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2020/2021

METABOLISMO DO AZOTO DOS AMINOÁCIDOS E


CICLO DA UREIA
Embora os aminoácidos nutricionalmente dispensáveis possam, no que refere ao
esqueleto carbonado, formar-se a partir da glicose, é uma boa aproximação à realidade
afirmar-se que os aminoácidos existentes no sangue e nas células resultam da hidrólise
das proteínas endógenas ou das proteínas da dieta. De facto, se pensarmos apenas na
porção azotada, mesmo os aminoácidos sintetizados endogenamente a partir da glicose
têm origem nos aminoácidos formados nestes processos de hidrólise.

A maior parte das moléculas dos aminoácidos libertados, aquando da hidrólise das
proteínas endógenas, são reutilizados na síntese dessas mesmas proteínas ou de outras
proteínas. No entanto, outra parte sofre catabolismo (perdendo o azoto) e gera
intermediários não azotados que, em última análise (direta ou indiretamente), vão acabar
por oxidar-se a CO2.

SÍNTESE DE CARBAMIL-FOSFATO E CICLO DA UREIA

Os aminoácidos ou os intermediários a que dão origem no decurso do seu catabolismo


podem perder os grupos azotados em reações de desamidação ou desaminação em que
se liberta o ião amónio.

NOTA: Quando a concentração de amónio aumenta no plasma (hiperamonémia) provoca


alterações neurológicas cursam com confusão mental e que podem culminar em coma e
morte.

No fígado, ou mais precisamente, nos hepatócitos periportais, o amónio tóxico é


convertido em ureia não tóxica.

Numa reação catalisada pela sintétase do carbamil-fosfato I (uma enzima da matriz


mitocondrial) forma-se carbamil-fosfato.

NH4+ + CO2 + 2 ATP + H2O → carbamil-fosfato + 2 ADP + Pi

Na reação catalisada por esta sintétase, consome-se amónio e CO2 que se ligam para
formar o carbamilo, que é fosforilado pelo ATP. O processo também envolve a hidrólise
de uma outra molécula de ATP. O carbamil-fosfato vai ser o dador de um dos dois
azotos da ureia que se vai formar.

Embora, em termos estritos, não se possa considerar que a sintétase do carbamil-fosfato


I seja uma enzima do ciclo da ureia, a relação da sintétase de carbamil-fosfato I com o
ciclo da ureia é tão íntima que, na maioria dos livros de texto, é incluída nas enzimas
deste ciclo.

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No ciclo da ureia intervém uma enzima que, tal como a sintétase de carbamil-fosfato I,
está na matriz mitocondrial, a transcarbamílase da ornitina:

1. ornitina + carbamil-fosfato → citrulina + Pi

As outras três enzimas do ciclo da ureia estão no citoplasma e são:

2. A sintétase do arginino-succinato
citrulina + aspartato + ATP → arginino-succinato + AMP + PPi
3. A argininosuccínase
arginino-succinato → arginina + fumarato
4. A argínase
arginina + H2O → ureia + ornitina

Costuma dizer-se que a ornitina desempenha, no ciclo da ureia, um papel catalítico


porque se consome na primeira reação (ação da transcarbamílase da ornitina) e, via
citrulina, arginino-succinato e arginina, se regenera na última (ação da argínase). É
na reação catalisada pela argínase que se dá a hidrólise da arginina formando-se ureia e
regenerando-se ornitina.

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Ao longo do ciclo da ureia, a estrutura da ornitina vai aceitando os componentes da


ureia: como evidenciado pela reação de hidrólise catalisada pela argínase, a arginina pode
ser entendida como sendo formada por dois resíduos: ornitina e ureia. Por ação catalítica
da transcarbamílase da ornitina, a ornitina aceita o grupo carbamilo do carbamil-fosfato
gerando citrulina, e o ciclo continua.

