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TEORIAS E SISTEMAS

PSICOLÓGICOS III

autoras do original
JESIANE MARINS E
MARINA MELES

1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
Conselho editorial sergio augusto cabral; roberto paes; gladis linhares.

Autor do original jesiane marins e marina meles

Projeto editorial roberto paes

Coordenação de produção gladis linhares

Projeto gráfico paulo vitor bastos

Diagramação bfs media

Revisão linguística bfs media

Revisão de conteúdo luis antônio monteiro campos

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

M339t Marins, Jesiane


Teorias e sistemas psicológicos III / Jesiane Marins; Marina Meles.
Rio de Janeiro : SESES, 2015.
112 p. : il.

isbn: 978-85-5548-142-0

1. Existencialismo. 2. Humanismo. 3. Gestalt. I. SESES. II. Estácio.

cdd 150.1

Diretoria de Ensino — Fábrica de Conhecimento


Rua do Bispo, 83, bloco F, Campus João Uchôa
Rio Comprido — Rio de Janeiro — rj — cep 20261-063
Sumário

1. O Existencialismo 5

Objetivos 6
1.1 Introdução ao existencialismo 7
Reflexão 32
Referências bibliográficas 33

2. Fenomenologia 35

2.1 Antecessor da Fenomenologia 36


Atividade 56

3. O Gestaltismo 59

Objetivos 60
3.1 Influências antecedentes sobre a psicologia da Gestalt 61
Referências bibliográficas 87

4. Gestalt Terapia e Psicologia da Gestalt 89

4.1 Gestalt Terapia e Psicologia da Gestalt 90


Referências bibliográficas 112
1
O Existencialismo
Este capítulo visa trazer para você as noções básicas que envolvem o Existen-
cialismo. Nós vamos conhecer o contexto histórico em que surgiu esta corren-
te de pensamento e perceber o porquê o existencialismo foi tão importante
para a compreensão do homem e sua relação com o mundo.
Vamos estudar também os autores que influenciaram esta corrente filosófica
e que foram importantes, cada um a seu modo, para a definição do existen-
cialismo. Você vai perceber que o existencialismo se tornou, mais que uma
filosofia, um modo de vida e de questionamento do mundo daquela época.
É interessante conhecer um pouco mais de filosofia e compreender como
esta matéria auxiliará você a entender melhor a Psicologia, apreendendo
mais profundamente como nos comportamos no mundo.

OBJETIVOS
Vai ser bastante valoroso você saber quais foram os fatos e acontecimentos históricos que
influenciaram o pensamento existencialista, dentre os quais podemos citar desde as Grandes
Guerras Mundiais até a Fenomenologia de Husserl. É uma abordagem muito rica e complexa!
Você vai poder diferenciar os pressupostos que marcaram o pensamento de:

• Kierkegaard, que traz a necessidade da apropriação subjetiva da verdade, além dos três
estágios da existência humana - Estético, Ético e Espiritual;
• Heidegger, trazendo o conceito de Daisen (ou ser-no-mundo), ou seja, antes da consciên-
cia existe o próprio homem;
• Sartre, com sua concepção de homem, que nada mais é do que aquilo que se projeta ser.
Para ele, você vai perceber que não existe determinismo, o homem é livre.

É interessante perceber que, cada um destes autores, possuem conceitos próprios, mas carre-
gam algo em comum: qual o modo de ser do homem no mundo?
Vamos lá?

6• capítulo 1
1.1 Introdução ao existencialismo
Surgido no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais (de 1918 a
1945), o existencialismo foi um movimento filosófico e cultural que se localizou
no eixo Alemanha/França. (SÁ, 2013) O contexto em que o mundo encontrava-
se, devido às sequelas do conflito, era de uma crise geral, tanto política, social,
econômica, moral como também financeira. Esta experiência de guerra trouxe
desânimo e desesperança, que alcançaram principalmente os jovens, que esta-
vam incrédulos dos valores burgueses e da aptidão do homem em resolver de
maneira lógica as incoerências da sociedade.
GILES (1975) contextualiza também o cenário histórico em que surgiu o
existencialismo. O século XIX surgiu cheio de esperanças no homem, que dava
crédito ao futuro da ciência, com a certeza de um progresso da civilização, já
que esta se encontrava engrandecida pelas descobertas técnicas, além de crer
em uma verdade absoluta envolta numa razão clara e distinta. O positivismo
era a promessa de uma nova era. Entretanto, o século XX irrompe como um
tempo de dúvidas, sofrimento e desilusão. No século XIX enxergava-se clareza,
simplicidade e praticidade, já no século XX havia enigma e escuridão. Sob es-
tes termos que estes filósofos visavam repensar essa existência aparentemente
gratuita, da qual sentiam repugnância.
PENHA (2004) continua narrando que o existencialismo desponta e progri-
de neste contexto, repercutindo largamente, já que demostrava trazer as res-
postas para o momento histórico que surgia posterior à guerra. Claramente,
esta foi a causa deste movimento ter se propagado tão depressa. Ultrapassando
o âmbito acadêmico, o existencialismo transformou-se em um estilo de vida,
um jeito de se comportar.
A fama dos existencialistas era envolta em julgamentos de que esta reflexão
filosófica envolvia morbidez, amargura, intuito de cultivar as facetas sórdidas
da existência humana, focando-se nas exceções da vida humana. Cobertos de
injúrias, os existencialistas refutavam esta tese sustentando que o comporta-
mento deles não deveria ser avaliado por meio dos padrões vigentes, já que eles
possuíam um projeto de impelir os fundamentos de uma nova moral. (PENHA,
2004)
EDWALD (2008) aponta que o que une estes pensadores, que embora fos-
sem muito individualizados em suas concepções filosóficas, é a filosofia que é
desenvolvida e exercida como análise da existência, sendo que a existência quer

capítulo 1 •7
dizer o modo de ser do homem no mundo. O existencialismo então é questio-
nador do modo de ser do homem, e por julgar este modo de ser como modo de
ser no mundo, questiona também o próprio ‘mundo’, sem por isso conjecturar
o ser como já formado, constituído.

A análise da existência não será então o simples esclarecimento ou interpretação dos


modos como o homem se relaciona com o mundo, nas suas possiblidades cognosciti-
vas, emotivas e práticas, mas também, e simultaneamente, o esclarecimento ou inter-
pretação dos modos como o mundo se manifesta ao homem e determina ou condiciona
as suas possibilidades. A relação homem-mundo constitui assim o tema único de toda
filosofia existencialista. (ABBAGNANO, apud EDWALD, 2008, p. 156)

Com a grande articulação do filósofo alemão Jean-Paul Sartre, este movi-


mento tinha como referencial o próprio filosofar, baseado na atitude contínua
de estranhamento e interrogação do sentido. Esta abordagem de temática mui-
to característica e própria não impede o existencialismo de ter um conjunto
heterogêneo de ideias e pensadores. A compreensão do princípio da oposição
tradicional entre as expressões “essência” e “existência” é importante por nos
mostrar o porquê da escolha da palavra existencialismo para definir este movi-
mento filosófico. (SÁ, 2013)
Buscando na antiguidade as bases do existencialismo, podemos citar
Platão, que respondeu à pergunta que a filosofia investigava na Grécia antiga
(no decorrer dos séculos IV e V a.C.). A pergunta era sobre o que nas coisas cons-
tituía o seu verdadeiro ser, ou seja, qual a essência, sendo que a resposta dada
era que aquilo que se mantinha constante, idêntico, permanente, era conside-
rada essência. O que se modifica ou se alterava era considerado menos impor-
tantes, acidentais e não faziam parte da constituição da essência.
Partindo deste princípio, SÁ (2013) explana que está em transformação tudo
o que é sensível com a existência no tempo. Somente o atemporal, as coisas do
nível supersensível poderiam ser permanentes. Chamando de “ideias” essas es-
sências supersensíveis e eternas, Platão pregou que estas serviam como o fun-
damento verídico para a existência das coisas sensíveis e temporais. Podendo
ser nomeada de Deus, espírito, razão, substância, a essência dos entes foi con-
siderada a verdadeira “ideia” das coisas atemporais e suprassensíveis e vigorou
no pensamento filosófico até a nossa época. “Em virtude dessa valorização da

8• capítulo 1
essência em detrimento da existência, se diz que a tradição filosófica, ou meta-
física, do Ocidente é essencialista.” (IDEM, p. 365)
No século XIX, toda essa tradição metafísica, que sempre pautou a realida-
de em ideias abstratas e universais, foi alvo de críticas ferrenhas de Friedrich
Nietzsche (1844 – 1900) e Sören Kierkegaard (1813 – 1855), considerados pio-
neiros do existencialismo moderno.
M. Stirner – ex-hegeliano e rigoroso crítico de Hegel – é outro precursor bem
definido do movimento existencialista. Com o surgimento do método fenome-
nológico, no início do século XX, houve a expectativa de que se pudesse propi-
ciar a descrição da existência concreta em uma exatidão ainda não galgada. Há,
entretanto, uma diferenciação entre os que estabeleceram para a descrição do
existente, ou das maneiras de existir, o método fenomenológico dos que em-
preenderam uma descrição da existência voltando-se para uma ontologia ou
antropologia existencialista. Para o primeiro caso, podemos citar K. Jaspers e
no segundo, Heidegger e Sartre.

Vamos diferenciar a maneira de pensar a descrição do existente voltada para a fenome-


nologia do modo que se volta para a ontologia ou antropologia existencialista? Jaspers
foi precursor das ciências compreensivas, focado mais precisamente na psicopatologia
e na psiquiatria. Utilizando o método fenomenológico, Jaspers crê que o entendimento
dos estados psíquicos que os pacientes efetivamente sentem ou experimentam com
intensidade apresentam-se de maneira viva, com análise das relações de parentesco,
delimitação e distinção de forma mais precisa através da fenomenologia. Com este
método, Jaspers propõe a descrição das estruturas universais dos fenômenos relativos
ao sujeito referentes à sua vida psíquica mórbida. Já a ontologia de Heidegger e Sartre,
é criticada por Jasper no sentido de que, em relação à psicopatologia, torna-se um
tratamento objetificado, conhecido e descoberto, perdendo-se assim a aquisição de
conhecimento real. As explanações da ontologia fundamental de Heidegger são consi-
deradas por Jaspers como um erro filosófico por não levar o leitor a filosofar, mas sim a
descobrimento do esquema total do existir humano. (FIGUEIREDO, 2010)

capítulo 1 •9
Podemos definir o existencialismo como:

O conjunto de doutrinas segundo às quais a filosofia tem como objetivo


a análise e descrição da existência concreta, considerada como ato de uma
liberdade que se constitui afirmando-se e que tem unicamente como gê-
nese ou fundamento esta afirmação em si. (JOLIVET, apud FIGUEIREDO,
2010, p.187)

Enquanto para a fenomenologia de Husserl a consciência era pura e a redu-


ção fenomenológica1 era absolutamente possível, na Fenomenologia Existencial
não seria possível cessar e alhear-se de valores e preconceitos, já que a consciên-
cia é formada de interferências persistentes do mundo, numa correlação inter-
subjetiva em contínua ambiguidade. É a existência antecedendo a essência. O
homem forma-se a partir do momento em que ele existe, vive, imagina, e deter-
mina suas crenças. Os valores que se vão formando passam a fazer parte de suas
escolhas e de seu relacionamento com o mundo. (LIMA, 2008)

CONEXÃO
A fenomenologia de Husserl teve influência na obra existencialista. Podemos relembrar seus
principais conceitos com a leitura do livro “Introdução à Fenomenologia”, de BELLO, A.A.
Neste livro, podemos entender mais profundamente o conceito fenomenológico de redução,
ou epoché, além de outros pressupostos como intencionalidade da consciência e chegar “as
coisas mesmas”. Vale a leitura!

Ainda sobre esta autora, o existencialismo surge, então, com uma visão do
homem como ser-no-mundo. A valorização do homem passa a envolver a sua
própria subjetividade, liberdade e responsabilidade por suas escolhas.
Podemos definir o existencialismo também como uma corrente filosófica –
a mais discutida nas décadas de 1940 e 1950 – que significava fatos ou pessoas
que se distanciavam do pensamento usual, através da transgressão de regras
estabelecidas. (PENHA, 2004)
1 Redução fenomenológica: consiste em suspender todos os preconceitos, valores, teorias cientificas e crenças
pré-existententes. (LIMA, 2008, p.4)

10 • capítulo 1
Friedrich Nietzsche, Sören Kierkegaard, Martin Heidegger e Jean Paul
Sartre são os mais proeminentes pensadores existencialistas. Adiciona-se
Buber e Binswanger, que também cooperaram com ideias e pensamentos
existencialistas.

Você sabia que há uma opinião bastante propagada de que na filosofia existencialista,
justamente pela essência de seus temas, as contribuições pessoais prevalecem sobre
as outras circunstâncias? Isso ocorre devido ao fato de haver vários tipos de existencia-
lismos, sendo que cada um deles equivale a um autor específico, à sua noção subjetiva
das questões humanas e aos pormenores da vida particular de cada filósofo. “Por isso
mesmo, o existencialismo seria menos uma doutrina, no sentido próprio do termo, do
que um filosofar, uma maneira de o homem se expor a si mesmo, reconhecendo-se
autenticamente neste ato” (PENHA, 2004, p.15). Assim, o existencialismo seria a ma-
nifestação de uma experiência única, individual, um modo de pensar fundamentado por
uma situação muito singular.

Já que entendemos o contexto histórico em que se inseriu o existencialismo,


vamos agora conhecer mais profundamente os filósofos que foram referência
nesta corrente de pensamento? Prepare-se para entender uma nova maneira
de ver o homem, relacionada à responsabilidade que cada um tem na própria
existência!

As influências de Kierkegaard

Sören Aabye Kierkegaard (1813-1855) nasceu em Kopenhagem, na Dinamar-


ca e lá concluiu seus estudos em Teologia. Podendo ser eleito o protótipo do
pensador existencialista, por ter a obra e a vida conflituosas e veementes, este
pensador ordenou seu pensamento filosófico opondo-se diretamente à filoso-
fia idealista de Hegel (1770 – 1831). Não é exageração fincar que a doutrina
kierkegaardiana emerge como reação direta ao hegelianismo. (PENHA, 2004)
Este filósofo é estimado como o derradeiro representante e o apogeu da tradi-
ção essencialista iniciada por Platão (SÁ, 2013).
NOGARE (2008) explana que o existencialismo nasceu cristão. Gabriel
Maciel (1889-1973) é, nesta direção, o existencialista que mais se parece com as
origens kierkegaardianas. Marcel é o pensador em que o princípio “a existência
precede a essência” tem o sentido exato que lhe foi conferido desde início. O

capítulo 1 • 11
homem está sempre se construindo, é criador de si mesmo e da sua própria
essência. Deus surge como quem dá ao homem a vocação e a existência, junta-
mente com seu ímpeto para o crescimento e desenvolvimento. E a maior reali-
zação do homem é justamente reconhecer-se e tornar-se aquele que é diante de
Deus. Assim também foi percebido por Kierkegaard: o homem é criador de si.
Também reputado por alguns estudiosos como o precursor do
Existencialismo, Kierkegaard é porventura o pensador de maior saliência na
corrente existencialista por exercer influência em todos os filósofos fenome-
nológicos-existenciais. A busca deste filósofo é pela existência autêntica; sendo
que todo conhecimento deve enlaçar-se irrecorrivelmente à existência, à sub-
jetividade, em nenhuma vez ao abstrato, ao racional, e, se assim fizer, falhará
no propósito de penetrar no sentido profundo das coisas, por conseguinte, de
alcançar a verdade. “Segundo Kierkegaard, nada é uma verdade em si mesma,
mas depende de como a pessoa percebe e se relaciona com o objeto ou o fato.
Há um envolvimento do sujeito com a verdade. E assim, a verdade está no pró-
prio existir, no eu.” (LIMA, 2008, p.32)
JANSEN & HOLANDA (2012) relatam que o estilo de Kierkegaard era bastan-
te marcado por metáforas, além de ser extremamente sarcástico. Ele não se ca-
racterizou por escrever sobre o mundo, ou sobre as explicações que pudessem
advir disto; seu foco foi a vida humana, a existência e o ser-existente, abarcando
assim o desespero, a fé, o amor, a angústia, entre outros. A sua vontade era dis-
correr sobre a existência concreta, e não sobre uma busca de essência.
A única realidade que interessa de fato o indivíduo é a realidade singular e
concreta. A própria realidade é a única que o indivíduo pode conhecer. A apro-
priação da realidade só se dá de forma subjetiva. O universal nada mais é que
mera abstração do singular. O homem então para Kierkegaard “é espírito, é a
síntese de finito e infinito, de temporal e eterno, de liberdade e necessidade.
(...) O espírito é o eu. O eu é aquele que não estabelece relação com nada que lhe
é alheio.” (PENHA, 2004)

12 • capítulo 1
O ser do homem consiste em sua própria existência singular, sua subjetividade, que
é pura liberdade de escolha. Por isso a filosofia não se reduz à construção de siste-
mas abstratos, à especulação conceitual e à descrição de essências ideais; filosofar é
afirmar a existência enquanto liberdade e assumir a responsabilidade pelas próprias
escolhas. Vemos, portanto, que o primado tradicional da essência sobre a existência
é radicalmente invertido por Kierkegaard, justificando, assim, a opinião amplamente
aceita de que esse filósofo e teólogo dinamarquês é o principal e mais direto precursor
do existencialismo. (SÁ, 2013, p. 365)

Kierkegaard valoriza a busca pela verdade, e através desta apropriação sub-


jetiva seria possível a fundamentação do pensar ligando-o na raiz mais profun-
da da existência: o indivíduo. Deste modo, a verdade torna-se um compromisso
pessoal do indivíduo, pois tem princípio na existência concreta de cada ser hu-
mano particular.

