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Fichamento do texto “A questão da análise leiga: diálogo com um interlocutor

imparcial” (FREUD, 1926)


Discente: Fernanda Machado dos Santos Turma: 1000
Docente: Dr. Leandro Anselmo Todesqui Tavares
Disciplina: Clínica Psicanalítica I (6PEP073)

O texto em questão aborda a discussão sobre quem deve obter a permissão para
exercer a psicanálise, se deve ser somente a classe médica ou se também leigos poderiam
exercê-la. Tal questão aparenta ser de simples resolução, uma vez que neuróticos são
doentes, leigos não são médicos e a psicanálise é um procedimento para a cura ou melhora
das enfermidades neuróticas, não devendo, em vista disso, ser permitido que leigos
pratiquem a análise em neuróticos (FREUD, 1926, p.126).
Contudo, Freud aponta que nem todos os méo90dicos são aptos a exercerem a
psicanálise somente por serem médicos, e nem todos os chamados leigos são de fato leigos,
sendo, portanto, necessário aprofundar essa discussão. Para tal, o autor dialoga com uma
“pessoa imparcial” imaginária, a respeito de se a prática da psicanálise deve ser ou não
restrita aos médicos, no qual ele sumariza a teoria psicanalítica para poder elaborar seus
argumentos.
Em primeiro lugar, Freud afirma que, para o tratamento dos neuróticos, o analista
não usa instrumentos, nem sequer exames, e também não prescreve medicamentos (p.130).
Nesse sentido, a análise consiste “apenas” em conversas, as quais são um instrumento
poderoso para comunicar os sentimentos. Assim, o primeiro pressuposto da análise é que o
analisando seja totalmente sincero com seu analista, que não guarde intencionalmente nada
do que lhe vem à cabeça, e depois, que ignore toda reserva que o impediria de comunicar
certos pensamentos ou recordações.
Porém, sabe-se que todo indivíduo guarda dentro de si coisas que preferiria não
comunicar aos outros, principalmente suas “intimidades”. Mas para além disso, há coisas
que o indivíduo não quer confessar a si mesmo, esconde de si e afasta do pensamento toda
vez que o diálogo chega perto de tal coisa, mantendo tais pensamentos ocultos de si
mesmo. Com isso conclui-se que há, nos indivíduos, uma estrutura capaz de se contrapor a
ele, que o impede de acessar tudo o que lhe comporta.
Assim, o analista, através dos diálogos, deve ser capaz de contornar essa tendência
do analisando de ocultar algo, e fazer com que tal coisa seja expressada e trabalhada. Nesse
sentido, o processo analítico compreende uma técnica para além da confissão, uma vez que
na confissão o pecador diz o que sabe, e na análise o neurótico diz mais (p.133).
Para dar sequência à sua argumentação, Freud expõe como se dá a doença
neurótica, e para isto, se fez necessário apresentar um esboço do aparelho psíquico para seu
interlocutor. O aparelho é constituído por instâncias, cada qual tendo sua função particular
e uma relação espacial fixa com as outras.
A primeira delas está intercalada entre os estímulos sensoriais e a percepção de suas
necessidades corporais, por um lado, e entre suas ações motoras, por outro, mediando entre
eles com determinada intenção. Trata-se do Eu (p.140). Uma outra instância, denominada
Id, compreende algo mais amplo, mais grandioso e mais obscuro que o Eu. Em termos de
espacialidade, diz-se que o Eu é a camada mais externa do Id, a qual esteve em contato com
o meio externo (a realidade) e fora por influência deste, modificado. Desse modo, o Eu está
entre a realidade e o Id, e exerce o papel mediador entre as exigências desses dois.
A partir disso, Freud elucida que é um erro equivaler o Eu ao consciente e o Id ao
inconsciente, uma vez que inconsciente e consciente são qualidades dos funcionamentos
psíquicos e não instâncias (p. 145). Dito isso, a consciência pode ser compreendida como a
excitação da camada mais externa do Eu, diante de estímulos do mundo exterior, com
auxílio dos órgãos do sentido, ou frente a estímulos internos. Dessa maneira, essa camada
mais externa torna-se consciente, inicialmente, das sensações presentes no Id e
posteriormente também dos processos que ocorrem no Eu (p. 145). Ademais, os conflitos
neuróticos não são resumidamente uma oposição entre consciente e inconsciente.
Após elucidar as instâncias psíquicas, para explicar a doença neurótica, Freud
recorre à perspectiva dinâmica do aparelho. A dinâmica compreende as forças que agem
nas instâncias psíquicas e entre elas. Desse modo, as forças que impelem o aparelho
psíquico à atividade são geradas nos órgãos do corpo, como expressão das grandes
necessidades físicas, como fome e amor. Na medida em que são estímulos à atividade
psíquica, tais forças são chamadas de Pulsão [trieb]. Assim, toda energia que há no Id e