Como já referido, a transcarbamílase da ornitina é uma enzima da matriz mitocondrial


enquanto que todas as outras três enzimas do ciclo são citoplasmáticas. Assim, o produto
da transcarbamílase da ornitina, a citrulina, sai da mitocôndria, enquanto o substrato
aminoacídico da mesma enzima, a ornitina, entra para a mitocôndria. Estes dois
processos de transporte são catalisados pelo mesmo transportador que é um antiporter

UREIA

O somatório das reações catalisadas pelas enzimas do ciclo da ureia e pela sintétase do
carbamil-fosfato I pode ser expresso pela seguinte equação:

CO2 + NH4+ + aspartato + 3 ATP + 2 H2O → ureia + 2 ADP +


AMP + 2 Pi + PPi + fumarato

Os azotos e os carbonos da ureia têm origem direta na hidrólise da arginina. No


entanto, se pensarmos no ciclo da ureia na sua globalidade, também se pode dizer que o
carbono da ureia tem origem no CO2, um dos átomos de azoto tem origem direta no
amónio e o outro tem origem direta no aspartato (cujo esqueleto carbonado origina
fumarato durante o processo).

Passo a explicar:

O amónio que está na origem do carbamil-fosfato hepático tem origem nos aminoácidos
que sofrem catabolismo libertando amónio livre ou amónio na própria ureia que é
hidrolisada no lúmen do tubo digestivo.

Uma parte considerável do amónio utilizado para a


síntese de carbamil-fosfato é captado pelo fígado,
chegando aí, através da veia porta, já como amónio.
Este amónio foi formado nos enterócitos a partir da
glutamina (via ação da glutamínase que catalisa a
hidrólise do grupo amida - glutamina + H2O →
glutamato + NH4+) e no lúmen do cólon por ação das
bactérias (que formam amónio a partir da ureia e de
proteínas cujos aminoácidos não foram absorvidos).

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É de notar que parte da ureia que circula no sangue passa para o lúmen do cólon onde é
reconvertida em amónio pelas bactérias: existe assim um ciclo entero-hepático de azoto
envolvendo a ureia e o amónio assim como as enzimas hepáticas do ciclo da ureia e a
urease (ureia + H2O → CO2 + 2 NH4+) das bactérias intestinais.

O restante amónio que é utilizado para a síntese de carbamil-fosfato resulta da ação de


enzimas hepáticas que provocam a perda de grupos azotados de aminoácidos na forma
de amónio.

Exemplos deste tipo de enzimas são:

• A enzima de clivagem da glicina


glicina + H4-folato + NAD+ → N5,N10-metileno-H4-folato + NADH + CO2 + NH4+
• A líase da cistationina
cistationina → cisteína + α-cetobutirato + NH4+
• A desidrátase da serina
serina (ou treonina) → piruvato (ou α-cetobutirato) + NH4+
• A histídase
histidina → urocanato + NH4+
• A asparagínase
asparagina + H2O → aspartato + NH4+
• A glutamínase
glutamina + H2O → glutamato + NH4+
• A desidrogénase do glutamato
glutamato + NAD+ → α-cetoglutarato + NADH + NH4+

É de notar que a maior parte do azoto do amónio libertado pela ação da desidrogénase
do glutamato tem origem última em muitos outros aminoácidos.

Nalguns casos, o processo envolve reações de transaminação onde o grupo α-amina dos
aminoácidos é diretamente transferido para o α-cetoglutarato, formando o glutamato
(casos, por exemplo, da alanina, da serina, da tirosina, do aspartato e dos aminoácidos
ramificados).

Noutros casos, a reação de transaminação envolve intermediários da via catabólica


que ainda contêm o grupo α-amino do aminoácido que lhes deu origem (casos, por
exemplo, da fenilalanina, cisteína, triptofano e lisina). Assim, a ação sequenciada das
transamínases referidas e da desidrogénase do glutamato permite compreender que o
grupo azotado dos aminoácidos que perdem o grupo amina para o α-cetoglutarato possa
aparecer como amónio.

Estas sequências de dois passos costumam designar-se por processos de


transdesaminação (transaminação seguida de desaminação oxidativa do glutamato):

α-aminoácido + NAD+ → α-cetoácido correspondente + NADH + NH4+

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É de sublinhar que, quando um determinado aminoácido sofre transdesaminação, para


além de perder o seu grupo amina na forma de amónio também há, ao mesmo tempo,
formação de NADH que, ao ser oxidado na cadeia respiratória, origina ATP.

Nos casos da glutamina (via glutamínase), da histidina (via urocanato → formimino-


glutamato → glutamato), da prolina (via semialdeído do glutamato → glutamato) e da
arginina (via ornitina → semialdeído do glutamato → glutamato), o produto formado nas
respetivas vias catabólicas específicas é o glutamato (ver catabolismo mais detalhado na
aula “Catabolismo do esqueleto carbonado dos aminoácidos”).