As figuras que influenciaram a história de vida de Kierkegaard foram principalmente


seu pai, Michael Pedersen Kierkegaard e Regina Olsen. Esta jovem, apesar de ser ama-
da pelo filósofo, não foi sua esposa por causa dos sentimentos de culpa e melancolia
que assolavam Kierkegaard. Este fato foi motivo de um grande choque emocional que
atingiu proporções descomunais para ele. Em relação ao pai, Kierkegaard herdou uma
temperança tristonha, juntamente com uma formação cristã que era demasiadamente
meticulosa em relação ao pecado, incluindo também as questões sobre sexualidade.
Acarreta-se assim, uma religiosidade sombria, coberta de ares amaldiçoados. “Em rela-
ção ao pai, Soren recebeu as armas da melancolia e da dialética: da noiva, a inspiração
para implementá-las e o estímulo para se tornar autor.” (GILES, 1975, p. 7). Houve
desavenças também fora de seu limite familiar, ligadas à igreja luterana. Apesar perma-
necer leal à religião em que foi educado, Kierkegaard arguia que a igreja havia se buro-
cratizado e se afastado da religiosidade interior fundamental. É impossível desagregar
a filosofia de Kierkegaard das eventualidades pelas quais este filósofo passou. Mas
também sua bibliografia não conferiu caráter absoluto a sua obra, diz PENHA (2004).

capítulo 1 • 13
Este pensador separa a existência em três estágios – Estético, Ético e
Espiritual – segundo LIMA (2008), que são descritos a seguir:
1. Estético – dirigido para o prazer. Está atrás de sentido para sua existên-
cia. Convencido de que é absolutamente livre, o indivíduo se rende aos praze-
res e sensações, usufruindo e desfrutando, vivendo direcionado aos impulsos.
Porém, quando se encontra neste estágio, o homem se enlaça a uma existência
vazia, que leva a frustração e a insatisfação, desembocando no desespero. Este
desespero relaciona-se inconscientemente ao fato de se ter um eu. “O eu é uma
relação, que não se estabelece com qualquer coisa de alheio a si, mas consigo
própria. Mais e melhor do que na relação propriamente dita, ele consiste no
orientar-se dessa relação para a própria interioridade”. (KIERKEGAARD, apud
LIMA, 2008, p. 32)
GILES (1975) ainda traz que este estágio é de completa procura nos praze-
res e também no conhecimento, da âncora da existência. O homem permanece
sob o domínio completo dos sentidos e dos sentimentos e há a sensação de
que, idealmente, é capaz de tudo, é capaz de infindada subjetividade. Mas, o
que realmente ocorre é edificação de um mundo ilusório que é negado pelos
critérios da própria subjetividade.
PENHA (2004) acrescenta a este estágio o fato de que não há razões ló-
gicas que ordenem como deve ser encaminhada a vida de cada pessoa.
Racionalmente, não há motivos que justifiquem esta ou aquela forma de viver,
ou seja, não há critérios que instituam esta ou aquela forma de viver. Apesar
disso, em seu interior, o homem tem conhecimento de que agir de acordo com
seus impulsos pessoais não lhe acarreta satisfação. Frustrado, é tomado pela
melancolia e tédio. Caindo no desespero, o homem alcança o estágio seguinte.
Kierkegaard aponta que ato de desespero é o apogeu da angústia, embora
não seja obrigatoriamente um prejuízo para o homem. Entrar na angústia é
possibilidade de cura. O desespero pode ser tanto um proveito como uma in-
correção, na mais incontestável dialética. Quando se encontra no desespero, o
homem caminha para o estágio seguinte, que é o ético. Enquanto o homem que
se mantém no estágio da Estética tem o centro da realidade fora de si, o homem
que passa para o estágio Ético o tem em si. (LIMA, 2008)
2. Ético – alia paixão e razão, reajustando-se o social. Ao atingir este está-
gio, o homem deixa o marasmo existencial, mas ainda mantém sua individua-
lidade, o que impede que ignore os requisitos do mundo exterior, que vem en-
volto em normas e convenções. Estes limites estabelecidos pela sociedade não
impedem que a personalidade do indivíduo mantenha-se livre neste estágio.

14 • capítulo 1
Entretanto, Kierkegaard indica que é impossível achar realização existen-
cial plena neste estágio, já que é exatamente nele que emerge o grande embate
entre as exigências da interioridade e da universalidade.
O homem toma consciência de ser responsável, mas esta conscientização
vem juntamente com o peso do universal, ou seja, da necessidade de tomar
para si a forma da existência que a coletividade impõe, porque ele é submetido
à lei em toda sua generalidade.
Neste estágio, a personalidade de cada pessoa mantém-se livre, entretan-
to esta liberdade é estabelecida dentro dos limites impostos pela sociedade.
(PENHA, 2004)
3. Espiritual – junção com a espiritualidade pra atingir a existência hu-
mana. Somente neste estágio é possível encontrar-se com sua existência plena.
Deus transforma-se na norma e modelo do indivíduo, sendo que é o formato
exclusivo capaz de realizá-lo inteiramente. Neste estágio, a ação não necessita
mais de ordem racional.
GILES (1975) denomina este estágio de religioso, e o caracteriza como a en-
trada do indivíduo em um relacionamento particular com o Absoluto. É quan-
do ocorre o domínio da grande solidão, é quando Deus se torna a regra do in-
divíduo. Por não se basear em consequências sociais e históricas, mas sim na
justificação individual e instantânea, este estágio não se caracteriza por crité-
rios, nem justificativas.
O autor supracitado ainda traz que o salto para o estágio religioso será re-
cheado de combate constante, já que a fé revela-se uma conquista constante
sobre a dúvida. Não há espera em relação a entendimento, há sim uma relação
de resignação infinita. Há neste momento um duplo movimento dialético, pois
depois desta resignação infinita, o homem novamente vive o finito, mas des-
ta vez dentro do panorama do Absoluto, e este relacionamento independe de
racionalidade.
O intuito de descrever os estágios acima está ligado ao fato de Kierkegaard
procurar uma explicação para a sua existência. Suas ideias então visam edifi-
car a dialética2 percebida nesses estágios. Para ele, o homem transita por es-
tes estágios no decorrer da vida, iniciando pelo estágio Estético até chegar ao
Espiritual.

2 Dialética: Arte do diálogo ou da discussão, que num sentido laudativo, como força de argumentação, que num
sentido pejorativo, como excessivo emprego de sutilezas; desenvolvimento de processos gerados por oposições que
provisoriamente se resolvem em unidades. (FERREIRA, A. B. H., 1996, p. 585)

capítulo 1 • 15
Na realidade, tudo é dialética no pensamento de Kierkegaard. Esta transpo-
sição que leva o indivíduo de um estágio para outro é dialético, já que este salto
é, ao mesmo tempo o abismo e o ato que o transpõe (LIMA, 2008).

A dialética kierkegaardiana procura seguir as sinuosidades das determinações deci-


sivas de todo o conjunto da existência. É uma dialética instaurada para ir em direção
daquilo que essencialmente a transcende. Noutras palavras, Kierkegaard faz tudo pra
arruinar a dialética como fim em si. Para ele a dialética é um instrumento que tem por
finalidade procurar a verdade na realidade, distanciando-se de tudo o que é vazio e
abstrato para ir em direção daquilo que é concreto e rico de conteúdo. (...) A dialética
em direção ao existencial exige que o indivíduo se aprofunde no autoconhecimento da
existência; é cheia de decisões. (GILES, 1975, p. 12/13)

Kierkegaard não intenta a missão ávida de elaborar um sistema que trans-


mitisse o fundamento exclusivo da sabedoria. Sua intenção era bem mais mo-
desta: exibir que uma vez um homem viu o que significa existir.
O pensamento kierkegaardiano evidencia a existência enquanto momento
dramático, associação entre o universal e o particular, e demonstra de maneira
profunda e impiedosa as várias maneiras de luta do homem consigo próprio
para alcançar a existência, que é, a conquista do próprio “eu” em sua individu-
alidade. (PENHA, 2004)
Certamente à frente de seu tempo, Kierkegaard foi o dianteiro ao lançar luz
no homem como definidor de sua existência, não apenas um simples perten-
cente a uma espécie. Apenas depois de meio século de sua morte, que alguns se-
guidores, como Heidegger e Sartre, desdobraram seus pensamentos. “Seu foco
no indivíduo trouxe um novo posicionamento perante o homem”. (JANSEN &
HOLANDA, 2012, p. 575)

As influências de Heidegger

A grande questão que levou Heidegger (1889-1976) a abandonar o curso de


teologia e dedicar-se ao curso de filosofia foi relacionada ao sentido do ser.
Modificando de maneira absolutamente nova a questão do ser, deixa de enfo-
car “o que é ser” para interrogar “qual o sentido do ser”. O intuito da questão

16 • capítulo 1
ontológica3 – de investigar a essência dos entes – converte-se em uma questão
hermenêutica4. Intitulado por Heidegger de “fenomenologia hermenêutica”, o
método empregado neste questionamento ontológico difere do sentido trans-
cendental definido por Husserl quando não advém de algum a priori transcen-
dental, mas sempre de interpretação. (SÁ, 2013)
Heidegger crê que foi através do pensamento de Kierkegaard que houve a
análise mais profunda de questões existenciais fundamentais, como a angús-
tia. Heidegger realizou de maneira essencial a articulação entre a fenomenolo-
gia e o existencialismo e foi discípulo e sucessor de Husserl. Enfatizando a im-
portância de se elaborar uma interpretação ontológica do existir humano em
geral, Heidegger apontou que era importante o esclarecimento do que compõe
a ser humano enquanto existente. (SÁ, 2013).
Este filósofo repudiava veementemente que sua doutrina fosse denomina-
da existencialista. Perturbado pela teimosia de muitos que o denominavam
desta forma, Heidegger preocupou-se em mostrar as diferenciações que o dis-
tinguiam do existencialismo. Qual seria, então, a distinção entre existencialis-
mo e analítica existencial? Enquanto o existencialismo trata de uma filosofia
que discorre sobre a existência humana, focada na análise do homem particu-
lar, individual e concreto, a analítica existencial não demanda atenção alguma
na existência pessoal. Heidegger foca na discussão do Ser, e estabelece uma
ontologia geral, traçando os fenômenos que o caracterizam tais como se apre-
sentam à consciência. (PENHA, 2004)
Heidegger nasceu na Alemanha e seu filosofar é cheio de interrogações per-
sistentes, que objetivam revelar e compreender a questão sobre o ser. Não há
procura por soluções (e nem poderia, ainda que quisesse), “e, sim, procura ser
um pensamento que interroga dentro do âmbito a partir de onde todas as in-
terrogações e soluções se levantam. É um caminhar que nos dará pelo menos a
possiblidade de interrogar.” (GILES, 1975, p. 191)
Como já citamos, Heidegger possuía uma relação tão próxima com a feno-
menologia, que Husserl, principal expoente desta corrente filosófica, citava “A
fenomenologia somos eu e Heidegger”. Entretanto, Heidegger não segue a fe-
nomenologia como movimento, mas sim como uma possibilidade metodológi-
ca. Assim, este filósofo não caracteriza o “quê” dos objetos da pesquisa filosó-
fica, mas o “como” alicerçada no modo pelo qual entramos em contato com as
próprias coisas. (GILES, 1975)
3 Ontológico: pertencente ou relativo à ontologia; na filosofia de Heidegger, [existencialismo], relativo ao Dasein.
Ontologia: parte da filosofia que trata o ser enquanto ser, do ser concebido como tendo natureza comum que é
inerente a todos e cada um dos seres. (FERREIRA, 1996, p. 1225)
4 Hermenêutica: designa a arte ou ciência da interpretação. (SÁ, 2013, p. 367)
capítulo 1 • 17
A adesão de Heidegger ao nazismo foi um fato de sua bibliografia que influenciou di-
retamente sua relação com Husserl. Heidegger apontava a doutrina nazista como alter-
nativa entre o comunismo e o capitalismo e retirou a dedicatória a Husserl em seu livro
O ser e o tempo, a partir da quinta edição, justificando que as divergências doutrinárias
com seu mestre de outros tempos frisaram-se, sendo que foi Husserl quem fendeu a
amizade entre os dois publicamente. Também se credita que a retirada da dedicatória
de Husserl estivesse relacionada com o fato de que não haveria outra reimpressão de
seu livro caso houvesse referência ao filósofo judeu. (PENHA, 2004)

O pensamento de Heidegger é de grande importância por traçar um en-


tendimento filosófico crítico e desconstruído da modernidade, apresentando
os perigos que esta apresenta para a vida humana, sujeitada a um destino tec-
nocientífico. Quando às relações dos homens entre si e dos homens com ou-
tros entes baseiam-se nas exigências e imperativos da ciência moderna, a pro-
posta metafísica5, propagada historicamente, recai no esquecimento do ser.
“Portanto, não é de se estranhar que na modernidade a questão do ser torne-se
absurda e sem sentido, destinada ao esquecimento” (BARRETO, 2013, p.33)
O homem assume papel privilegiado no pensamento de Heidegger por ser
ele quem lança a interrogação sobre o ser. Neste sentido, é requerida uma aná-
lise mais minuciosa sobre seu modo de ser, anterior ao aprofundamento da in-
terrogação direta sobre o sentido do ser.
Dasein (ser-aí) é um termo utilizado por Heidegger que diz respeito ao “modo
de ser deste ente que mesmos somos” (SÁ, 2013, p.367). A drástica divergência
em relação aos entes que não têm a maneira de ser do homem é a ausência de
uma essência anterior à existência. Para o homem, a definição que envolve o
modo de ser é a “existência”, o “ser-aí”, o “ser-no-mundo”, enquanto o modo de
ser dos entes não humanos é nomeado “ser simplesmente dado”. LIMA (2008)
aponta que, antes da consciência, existe o próprio homem: isto seria o dasein.
Endossando as afirmações acima, BARRETO (2013) aponta que o homem,
pra Heidegger, é entendido como este Dasein – “ser-o-aí” – ente que habita o aí,
na abertura (Da), onde compreende o ser das coisas (sein), e oferece condições
de possibilidades para o indivíduo ser de modo próprio o que “é”.
5 Metafísica: parte da filosofia, que com ela muitas vezes se confunde, e que, em perspectivas e com finalidades
diversas, apresenta as seguintes características gerais, ou alguma delas: é um corpo de conhecimento racionais
(e não de conhecimentos revelados ou empíricos) em que se procura determinar as regras fundamentais do
pensamento (aquelas de que devem decorrer o conjunto de princípios de qualquer ciência, e a certeza e evidência
que neles reconhecemos), e que nos dá a chave do conhecimento do real, tal como este verdadeiramente é (em
oposição à aparência). (FERREIRA, 1996, p. 1126)

18 • capítulo 1
Para SZYMANSKI (2013), o Dasein indica a visão de homem-existente, e é no
mundo que se dá a existência. Este ser-no-mundo seria, então, uma unidade,
impossível de ser desatada, não significando “dentro de”, muito menos uma
contiguidade entre o Dasein e o mundo. A palavra “em” dentro da expressão
ser-em-um mundo quer dizer morar, habitar, e a palavra mundo seria o que se
mostra, o fenômeno.