também as que existem no Eu, são provenientes delas (p. 147-148).
A pulsão move o aparelho psíquico em direção à satisfação, isto é, ao
estabelecimento de situações em que as necessidades do corpo sejam comtempladas (p.
148). Uma vez que a tensão gerada por tais necessidades são percebidas pelo aparelho
como tensões desprazerosas, a diminuição da tensão no aparelho (satisfação das pulsões)
é percebida como prazerosa. Desse modo, conclui-se que o aparelho psíquico é regulado
por uma oscilação entre situações de prazer e desprazer, havendo uma dominância do
princípio do prazer (FREUD, 1926).
Dado que tais situações de satisfação só podem ser geradas com auxílio do meio
externo, cabe ao Eu mediar as exigências do Id, que demandam satisfação imediata, e as
objeções do mundo externo para tais exigências. Ao dominar, assim, os impulsos do Id,
substitui-se o princípio do prazer pelo princípio da realidade, o qual tem o mesmo
objetivo que o primeiro, porém, leva em conta as condições estabelecidas pelo mundo
real externo (p.149).
O sintoma neurótico, assim sendo, forma-se quando o Eu depara-se com uma
exigência instintual por parte do Id da qual não consegue dar conta, pois sua satisfação
seria perigosa e acarretaria numa colisão com o mundo exterior, produzindo um trauma.
Assim, ele efetua uma repressão dessa pulsão para evitar tal perigoso, afastando a pulsão
de sua satisfação. A pulsão reprimida permanece isolada no Id, inacessível, mas não
ociosa, e produz derivados psíquicos que a representam, liga-se a outros processos que,
mediante sua influência, também atingem o Eu.
A neurose é, portanto, consequência de um conflito entre Eu e Id, no qual
o Eu entra porquê [...] busca manter sua flexibilidade em relação ao
mundo externo. A oposição é entre mundo exterior e Id, e como o Eu, fiel
à sua íntima natureza, toma o partido do mundo externo, entra em conflito
com seu Id (p. 152).
Entretanto, não é o fato desse conflito que gera a condição para a neurose, uma
vez que tais oposições entre realidade e Id são inevitáveis, e uma das constantes tarefas
do Eu é mediar entre as duas partes, mas sim a circunstância de que o Eu recorre ao
insuficiente meio da repressão para lidar com o conflito (p. 153).
Ademais, as repressões decisivas ocorrem todas na primeira infância. Isto se dá
porque as pulsões sexuais acompanham a vida desde o nascimento, e que é justamente
para se defender dessas pulsões que o Eu infantil realiza as repressões (p.160). A criança
dirige, seus desejos sexuais aos seus primeiros cuidadores, comumente mãe e pai, e em
seguida, os irmãos. No caso do menino, o primeiro objeto de amor é a mãe, e o da
menina, o pai.
A partir disso, o genitor cônjuge do objeto de amor é visto com hostilidade, como
se viesse a atrapalhar sua relação. Todo esse conjunto de relações e situações referentes à
sexualidade infantil é denominado Complexo de Édipo, o qual, ao final do primeiro
período sexual, deveria ser abandonado e desintegrado, e os produtos dessa
transformação estariam destinados a grandes funções na vida psíquica posterior. “Mas
isso, por via de regra, não ocorre de maneira radical o suficiente, e a puberdade provoca
um reavivamento do complexo de Édipo que pode ter graves consequências” (p.166).
O objetivo terapêutico da análise consiste, portanto, em restabelecer o Eu, livrá-
lo de suas repressões, restituir-lhe o domínio sobre o Id, que perdeu em consequência de
suas repressões passadas, e toda sua técnica está voltada para esta meta. O caminho para
as situações de conflito infantil esquecidas pelo paciente é indicado pelos seus sintomas,
sonhos e pensamentos espontâneos. Assim, ao incitar o doente a superar suas resistências
em comunicá-los, educa-se seu Eu para vencer a tendência a fugir e tolerar a
aproximação do reprimido (p. 154).
Tal meta requer uma formação dedicada do analista, que deve, evidentemente,
além de também passar por análise, ter autodisciplina e conhecimentos prévios que o
capacitam para tal. Nesse segmento, Freud destaca o fato de o paciente neurótico ter seu
Eu fragmentado e, devido à isso, a sua vontade de ser curado pode também não estar em
unidade, conhecida como reação terapêutica negativa. Tal produto da análise dificulta o
processo da mesma, por exemplo por meio de excessiva resistência em afrouxar o
controle sobre o que fala na sessão, o que é essencial para se atingir a meta da análise.
Ainda sobre o aparelho psíquico, Freud diferencia mais uma instância até então
não mencionada ao seu interlocutor imaginário. Trata-se do Super-eu, o qual tem uma
posição especial entre o Eu e o Id; É o precipitado das primeiras relações objetais do Id,
o herdeiro do complexo de Édipo, após o desaparecimento deste. Ademais, o Super-eu é
