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BRASIL
A ocupação da selva
A instalação do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam) e o aumento da
presença militar na região, onde as Forças Armadas exercem um papel social,
buscam integrar de vez ao Brasil uma área que corresponde a 56% do terri
território nacional.
– (Piloto): O avião pegou nóis, pai! O avião vai pegar nóis aqui!
Está aqui do lado!
– (Voz): Abaixa o vidro e joga fora! Abaixa o vidro e joga fora!
– (Piloto): Eu estou a 1.000 pés, tá quase chegando no chão
e o avião está aqui do lado…
– (Voz): Segura e joga fora!
– (Piloto): Joga tudo fora?
– (Voz): Joga tudo fora! Segura e joga fora!
– (Piloto): Eu sei, vamos ver quanto tempo eles vão andar mais,
e qualquer coisa eu jogo fora.
Passam-se alguns minutos.
– (Piloto): Estão seguindo nóis, estão seguindo. Nóis tamo raspando
e estão seguindo nóis…
– (Voz): Vocês jogaram fora ou não?
– (Piloto): É um Tucano.
– (Voz): Pois é, mas vem embora! Não vai derrubar. Ele não derruba.
Vem embora direto que eles não derrubam.
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Pelotões de fronteira – Mas não são apenas os aviões, de carreira ou não, que
preocupam as autoridades brasileiras na Amazônia. Grupos guerrilheiros
colombianos, contrabando e atuação de ONGs estrangeiras também acionam
os alarmes. Tanto que o Exército vem paulatinamente ampliando sua
presença na região, principalmente através da expansão do Projeto Calha
Norte – criado em 1985 para aumentar a segurança e implantar projetos de
assistência social na região ao norte dos rios Solimões/Amazonas. Os efetivos
do Exército na Amazônia hoje chegam a 22 mil homens e atingirão, até 2006,
25 mil, cerca de 15% do total da força. O reforço virá com a transferência da 2ª
Brigada de Infantaria Motorizada de Niterói (RJ) para São Gabriel da Cachoeira,
na região da “cabeça do cachorro”, fronteira com a Colômbia. Mais da metade
do efetivo atual, 12 mil soldados, integra quatro Brigadas de Infantaria de
Selva (BIS), que englobam 14 batalhões e muitos pelotões de fronteira. (Uma
brigada é composta de cerca de três mil soldados e um batalhão, entre 800 e
mil, e um pelotão, de 40 a 70 homens.) Essas unidades são consideradas as
mais bem treinadas do mundo em operações militares e combates na selva e
a formação dos oficiais é feita no Centro de Instrução de Guerra na Selva
(Cigs), em Manaus. A mobilização atual vem sendo feita em estreita
colaboração com a Aeronáutica. “Aqui na Amazônia, afastada dos centros de
poder econômico, político e cultural do País, existe um binômio entre o
Exército e a Força Aérea”, garante o chefe do Estado-Maior do Comando
Militar da Amazônia, general-de-brigada Villas Boas. “A adversidade da região
faz com que, aqui, a solidariedade entre as forças seja mais forte do que a
existente em outras partes do País”, completa o brigadeiro Nicácio.
esmagadora maioria indígena, como o cabo Clemente Pedro Luiza da Silva, da etnia baniwa, 32
anos, há 13 no Exército, onde diz ter encontrado uma “nova vida”. Já o comandante do pelotão, o
primeiro-tenente Izackson do Nascimento, é do Recife, está aqui há dois anos, mas se identifica
inteiramente com a comunidade. “Fiz a opção de vir à Amazônia”, conta ele, “para ter a
oportunidade de conhecer melhor a região e ajudar essa gente. E deu vontade de ficar mais
tempo”, diz o tenente, que estendeu sua permanência por aqui por mais um ano. Aos 24 anos, ele
já está casado com Fabiana Siqueira, 22, de Resende (RJ), que se mostra ainda mais entusiasmada
do que ele. “Essa é a minha comunidade”, diz ela. Fabiana dá aulas de alfabetização para as
crianças indígenas. “Muitas vezes, tenho que recorrer a outras crianças para servirem de
intérpretes, pois muitas não sabem uma palavra do português”, conta. Ela já foi picada por cobra,
mas diz que não se intimidou. “Já achamos sucuri em casa, jararaca no banheiro e aranha
armadeira no nosso alojamento”, afirma. O jovem casal não se importa com o fato de não haver
diversão num local tão inóspito. “Quando chega um avião, é uma verdadeira festa”, diz Fabiana,
O entusiasmo com a experiência na selva também se repete em Yauaretê, cerca de 150 quilômetros
a sudeste de São Joaquim, onde está o 1º Pelotão Especial de Fronteira. A segundo-tenente médica
Fernanda Meireles, 27 anos, veio parar no meio da mata porque se alistou para acompanhar o