O segundo azoto presente na estrutura da ureia tem origem direta no aspartato: o


aspartato ao reagir com a citrulina e ao sair como fumarato deixa ficar azoto na arginina
que vai sofrer hidrólise e gerar a ureia.

No entanto, este segundo azoto pode, indiretamente, ter origem em todos os aminoácidos:

• A alanina (que é vertida no sangue pelos músculos ou pelos enterócitos e é captada


pelo fígado) é um exemplo de um aminoácido dador de amina para a síntese de
aspartato no fígado.
• Por ação sequenciada da transamínase da alanina (alanina + α-cetoglutarato ↔
piruvato + glutamato) e da transamínase do aspartato (glutamato + oxalacetato
↔ α-cetoglutarato + aspartato), o grupo amina que estava na alanina pode originar
o grupo amina do aspartato
• A sequência envolve como intermediário aminado o glutamato.
Sequências similares envolvendo diversas transamínases e a transamínase do
aspartato podem explicar a transferência de grupos amina de diversos aminoácidos para
o oxalacetato e a formação de aspartato. Por sua vez, o azoto do aspartato vai ser utilizado
para a formação de ureia.

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Quando a perda de azoto origina amónio quer diretamente (casos da desamidação


hidrolítica da glutamina, da ureia e da asparagina ou as desaminações oxidativas da
glicina ou do glutamato, a desaminação por ação de líases de diversos aminoácidos), quer
indiretamente (via transdesaminação), este ião inorgânico também pode incorporar-se no
oxalacetato originando aspartato e, desta maneira, contribuir para formar o segundo azoto
da ureia.

Por ação da desidrogénase do glutamato (enzima reversível - α-cetoglutarato + NH4+ +


NADPH → glutamato + NADP+ + H2O), o amónio pode originar o grupo amina do
glutamato. O glutamato, por sua vez, pode, por transaminação, ser dador de amina ao
oxalacetato para formar aspartato. Tal como nos processos de transdesaminação,
também aqui está envolvida a desidrogénase do glutamato mas, neste caso, a transamínase
pertinente é a transamínase do aspartato.

Ao contrário do que acontece nos processos de transdesaminação, aqui, em vez de se


formar amónio, é este ião inorgânico que é incorporado, no primeiro passo sintetizando-
se glutamato e, no segundo, o aspartato.

Assim, via α-cetoglutarato/glutamato todos os aminoácidos podem contribuir para


o azoto que vai ser cedido diretamente pelo aspartato na síntese da ureia.

O CICLO DA UREIA E O CICLO DE KREBS

O aspartato é um aminoácido não


essencial uma vez que o seu esqueleto
carbonado provém da glicose e o seu
grupo amina vem de uma reação de
transaminação (transamínase do
aspatato: glutamato + oxaloacetato → α-
cetoglutarato + aspartato).

No entanto, no fígado, a esmagadora


maioria das moléculas de oxalacetato
que aceitam grupos amina do
glutamato (e se convertem em
aspartato) são moléculas de oxalacetato
argininossuccinato que resultaram da conversão do
fumarato formado aquando da ação da
aspartato argininossuccínase:

• A argininossuccínase catalisa a reação de fissão do argininossuccinato em


arginina e fumarato.
• O fumarato, posteriormente, entra para o ciclo Krebs e, se ignorarmos os outros
produtos formados nas reações do ciclo, podemos esquematizar a seguinte
sequência: aspartato → fumarato (+ H2O) → malato → oxalacetato → aspartato

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CICLO DA UREIA E SÍNTESE DA ARGININA

A arginina é um intermediário do ciclo da ureia, mas é também um dos aminoácidos


constituintes das proteínas e um precursor na síntese de creatina e do NO (óxido nítrico).