o portador da “consciência moral”, e que num desenvolvimento saudável, torna-se
bastante impessoal. Contudo, no desenvolvimento neurótico, cujo complexo de Édipo
não experimentou a transformação correta, “o Super-eu confronta o Eu tal como um pai
severo faz com o filho, e sua moralidade consiste, de modo primitivo, em o Eu ser
castigado pelo Super-Eu” (p. 180). Dessa forma, a doença neurótica é utilizada como
meio para essa “autopunição”, e o neurótico comporta-se como se fosse dominado por
um sentimento de culpa que, para sua satisfação, necessita da doença como punição (p.
180).
Nesse sentido, são denominadas de “resistências todas as forças que o paciente
opõe ao trabalho terapêutico. Além da resistência do Super-eu representada pelo
sentimento de culpa inconsciente, há também a resistência do Eu quando esquiva-se de
se aproximar do material reprimido. Da mesma forma, uma pulsão que sempre encontrou
satisfação de determina forma apresenta resistências em aderir a um novo caminho que
lhe foi aberto. Isto é denominado resistência do Id. Desse modo, Freud afirma que a luta
contra todas essas resistências é o principal e constante trabalho no curso do tratamento
analítico.
Nesse segmento, o trabalho analítico apenas acontece porque o neurótico acredita
no analista, e tem fé nele porque adquire uma especial atitude emocional para com a
pessoa do analista. Tal relação afetiva tem a mesma natureza de uma paixão compulsiva
(p. 182). O amor do analisando não se contenta em obedecer, torna-se exigente, requer
satisfações afetuosas e sensuais, pede exclusividade, desenvolve ciúmes e mostra cada
vez mais sua disposição à hostilidade e à vingança quando não se pode atingir seus
propósitos (p. 184).
A partir disso, essa paixão é tomada como objeto de análise, e com isso, observa-
se também a oposição que o analisando faz a ela. Isto é, observa-se exatamente uma
tentativa de repressão, na qual o analisando está repetindo, em forma de paixão pelo
analista, vivências psíquicas por quais passou antes. Tal fenômeno é chamado
transferência, pois o analisando transfere pro analista atitudes psíquicas que se
encontram a priori dentro dele e estão intimamente ligadas à origem de sua neurose (p.
185). Em outras palavras, o amor transferencial do analisando para com o analista tem
origens na relação de amor que ele teve anteriormente com um de seus pais (p. 186).
Tendo tudo isso em vista, Freud afirma que a faculdade de medicina tem pouco
ou quase nada a contribuir para a formação do analista, uma vez que os instiga a buscar
causas orgânicas para o adoecimento neurótico em detrimento das hipóteses que
apontam uma causa na vida psíquica. Sua atenção, durante sua formação médica, fora
dirigida para fatos objetivamente verificáveis de anatomia, física e química, e até mesmo
a psiquiatria busca os determinantes físicos dos distúrbios psíquicos e os trata como
outras causas de doenças. Nesse sentido, Freud afirma que “não deve exercer a
psicanálise quem não tenha adquirido o direito de fazê-lo, mediante uma formação
específica” (p. 195).
A respeito dessa formação específica, Freud afirma que esta não é a que a
universidade prevê para um médico (p. 220). Nos institutos de psicanálise, os candidatos
submetem eles próprios à análise, recebem instrução teórica, com aulas em todos os
assuntos relevantes para eles, e desfrutam de supervisão de analistas mais velhos e
experientes, quando lhes permitem fazer as primeiras tentativas em casos mais leves.
Essa formação é estimada em dois anos, e após a conclusão da formação, o analista
continua a adquirir experiência pela prática e a trocá-la com outros analistas nas
sociedades psicanalíticas em que se encontram.
A partir disso, o indivíduo que passou por essa aprendizagem foi ele próprio
analisado, compreendeu a psicologia do inconsciente, está informado da ciência da vida
sexual e aprendeu as técnicas da psicanálise, como a arte da interpretação, o combate às
resistências e o manejo da transferência. Desse modo, “esse [indivíduo] não é mais um
leigo no campo da psicanálise” (p. 188). Nessa afirmação de Freud fica evidente sua
preocupação em clarear que o que define um psicanalista é especificidade de sua
formação, a qual diferencia-se muito a formação médica. Portanto, é leigo em psicanálise
quem não entendeu os atendeu aos objetivos que especificam a prática psicanalítica, e
não quem não é médico.

Referência:
FREUD, S. Obras Completas, volume 17: Inibição, sintoma e angústia, O futuro de uma
ilusão e outros textos (1926-1929) / Sigmund Freud; tradução Paulo César de Souza. – 1ª
ed. – São Paulo: Companhia das Letras, 2014.

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