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26/08/22, 16:35 Psicanálise e Direito: Uma Parceria Natural | SBPSP

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17 de agosto Por Plinio Montagna Categoria artigos

Psicanálise e Direito: Uma Parceria


Natural
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Já discutimos por aqui, em diferentes contextos, a interface da psicanálise com algumas


disciplinas como a educação, a sociologia, a arte, a biologia e a psiquiatria. No artigo que
segue abaixo, o analista didata e ex-presidente da SBPSP, Plinio Montagna, reflete sobre
o diálogo entre a psicanálise e o direito, dois campos aparentemente distantes mas que
se interligam bem mais do que inicialmente imaginamos. Vale a leitura!

Psicanálise e Direito: Uma Parceria Natural

Por Plinio Montagna*

Das múltiplas interdisciplinaridades da órbita da psicanálise, aquela com o Direito se


apresenta como das mais naturais e férteis, seja na esfera conceitua, seja nas produtivas
práticas conjuntas possíveis.

Historicamente dá-se que, antes da Medicina, Freud tinha em mente estudar Direito.
Dentre outras razões, conta-nos Jones, ele achava que assim poderia impactar a
sociedade de sua época. Posteriormente, seu interesse por Darwin, questões humanas e
aulas de Filosofia com Carl Bruhle teriam-no influenciado a voltar-se ao campo médico.

Ainda que não tenha se dedicado com maior especificidade à interação entre os campos
psicanalítico e legal, há que se notar que é intrínseca ao domínio da Lei a instituição
interna que Freud vê e consagra como aquela que atua sobre nossas experiências de
amor e ódio, linguagem, cultura, desejo e transgressão.

Para alguns, quando utiliza termos como conflito, defesa, necessidade de punição e
institui o superego qual um tribunal interno, ele estaria utilizando um linguajar jurídico
procedimentalista.

Foi no trabalho de 1906, “Psicanálise e o Estabelecimento dos Fatos nos Procedimentos


Legais”, que Freud arrisca, ainda que sem sucesso, uma sugestão para a utilização de
recursos psicanalíticos ao método jurídico.

Aí ele introduz a Psicanálise como novo método a assistir procedimentos legais por meio
das associações livres de idéias. Compara o histérico ao criminoso. Ambos tem algo a
esconder, o primeiro de si mesmo e o segundo dos outros. As tarefas do terapeuta e do
magistrado têm em comum alcançar a revelação do material psíquico oculto, escondido,
ainda que o neurótico ajude o terapeuta a encontrar a verdade e o criminoso a boicote.
Sugeria que os agentes legais experimentassem o método e após alguns anos de uso
julgassem sua validade para si.

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26/08/22, 16:35 Psicanálise e Direito: Uma Parceria Natural | SBPSP

Jamais retornou ao tema em sua obra, mas a fertilização interdisciplinar ocorreu, fruto de
seus artigos de inserção na cultura, capitaneados por “Totem e Tabu”.

A primeira lei do Direito de Família é tida por alguns como a proibição do incesto. Para
Levi Strauss, essa é uma lei ao mesmo tempo natural, por existir em todas as
sociedades, e cultural, por se estruturar diferentemente em cada uma delas. Inscreve-se
na transição entre natureza e cultura. Do ponto de vista do indivíduo, a repressão instala
a origem da lei.

Por seu turno, o importante jurista austríaco Hans Kelsen, que formulou a “Teoria Geral
da Norma”, frequentou por um tempo as reuniões das quartas-feiras de Viena, tendo
escrito “A noção de Estado e a Psicologia das Massas de Freud”. Ele buscava uma
“norma fundamental”, descolada do conceito de justiça.

Quando se vai abstraindo historicamente em direção àquela que seria a primeira lei,
iremos nos aproximar, inevitavelmente, da ficção – ou do mito – e aí reencontraremos
“Totem e Tabu”.

Há obstáculos a serem transpostos: a Psicanálise busca a radical singularidade de cada


um e o Direito é radicado na objetividade. Mas, como dizia Ortega e Gasset , “eu sou eu e
minhas circunstâncias”. Por outro lado, negarmos a ação da subjetividade empobrece
qualquer interpretação jurídica. É na relação dialética entre as disciplinas que vamos
navegar, se as quisermos fertilizar. É no contato com o outro que plasmamos e
reafirmamos nossa identidade.

Judicialização e psicologização da sociedade contemporânea , coexistindo e


contrapondo-se entre si, requerem reflexões e práticas em comum. Reflexões
conceituais, por exemplo, consideradas as respectivas metodologias , estratégias e
hermetismos “idiomáticos”.

Na área de Direito de Família, litígios disfuncionais e divórcios, guarda de filhos, adoção,


além das questões ímpares resultantes de novas configurações familiares e biotecnologia
de reprodução assistidas requerem estudos e práticas conjuntas. No campo da avaliação
de capacidade civil, psiquiatria e psicologia forense agradecem nossos insights. O Direito
Criminal é área vasta para a psicanálise contribuir. Direitos da Personalidade são outro
exemplo de influência da Psicanálise.

Ética nas práticas psicanalítica e institucional também faz parte da interdisciplina.

Com essas considerações e perspectivas se criou, na IPA, em 2014, o Comitê de


Psicanálise e Lei, aberto ao diálogo e a intercâmbios com toda a comunidade
psicanalítica internacional. Com essa perspectiva planejamos inclusive uma Jornada na
Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, provavelmente em junho de 2016.

Vale notar que a SBPSP tem sido, dentre as diversas Sociedades componentes da IPA,
instituição pioneira nessa interface, tendo albergado discussões e encontros de
relevância incontestável, nos últimos anos.

*Plinio Montagna é analista didata e ex-presidente da SBPSP. Atualmente é Chair do


“Committee of Psychoanalysis and Law”, da IPA.

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Comentários

Maria Angelica A Bongiovani  18 de agosto de 2015 às 11:22


Artigo surpreendente!Mto curioso!interessante fazer essa ponte estabelecendo ligações frutíferas !
Responder

Fabio Botelho Egas T. de Andrade  19 de outubro de 2015 às 19:03


Plinio, parabéns pelos apontamentos: Psicanálise e Direito, Como advogado atuante na área de
Família o assunto sempre me despertou profundo interesse, dada a experiência vinda da
percepção de que o sofrimento psíquico e os conflitos familiares judicializados se retroalimentam,
sempre! O impasse se instala e a psicanálise deve/pode ser importante alternativa a ser sugerida
aos envolvidos como forma de transformação do conflito. A mediação pode/deve ser um locus
apropriado para essa vivência conjunta dos dois saberes. meu forte abraço.

P.S. tb sempre gostei de ler a lei (norma de conduta social) sob o enfoque daquilo que entendo ser
psicanalítico. ex.: o inconsciente (do sujeito à norma) e o desejo (a sua vontade ali implicada) por
detrás da lei e a transpassando. abs.
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