(...) Dasein, que, numa tradução literal, corresponde a ser aí, e que vem sendo eventual-
mente traduzido como ser no mundo. O dasein, categoria central da analítica existen-
cial, implica a essencial relação do existente com o seu mundo. Existir é estar inevitavel-
mente situado no e projetado para o mundo. (...) A existência nunca resulta de uma livre
opção por existir, e por isso o sentimento original do existente é o de ter sido lançado
numa situação. Todavia, o dasein é essencialmente a possibilidade e a necessidade
de exercer o poder de escolha. (...) O dasein é obrigado a escolher, e é constrangido a
assumir a responsabilidade por suas escolhas. (FIGUEIREDO, 2010, p. 191)

PRADO & CALDAS (2013) definem o “ser com outros” vinculando-o ao modo
como nós nos relacionamos, sentimos, pensamos, vivemos com os outros. O
ser-no-mundo define nosso contexto relacional, nunca estamos encerrados em
nós mesmos. Mesmo que haja isolamento, é “ser-com”, copresença.
O termo “mundaneidade” é definido por Heidegger como a expressão de
“mundo”, e o Dasein é sempre mundano. Na cotidianidade do mundo ao nosso
redor, vivemos e enfrentamos as coisas do mundo com abundantes maneiras
de se ocupar da vida, em articulações de significação. Quando compreendemos
este ser-no-mundo como mundaneidade, o outro deve ser considerado como
um mundo constitutivo dele mesmo, ou seja, habitamos mundos que possuem
semelhanças, mas também abarcam muitas diferenças e meios para lidar com
situações, objetos e pessoas.
Continuando, o Dasein caracteriza-se por ser o “mundano”, distinguindo-
se dos entes simplesmente dados, também chamados de “intramundanos”,
porém privados de mundo. Podemos entender melhor esta separação quando
pensamos em pedras e árvores, por exemplo. Elas “estão no mundo, mas não
tem o mundo, isto é, não são aberturas de sentido não se podendo dizer que
elas ‘existem’. Mundo é estrutura de sentido, contexto de significação, lingua-
gem sempre historicamente em movimento.” (SÁ, 2013, p. 368).

capítulo 1 • 19
Por ser envolto nas possibilidades de ser, o dasein é fundamentalmente ina-
cabado. Dentro destas possiblidades de ser que determinam o existir huma-
no, o homem projeta e nega seu estado original de ser alienado. A existência
é fatalmente temporal: envolve uma antecipação do futuro para compreender
o presente e um assumir do passado. Para haver uma existência autêntica, é
necessária a responsabilidade pessoal, pelo inacabado e pela transcendência,
“no sentido da capacidade de ultrapassar constantemente a situação e a reali-
zação, assumindo o passado, compreendendo o presente virtual e negando-os
mediante um projeto livre e autodeterminando.” (FIGUEIREDO, 2010, p. 192)
BARRETO (2013) explana que a decadência do homem ocorre quando este
se desvia e se retira de si mesmo, sentindo-se ameaçado pela própria presen-
ça, quando o seu próprio ser-no-mundo o angustia. O que ameaça o homem
é a sua singularidade, o seu próprio poder-ser-no-mundo, e não algo concreto
e determinado. A angústia então aparece com uma função libertadora que é a
de “arrastar a presença para a propriedade de seu ser enquanto possibilidade
de ser aquilo que já ‘é’, retirando o homem da aparente segurança de sua fuga
decadente.” (p.36)
O morrer – a impossibilidade de qualquer possibilidade – para o dasein é
uma busca de refúgio da superficialidade do dia a dia, almejando, assim, se
livrar da angústia diante do fim que o paralisa, embora seja através dela que se
conceba o sentido de sua singularidade e assim possa alcançar a sua totalidade
enquanto ser, retirando-se da superficialidade do cotidiano (BARRETO, 2013).
“Heidegger também reconhece a possibilidade da morte como algo que vem
dar sentido à vida. (...) Cada presença deve, ela mesma e a cada vez, assumir a
sua própria morte.” (LIMA, 2008, p.33)

(...) o existir humano nunca se reduz a uma simples presença, pois esse existir supõe
um ser também ausente, já que é um-ser-para-a-morte, que acontece independente de
todos os aspectos e de todas as razões, revelada na angústia diante da impossibilidade,
isto é, do “nada”. (...) O ser humano pode aprender a viver projetando-se na direção do
“nada” ou agarrando-se a entes/verdades que parecem sólidos, estáveis, e que possibi-
litam uma ilusória experiência do não vazio, de fugir do “nada”. (BARRETO, 2013, p.37)

A morte é a possibilidade derradeira da existência, para onde o Dasein se di-


rige, e onde o homem se totaliza. Heidegger não a considera o fim da existência

20 • capítulo 1
humana, pois, mesmo chegando ao fim do itinerário, ainda existimos, conser-
vamo-nos vivos, temos a consciência de ter terminado algo. Por poder aconte-
cer de forma repentina, a morte põe termo na existência individual. Embora
possa parecer algo exterior, fora de nosso controle, nos abate sem aviso. Isso
nos inquieta, nos assusta: a imprevisibilidade da morte. E esta é a experiência
mais pessoal e intransferível. Não há como experimentarmos a morte alheia,
ainda que seja sofrida a morte do outro. (PENHA, 2004).
A angústia é, então, o único caminho para se alcançar a plenitude do ser.
Através dela, o homem chega ao íntimo de sua existência. A angústia diante do
nada transporta o homem para existência autêntica. E para isso, é necessária
a interiorização do pensamento da morte. Assumindo a morte, alcançamos a
autenticidade. Mesmo assim, ainda há a angústia, que estaria relacionada ao
nada.
O nada para Heiddeger não é a negação do ser, como a maioria dos manu-
ais de filosofia o definem. “Ao contrário, a negação é que é possibilitada pelo
nada.” (PENHA, 2004, p. 47). O nada representa os limites temporais do Dasein:
anteriormente ao seu nascimento, o “Ser-aí” é nada, e é por meio deste nada
que o Dasein pode se totalizar, se completar.

Vamos colocar na prática estes pressupostos apresentados por Heidegger, exem-


plificando esta teoria na ação clínica? O Dasein – juntamente com suas estruturas
existenciais – encaminha o pensamento clínico psicológico trazendo uma abertura aos
questionamentos dos variados modos de ser do homem, entendido como incompletu-
de e indeterminação, como abertura e tarefa de ser. Com a compreensão do homem
como “ser-o-aí”, carente de essencialidades e de estruturas psíquicas construídas pre-
liminarmente, a ação clínica desvincula-se do homem como simples jogo de forças
definido pelo princípio da causalidade. Deste modo, a ação clínica é traduzida como
o acolhimento daquele que precisa de cuidado, em que se dá sentido às vicissitudes
da existência, acompanhando o paciente para este apropriar-se do que já conhece
pré-reflexivamente, contextualizando suas experiências que vão aclarando-se no existir.
É importante evitar qualquer objetivação e determinismo da experiência falada, já que
poderia funcionar como um paradigma prévio, impedindo o fenômeno da singularidade.
Considerando a narrativa de forma atenciosa, o psicólogo clínico possibilita o compro-
metimento do cliente consigo mesmo. (BARRETO, 2013)

capítulo 1 • 21
O pensamento heideggeriano cooperou para o existencialismo ao desobje-
tificar o ser humano, encerrando com ideias de que o homem é mero objeto e
coisa material da natureza.

O existencialismo de Sartre

“O existencialismo é um humanismo porque é a única filosofia capaz de tornar


a vida humana digna de ser vivida” (PENHA, 2004, p. 65)
Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi um dos maiores pensadores do século pas-
sado, sendo influente no Existencialismo, além de contribuir para o humanis-
mo, visto sua forma de compreender o homem. Para Sartre, há o humanismo
existencial, já que ele não acreditava em um humanismo estreito que colocasse
o homem como, simplesmente, o valor último das preocupações humanas. O
homem está, para Sartre, continuamente se projetando para fora de si mesmo,
construindo-se e realizando-se no mundo. (LIMA, 2008)
Sartre define o humanismo “como qualquer doutrina que pense o homem
tomando como critério aquilo que o diferencia de qualquer outro ser, ou ainda,
que entenda o homem na sua existência própria.” (BUYS, 2013)
Ainda na autora supracitada, há os dizeres: “Há pelo menos um ser no qual
a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido
por qualquer conceito: este ser é o homem.” (p. 34). Assim, o homem para os
existencialistas, só não é suscetível de uma explicação por, inicialmente não ser
nada, além dele mesmo, de seus quereres, que moldam seu destino.
Atribui-se grandemente a Sartre a repercussão obtida pelo existencialismo,
sendo que sem sua presença, a reverberação teria sido bem menos agitada e du-
radoura. A presença de Sartre foi decisiva dentro do existencialismo, e a trans-
posição desta corrente de pensamento dificilmente sairia da Europa sem sua
presença. Dentre as capacidades de Sartre estavam um talento artístico que in-
cluía romances, contos, peças teatrais e uma atividade jornalística que envolvia
assuntos de diversas naturezas. Ainda realizava crítica literária. Seria facilmen-
te possível, segundo PENHA (2004), estudar o pensamento existencialista de-
tendo-se apenas nas obras deste grande filósofo. Por outro lado, nenhuma obra
da doutrina existencialista é possível se não se levar em conta a obra sartriana.
Com a obra de maior projeção intitulada de O ser e o nada, podemos notar a
influência de Husserl no trabalho de Sartre ao conhecer o subtítulo desta obra:
“Ensaio de ontologia fenomenológica” (SÁ, 2013). Mesmo tendo sido publicada

22 • capítulo 1
em meio à guerra (no auge da Segunda Guerra Mundial), esta obra publicada
em 1943, causou grande comoção. Entretanto, foi criticada pela linguagem al-
tamente difícil, já que mesmo especialistas tinham dificuldade em compreen-
dê-la de fato. (PENHA, 2004)
O humanismo de Sartre parte de uma conjectura de que Deus não existe.
Assim, o existencialismo que ele representa é um esforço para extrair todas as
consequências de uma posição ateia coerente. Mesmo que Deus existisse, afir-
ma Sartre, em nada mudaria a questão de o homem precisa convencer-se de
que nada pode salvá-lo de si próprio, nem mesmo uma evidência da existência
de Deus. (PENHA, 2004).

A relação entre Sartre e Nietzsche envolve semelhanças e afinidades, embora Sartre


nunca tenha mencionado Nietzsche em sua famosa conferência O existencialismo é
um humanismo. Nietzsche foi quem primeiro pregou a morte de Deus, levando o ate-
ísmo até as últimas consequências práticas. Realizando o ataque a religião de maneira
veemente e vigorosa, Nietzsche também combateu de modo feroz qualquer resíduo do
teísmo. Embrenhou-se em um combate também à ciência e a arte, esta por mascarar
a religiosidade. Nietzsche mostrava-se um ateu muito mais radical e exigente do que
Sartre.(NOGARE, 2008)

NOGARE (2008) cita que para os marxistas, o existencialismo isolava os


homens, afastando-os da solidariedade, visto que o existencialismo de Sartre
advém da subjetividade pura (do cogito cartesiano). Os marxistas ainda alega-
vam que o existencialismo põe o homem em um mundo carecido de qualquer
sentido, desolado, absurdo, desmotivando o homem de agir, além de colocá-lo
distante da solidariedade. Comparando o homem existencialista a Narciso, ha-
veria uma contemplação que levaria a um compadecimento de si próprio e não
uma exaltação de si.
Ainda em NOGARE (2008) para ir contra estas críticas, em que os marxistas
suponham que a subjetividade individual impossibilitava qualquer vivência e
ação comunitária, Sartre retrucava afirmando que:

• O existencialismo não fecha o indivíduo em si.


Em um nível teórico:

capítulo 1 • 23
a) o cogito, ou a subjetividade, é de onde advém obrigatoriamente toda
filosofia e verdade, não havendo a possibilidade de desconsiderá-lo;
b) somente a partir do cogito é possível salvar o homem como sujeito, não
o transformando em objeto;
c) no cogito há o reencontro com os outros necessariamente, como cor-
relativos do “eu”, além de se tornarem testemunhas de sua existência e de seus
atos;
d) há o pressuposto de que existe uma universalidade de condição huma-
na, não uma universalidade de natureza humana, determinada por aquilo que
vem antes de seu estar no mundo (Por exemplo, em um zoológico, a condição
dos animais é universal – todos estão em cativeiro – porém não há universalida-
de de natureza).

• O existencialismo não leva à anarquia.


Em um nível prático:
a) quanto ao fato de que podemos escolher seja o que for:
- Sartre afirma que há algo que não podemos deixar de escolher: o não-es-
colher. De uma maneira ou de outra, sempre teremos que fazer uma escolha;
- A minha escolha, tomada de minha responsabilidade universal, não tem
nada a ver com o capricho, mesmo não fazendo alusão a nenhum valor preesta-
belecido. (NOGARE, 2008, p.150)
b) Quanto ao fato de que você não poder julgar os outros:
- Sim, pois cada homem é livre para decidir sobre seu projeto, e Sartre não
crê no progresso;
- Não, pois julgando a escolha alheia baseando-se na verdade ou no erro
(quer dizer, na má-fé), pode-se elaborar juízo lógico sobre a ação do outro.
Também há a possibilidade de se lançar um juízo moral.
Assim, a posição dos existencialistas é a existência precedendo a essência,
a liberdade do homem é o fim de toda a humanidade, embora a liberdade do
homem requeira a liberdade dos outros, condicionando-as reciprocamente. O
julgamento dos outros então visam à própria liberdade e a dos outros.
c) Nós mesmos criamos os valores, visto que não existe Deus e consequen-
temente não há outro jeito. Nós mesmo que significamos nossa vida particular
e a vida da humanidade. (NOGARE, 2008)

24 • capítulo 1
CONEXÃO
Que tal conhecer mais sobre o cogito cartesiano? “O cogito cartesiano, além de impor a
superioridade do mundo espiritual sobre o físico, estabelece uma distinção ontológica tão
forte entre corpo e alma que é praticamente impossível uni-los novamente” (SANTOS, 2005,
p. 121). Leia mais e aprofunde seus conhecimentos sobre o cogito cartesiano e o existen-
cialismo de Sartre em SANTOS, M. P., O problema da natureza humana a partir do cogito
cartesiano. In: Revista de Filosofia do Mestrado Acadêmico em Filosofia da UECE.

Já os cristãos criticavam os existencialistas por frisarem os aspectos sórdi-


dos e repugnantes da natureza humana, mas o aspecto mais criticado relacio-
nava-se a extinção de Deus, levando a comportamentos humanos sem lei e va-
lor, possibilitando ações ao bel-prazer do homem.

Reconhecemos, no entanto, a Sartre o mérito de oportunamente sacudir com notável


eficácia o quietismo de muitos que comodisticamente acusam os outros ou as circuns-
tâncias de suas esterilidades e fracasso. (NOGARE, 2008, p. 149)

Para SÁ (2013), Sartre foi o filósofo que, influenciado por Husserl e


Heidegger, realmente formou uma ontologia e uma antropologia existencialis-
ta. Sartre divide o ser em duas regiões ontológicas drasticamente distintas, de
acordo com o seu modo de ser. O “ser em si” (en-soi) refere-se às coisas em si
mesmas, sem relação com a consciência, assim, sem relação com o sentido.
Já o “para-si” (pour-oi), refere-se ao mundo da consciência, à existência, exata-
mente do mesmo modo que esta palavra tem significado no existencialismo.

Nesse contexto, o termo existência não é um mero sinônimo de ser, como o empre-
gamos no linguajar cotidiano. Existir é um modo específico de ser relacionado ao ente
cujo sentido nunca está dado a priori – o homem. Antes que existisse esta folha de
papel diante de nós, foi preciso que alguém pensasse nela, concebesse idealmente seu
ser, sua essência, para então produzi-la, dando-lhe existência. Podemos dizer, então,
que sua essência vem antes de sua existência.

capítulo 1 • 25
No caso do homem, a relação se inverte, primeiro é preciso ser homem, existir, para
depois pensar sobre isso e atribuir-lhe sentido. Assim sendo, somente em relação ao
homem é válida a inversão da fórmula tradicional da metafísica que dava precedência
para as essências. No caso do homem, o existencialismo postula que a existência pre-
cede a essência. (SÁ, 2013, p. 366).