Assim, quando uma molécula de arginina, abandona o ciclo da ureia para ser usada nestes
processos, é imprescindível a sua reposição. A arginina faz parte das proteínas da dieta
mas também pode ser sintetizada endogenamente a partir de ornitina. Esta síntese ocorre
via ação sequenciada da transcarbamílase da ornitina e da sintétase e da líase do
arginino-succinato. Por sua vez, a ornitina pode formar-se a partir do glutamato via ação
de uma redútase que também consome ATP (glutamato + NADPH + ATP →
semialdeído do glutamato + NADP+ + ADP + Pi) e da transamínase da ornitina
(semialdeído do glutamato + glutamato ↔ ornitina + α-cetoglutarato).

A ENERGÉTICA DA SÍNTESE DE UREIA

A equação soma relativa ao processo de síntese de ureia mostra que, na síntese de uma
molécula de ureia, se gastam 4 ligações ricas em energia do ATP: duas moléculas de ATP
convertem-se em ADP e uma em AMP.

NOTA: Embora se gastem diretamente apenas 3 moléculas de ATP, o facto de uma delas
(a que se gasta aquando da ação da sintétase de arginino-succinato) originar AMP (+ PPi,
que se hidrolisa a 2 Pi) explica se gastem 4 ligações ricas em energia.

CO2 + NH4+ + aspartato + 3 ATP + 2 H2O → ureia + 2 ADP +


AMP + 2 Pi + PPi + fumarato

No entanto também é possível defender um outro ponto de vista: o oxalacetato é


aceitador de grupos amina através de reações de transaminação em que se forma
aspartato (oxalacetato + α-aminoácido → aspartato + α-cetoácido). Na conversão do
fumarato (formado no ciclo da ureia) a oxalacetato participam a fumárase (converte
fumarato em malato) e a desidrogénase do malato (converte malato em oxaloacetato:
fumarato + NAD+ + H2O → oxalacetato + NADH.

Assim, tendo em conta os ATPs que se podem formar como consequência da oxidação
do fumarato...

1. Via fumárase e desidrogénase do malato


fumarato + NAD+ + H2O → oxalacetato + NADH

2. Cadeia respiratória e síntase do ATP


NADH + ½ O2 + 2,5 ADP + 2,5 Pi → NAD+ + 2,5 ATP + 3,5 H2O

... também se pode pensar que o número de ligações ricas em energia gastas na síntese de
uma molécula de ureia é de apenas 1,5 ATPs (pois gastamos 4 ligações ricas em energia,
mas repomos 2,5).

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CO2 + NH4+ + 1,5 ATP + α-aminoácido + ½ H2O +½ O2 → ureia + 1,5 ADP +


1,5 Pi + α-cetoácido

No ciclo da ureia gastam-se 4 ligações ricas em energia do ATP mas, porque a


reconversão do fumarato em aspartato permite a formação de 2,5 ATPs (admitindo
relação P:O de 2,5 para o NADH), o gasto líquido é de apenas 1,5 ATPs. De qualquer
forma, independentemente dos diferentes pontos de vista, pode sempre dizer-se que a
síntese de ureia a partir de amónio e aspartato é um processo endergónico.

REGULAÇÃO DO CICLO DA UREIA

A conversão dos esqueletos carbonados dos aminoácidos em glicose ou a sua oxidação


direta a CO2 (maioritariamente via acetil-CoA) é acompanhada da libertação de amónio
e o destino último do amónio é converter-se em ureia. As condições que levam ao
aumento do catabolismo dos aminoácidos também levam ao aumento da síntese de
ureia.

NOTA: O aumento da síntese de ureia num período curto de tempo não se reflete
obrigatoriamente num aumento da excreção urinária de ureia. Existem muitos fatores
que, no nefrónio, influenciam a velocidade de excreção de ureia e a concentração de
ureia no plasma é apenas um desses fatores. Um outro é o grau de hidratação que
aumenta a excreção de ureia.

No período pós-prandial de uma refeição que continha proteínas, há aumento da


concentração de aminoácidos no plasma (e, presume-se, no interior das células), mas
também há aumento do catabolismo dos aminoácidos e da formação de ureia.

Durante o período pós-prandial, o azoto que permitea formação de ureia tem 2 orignes
diferentes: ou pelo catabolismo dos aminoácidos libertados na proteólise endógena ou
,então pela fração dos aminoácidos da dieta que são oxidados neste período.