noivo, o segundo-tenente médico Geraldo Alexandre Machado, 26, convocado para a região. “Meu
coração foi conquistado pela Amazônia”, confessa. Como na maioria dos Pelotões de Fronteira, os
médicos da guarnição são quase sempre os únicos disponíveis para atender às necessidades das
comunidades indígenas do local. “Aqui temos muitas crianças com carência alimentar e problemas
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devido à falta de higiene. Ainda temos dificuldade com a comunidade, pois muita gente ainda
prefere o atendimento do pajé”, diz. “Isso demonstra que, se um dia o serviço militar obrigatório for
abolido, a Amazônia poderá ficar sem médicos”, prevê o tenente-coronel Paulo Ubirajara de Moraes,
As necessidades são maiores ainda em Vila Bitencourt, distrito de Japurá, com cerca de dez mil
habitantes. O prefeito Raimundo Matias diz que o local tem problemas de toda ordem: educação,
saúde, saneamento e desemprego. “As asas da FAB são nosso único meio de transporte”, afirma
Matias. Além de tudo, é um local perigoso. O 3º Pelotão Especial de Fronteira, às margens do rio
Japurá, que separa o Brasil da Colômbia, é uma verdadeira fortificação, com soldados camuflados,
vários pontos estratégicos. Em 26 de fevereiro de 2002 houve uma troca de tiros entre os soldados
do pelotão e cinco guerrilheiros das Farc, que passaram de barco em alta velocidade, foram
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interceptados no meio do rio e atiraram nos militares. Os rebeldes fugiram mas uma guerrilheira foi
ferida.
Mais afastada da fronteira, Eirunepê, a cerca de 300 quilômetros ao sul de Tabatinga, não tem
problemas com as Farc, mas também sofre com o isolamento. A cidade, com cerca de 30 mil
habitantes, vivia do extrativismo da borracha e hoje cultiva farinha branca seca e é a campeã
amazônica da produção de açúcar mascavo, adquirida pela Record Farma, subsidiária da Coca-
Coca. Eirunepê virou uma área estratégica: um radar móvel do Sivam está sendo implantado no
local e a Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (Comara) está construindo uma nova base
aérea. “Aqui, existe uma grande quantidade de gente desocupada. Quando estiver concluída, a
base vai alimentar a economia local”, diz o brigadeiro Nicácio. “Na Amazônia, as Forças Armadas
têm um papel diferente do que desempenham no Sul do País. Elas têm uma dimensão social muito
grande, de apoio às populações marginalizadas, sem ligações com os centros mais avançados”,
Mas a presença dos militares na região também “inibe todo tipo de ilícito”,
segundo o general Villas Boas, que reconhece que não cabe ao Exército
o papel de polícia no combate ao narcotráfico, mas à Polícia Federal, trabalho
que ficou mais fácil depois do Sivam. “Graças a ele, os Pelotões de Fronteira
romperam o isolamento e passaram da era do rádio à internet”, completa
outro oficial. Mas, por inépcia burocrática ou pressão de interesses poderosos,
o País tem os meios de resguardar a região amazônica, mas não o
correspondente poder de dissuasão. Enquanto isso, os traficantes continuam
a voar nos céus da Amazônia, protegidos pelos ventos da impunidade.
“A prioridade é a Amazônia”
discute a criação da categoria de “crimes transnacionais” que afetam a segurança nacional, nos
na Amazônia?
General Cláudio Figueiredo – Até os anos 80, a prioridade das Forças Armadas era o Sul. Com o
advento do Mercosul, o foco se voltou para a Amazônia. Sabemos que o interesse internacional pela
Amazônia é muito grande. Paulatinamente, o Exército foi trazendo efetivos para cá. A Brigada das
Missões, de Santo Ângelo (RS), foi transferida para Tefé, para vigiar a fronteira Peru-Colômbia.
Logo depois, a 1ª Brigada de Infantaria de Petrópolis (RJ) foi transferida para Boa Vista (RR), na
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polícia das Forças Armadas nas áreas de fronteira para crimes transnacionais que afetam a
Exército apenas dá apoio à Polícia Federal na repressão a esses crimes. Mas a PF tem recursos
Figueiredo – O Exército não tem conflito com ninguém, mas se preocupa com a regulamentação
dessas ONGs: quem são, quantas são e o que estão fazendo. Têm ONGs do bem, a maioria, mas
muitas são do mal, isto é, estão aqui como fachada, para fazer outra coisa.
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