Neste raciocínio, somente o homem é livre, pois apenas ele não se encontra
determinado quanto ao seu sentido, contrariamente aos outros entes. Desta
forma, somente o homem existe, enquanto a folha de papel é. PENHA (2004)
exemplifica claramente esta súmula ao citar a semente de uma planta, em que
se encontra tudo o que ela será ao desenvolver-se regularmente. Em sua essên-
cia, há determinada sua essência. O homem, entretanto, diferentemente dos
outros seres, não é predeterminado. Enquanto a essência equivaleria a algo de
abstrato, a existência estaria ligada a algo de concreto. NOGARE (2008) cita
que a essência precede a existência quando há o pensamento de uma ideia pré-
via sobre algo que leva a uma fórmula técnica para sua elaboração. Por exem-
plo, um corta-papel foi pensado e não foi fabricado à toa. Mas quando pensa-
mos em um Deus criador, Ele seria como um Artífice superior, possibilitando
existência às coisas a partir de uma ideia ou conceito pré-formado em mente,
igualmente como faz o fabricante de corta-papel.
Deste modo, para o existencialismo ateu de Sartre, retomamos a máxima
de que a existência precede a essência, que significa que um ser “que existe an-
tes de poder ser definido por qualquer conceito, e que este ser é o homem ou,
como diz Heidegger, a realidade humana” (NOGARE, 2008, p. 143). Assim, ini-
cialmente o homem surge, existe e se descobre para posteriormente se definir.
Nesta linha de pensamento, não há natureza humana, já que não há Deus para
conceber. Partindo para o primeiro princípio do existencialismo, define-se o
homem sendo o que se lança ao futuro, consciente de se projetar no futuro. O
homem então para Sartre é dotado de liberdade total e absoluta.
O homem para Sartre é o que projeta ser. Considerando o primeiro princí-
pio do existencialismo, em que o homem é antes de qualquer coisa, um pro-
jeto que vive subjetivamente, ele transforma-se naquilo que fizer de sua vida,
sendo que não há nada, além dele mesmo, de seu desejo, que demarque seu
destino. A construção da história do homem ocorre de acordo com suas esco-
lhas, e também conforme o caminho que escolher percorrer. Assim, não há

26 • capítulo 1
determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Com esta liberdade,
atrelada à responsabilidade e capacidade de escolher, a angústia pode emer-
gir. Somos sentenciados a sermos livres, responsáveis pelos nossos próprios
atos, e assim responsáveis por nós mesmos, “o homem se escolhe a si mesmo”.
(SARTRE, apud LIMA, 2008, p. 34)
Com esta convicção existencialista do homem, o homem é conduzido a
construir sua própria definição, cada um passa a ser aquilo que faz de si mes-
mo. São as opções que o homem faz entre as alternativas que enfrenta que for-
mam sua essência.

Cada um, a partir de seu projeto de vida, de sua formação de crenças e valores, e de
sua história construída até então, irá se constituindo pelos seus atos, suas escolhas e
suas formas de viver o mundo. Para os existencialistas, o homem é um ser livre, a sua
liberdade faz dele plenamente responsável pela sua escolha e a sua escolha sendo ver-
dadeira, é também uma escolha que o homem faz para todos os homens. Dessa forma,
o ato individual acaba engajando toda a humanidade. Isto é, se ele acredita que aquilo
que ele escolhe, por base em seus valores próprios, é o certo, então, ele também está
escolhendo para todos os homens. (LIMA, 2008, p.35)

PENHA (2004) clarifica que as escolhas do homem envolvem a escolha uni-


versal porque, ao escolher, o homem decreta o que lhe parece válido de uma
maneira geral, universal.
Se o homem poderá fazer aquilo que quiser de sua vida, não havendo nada,
além dele mesmo que o determine, Sartre afirma que quando nasce, o homem
não é nada. Não há nada de inato, que se fez antes de seu surgimento, que o nor-
teie, mostrando o caminho a seguir. É através de sua experiência pessoal que o
homem obtém esta resposta. O indivíduo primeiramente existe com o tempo,
podendo transformar-se nisso ou naquilo, adquirindo sua essência. É a essên-
cia que irá retratá-lo como bom ou mal, destemido ou covarde, demonstrando
no que se tornou. “A essência humana, portanto, só aparece como decorrência
da existência do homem. São seus atos que definem sua essência. (...) o homem
existe – e só depois é possível defini-lo, conceituá-lo. Enfim, da existência de-
corre a essência”. (PENHA, 2004, p. 61)
Continuando neste autor, somente no homem a existência precede a es-
sência devido a liberdade. O homem ser livre o torna sem predeterminação. O

capítulo 1 • 27
homem tem que escolher a cada momento como será seu instante seguinte,
ou seja, o homem deve ser inventado todos os dias, resume Sartre. As escolhas
que o homem realiza em meio às opções que tem constitui sua essência. É esta
escolha que lhe autoriza criar seus valores.
A liberdade, na visão existencialista, é algo além do livre-arbítrio. Em Sartre,
ela assume o papel de decisão que o indivíduo tem sobre sua vida, quando esco-
lhe e se responsabiliza por esta escolha. Porém, esta liberdade não é absoluta,
já que é submetida a regras e convenções sociais. O homem conscientiza-se das
limitações advindas da manifestação de sua existência. (PENHA, 2004)

A condição do homem existencialista

• Angústia:
Sartre define “Se existir é escolher, existir é sofrer angústia” (NOGARE, 2008,
p. 145). Embora muitas pessoas acreditem que não sentem angústia, ela se
abriga continuamente no coração do homem. A angústia, obviamente, se torna
mais sensível para quem tem que fazer escolhas significativas. Observando o
exemplo de Abraão, ou de um chefe militar que necessita decidir entre atacar
ou não e assim possivelmente entregar a morte vários homens, Sartre fala da
reponsabilidade direta e o aumento proporcional da angústia.
A angústia também se relaciona com o fato de que o homem precisa esco-
lher sem o apoio e orientação de ninguém. É puro desamparo. O homem está
condenado a ser livre. Condenado porque não criou a si próprio e livre, pois,
atirado ao mundo, é responsável por tudo o que fizer. Por exemplo, uma pessoa
se faz covarde ou herói, e isso pode se modificar: depende da sua liberdade.
(PENHA, 2004)
Com a liberdade de escolha, o homem nota a responsabilidade assumida
sobre seus atos e também sobre a humanidade inteira; consequentemente sur-
ge a angústia. “A angústia da liberdade é a angústia de optar, de fazer escolhas.”
(PENHA, apud LIMA, 2008, p. 35). A angústia surge quando se escolhe algo em
detrimento de outro.

• Desamparo:
O desamparo é quando o homem se vê diante de escolhas de sua vida e
de seu destino, sem o apoio ou orientação de ninguém. É interessante perce-
ber que o desamparo provém da ausência de valores para o homem se sentir

28 • capítulo 1
orientado e estimulado. Mantendo-se firme na inexistência de Deus, Sartre
afirma que tudo é permitido. Não há afirmação alguma de que o bem existe,
de que é necessário e prudente ser honesto, de que não se deve mentir; pois
estamos em um plano onde só há homens. Sem algo para se apegar, o homem
fica abandonado por não encontrar nem em si mesmo nem fora de si um algo
para afeiçoar-se. “Desamparado também o homem existencialista, porque não
há mais desculpas para ele. Porque, se é livre, projeto de si mesmo, autor de seu
destino, ele é inteiramente responsável por si mesmo.” (NOGARE, 2008, p. 146)
Sem sinais, sem moral (nem cristã, nem kantiana, nem qualquer outra), que
possa mostrar de forma certa o percurso a seguir, o homem deve escolher por
ele próprio, tornando-se assim a sua própria lei e sua própria moral. Sartre cita
que interpretamos os sinais que nos são mostrados no decorrer da vida de acor-
do com nosso próprio temperamento e simpatias, deste modo, sempre somos
nós que decidimos, mesmo quando acreditamos que seguimos a opinião de
outras pessoas. Somente podemos contar conosco, com nossas responsabili-
dades e com nossos recursos.

• Desespero
Por causa deste abandono total, emerge o desespero, que é considerado a
terceira característica do homem existencialista. Sartre assume uma posição
bastante drástica em relação ao desespero: somente podemos contar com
o que provém da nossa vontade. Estamos desamparados por não poder ter
‘apoio’ de Deus, nem da humanidade, nem de partido algum ou de qualquer
companheiro.
NOGARE (2008) traz uma citação do próprio Sartre, de sua famosa confe-
rência “O Existencialismo é um humanismo” de 1964 (traduzida por Virgílio
Ferreira), em que o existencialista até considera contar com companheiros
de luta, desde que haja uma mesma meta de luta, um objetivo em comum.
Também julga ser importante ter certo controle, certo conhecimento dos movi-
mentos do grupo. Fora esta situação, Sartre julga não ser possível contar que a
bondade humana ou mesmo o interesse genuíno do homem pelo bem da socie-
dade. Pelo fato de a liberdade ser uma característica do ser humano, não existe
uma natureza humana sobre a qual possa se basear.
Por todas estas afirmações, Sartre rechaça qualquer possibilidade de exis-
tência de álibis para justificar a própria incapacidade ou derrota.

capítulo 1 • 29
Sartre defende que o existencialismo é otimista quando o vê como doutrina
de ação, já que o desespero obriga o homem a agir. (PENHA, 2004)

Há observações críticas ao que postulava Sartre, que envolvem o fato de que sempre
interpretamos os fatos de acordo com nossas simpatias e nosso temperamento e só
escolhemos de acordo com isso. Não se podemos, entretanto, excluir que um sinal,
recheado de significação objetiva, não nos leve a seguir um caminho oposto ao nos-
so temperamento e simpatia. Outra crítica envolve a questão levantada por Sartre da
liberdade absoluta do homem, que é considerada anti-humana, anticientífica e mítica.
Anti-humana por retirar do homem qualquer motivação para agir, já que não há Deus,
valores etc. Sem a motivação, a ação se torna impossível ou absurda. Anticientífica visto
que as ciências humanas e naturais são cada vez mais enfáticas em verificar os condi-
cionamentos da liberdade, estes mesmos que Sartre nega veementemente. E a parte
mítica envolve a “escolha fundamental do homem é colocada no começo e ninguém
sabe qual é” (NOGARE, 2008, p.149). Quando Sartre julga uma espécie de criação de
si, com uma autodeterminação absoluta, cria uma teoria completamente utópica.

Sartre também se empenha em discriminar duas classes de humanismos,


sendo que:

1. Uma destas espécies de humanismo caracteriza-se pela ideia do ho-


mem como fim e valor superior. Esta é uma abordagem desprezada por Sartre,
visto que o homem nunca é fim, mas sim um estar sempre por fazer-se;
2. Outro modo de pensamento pode ser caracterizado como humanismo
existencialista, em que o homem está continuamente se projetando para fora
de si mesmo, construindo-se e realizando-se no mundo. Podemos avaliá-lo
como transcendente e subjetivo.

CONEXÃO
Agora que você já está começando a entender o que é o existencialismo, assista a esta
aula que o professor Franklin Leopoldo e Silva ministra sobre Sartre: O Existencialismo é um
Humanismo. Assim, fica mais fácil compreender esta filosofia. Acesse: https://www.youtube.
com/watch?v=ct1FfOGvBkY

30 • capítulo 1
A psicoterapia Existencial

Foi evidente a influência de várias linhas do pensamento filosófico em quase


todos os movimentos teóricos da Psicologia, incluindo diversas áreas de atua-
ção como a clínica, educacional, hospitalar, comunitária, trabalho, social, ente
outras. Cada corrente de pensamento filosófico suscita sua própria compreen-
são de mundo, de homem, de conhecimento, de verdade, de realidade, e, ao en-
contrarem a psicologia, despertam caminhos muito característicos às teorias e
práticas dessa área de saber. (SZYMANSKI, 2013)
LIMA (2008) aponta que, além do existencialismo, a fenomenologia e o mo-
vimento humanista também estabeleceram uma nova maneira de se conhecer
e trabalhar com o ser humano. É notável como estas perspectivas influenciam
fortemente a postura terapêutica e a relação terapeuta-cliente.
Para que possamos compreender o existencialismo e suas possibilidades
em terapia, vamos entender a prática desta abordagem. TEIXEIRA (2006) escre-
ve que a psicoterapia existencial foca-se nas dimensões históricas e na respon-
sabilidade de cada indivíduo em construir o seu-mundo. Propõe a mudança e a
autonomia pessoal. Mas há divergências de autores quanto a finalidade desta
psicoterapia existencial, podendo ser desde a procura do sentido da existência,
até a necessidade de torna-se mais autêntico. Porém, essencialmente, a pers-
pectiva existencial busca auxiliar o indivíduo a escolher-se e a proceder de um
jeito cada vez mais autêntico e responsável.

Em qualquer caso, resulta claro que o conceito de psicoterapia não é o de uma técnica
destinada a “curar” perturbações mentais, mas sim o de uma intervenção psicológica
que contribui para o crescimento e para a transformação do cliente como pessoa. Mais
especificamente, que promove o encontro da pessoa com a autenticidade da sua ex-
periência, para que venha a assumi-la e possa projetá-la mais livremente no mundo.
(TEIXEIRA, 2006, p. 290)

O respeito pela pessoa humana é o cerne que move as psicoterapias


Fenomenológico-Existenciais. Percebem o homem como um ser consciente,
autônomo, afetivo e farto de emoções próprias, como também de sentimen-
tos, sonhos, anseios, crises e desejos. “Dessa forma, na relação terapêutica, o

capítulo 1 • 31
cliente é sempre percebido como uma pessoa com capacidade para expandir
sua consciência e decidir, por si mesmo, a futura orientação a se dada à sua
vida.” (COREY, apud LIMA, 2008)
A autora supracitada ainda aponta que em todas estas psicoterapias, pode-
se perceber intensa contribuição de Heidegger, relativa a seu conceito de com-
preensão de si mesmo enquanto ser-no-mundo e ser-com, no ato particular e
concreto de sua existência dividida com os outros. Já no pensamento de Sartre,
enfoca-se as questões relacionadas a liberdade e responsabilidade humana.
O foco não é o de fornecer interpretações prontas aos clientes, como ocor-
re em outras abordagens de psicoterapias. É exatamente o oposto: busca-se
permitir que cada pessoa, através de suas potencialidade e capacidades para
o crescimento, encontre o próprio caminho, partindo de suas observações e
reflexões.
Podemos perceber de uma maneira geral que os terapeutas fenomenoló-
gicos existenciais mostram-se em uma postura que mira um encontro com o
paciente verídico, de respeito e valorização da criatividade que surge de cada
um. (LIMA, 2008)
As psicoterapias de cunho científico-naturalista pretendiam, na maior par-
te das vezes, ajustar os clientes em sua teoria, e não tinham o enfoque de buscar
uma descrição fenomenológica da existência singular. Ao tentar encaixar o pa-
ciente em suas teorias de conhecimento, as transformações existências efetivas
não aconteciam.
A preocupação do terapeuta fenomenológico-existencial, além de tentar
compreender melhor a pessoa do cliente, é também a de levá-la a uma auto
compreensão que o permita ressignificar seu futuro, podem assim aceitar a res-
ponsabilidade que acompanha a liberdade de conduzir sua própria vida. O que
se que é ajudar a pessoa a encontrar um sentido para a vida. (LIMA, 2008, p. 37)

REFLEXÃO
Podemos perceber que o existencialismo influenciou de maneira bastante expressiva a visão
sobre o homem e a forma com que este se relaciona com o mundo. Ao assumir as respon-
sabilidades pela sua vida, o homem também passa a estar sujeito a todas as sensações e
sentimentos que esta liberdade lhe dá. E estes sentimentos que aparecem podem prejudicar
e frear o desenvolvimento do homem, momento em que a psicoterapia pode vir a auxiliar na
ressignificação da existência, além de ajudá-lo a compreender seu mundo. Entretanto, estes

32 • capítulo 1
sentimentos, quando bem compreendidos, podem também ser o motor propulsor da mudan-
ça e evolução do homem.