Em parte, este aumento da atividade das enzimas do ciclo da ureia pode dever-se ao
aumento da concentração de substratos, nomeadamente o aumento da concentração
de amónio no interior das mitocôndrias hepáticas. Quando a dieta é rica em proteínas
durante um período alargado de tempo, a concentração de todas as enzimas do ciclo da
ureia e a síntase do N-acetil-glutamato, aumenta porque a sua síntese fica estimulada.

No caso da sintétase de carbamil-fosfato I, a atividade depende estritamente da presença


de um ativador alostérico: o N-acetil-glutamato. A enzima responsável pela síntese deste
composto denomina-se síntase do N-acetil-glutamato (acetil-CoA + glutamato → N-
acetil-glutamato + CoA) e é ativada alostericamente pela arginina.

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CATABOLISMO DE UM AMINOÁCIDO

A maioria dos aminoácidos é degradada no fígado, mas uma parte importante do


catabolismo dos aminoácidos ocorre no músculo e nos enterócitos.

É de notar que o catabolismo de uma determinada molécula de um aminoácido até CO2


e ureia pode ser feito por etapas envolvendo vários órgãos.

Um bom exemplo é o caso da glutamina que (em parte) é convertida via: glutamina →
glutamato → α-cetoglutarato → succinil-CoA → succinato → fumarato → malato →
oxalacetato → fosfoenolpiruvato → piruvato → alanina, nos enterócitos, em amónio e
alanina que passam para o sangue da veia porta e são captados no fígado.

O processo designa-se por glutaminólise, corresponde a uma oxidação parcial da


glutamina e equação soma relativa à conversão da glutamina em amónio, alanina e CO2
é a seguinte:

glutamina + 1,5 O2 + 7,5 ADP + 7,5 Pi → alanina + 2 CO2 + 7,5 ATP + 7,5 H2O + NH4+

A conversão de glutamina em alanina pode ser entendida pensando que os 5 carbonos da


glutamina dão origem aos 3 carbonos do piruvato e a duas moléculas de CO2 através da
ação sequenciada da glutamínase (glutamina + H2O → glutamato + NH4+ - é nesta reação
que se forma o amónio), da transamínase da alanina (alanina + α-cetoglutarato ↔
piruvato + glutamato), de enzimas do ciclo de Krebs que convertem o α-cetoglutarato
em oxalacetato, da carboxicínase do fosfoenolpiruvato e da cínase do piruvato. O
grupo amina da alanina provém de uma molécula de glutamato que, na reação de
transaminação acima referida, cede o grupo azotado ao piruvato.

NOTA: Esta equação já inclui a formação de ATP resultante de:

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• Oxidação do FADH2 (formado na conversão succinato → fumarato)


• Oxidação NADH (formado nas conversões α-cetoglutarato → succinil-CoA e
malato → oxalacetato)
• Fosforilação a nível do substrato de 1 ADP (que é concomitante com a conversão
fosfoenolpiruvato → piruvato).
• Formação de GTP aquando da conversão succinil-CoA → succinato e o seu
consum aquando da conversão oxalacetato → fosfoenolpiruvato (carboxicínase
do fosfoenolpiruvato)

A alanina formada nos enterócitos passa para a veia porta e é captada pelo fígado
podendo, aqui, ser diretamente oxidada, via alanina → piruvato → acetil-CoA e oxidação
do resíduo acetato do acetil-CoA no ciclo de Krebs e na cadeia respiratória.

alanina + 3 O2 + 11,75 ADP + 11,75 Pi →1/2 ureia + 2,5 CO2 + 11,75 ATP + 14,25 H2O

Ou seja, a alanina, ao chegar ao fígado, devolve o grupo amina ao α-cetoglutarato


convertendo-se em piruvato que é, nas mitocôndrias, oxidado por ação da desidrogénase
do piruvato e das enzimas do ciclo de Krebs.

Uma outra possibilidade é a alanina que é captada pelo fígado ser convertida em glicose
(gliconeogénese) e, esta glicose acabar por ser oxidada a CO2 numa qualquer célula do
organismo que tenha mitocôndrias (a exceção mais óbvia são os eritrócitos). O NH4+
formado nos enterócitos a partir da glutamina e o azoto da alanina são, no fígado,
convertidos em ureia.

CO2

Piruvato
Glicose

ALANINA E GLUTAMINA

As transamínases dos α-aminoácidos ramificados são muito mais ativas nos músculos
que noutros órgãos e, por isso, os músculos são um importante local de captação (e
degradação) dos aminoácidos ramificados (valina, leucina e isoleucina).

