educação – especial, básica, fundamental, inclusiva; integração; inclusão; Constituição Brasileira de 1988 – art. 208; Língua Brasileira de Sinais -
Librás; sistema Braile; Lei n. 9.394/96.
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Conferência proferida no “Seminário sobre Direito da Educação”, realizado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal,
de 23 a 25 de junho de 2004, no auditório do Superior Tribunal de Justiça, em Brasília-DF.
P
de base na organização pedagógica pelos professores corresponde a ver-
rogramada para atender a um das escolas e na maneira de se con- dades prontas, absolutas, imutáveis,
aluno idealizado e pautada por ceber o papel da instituição escolar e reprovam-se os alunos que tentam
um projeto educacional elitista, na formação das novas gerações. vencer a subordinação intelectual.
meritocrático e homogeneizador, a Com isso, não evoluem as ini- Com esse perfil organizacional,
escola tem produzido situações de ciativas que visam à adoção de posi- podemos imaginar o impacto da in-
exclusão que têm, injustamente, pre- ções/medidas inovadoras para a clusão na maioria das escolas, espe-
judicado a trajetória educacional de escolarização de todos os alunos, nas cialmente quando se entende que in-
muitos estudantes. escolas comuns de ensino regular, cluir é ensinar a todas as crianças,
Pela ausência de laudos peri- assim como as que se referem aos indistintamente, em um mesmo es-
ciais competentes e de queixas es- serviços educacionais especia- paço educacional: as salas de aula
colares bem fundamentadas, há alu- lizados. de ensino regular. É como se esse
nos que correm o risco de ser admiti- Por outro lado, temos avança- espaço fosse de repente invadido e
dos e considerados pessoas com do do ponto de vista legal, e há no- todos os seus domínios tomados de
deficiência e assim encaminhados vos caminhos pedagógicos que nos assalto. A escola se sente ameaçada
indevidamente aos serviços da edu- permitem retraçar a trajetória de nos- por tudo o que ela criou para se pro-
cação especial. Outros são igualmen- sas escolas, norteados pela inclusão. teger da vida que existe para além
te discriminados em programas de de seus muros e paredes. Novos sa-
ensino compensatório e à parte. 2 UM OLHAR SOBRE A ESCOLA QUE beres, novos alunos, outras maneiras
Há de se acrescentar também TEMOS de resolver problemas, de avaliar a
o sentido dúbio da educação especi- aprendizagem, demandam “artes de
al, acentuado pela imprecisão dos tex- O ensino fundamental – nível fazer” que, como nos diria Certeau1,
tos legais que fundamentam nossos de escolaridade obrigatório para to- a contestem e transgridam o seu pro-
planos e propostas educacionais. Ain- dos – é o que mais parece ter sido jeto educativo vigente.
da hoje, é patente a dificuldade de atingido pela inclusão escolar. De fato, a escola atulhou-se do
distinguir a educação especial, tradi- Uma análise dessa etapa da formalismo da racionalidade e cindiu-
cionalmente praticada, da concepção educação básica é importante, para se em modalidades de ensino, tipos
consentânea e vigente dessa moda- entendermos a razão de tanta dificul- de serviços, grades curriculares, bu-
lidade de ensino: o atendimento edu- dade e perplexidade diante da inclu- rocracia. Uma ruptura de base em sua
cacional especializado. são, especialmente quando o inseri- estrutura organizacional, como pro-
Esse quadro situacional perpe- do é um aluno com deficiência. Os põe a inclusão, é uma saída para que
tua desmandos e transgressões ao alunos do ensino fundamental estão ela possa fluir, novamente, espalhan-
direito à educação e à não-discrimi- organizados por séries escolares, o do sua ação formadora por todos os
nação que algumas escolas e redes currículo é estruturado por disciplinas, que dela participam.
de ensino estão praticando, por falta e o seu conteúdo é selecionado pe-
de um controle efetivo dos pais, das las coordenações pedagógicas, pe- 3 CRISE E TRANSFORMAÇÃO DAS
autoridades de ensino e da Justiça los livros didáticos, enfim, por uma ESCOLAS COMUNS
em geral. “inteligência”, que define os saberes
As escolas e as instituições úteis e a seqüência em que devem 3.1 NOVOS PARADIGMAS E
especializadas ainda resistem muito ser ensinados nas escolas. CONHECIMENTO ESCOLAR
às mudanças provocadas pela inclu- Sabemos que o ensino básico
são, alegando motivos que expõem (educação infantil, ensino fundamen- Vivemos um tempo de crise
a fixidez organizacional dos serviços tal e ensino médio) é prisioneiro da global, em que os velhos paradigmas
dispensados a seus alunos e assisti- transmissão dos conhecimentos aca- da modernidade são contestados e
dos. dêmicos, e os alunos, de sua repro- o conhecimento, matéria-prima da
Desconhecimento e interesses dução, nas aulas e nas provas. A di- educação escolar, passa por uma
corporativistas envolvendo pais, pro- visão do currículo em disciplinas como reinterpretação.
fessores, especialistas fazem com Matemática, Língua Portuguesa etc. A inclusão é parte dessa con-
que a educação de alunos com defi- fragmenta e especializa os saberes testação e implica a mudança do
ciências se dê em ambientes segre- e faz de cada matéria escolar um fim
gados, sem se considerarem as no- paradigma educacional atual, para
em si mesmo, e não um dos meios
vas possibilidades de atendimento a que se encaixe no mapa da educa-
de que dispomos para esclarecer o
partir de alternativas educacionais ção escolar que precisamos retraçar.
mundo em que vivemos e nos enten-
includentes. Muitos outros entraves der melhor. As diferenças culturais, so-
desrespeitam o direito de ser diferen- O tempo de aprender é o das ciais, étnicas, religiosas, de gênero,
te, nas escolas. séries escolares, porque é necessá- enfim, a diversidade humana está
Problemas conceituais, des- rio hierarquizar a complexidade do sendo cada vez mais desvelada e
respeito a preceitos constitucionais, conhecimento, seqüenciar as etapas destacada, e é condição imprescin-
interpretações tendenciosas de nos- de aprendizagem, mesmo sendo este dível para entender como aprende-
sa legislação educacional e precon- o básico, o elementar do saber. Uma mos e como entendemos o mundo e
ceitos distorcem o sentido da inclu- escala de valores também é atribuí- a nós mesmos.
são escolar, reduzindo-a unicamente da às disciplinas, em que a Matemá- O modelo educacional já mos-
à inserção de alunos com deficiência tica reina absoluta, como a mais im- tra sinais de esgotamento e, no va-
no ensino regular. Desconsideram os portante e poderosa, enquanto as zio de idéias que acompanha a crise
benefícios que essa inovação educa- Artes, a Educação Física quase sem- paradigmática, surge o momento
cional propicia à educação dos alu- pre não são valorizadas. oportuno das transformações.