LEITURA
“Existencialismo”, de REYNOLDS, J., é um exemplar interessante que abarca os conceitos
desta corrente filosófica.
De autoria do próprio Kierkegaard, “O conceito de angústia” trata psicologicamente do
conceito de angústia, com seu humor sarcástico e irônico. Outro livro, também de sua autoria,
que aborda o pensamento deste filósofo é “É preciso duvidar de tudo”, em que ele aborda
através de um conto o amor de um jovem pela filosofia.
O livro “Heidegger: Introdução a uma leitura”, de DUBOIS, C. traz as conceituações de
Heidegger mais aprofundadas. Mas se você quiser entender este filósofo e a atuação prá-
tica pode se interessar pelo livro “Do Desabrido à Confiança: Daseinsanalyse e terapia”, de
SAPIENZA, B. T.
A complexidade da obra de Jean-Paul Sartre é bem explanada na conferência “O Exis-
tencialismo é um Humanismo”, já que o filósofo achou oportuno divulgar seu pensamento
para um publico mais extenso. Há vários outros livros que podem te ajudar a aprofundar-se
neste autor, como “Freud, além da alma” e “o Ser e o Nada”. Este último apresenta uma es-
crita bastante complexa, mas é a maior obra satriana.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARRETO, C.L.B.T. Reflexões para pensar a ação clínica a partir do pensamento de Heidegger: da
ontologia fundamental à questão da técnica. In: BARRETO, C.L.B.T; MORATO, H.T.P.; CALDAS, M.T
(Org.) Prática psicológica na perspectiva fenomenológica. Curitiba: Juruá, 2013
BELLO, A. A. Introdução à Fenomenologia. Bauru: Edusc, 2006. 108p.
BUYS, R.C. In: JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; Portugal, F. T. (Org.) História da Psicologia –
Rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau Editora, 2013. p. 383-394
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FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
1996. 1837p.
FIGUEIREDO, L. C. M. Matrizes do pensamento psicológico. 16 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010

capítulo 1 • 33
GILES, T.R. História do Existencialismo e da Fenomenologia. São Paulo: EPU, Editora da Universidade
de São Paulo, 1975, p. 302
JANSEN, M.R.; HOLANDA, A. Elementos para uma psicologia no pensamento de Søren Kierkegaard.
Estud. Pesquis. Psicol., Rio de Janeiro, v. 12, n. 2, p. 572-596 2012
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Abordagem Gestalt. v.14, n.1, Goiânia, 2008, p. 28-39
NOGARE, P. D. Humanismo e Anti-Humanismos – Introdução à Antropologia Filosófica. 14 ed. Rio de
Janeiro: Vozes, 2008, p. 479
PENHA, J. O que é existencialismo. São Paulo: Brasiliense, 2004, p. 124
SANTOS, M. P., O problema da natureza humana a partir do cogito cartesiano. In: Revista de Filosofia
do Mestrado Acadêmico em Filosofia da UECE.
SÁ, R. N. As influências da fenomenologia e do existencialismo na Psicologia In: JACÓ-VILELA, A. M.;
FERREIRA, A. A. L.; Portugal, F. T. (Org.) História da Psicologia – Rumos e percursos Rio de Janeiro:
Nau Editora, 2013. p. 361-382
SZYMANSKI, H., SZYMANSKI, L. Repercussões do pensamento fenomenológico nas práticas
psicoeducativas. In: BARRETO, C.L.B.T; MORATO, H.T.P.; CALDAS, M.T (Org.) Prática psicológica na
perspectiva fenomenológica. Curitiba: Juruá, 2013
TEIXEIRA, J. A. C. Introdução à psicoterapia existencial. Aná. Psicológica [online]. 2006, vol.24, n.3, pp.
289-309.

34 • capítulo 1
2
Fenomenologia
2.1 Antecessor da Fenomenologia
Antes de darmos início aos conceitos da Fenomenologia é preciso entender
o seu surgimento e o tempo da história. Como qualquer conceito novo, a feno-
menologia surgiu a partir de transformações sociais do Século XX e que trouxe-
ram a necessidade de uma nova forma de compreender o comportamento e os
processos psíquicos.
Mas antes da fenomenologia existir, bem antes, no final do Século XVI e iní-
cio do século XVII, alguns filósofos começaram a contestar a predominância
da Filosofia sob o raciocínio da sociedade. Alguns deles foram Francis Bacon,
Galileu Galilei, René Descartes, entre outros.
Alegavam que a Filosofia era uma verdade única, impregnada por um
Positivismo e que era preciso contestar para saber se de fato as teorias eram
verdadeiras. Mas, para criticar, era preciso ter instrumentos precisos que pu-
dessem medir os fenômenos sociais e dizer se os pensamentos anteriores esta-
vam certos ou errados e por que deveria ser diferente ou igual.
Nesta perspectiva de maiores garantias sobre o real que Bacon, foi o primei-
ro a ter coragem e buscar uma liberdade para conhecer. O seu lema era “Saber é
poder”. Ele queria dizer com isso que para ter conhecimento é preciso ter liber-
dade para pesquisar, estudar, contestar e replicar.
Bacon afirmava que era preciso conseguir criticar os preconceitos e os erros
para se fundar uma nova maneira de investigação, por meio da OBSERVAÇÃO.
Para observar era preciso seguir 3 tábuas. Uma conhecida como presença,
ou seja, se me proponho a pesquisar “Motivos mais comuns na atualidade para
o divórcio”, primeiro eu preciso saber onde encontro pessoas que estão divor-
ciando ou divorciadas (fóruns, cartórios, bares); depois eu vou para a segunda
tábua, chamada de ausência, sendo esta oposta a primeira, ou seja, onde eu
não devo ir, porque terei mais dificuldades para encontrar pessoas divorciadas
ou divorciando (igrejas, escolas, academias, praças públicas). Por último, uti-
lizarei a terceira tábua chamada de graus, que identificarei onde o fenômeno
variou com maior e menor intensidade. Ou seja, dos lugares que fui em qual
deles eu tive maior facilidade e maior dificuldade para obter os meus dados.
(RAMPAZZO, 2005).
Nesta visão, Bacon tinha como hipótese de pesquisa buscar explicar a cau-
sa dos fenômenos. Suas principais ferramentas eram a dúvida (Por quê?) e a
observação.

36 • capítulo 2
Posteriormente a ele surge o método de Galileu que propõe EXPERIENCIAR
o fenômeno para ter certeza se de fato ele acontece como as teorias pregam. O
que isto quer dizer? Se as pessoas afirmam que o produto da marca X é mais
caro, mas é melhor que o produto da marca Y. Para eu ter certeza que X é me-
lhor que Y, eu comprarei os dois produtos, experimentarei e analisarei os pon-
tos positivos e negativos de cada um. Por meio dessa experiência eu posso ter
dados concretos para argumentar a teoria da preferência de um produto, por
exemplo.
Galileu afirmava que uma vez que a hipótese fosse confirmada, esta viraria lei.
Voltando ao caso do produto... Se o produto tiver a proposta de tirar manchas no
corpo e você tem essas manchas e tem o desejo de removê-las, só conseguirá com
aquele que foi testado e comprovado como melhor. (RAMPAZZO, 2005).
Um outro exemplo sobre hipótese virar lei poderia ser: Terapia ocupacional
diminui o estresse no trabalho (hipótese). Se testar e comprovar que isto é ver-
dade; a empresa que desejar diminuir o estresse dos seus funcionários terá que
oferecer Terapia Ocupacional neste mesmo ambiente (Lei).
Outro trazer novas reflexões sobre os novos métodos científicos da ciência
foi Descartes. Ele trouxe uma proposta de pesquisa mais exata e quantitativa.
Para ele, uma hipótese para ser confirmada ou negada precisa ter resultados
precisos, assim propôs o método MATEMÁTICO DEDUTIVO.
Descartes também propôs algumas etapas que a pesquisa precisa seguir
para que a investigação seja realizada de maneira precisa. São elas:
3. Regra da evidência: busca evitar precipitação, preconceitos e juízos.
Nesta etapa você verifica se o fenômeno que deseja pesquisar é algo evidente na
sociedade ou se está presente em outra sociedade. Exemplo: Aplicação da pena
de morte. Na sociedade brasileira isto não é evidente, portanto não tem como
medir se é eficaz ou não no nosso país.
4. Regra da análise: neste momento é preciso dividir a pesquisa em hie-
rarquia de dificuldades. Faz-se necessário saber onde o pesquisador terá maior
dificuldades para coletar dados sobre a sua pesquisa. Por exemplo: você quer
pesquisar ansiedade em crianças de 8 a 17 anos, mas o questionário tem 10
páginas. O pesquisador deverá saber que as crianças de 8 anos, que ainda não
estão acostumadas com leitura extensa terão maior dificuldades para concluir
o questionários e assim deverá ir preparado para este obstáculo.
5. Regra de síntese: saber separar a pesquisa das partes mais simples e
singelas às mais complexas. Se coletar dados é parte que demanda mais tempo,
comece então por esta, para que assim você consiga cumprir os prazos.

capítulo 2 • 37
6. Regra de enumeração: refere-se a responsabilidade que o pesquisador
tem de não omitir informações. Todo e qualquer resultado encontrado deve ser
divulgado e não pode ser negado, mesmo que este venha trazer impactos para a
comunidade ou grupo pesquisado. (RAMPAZZO, 2005).

O pesquisador tem a responsabilidade de fazer com que a ciência evolua e


para isto tem que muitas das vezes mexer em pontos ou acontecimentos que se
encontram na zona de conforto. Sobre isto iremos debater logo a seguir quando
a fenomenologia falar de historicismo e naturalismo.
A principal proposta de Descartes era conseguir aplicar o conhecimento
científico as questões práticas. Não era apenas obter dados, mas saber o que
fazer com esses dados.
Ainda no século XVII John Locke abre uma crítica a Descartes, pois este úl-
timo afirmava que muitas das nossas ideias eram inatas. Locke dizia que nossa
mente era como se fosse um papel em branco, que seria preenchida conforme
nossa experiência.
Prosseguindo a este novo movimento na história sobre as críticas à meto-
dologia filosófica David Hume nega o raciocínio lógico e afirma que a relação
de causa e efeito não é suficiente para dizer se o fenômeno é verdadeiro ou não,
pois isto pode ser ao acaso ou fazer parte de uma rotina.
Mas por que contamos toda essa história antes de chegarmos a
Fenomenologia? Para compreendermos que o questionamento de Husserl era
tão antigo, quanto dos filósofos e pesquisadores dos Séculos XVI e XVII. Ele fa-
zia o seguinte questionamento: “como pode o conhecimento estar certo de sua
consonância com as coisas que existem em si, de as ‘atingir’?” (King, 2001, p. 21
apud Roehe, 2006, p.153). O que ele estavam querendo refletir era exatamente o
que Bacon, Galileu, Descartes, Locke e Hume, haviam proposto anteriormente;
para ter certeza é preciso averiguar.
O Psicologismo de Locke era explicado como a influência da Psicologia as-
sociativa sobre a filosofia (ou teoria) do conhecimento . É a teoria de que os
problemas da epistemologia (a validade do conhecimento humano) e inclusive
a questão da consciência, podem ser solucionados por meio do estudo científi-
co dos processos psicológicos. A Psicologia deve ser tomada como base para a
Lógica. (Cobra, 2005).
Ainda, com base na visão crítica sobre os métodos de estudo que predo-
minavam na época encontramos o Historicismo, onde todo fato histórico era

38 • capítulo 2
compreendido e julgado quando confrontado com a cultura estética, religiosa,
intelectual e moral do período histórico ao qual os estudos estavam se referin-
do e não aos valores morais que não se modificam ao longo da história. Essa
ideia era predominantemente de Hegel:
....” que consagrava a tese de que todas as concepções filosóficas produzidas
ao longo da história, na medida em que expressavam as condições históricas
em função das quais foram propostas, tinham garantida uma legitimidade re-
lativa” (Penna, 2001, p.30).

A filosofia hegeliana teve por efeito enfraquecer o impulso filosófico-científico, com sua
doutrina de legitimidade relativa de toda e qualquer filosofia, para a respectiva época-
doutrina essa cujo sentido foi, porém, dentro do sistema de pretenso valor absoluto,
completamente diverso do significado historicista com que acolheram as gerações que,
perdendo a fé na filosofia hegeliana, perderam a fé em toda a filosofia absoluta. (Penna,
2001, p.30).

Dessa forma a Fenomenologia busca resgatar o método Filosófico de inves-


tigação, mas com base na ciência rigorosa, referindo-se a investigação de acor-
do como as coisas são apresentadas na experiência da consciência, livre de te-
orias, de imprevistos do mundo real e do empirismo. Assim, poderia deixar de
lado essa Filosofia do raciocínio lógico e
analisar as particularidades.

Breve Biografia de Husserl


segundo dados Penna (2001)

Naseu em Prosnitz, na Morávia, em


1859, formado em família judaica sem
educação religiosa. Aos 23 anos se con-
verteu ao protestantismo pela influen-
cia de um amigo, mas foi perseguido pe-
los nazistas devido suas origens serem
judaicas.

Edmund Husserl (1859-1938)

capítulo 2 • 39
Quando se inseriu na Universidade de Leipzig tinha muito interesse pelos
cursos de Matemática, física, astronomia e filosofia. Mas como se dedicava
mais a matemática, transferiu-se para a Universidade de Berlim.
Um professor de matemática tinha um grande entusiasmo de falar sobre
Descartes e isso fez com que Husserl se despertasse para a Filosofia. Esse mes-
mo professor levantou a possibilidade de Husserl se tornar seu assistente, mas
não foi concretizado.
Transferiu-se para a Universidade de Viena em 1884 e passou a assistir os
cursos de Brentano e lá aderiu a Psicologia Descritiva e ao Psicologismo que
mais tarde veio a criticá-lo.

Viveu de 1838 a 1917 (padre); criticou o


Empirismo, racionalismo e criticismo kantiano;
rejeitou a tese associacionista sobre o conteúdo
da consciência como algo permanentemente real,
opondo-se também a Wundt (consciência como
epifenomeno = reduzida ao fisiológico).
Foi responsável por fundar a Psicologia do Ato,
afirmando que o fenômeno psíquico se constitui
como atividade e não como conteúdo, dessa for-
ma considerava essencial o método empírico e não
experimental;
Para Brentano, a Psicologia parte da percepção
Franz Brentano e da experiência, dessa forma deve-se abandonar a
introspecção (falar sobre si) e tem como principal
recurso metodológico a percepção interna para estudo de fenômenos psicoló-
gicos; renuncia aos determinismos biológico ou psicológico (o que determina
o comportamento é a intenção que o anima).

Em 1900, Husserl publica sua obra intitulada “Investigações Lógicas” na


qual faz críticas duras ao Psicologismo e cria um mal estar no meio acadêmico
devido sua perspectiva de pensamento.
Assim, Husserl consegue fazer sua trajetória acadêmica como professor na
Universidade de Gotinga, onde não era muito bem desejado por seus colegas de
trabalho, mas muito bem apoiado por seus alunos que inclusive se autocaracte-
rizavam como fenomenólogos.

40 • capítulo 2
Na Universidade de Gotinga dois textos muito importantes foram funda-
mentadas: “ A ideia da Fenomenologia” e A Filosofia como ciência de rigor”,
que só foram editados após a sua morte.
Em 1916 se transfere para a Universidade de Friburgo e lá se une a Martin
Heidegger. Juntos publicam alguns textos e em todos eles Husserl sempre mui-
to grato a Heidegger pela sua amizade e companheirismo. Nessas obras foi des-
tacada “a exposição do caráter intencional da consciência de tempo, indispen-
sável para o esclarecimento radical da intencionalidade” (Penna, 2001, p.23).
Em vida Husserl não publicou, mas deixou 40 mil páginas escritas para re-
flexão sobre a fenomenologia e que muito contribui para seus estudos. Essas
obras foram encontradas em grande quantidade na Universidade de Leipzig,
que era o grande centro de antiquários.