No processo de degradação destes aminoácidos, os seus grupos amina podem acabar


como azoto da alanina ou da glutamina.

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Embora constituam apenas 10% dos aminoácidos das proteínas musculares, a alanina e
a glutamina constituem, em conjunto, mais de metade dos aminoácidos libertados pelos
músculos e contêm mais de 1/3 do azoto aminoacídico plasmático.

1. ALANINA

A alanina é uma forma de transporte de azoto e de carbonos do músculo para o fígado


sendo este transporte um dos passos do ciclo da alanina. A alanina libertada pelo músculo
resulta maioritariamente de reações de transaminação em que intervém o piruvato
formado na glicólise muscular.

Esta alanina é captada pelo fígado servindo o azoto para a síntese de ureia e o esqueleto
carbonado para a síntese de glicose. Por sua vez, o fígado pode libertar esta glicose para
tecidos extra-hepáticos (entre dos quais, o músculo) e pode ser usada levando à formação
de piruvato que, por transaminação regenera a alanina (ciclo da alanina).

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Porque o grupo amina da alanina foi cedido pelo glutamato, e este grupo amina pode ter
tido origem noutros aminoácidos quer através de outras reações de transaminação,
quer através da desidrogénase do glutamato, compreende-se que o transporte de alanina
do músculo para o fígado represente o transporte de grupos azotados (de uma forma
segura – não tóxica) de variados aminoácidos (que perderam estes grupos no músculos)
para o fígado.

2. GLUTAMINA

Embora algumas das moléculas da glutamina libertada pelos músculos possa ter origem
na proteólise que ocorre dentro das fibras, a maior parte resulta da conversão de outros
aminoácidos. Admite-se que o esqueleto carbonado de algumas das moléculas da
glutamina libertada pelo músculo tenha origem na valina e na isoleucina. No seu
catabolismo estes dois aminoácidos geram succinil-CoA, que, pelo ciclo de Krebs, forma
α-cetoglutarato. Este, por sua vez, ao aceitar um grupo amina em reações de
transaminação, gera glutamato e, este, glutamina (pela sintétase da glutamina -
glutamato + NH4+ + ATP → glutamina + ADP + Pi).

Na origem dos grupos azotados da glutamina estariam quer os aminoácidos


ramificados (que podem ceder o grupo amina para formar o grupo α-amina da
glutamina), quer outros aminoácidos que possam sofrer desaminação no músculo e
ceder o NH4+ (que é substrato da sintétase da glutamina) para formar o grupo 5-amida da
glutamina.

A glutamina, libertada pelo músculo, pode ser, direta ou indiretamente (via alanina e
amónio formados nos enterócitos a partir da glutamina), captada pelo fígado onde os
carbonos podem gerar glicose (e/ou CO2) e os azotos ureia.

α-cetoglutarato

α-cetoglutarato

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AZOTO EXCRETADO NA FORMA DE AMÓNIO

Para além da ureia, um importante composto azotado da urina é o ião amónio (NH4+).
Normalmente o amónio excretado na urina é uma pequena fração do azoto eliminado para
o meio exterior (menos de 5%), mas em situações de acidose o valor desta fração aumenta
marcadamente.

A maior parte do amónio excretado na urina forma-se nas células tubulares renais por
ação da glutamínase e da desidrogénase do glutamato: o rim capta glutamina do plasma
(com origem no músculo e, em situações de acidose, também no fígado) e usa os seus
azotos para formar o amónio que excreta na urina.

NOTA: O valor do pKa do ião amónio é de cerca de 9,3 encontrando-se por isso
maioritariamente na forma protonada em pHs fisiológicos.

A síntese e a secreção de amónio pelo rim têm um papel homeostático na regulação


do pH do meio interno. Para se compreender esta última afirmação, é útil escrever a
equação que descreve o somatório dos processos que levam à oxidação completa da
glutamina (com geração de amónio), de forma a pôr em evidência que se gastam protões
durante o processo (glutamina + 4,5 O2 + 2 H+ → 2 NH4+ + 5 CO2 + 2 H2O). A excreção de
NH4 na urina é, em última análise, uma forma de excretar protões ligados (tamponados)
ao amoníaco.

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