Fenomenologia

A fenomenologia é uma corrente filosófica idealizada pelo filósofo E. Husserl


(1859-1938) em 1906, que se debruça a discutir uma forma de se obter o conhe-
cimento. Ela adota uma postura critica ao objetivismo da ciência e a venda de
uma verdade única, quase dogmática por parte da ciência. Tem enquanto obje-
to de estudo a consciência, ou melhor, o fruto da interação da consciência com
o objeto, chamado de fenômeno.
IMPORTANTE LEMBRAR: Para fundar a Fenomenologia, Husserl teve que
enfrentar o Historicismo e o Psicologismo, sendo essas duas correntes fortes
na época.
Quais foram as primeiras influências para o surgimento da Fenomenologia?
Os Filósofos famosos que traziam teorias sobre os acontecimentos huma-
nos, tais como: Sócrates, Platão, Aristóteles e Descartes. Posteriormente teve a
influência de Brentano, como citado acima.
Alguns outros fenomenologistas: Heidegger; Carl Stumpf- responsável
pela fenomenologia experimental assim como David Katz; Theodor Lipps que
também rejeitava o psicologismo; Max Scheler pela contribuição no que se
refere ao mundo de valores, com trabalhos centrados na percepção do outro;
Ebbinghaus, utilizou-se do método das sílabas sem sentido.
O que acontecia com a Psicologia enquanto isso, no século XIX?: Estudos
estavam focados nas medidas dos processos sensoriais efetuadas por Weber e
Fechner; acolhimento ao método experimental e desqualificação da consciên-
cia e qualificação do Behaviorismo.

capítulo 2 • 41
Principais conceitos:

a) Consciência e Intencionalidade:
A intencionalidade é o que une objeto a consciência tornando consciência e
objeto em uma unidade indissociável e estabelendo a existência de ambas na/
em relação. Por isso escrevemos sempre que será um objeto-para-uma-consci-
ência e uma consciência-para-um-objeto. O recurso dos tracinhos entre as pa-
lavras é para dar a idéia de unidade. A intencionalidade então é o ato de atribuir
sentido atuando com isso, na composição do mundo psicológico. Pensando as-
sim podemos conduzir essas palavras para afirmar que a consciência é sempre
intencional .
Como vimos a junção da consciência com o objeto formam uma unidade in-
dissociável e que desta unidade obtemos o fenômeno. Como bem diz Forghieri,

A intencionalidade é, essencialmente, o ato de atribuir um sentido; é ela que unifica a


consciência e o objeto, o sujeito e o mundo. Com a intencionalidade há o reconheci-
mento de que o mundo não é pura exterioridade e o sujeito não é pura interioridade,
mas a saída de si para o mundo que tem uma significação para ele.(2001, p. 15).

Nesta perspectiva, Husserl acreditava que as vivências são intencionais e na


intencionalidade que encontra-se a consciência. A intenção de fazer algo surge
pelo planejamento da consciência que tem um significado. Por exemplo: tive a
intenção de avisar à ela que não iria a faculdade amanhã para não prejudicar o
meu grupo. Quando existe esse argumento é porque houve consciência e con-
sequentemente um significado para você que não pode ser o mesmo para quem
recebe a informação. Anteriormente a esta interpretação sobre intencionalida-
de ela era compreendida apenas como direcionamento da vontade, mas agora
é compreendida como o valor que a intenção tem para a consciência.
Heidegger apresenta um outro tipo de intencionalidade afirmando sobre
quando somos expostos a realizações de projetos desenvolvemos intenciona-
lidades para concretizá-los, estes fazem parte dos projetos pessoais, relaciona-
mento e papeis sociais.

42 • capítulo 2
b) Retorno às coisas mesmas:
Para nos debruçarmos sobre este conceito precisaremos retomar o conceito
de fenômeno, pois é o fenômeno, como nos aponta Forghieri

Afirmar querer “voltar às coisas mesmas”, considerando-as como o ponto de partida


do conhecimento. Entretanto, a “coisa mesma”é entendida por ele não como realidade
existindo em si, mas como fenômeno, e o considera como a única coisa à qual temos
acesso imediato e intuição originária; o fenômeno integra a consciência e o objeto,
unidos do próprio ato de significação. (2001, p. 15).

Retornar a acontecimentos anteriores em termos de consciência pode aju-


dar a solucionar um problema presente e ajudar a planejar estratégias futu-
ras. Todo o conteúdo armazenado e pela consciência tem seu valor em novas
experiências.

c) Redução fenomenológica
Conhecida também como epoche, são informações recebidas pelos órgãos
dos sentidos, mas que são transformadas pela consciência. Por exemplo: olhar
para uma comida e dizer que não quer porque é ruim, sem nunca ter provado é
um tipo de redução fenomenológica. A aparência da comida foi recebida pelo
olhos e pelo olfato, talvez, mas o significado que a comida trouxe é formado
pela consciência.
Segundo Cobra (2005) Husserl propôs então que, no estudo das nossas vi-
vências, dos nossos estados de consciência, dos objetos ideiais, desse fenôme-
no que é estar consciente de algo, não devemos nos preocupar se ele correspon-
de ou não a objetos do mundo externo à nossa mente.
Para que haja a redução fenomenológica é preciso excluir todos os julga-
mentos, as crenças, os estereótipos e as impressões que temos do mundo.
Devemos nos concentrar apenas na experiência e levar em consideração a sua
pureza. Esse ato de perceber é conhecido como Noesis. Mas aquilo que é perce-
bido ou o objeto da percepção é conhecido como Noema.
Assim, Heidegger (2001, p.33 apud Barreto e Morato, 2009, p. 44) afirma
que:

capítulo 2 • 43
A finalidade deste desenho é apenas mostrar que o existir humano em seu fundamento
essencial nunca é apenas um objeto simplesmente presente num lugar qualquer, e cer-
tamente não é um objeto encerrado em si. Ao contrário, este existir consiste em ‘meras’
possibilidades de apreensão que apontam ao que lhe fala e o encontra e não podem ser
apreendidas pela visão ou pelo tato. Todas as representações encapsuladas objetivan-
tes de uma psique, um sujeito, uma pessoa, um eu, uma consciência, usadas até hoje na
Psicologia e na psicopatologia, devem desaparecer da visão deseinsanalítica em favor
de uma compreensão completamente diferente. A constituição fundamental do existir
humano a ser considerada daqui por diante se chamará ‘Da-sein’ ou ‘ ser-no-mundo’.

Fonte: Barreto e Morato (2009, p.44).

d) Redução eidética
Após olhar para um objeto e dar o significado subjetivo à ela (Noema) é pre-
ciso compreender o motivo desta interpretação e isto é conhecido como redu-
ção da ideia.
Para Cobra (2005): “dar-se conta dos objetos ideais, uma realidade criada
na consciência, não é suficiente - ao contrário: os vários atos da consciência
precisam ser conhecidos nas suas essências, aquelas essências que a experi-
ência de consciência de um indivíduo deverá ter em comum com experiências
semelhantes nos outros”.

44 • capítulo 2
Vamos ao exemplo:
Você olhará a imagem abaixo e me dirá o que está vendo. Pode falar sobre o
objeto em si ou sobre os seus detalhes.

Uns vão dizer que estão vendo uma árvore, outros vão detalhá-la afirmando
tronco, folhas, “verdinha”, e por aí vai. Essas várias informações precisam ser
deixadas de lado para que se tenha a redução eidética, é preciso ser objetivo e
afirmar que é o desenho que retrata uma árvore.
A redução eidética são as características que estarão presentes em toda ár-
vore e que as caracterizarão como tal, independente da cor, do local, do tama-
nho e outras informações.
Mas por que a redução eidética é importante para a ciência? Ela ajuda a dar
rigor aos objetos da ciência, fazendo com que as pessoas os percebam como
atemporais e isto é que garante suas características imutáveis.

capítulo 2 • 45
e) Intuição Invariante
Para Husserl o perceber é ter notar sua existência, mas não necessariamen-
te atribuir significado a isto ou intuir algo sobre o mesmo. Por exemplo: você
vai todos os dias a pé do seu trabalho para a faculdade. Neste percurso vários
estímulos estão presentes. Uns variáveis e outros constantes. Você percebe que
há padarias, bancos, lojas, papelarias, mas pra você nenhum desses estabeleci-
mentos até o presente momento teve utilidade. Você não conseguiu associar o
que estes espaços podem te beneficiar.
Um dia, em uma aula na faculdade, a professora pede que você comprem
Pincel e tinta para a próxima aula. Você logo pensa: Onde vou achar isto nessa
minha correria do dia a dia? Aí você busca na sua memória que no caminho do
trabalho para a faculdade você acha que tem uma papelaria. No momento que
você vai a papelaria você passa a intuir significados à ela que anteriormente não
atribuídos, apenas percebidos.
Para chegar a esta conclusão foi preciso se prender ao invariável ou as carac-
terísticas permanentes do objeto para que a necessidade fosse satisfeita.
Husserl trazia esse discurso como Eu Percebedor e eu Percebível. Para
Husserl antes de percebermos a verdade, percebemos qualquer coisa ou objeto
que esteja presente no nosso espaço presente, mas isso só será percebível por
mim de acordo com a minha consciência, ou seja, de acordo com a minha men-
te que visa algo, chamado consciência intencional. O mundo do observador
(eu percebedor) só é visado por esta observação quando entra em contato com
a realidade (algo percebível). Os fenômenos a nossa volta só são construídos
através do ato do algo percebível, caso contrario fica apenas como percebedor,
sem formamos pensamentos, lembranças, imaginação, não poderemos tornar
o fenômeno como algo percebível.

f) Redução transcendental
Consciência de um objeto, purificada, durante o processo de redução feno-
menológica, presente no individuo capaz de atribuir significado ao mundo real.

g) Idealismo:
Lida com objetos ideais e com as ideias sobre as coisas na sua essência. Para
Husserl não interessa o que os outros pensam ou consideram sobre um acon-
tecimento, mas qual significado que você consegue atribuir à ele e qual relação
você faz desse significado a sua realidade.

46 • capítulo 2
Sobre essa visão do real que muitos defendem como pura e verdadeira, Kant
afirma que “nós não podemos conhecer as coisas inteiramente, porque nem
todos os sinais que recebemos das coisas são aceitos pela mente, e disto resulta
que não podemos conhecer inteiramente o real” (Cobra, 2005).
Conhecer o real é praticamente impossível, pois nossos órgãos dos sentidos
impedem essa visão pura, além da consciência vir impregnada de experiências
anteriores ou defesas.
Vamos a um experimento: Olhe para as figuras abaixo e me descreva o que
vê. Fique à vontade para falar o que vem a sua mente.

Alguns vão relatar experiências da vida, outros vão se prender a detalhes e


outros vão dizer que são 3 cadeiras. O idealismo é a palavra cadeira, considera-
da como o real e esperado.

h) Linguagem
A palavra descreve a junção de diversos conteúdos ou experiências como se
estivesse fazendo um somatório de diversas partes ou acontecimentos.
Exemplo: Quando alguém te pergunta: Posso ir embora com você amanhã?
E você responde sim. Esse sim não é apenas a palavra. Ele tem um significado,
que pode ser: companhia, solidariedade, intolerância, entre outras.
Isto nos faz perceber que a palavra nunca está isolada, mas sempre acompa-
nhada de outros significados.

capítulo 2 • 47
i) Influência
A fenomenologia não teve influência apenas dos Filósofos, mas também de
psicólogos e sociólogos, tais como: Heidegger; Sartre; Merleau Ponty.
Heidegger (existencialista) foi discípulo de Husserl (na Alemanha) e
Merleau-Ponty (na França) desenvolveu a filosofia fenomenoilógica e marcou
indiretamente o movimento existencialista.
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961) era francês, escritor e filósofo líder do
pensamento fenomenológico na França; Sofreu influência da fenomenologia
de Husserl e Heidegger, foi amigo de Sartre; Voltou sua atenção para a questões
sociais e políticas; Manifestou com vigor qualidades primordiais de autêntico
filósofo: a perplexidade diante do mundo e o anseio constante em reaprender
a ver este mundo; Para ele, as grandes questões da existência humana não se
resolvem de uma forma absoluta e definitiva; A linguagem, o corpo, a relação
homem-mundo revelam um movimento ambíguo, em que constantemente
deslizamos da polaridade universal para a polaridade particular, e desta para
aquela; Não há verdade absoluta, nem mesmo a do reconhecimento da ambi-
güidade. A interrogação e a investigação devem permanecer em aberto; Estuda
a percepção e a linguagem.
Jean-Paul Sartre (1905-1980) segue estritamente o pensamento de Husserl
na análise da consciência em seus primeiros trabalhos, L'Imagination (1936)
e L'Imaginaire: Psychologie phénoménologique de l'imagination (1940), nos
quais faz a distinção entre a consciência perceptual e a consciência imaginativa
aplicando o conceito de intencionalidade de Husserl. (Cobra, 2005).

Diferença entre Fenomenalismo e Fenomenologia

Fenomenologia: examina a relação entre a consciência e o ser.


Fenomenalismo: são as sensações da presença do objeto.
A seguir será apresentada uma figura onde procuraremos resumir a com-
preensão da Fenomenologia.

48 • capítulo 2
Fonte: Grupos de Estudos Integrados em Fenomenologia (GEIFEN).

Podemos perceber que no centro da imagem encontra-se a palavra


Fenomenologia, reconhecida como o fenômeno ou acontecimento. O sujeito
recebe o fenômeno e logo que ele chega aos órgãos sensoriais a atitude intelec-
tual é acionada para que um sentido seja formado. Na busca para dar sentido
uma retrospectiva rápida é feita para relembrar os fenômenos vividos e assim
tentar interpretar ou combater o novo fenômeno.
Assim, a pessoa consegue formar uma descrição fiel sobre o fenômeno sem
criar nenhuma informação. Conforme o contato com o fenômeno vai se tor-
nando mais familiar (por meio da interação) vão conseguindo chegar a cons-
ciência e, assim, intuir resultados sem perder a essência. Essa essência seria
o significado base do objeto, pois se uma interpretação for dada muito fora da
média, ela merecerá atenção. Toda essa interpretação vem da consciência, ou
seja de um pensamento subjetivo, mas que vai ao encontro da essência.
O fenômeno é uma prova. Vou buscar no intelectual as minhas aprendiza-
gens, os significados das palavras ali escritas e as possibilidades de respostas.
Para isso, vou lembrar onde o conteúdo estava no caderno ou no livro, onde

capítulo 2 • 49
estudei aquele conteúdo, quando a professora falou em sala de aula etc. A prin-
cípio causa estranheza e receios, medo de não saber responder, medo de inter-
pretar errado a questão. Mas depois tudo isso vai se tornando familiar, a essên-
cia não vai sendo perdida (conteúdo da prova) e a resposta organizada por meio
da consciência.

A aplicação na Fenomenologia na Clínica

Karl Jaspers foi um pioneiro a trabalhar com o método fenomenológico de Hus-


serl na clínica da psiquiatria e da psicopatologia. Sua proposta era unir a Psico-
logia Compreensiva as conexões do psiquismo, assim ele poderia compreender
e descrever o acontecimento vivido pelo paciente e não apenas elaborar parece-
res que fossem baseados em rótulos. Respeitaria assim as particularidades dos
relatos e analisaria o paciente conforme a descrição que o mesmo traz sobre o
acontecimento.
Assim, como podemos dizer que Heidegger influenciou na clínica do psi-
cólogo? O seu pensamento teve um maior domínio na Psicologia e psiquiatria
baseado nas ideias de Medard Boss. Essa proposta envolvia negar as exigência
científicas sobre a interpretação dos processos psíquicos e respeitar como os
problemas são apresentados a nós mesmos. Esta auto interpretação sobre os
problemas é que serão a base para a interpretação na clínica.
É preciso negar a atitude a priori que conceitua o acontecimento para
levar em consideração a descrição do fenômeno e posteriormente a este relato
buscar fazer uma relação com os conceitos existentes na fenomenologia.

Links para aprofundamento da discussão:

www.analista.psc.br
www.existencialismo.org.br
www.psicoexistencial.com.br
www.cuidardoser.com.br/solidao-ser-so-ou-so-ser.htm
www.psicologoterapia.psc.br/logoterapia.asp
www.espacolivreexistencialista.com.br

50 • capítulo 2
HUMANISMO

Surge na época no Renascimento (1300 a 1650), com a valorização do homem


em oposição ao divino e sobrenatural. Traz uma visão sobre o desenvolvimento
das potencialidades, independentemente das limitações que este possui.

O Humanismo trabalha com 4 Temas básicos:

1. Ênfase na experiência consciente


2. Crença na integralidade da natureza e na conduta do ser humano
3. Concentração no livre-arbítrio, na espontaneidade e no poder de cria-
ção do indivíduo
4. Tudo que tenha relevância para a condição humana.

Os humanistas fazem críticas ao Comportamentalismo afirmando que sua


abordagem era estreita, que era artificial e reduzida a animais e máquinas.
Também faz críticas à Psicanálise, pois afirmavam que esta abordagem só
estudava pessoas perturbadas e seus estudiosos ficavam presos a eventos do
passado.
Seu foco era abordagem terapêutica baseada nas terapias do crescimento e
parte do movimento do potencial humano, por meio de grupos de encontro e
programas de treinamento da sensibilidade em escolas, empresas, igreja, pre-
sídios e clínicas privadas.
O primeiro humanista a trazer estudos polêmicos e teorias sobre o desen-
volvimento do Potencial Humano foi Abrahm Maslow.

Abraham Maslow (19089-1970)

Seu pai era alcoólatra e sua mãe supersticiosa e va-


lente com Maslow. Não acreditava muito no seu cres-
cimento o que contribuiu para alimentar nele um
sentimento de inferioridade.
Mesmo assim Maslow buscou se inserir no espaço
acadêmico e conseguiu. Foi para a Universidade de
Cornell, cursar Psicologia e lá foi aluno de Titchener

capítulo 2 • 51
Conseguiu no seu percurso apoiar o movimento dos grupos de sensibilida-
de e em 1967 tornou-se presidente da APA (Associação Psicológica Americana).
Tinha interesse em compreender as mais elevadas realizações que o ser hu-
mano pode alcançar. Para isso, então comparou pessoas saudáveis com pes-
soas não saudáveis, diferentemente das outras abordagens até o presente mo-
mento que só tinham se preocupado com pessoas doentes.

Nos seus estudos, Maslow descobriu que cada pessoa traz em si mesmo a
capacidade de tornar-se autorrealizadora e isso que a motiva.
Abraham Maslow é considerado fundador do movimento humanista. A
respeito da psicanálise Maslow afirmou que Freud se deteve na doença e na
miséria humana e que era necessário considerar os aspectos saudáveis, que
dão sentido, riqueza e valor à vida. Uma das funções da forma humanista de se
analisar a Psicologia é resgatar o sentido da vida próprio da condição humana.
Maslow afirmava que o homem seria um ser com poderes e capacidades inibi-
das. Adoecemos, não só por termos aspectos patológicos, mas, muitas vezes,
por bloquearmos elementos saudáveis.

Teoria de Maslow- Hierarquia das Necessidades

De acordo com Ferreira (2006) Maslow entende que a motivação é o resultado


dos estímulos que agem com força sobre os indivíduos, levando-os a ação. Para
que haja ação ou reação é preciso que um estímulo seja implementado, seja
decorrente de coisa externa ou proveniente do próprio organismo. Esta teoria
nos dá idéia de um ciclo, o Ciclo Motivacional.
Quando o ciclo motivacional não se realiza, sobrevêm a frustração do indiví-
duo que poderá assumir várias atitudes:
– Comportamento ilógico ou sem normalidade;
– Agressividade por não poder dar vazão à insatisfação contida;
– Nervosismo, insônia, distúrbios circulatórios/digestivos;
– Falta de interesse pelas tarefas ou objetivos;
– Passividade, moral baixo, má vontade, pessimismo, resistência às modifi-
cações, insegurança, não colaboração, etc.

52 • capítulo 2
Afirmava que Apenas 1% da população alcança o nível de autorrealização
e que as pessoas são livres de neurose e psicose, mas compartilham das se-
guintes características: percepção objetiva da realidade, plena aceitação de sua
natureza, dedicação e compromisso com algum tipo de trabalho, simplicidade
e naturalidade em seu comportamento.

Maslow apresentou uma teoria da motivação, segundo a qual as necessida-


des humanas estão organizadas e dispostas em níveis, numa pirâmide, em cuja
base estão as necessidades mais baixas (necessidades fisiológicas) e no topo, as
necessidades mais elevadas (as necessidades de auto realização).

1. necessidades de auto realização


2. necessidade de status e estima
3. necessidades sociais (afeto)
4. ecessidades de segurança
5. necessidades fisiológicas

De acordo com Maslow, as necessidades fisiológicas constituem a sobre-


vivência do indivíduo e a preservação da espécie: alimentação, sono, repouso,
abrigo etc.
As necessidades de segurança constituem a busca de proteção contra a
ameaça ou privação, a fuga e o perigo. São, caracteristicamente, impulsos im-
portantes para bebês e adultos neuróticos. Adultos emocionalmente saudáveis
em geral têm suas necessidades de segurança satisfeitas, uma condição que re-
quer estabilidade, proteção e ausência de medo e ansiedade. Adultos saudáveis
aprendem maneiras de inibir suas reações a situações perigosas.

capítulo 2 • 53
As necessidades sociais incluem a necessidade de associação, de participa-
ção, de aceitação por parte dos companheiros, de troca de amizade, de afeto e
amor.
A necessidade de estima envolvem a auto apreciação, a autoconfiança, a
necessidade de aprovação social e de respeito, de status, prestígio e conside-
ração, além de desejo de força e de adequação, de confiança perante o mundo,
independência e autonomia. A necessidade de auto realização são as mais ele-
vadas, de cada pessoa realizar o seu próprio potencial e de auto desenvolver-se
continuamente.
Por muito anos e até os dias atuais essa teoria foi discutida. Em algum mo-
mento da época alguns autores disseram que Maslow estava rquivocado que
para uma necessidade ser satisfeita as fisiológicas precisam ter sido satisfeitas
anteriormente. Eles afirmavam que isso iria depender do objetivo, por exem-
plo: Eu posso muito querer me alimentar, mas tenho um trabalho imenso para
entregar. Deixo de comer e vou entregar o trabalho.
Assim sendo, algumas outras teorias da motivação surgiram posteriormen-
te, mas não conseguiram desvalorizar a de Maslow que até os dias atuais tem
sido utilizada em muitas esferas da vida humana.

Carl Rogers e a Terapia Centrada na Pessoa

Carl Ramson Rogers, nasceu em 1902,


nasceu no subúrbio de Chicago e lá morou
até os 12 anos quanto se despertou para bus-
car conhecimento. De uma família muito re-
ligiosa e com valores completamente conser-
vadores, apesar de Rogers começar a cursar
Zoologia e Botânica, percebeu que deveria
buscar algo que fosse ao encontro dos valo-
res que aprendeu com sua família, assim co-
meça a fazer Teologia.
Em 1922, quando participa de um
Congresso Mundial de Estudantes Cristãos
na China começa a refletir sobre os valores cristãos que havia recebido e a di-
vergir deles. Sua aceitação neste país foi muito positiva e lá é reconhecido até
os dias atuais.

54 • capítulo 2
Assim, começa a refletir sobre os estudos religiosos e migra para a Psicologia.
Em Rochester, Nova Iorque, trabalha por 12 anos com crianças carentes e 11
anos mais tarde vem publicar um livro falando sobre esta realidade.
A partir de 1940 começa sua carreira como professor passando pelas
Universidades Ohio (EUA); Wisconsin (EUA). Nesta última Universidade con-
segue publicar algumas obras como: “ A relação terapêutica e seus impactos:
um estudo sobre psicoterapia com esquizofrênicos” e “ Tornar-se pessoa”. Essa
última muito bem reconhecida até os dias atuais.
Suas publicações com o olhar para a psicoterapia o faz abandonar em 1964
a carreira de professor e engrenar na psicoterapia e atividades de grupo, mas
quando fez uma viagem a França foi fortemente criticado pelos franceses, afir-
mavam que a teoria de Roger era pouco intelectual e puritana, não considerava
a dor, o mal e a morte, visto o momento da época que o país estava vivendo
dentro da Psicologia, impregnados pela Psicanálise e pelo intelectualismo
que abordam claramente esses conceitos que consideravam ser rejeitados por
Rogers.
Na continuidade dos seus estudos, Rogers dá ênfase também a área
Educacional, ao papel Político da Abordagem Centrada na Pessoa, às institui-
ções família e casamento e a liberdade para aprender. Defendia uma sociedade
do autoconhecimento, do respeito ao próximo e da liberdade de escolha.
Após a morte da esposa em 1979, Rogers se interessa mais ainda pela di-
mensão espiritual do homem, pela transcendência e pela integração do ho-
mem com o universo, temas esses que veremos nas linhas a seguir. Em 1987,
Rogers fratura o fêmur, permanece 3 dias em coma e vem a falecer.

Teoria Centrada na Pessoa

De acordo com Nogueira (2006) Rogers define o papel do conselheiro como um


facilitador do crescimento e desenvolvimento pessoal com vista à maior inde-
pendência e integração dos clientes.
O aconselhamento, é o conjunto das atitudes (perceber e penetrar no mun-
do do cliente) do conselheiro que permite ao cliente uma experiência de cresci-
mento em direção à maturidade.
O aconselhador faz abstração de si mesmo, do que conhece em psicologia.
Para Rogers, a abstração é o processo de pensamento onde as idéias são distan-
ciadas dos objetos.

capítulo 2 • 55
Uma comunicação efetiva sobre as coisas abstraídas requerem uma intui-
ção ou experiência comum entre o comunicador e o recipiente da comunicação
Evita examinar os antecedentes do cliente, para não se deixar influenciar
por notas ou opiniões exteriores e para, assim, concentrar-se unicamente sobre
o ponto de vista do cliente a respeito de si mesmo.
Acredita que a pessoa, qualquer pessoa, contém dentro de si as potenciali-
dades para a saúde e o crescimento criativo; e que a falha na realização destas
potencialidades se deve a influências constritivas e deformadoras, exercidas
pelos pais, pela educação e por outras pressões sociais;
Estes efeitos podem ser superados, no entanto, se o indivíduo aceita assu-
mir a responsabilidade pela própria vida.
Dentro do processo psicoterapêutico existem três condições facilitadoras:
Consideração positiva incondicional é receber e aceitar a pessoa como
ela é e expressar uma consideração positiva por ela, simplesmente porque ela
existe.
• Empatia consiste na capacidade de se colocar no lugar do outro, ver o
mundo através dos olhos dele e procurar sentir como ele sente.
• Congruência, a coerência interna do próprio terapeuta.

Essas três condições são eficazes como instrumento de aperfeiçoamento da


condição humana em qualquer tipo de relacionamento.
De acordo com Nogueira (2006) o ser humano, como todos os organismos,
tende a crescer e a se atualizar. A tarefa do aconselhador (facilitador) é clarear e
tornar verbalizados e objetivos os sentimentos do cliente, que, por si só, é capaz
de autodeterminar se o terapeuta apenas facilita o processo. Os fatores sociais,
econômicos e familiares podem interromper esse crescimento.

ATIVIDADE
Agora vamos pensar nas propostas de Rogers a terapia e analisar a figura abaixo? Discu-
ta com seus colegas em sala de aula o que o dizer da figura traz de reflexão para você sobre
o ser ou a pessoa. Pense nas propostas de Rogers para o autoconhecimento.

56 • capítulo 2
Entrevista concedida por Carl Rogers à revista veja Por Fabíola I. de Oliveira. Do-
mingo, 28 de junho de 2009.

Veja – O senhor tem se dedicado profundamente à organização de grupos de encontros.


O que vem a ser, para o senhor um grupo de encontro?

Rogers – É uma oportunidade para as mais diversas pessoas se encontrarem, sem ne-
nhum planejamento, a não ser elas mesmas e seus inter-relacionamentos. Não existe um
tópico a ser discutido nem problemas imediatos a serem resolvidos. Então, sobre o que se vai
falar? Quando as pessoas percebem que qualquer coisa pode ser discutida, então começam
a falar mais de si mesmas e o encontro torna-se mais profundo. A pessoa começa a acreditar
que o grupo pode compreende-la e o processo pode ser descrito como uma percepção dos
próprios sentimentos, que as pessoas nunca pensaram possuir, tentando novas maneiras de
se comportar no grupo, desenvolvendo relacionamentos mais íntimos, sejam eles positivos
e de amor, ou de raiva e confrontação, mas, de um jeito ou de outro, se aproximando mais
como pessoas.

capítulo 2 • 57
Veja – Qual a diferença entre os grupos de encontro e a terapia individual?

Rogers – Na terapia de um-para-um, o cliente sente que é um milagre que ele possa
ser aceito e compreendido – mas será que alguém mais o compreenderá? Em um grupo de
encontro, ele logo percebe: “todas essas pessoas me aceitam? E nem ao menos estão sendo
pagas para isso?” E isso é muito forte, pois provoca o sentimento de que, “quem sabe, eu sou
uma pessoa aceitável”. Nesse sentido, o grupo de encontro pode ser de maior efeito que a
terapia individual.

Veja – Por que o senhor começou a chamar as pessoas de “clientes” , em vez de “pa-
cientes”?

Rogers – a razão mais profunda foi nunca ter sentido que as pessoas que me procuram
eram “pacientes”. Não eram doentes, e sim pessoas em dificuldade. Então, qual o termo mais
apropriado ? Em inglês, “cliente” é aquele que vem buscar o seu serviço. Mas ele ainda é
responsável por si mesmo.

58 • capítulo 2
3
O Gestaltismo
Você vai perceber ao ler este capítulo que a Psicologia da Gestalt fez uma re-
volução na forma como era entendida a percepção. Através de uma visão mais
integrada das experiências psicológicas, em que estas passam a ser vistas como
um todo, e não como partes fragmentadas, a Psicologia da Gestalt, ou Psicolo-
gia da Forma, apresenta uma maneira inédita de compreensão do fenômeno
perceptual humano.
Vamos conhecer os principais teóricos da Psicologia da Gestalt, além dos
autores que influenciaram o início desta escola de pensamento.

OBJETIVOS
Será importante você entender alguns pressupostos básicos da Gestalt, que são:
• O Fenômeno Phi;
• Percepção / constância perceptual;
• A ‘boa-forma’;
• Insight;
• As leis que regem a percepção humana das formas. Estas leis são: proximidade, conti-
nuidade, semelhança/similaridade, preenchimento/fechamento, simplicidade e figura/fundo;
• A teoria de Campo de Lewin;
• A Gestalt terapia e
• As críticas aos gestaltistas.
Vamos entender essa teoria da forma e da percepção?

60 • capítulo 3
3.1 Influências antecedentes sobre a
psicologia da Gestalt

Apesar de nós experimentarmos perceptivamente o mundo recheado de


sentido, valor e ordem, no século XIX a psicologia era marcada pelo ponto de
vista mecanicista1, onde a experiência psicológica era analisada oriunda de sua
relação com o mundo físico. (MORAES, 2013).
Deste modo, principiou um movimento na psicologia baseado no pressu-
posto de que a experiência deveria incidir em algo além das sensações. Apesar
desta tese já estar presente nas ideias de Wundt, a maior controversa que marca
a campo da psicologia no final do século XIX foi à necessidade de diferenciação
entre atos e conteúdos das experiências.
O reconhecimento da natureza complexa dos fenômenos foi definido com
o conceito de “síntese criadora” por Wundt. Para este psicólogo, a associação
de elementos básicos não pode ser vista como um método mecânico e simples-
mente aditivo. Há o surgimento de um produto novo e irredutível a sua com-
posição de partes. Juntamente com o conceito de “síntese criadora”, outros
preceitos indicavam que Wundt iria além do elementarismo2. Estes conceitos
foram o de “apercepção” e “causalidade psíquica”. Mas não ocorreu o rompi-
mento definitivo com o elementarismo, visto que Wundt ainda concedia aos
elementos uma realidade própria, independentemente dos conjuntos que se
integravam. (FIGUEIREDO, 2010)
MARX & HILLIX (2008) sintetizam que o nome de Wundt era visto como ‘vi-
lão’ por todos sistematizadores. Então, ao mesmo tempo em que foi alvo de
crítica da psicologia da Gestalt por ter uma posição elementarista, também foi
auxiliou no desenvolvimento deste pensamento por ter elaborado o princípio
de síntese criadora, que envolvia em certo reconhecimento da diferença entre
os todos e a soma das partes.

1 Mecanicismo: doutrina que admite que determinado conjunto de fenômenos, ou mesmo toda a natureza, se reduz
a um sistema de determinações mecânicas. [Afirmar-se esta doutrina, sobretudo por conceber o movimento como
determinado por lei causal rigorosa, e por negar todo tipo de finalismo ou de qualidade oculta para a determinação
dos fenômenos naturais]. (FERREIRA, 1986, p. 1108)
2 Elementarismo: a propensão metodológica para analisar os estados e processos mentais e comportamentais
em seus elementos componentes, tanto quanto seja possível; fortemente atacado pela psicologia da Gestalt
(estruturalismo). (MARX & HILLIX, 2012, p.742)

capítulo 3 • 61
Para Wundt, a sensação era um conteúdo da experiência, apesar de admi-
tir os limites da sensação para definir a experiência psicológica. Partindo de
outro ponto de vista, Brentano sustentava uma diferenciação entre os atos e os
conteúdos da experiência. Este psicólogo acreditava que “os conteúdos não se-
riam psíquicos, mas físicos. A psicologia deveria investigar não o conteúdo da
experiência, não as representações, mas sim o ato de representar.” (MORAES,
2013, p. 342). A discriminação entre ato e conteúdo tornou-se essencial para o
entendimento da experiência psicológica. Logo mais, voltaremos nas ideias de
Brentano.
A escola de Wurzburg também foi opositora ao elementarismo associa-
cionista. Através da introspecção (entendida de maneira mais livre, menos
inflexível e mais ambiciosa do que difundida por Wundt e Titchner), chegou
ao “pensamento sem imagens”, que preconizava a desadequada concepção de
corrente mental justificadas apenas por uma singela associação de conteúdos
mentais. “As sequências mentais pareciam obedecer a uma (...) força que diri-
gia e organizava o pensamento, subordinando os seus elementos a uma estru-
tura cognitiva e motivacional.” (FIGUEIREDO, 2010, p. 163).
O autor supracitado considera que a psicologia da Gestalt teve grande im-
portância partindo do estudo da percepção e estendendo-se para outras áreas
dos estudos psicológicos, principalmente sobre os processos cognitivos – per-
cepção, memória e solução de problemas – sem desfocar dos fatores motivacio-
nais e do comportamento.

CONEXÃO
Quer relembrar a psicologia científica de Wundt? Leia este artigo e relembre os princípios
fundamentais deste sistema teórico: ARAUJO, Saulo de Freitas. Uma visão panorâmica da
psicologia científica de Wilhelm Wundt. Sci. stud., São Paulo , v. 7, n. 2, June 2009 .

Nesta conjuntura de distinção entre ato e conteúdo que começou a se de-


senhar, outra noção importante para a compreensão da experiência emergiu:
a ideia de estrutura, o que levou ao deslocamento do tema de pesquisa saindo
da definição de experiência pelas sensações para a de se destacar a importância
das relações entre as sensações.

62 • capítulo 3
O fundamento da psicologia da Gestalt parte do trabalho do filósofo alemão
Immanuel Kant (1724-1804), em que o objeto é organizado de uma maneira em
que tenha sentido para o observador, e não através de processo de associação.
Além de Kant, influências importantes sobre a psicologia da Gestalt foram
Franz Brentano, Ernst Mach, Willian James. Também houve grande influência
da fenomenologia3, em que há uma imparcialidade da descrição da experiên-
cia, sem diminuí-la em elementos.
Franz Brentano antecipou-se ao método instrospecionista da Gestalt, im-
putando respeitabilidade à expressão experiência, entretanto, não admitiu
a emergência de novos fenômenos capazes de uma complexidade cada vez
maior. A psicologia brentaniana julgava necessária a concentração no processo
ou ato de sentir e não na sensação como um elemento.
O físico Ernest Mach (1838-1916) sustentava que as sensações formam a base
de toda a ciência. Por se tratar de uma questão geral da epistemologia4, esta é uma
afirmação que poder ser feita tanto por um psicólogo como por um físico. A grande
novidade postulada por Mach foi relacionada à existência de dois tipos totalmente
novos de sensação: a sensação de forma espacial (como em um círculo, ou uma
forma geométrica) e a sensação temporal (por exemplo, como em uma melodia). Já
Wiliam James focou em desafiar o atomismo psicológico. (MARX & HILLIX, 2008)
COUTINHO (2008) traz outras contribuições ao surgimento da Gestalt, que
são pesquisadores alemães e austríacos, como Ehrenfels (1859-1932) e Kruger
(1874-1948), que, através de seus estudos, intentavam entender como ocorriam
os fenômenos perceptuais humanos, sendo que estes estudos se utilizavam de
obras de arte como elemento de percepção. A intenção era perceber o que acon-
tecia durante o processo perceptivo para que algumas pessoas percebessem
efeito ‘x’, enquanto outras pessoas percebiam efeito ‘y’.
As divulgações dos estudos levaram a descoberta de há duas espécies de
qualidade de forma, ou ainda, há dois modos de interpretarmos as formas:

6. As sensíveis, que são relacionadas a qualidades próprias do objeto;


7. E as formais, que procedem de nossas interpretações e concepções.
“É, portanto, no agrupamento de ambas as qualidades da forma do objeto
que nós o percebemos.” (COUTINHO, 2008, P. 36)

3 Epistemologia: um ramo da filosofia que se ocupa da aquisição e validade do conhecimento. (MARX & HILLIX, p.
742). Para FERREIRA (1986) é o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados das ciências já constituídas, e
que visa a determinar os fundamentos lógicos, o valor e o alcance objetivo delas; teoria da ciência. (p. 673)
4 Fenomenologia: um método de observação em que os dados experimentais são aceitos de maneira mais ou
menos ingênua, sem qualquer tentativa de análise. (MARX & HILLIX, 2012, p.743)

capítulo 3 • 63
As pesquisas de Ehrenfels possibilitaram outros estudos em relação à com-
preensão das formas psicológicas. Apenas há forma psicológica na percepção
humana, e é assim que a Gestalt a examina. Convencionou-se chamar estes es-
tudos de Psicologia da Gestalt. MARX & HILLIX (2008) ainda acrescentam que
Ehrenfels é usualmente reconhecido como o pioneiro intelectual imediato
do movimento gestaltista, apesar de os teóricos da Gestalt não reconhecerem
qualquer influência direta.

Discípulo de Brentano, Cristian Von Ehrenfels (1859-1932) apontou uma característi-


ca da experiência perceptiva que não foi abordada nos estudos relacionados à sensa-
ção. Quando ouvimos a música Garota de Ipanema, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes,
por exemplo, em qualquer tom é possível reconhecer a identidade da música, apesar de
que, nesta transposição de tons, todas as notas possam ser alteradas. Esta semelhança
não provém então das sensações e elementos, pois eles se alteram para transitar entre
um tom e outro. Estas características da experiência foram nomeadas por Von Ehren-
fels de qualidades estruturais, em que as relações entre elementos é percebida e não
os elementos isoladamente. Estas qualidades estruturais dizem respeito ao campo da
sensibilidade, possuindo dependência das sensações. (MORAES, 2013)

Expandindo-se ainda mais, a psicologia da Gestalt chegou a se converter numa ver-


dadeira filosofia da ciência psicológica, elaborando – paralelamente a uma teoria sis-
temática dos fenômenos mentais e comportamentais – uma metateoria legitimadora
dos procedimentos metodológicos e dos fundamentos epistemológicos da disciplina.
Ampliando ainda mais o foco de suas preocupações, o gestaltismo se projetou como
uma filosofia geral das ciências e como uma fundamentação da ética e da estética.
(FIGUEIREDO, 2010, p. 162).

Introdução à Psicologia da Gestalt

A percepção é o que nos possibilita interpretarmos as informações do am-


biente, transformando dados brutos em padrões que fazem sentido, como
por exemplo, quando ‘transforma’ uma determinada vibração que ocorre no

64 • capítulo 3
tímpano em uma sinfonia. Sucedendo-se no cérebro, a percepção utiliza a in-
formação sensorial (material bruto) em experiências perceptivas. (MORRIS &
MAISTO, 2010). Esta é a base da teoria da Gestalt.

Durante o processo de percepção, a mente forma ou cria uma experiência completa.


Desse modo, a percepção não é uma impressão passiva e uma combinação de elemen-
tos sensoriais, como afirmam os empiristas e associacionistas, mas uma organização
ativa de elementos, de modo que forme uma experiência coerente. Assim, a mente
molda e forma os dados originais da percepção. (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014, p.261)

O psicólogo Wolfgang Köhler, fundador da psicologia da Gestalt, iniciou ex-


perimentos com macacos na ilha Tenerife, na costa da África, e pôde constatar
que, através da técnica de tentativa e erro de aprendizagem, a macaca Nueva ad-
quiriu movimentos propositados e deliberados, alcançando a comida com uma
vara, mesmo estando presa em uma gaiola. Esta nova forma de aprendizagem,
diferente dos experimentos de Thorndike, “levaram a uma outra revolução na
psicologia, a outra maneira de abordar o estudo da mente e do comportamen-
to.” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014, p.260)
ENGELMANN (2002) relata outro experimento, desta vez realizado por Max
Werthimer, no ano de 1910, sobre o qual se desenvolveu a psicologia da Gestalt.
Interessante ressaltar que Wolfgang Köhler e Kurt Koffka (grandes autores da
psicologia da Gestalt) foram sujeitos deste experimento de Wertheimer. Neste ex-
perimento, uma figura é iluminada por uma luz e, em fração de segundo uma ou-
tra figura é iluminada, dando a impressão de que há uma figura em movimento,
e não duas figuras em duplicidade. Surge nesta época, uma nova arte, o cinema,
que nada mais é que “uma sucessão de fotografias estáticas que são apresenta-
das com uma rapidez tal que as pessoas que as assistem vêm, não uma série de
fotografias, mas os movimentos contínuos no tempo.” (IDEM, 2002, p. 2).
No cinema então, devido ao fato das imagens irem se sobrepondo em nosso
globo ocular, há a sensação de movimento, que na verdade, é uma ilusão de
ótica devido à imagem tardar a se extinguir de nossa retina. Porém, o que está
realmente na tela é uma fotografia estática.
Os gestaltistas inquietavam-se com o fato de que um estímulo físico é perce-
bido diferentemente do que ele é na realidade, aparentando uma forma muda-
da. Perguntavam-se quais os processos psicológicos estariam envolvidos nesta
ilusão de ótica (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 1999).

capítulo 3 • 65
Segundo MORRIS & MAISTO (2010), além da aprendizagem e experiên-
cias passadas, há outros fatores pessoais que influenciam nossa percepção.
Pensando nas diferenças entre os indivíduos, deve considerar-se também nes-
sas experiências sensoriais e perceptivas a influência da raça, cultura e gênero.
Dentre os fatores que influenciam nossa percepção estão: a motivação, os valo-
res, as expectativas, estilo cognitivo, ideias culturais e a personalidade.
Sobre a motivação, é interessante perceber que, dependendo da nossa ne-
cessidade, esta poderá induzir a percepção do que almejamos, ou seja, nossa
percepção será moldada por nossos desejos e necessidades. Exemplo disso é
quando pessoas perdidas no deserto têm, através da miragem, fantasias visuais
de oásis.
Em relação aos valores, quando agregamos a determinado estímulo uma
associação que nos é interessante, este estímulo pode mudar. Em um experi-
mento com crianças, foi pedido que comparassem o tamanho de uma ficha a
um feixe de luz. Quando o tamanho estava ajustado corretamente, estas crian-
ças foram levadas até uma máquina em que estas fichas eram utilizadas para
pegar os doces. Dessa forma, as crianças aprenderam a valorizar as fichas, já
que poderiam trocá-las por doces. Posteriormente quando se pedia a estas
crianças para compararem o tamanho da ficha novamente, elas suponham que
estas fichas estavam maiores.
Quanto às expectativas, nossa percepção é capaz de ser influenciada pe-
las ideias preconcebidas sobre o que deveríamos perceber. Na familiarização
perceptiva ou generalização perceptiva, há uma grande tendência de vermos
o que o esperamos ver, mesmo que nossa expectativa e a realidade entrem em
embate.
O estilo cognitivo, ou um modo pessoal de lidar com o ambiente, modifica
o modo como vemos o mundo. Estas visões de mundo podem ser as seguintes:
a dependência de campo e a independência de campo. Na primeira, as pesso-
as tendem a ver o mundo como um todo, sem projetar claramente forma, cor,
tamanho e outras características individuais. No outro extremo, os que são in-
dependentes de campo separam os elementos do espaço, discriminando uns
dos outros.
Há, também no estilo cognitivo, os “niveladores” e os “aguçadores”. A di-
ferença entre eles é que, enquanto um nivela das diferenças entre os objetos,
os outros ressaltam. Enquanto os niveladores não percebem diferenças entre
figuras, os aguçadores são capazes de diferenciar tamanhos e realizar observa-
ções adequadas.

66 • capítulo 3
A influência do meio cultural na percepção das pessoas inclui linguagem (o
modo como se fala influencia a percepção do que está ao redor) como também
as diferenças culturais (por exemplo: um criador de cachorros profissional é
capaz de reconhecer características de uma linhagem de cães campeões que
um leigo não conseguiria, ou um músico pode identificar diferenças nas notas
de uma melodia que um espectador não seria capaz).
Outra forma de influência de percepção é a personalidade. Quando pala-
vras foram projetadas em uma tela, pessoas com anorexia eram capazes de
identificar ligeiramente as palavras relacionadas a alimentos que estavam sem-
pre no pensamento delas em detrimentos das palavras que não faziam parte
de suas ideias corriqueiramente. Com estudantes deprimidos, as palavras com
as quais eles se identificavam como tímido, quieto, eram mais rapidamente
identificadas do que as que eles pouco pensavam (como confiante, animado).
A percepção é influenciada então não apenas pela personalidade, mas também
provavelmente por distúrbios de personalidade. (MORRIS & MAISTO)

A síntese de COUTINHO (2008) é bastante esclarecedora:

Percepção (...) a forma como interpretamos os estímulos do meio ambiente, utilizando


nossa experiência e vivências anteriores e nossas necessidades presentes, constitui
o ato de perceber. Experiências anteriores, maior ou menor interesse pelos estímulos,
motivação, estado afetivo-emocional no momento da observação, sensibilidade dos ór-
gãos dos sentidos para estímulos particulares e a integração ou organização do que
está ocorrendo – determina nossa percepção dos fatos. (p. 36)

Voltando ao experimento de Werteimer, FREIRE (2012) cita que esta conti-


nuidade da figura que é apresentada contiguamente se desfaz quando o tem-
po entre a apresentação de uma figura a outra aumenta. Quando uma bola de
fogo é girada em alta velocidade, estando atada a uma corda: vemos um círculo
pelo movimento, e não uma bola. Pelo fato de uma percepção visual demorar
em média dezenove segundos, a reação entre o órgão do sentido e a resposta
produzida leva a esta sensação de continuidade. Denominou-se de movimento
aparente, de onde dois pontos parados surgem uma sensação dinâmica.

capítulo 3 • 67
A importância deste fenômeno, denominado Phi5, ou Fi, é que, entre uma
imagem e outra, não há qualquer estímulo, e o sujeito não conseguem perce-
ber se o movimento é real ou aparente. Esse processo total e contínuo é uma
Gestalt6.

Para MARX & HILLIX (2008), a psicologia da Gestalt foi e ainda é inclinada a incom-
preensão. Por ser resultado da cultura europeia, com sua doutrina publicada na língua
alemã, a ida de três de seus fundadores para os Estados Unidos (fugindo do nazismo)
contribuiu para explanar sobre a posição gestaltista e facilitar o acesso aos seus prin-
cípios em inglês. Esta interação da Gestalt com correntes mais americanizadas levou
a uma melhor admissão das suas ideias básicas. COUTINHO (2008) ainda traz que, a
palavra Gestalt é intraduzível do alemão para o português, sendo que a aproximação
para este termo seria a Psicologia da Forma.

Para Wertheimer, segundo SCHULTZ & SCHULTZ (2014), a explicação para


o fenômeno Phi era tão elementar quanto sua pesquisa: não é necessária qual-
quer explanação – sua existência é real e não há como reduzi-la a um elemento
mais simplório.
É interessante ressaltar que, independente do quão minuciosas fossem as
observações dos dois feixes de luz, o movimento de uma única linha persistia,
derrocando a psicologia elementarista e associacionista.
Após o estudo da percepção do movimento aparente, outro fenômeno foi
investigado pelos psicólogos da Gestalt: a constância perceptual7. Esta experi-
ência denota que, dependendo do nosso posicionamento em relação a um ob-
jeto, podemos vê-lo de maneiras diferentes. Por exemplo, olhando por cima de
um copo, vemos um círculo; já olhando de frente, vemos um retângulo. Assim,
a percepção permanece constante (sabemos que é um copo, olhando de cima
ou de frente), apesar da alteração da imagem.
Percebemos os objetos como tendo propriedades constantes. Uma mu-
lher não parece encolher enquanto se afasta. (...) Não obstante, (...) a imagem

5 Fenômeno Phi: ilusão de que dois focos fixos de luz piscante estão em movimento de um lugar para outro
(SCHULTZ & SCHULTZ, 2014, p. 263).
6 A palavra alemã “Gestalt” significa “padrão” ou “estrutura” (DAVIDOFF, 2001, p. 164). Ainda cabe falar em
“configuração” ou “forma” (FREIRE, 2012). Para Houaiss, Villar e Franco, (apud Engelmann, 2002, p. 2), Gestalt
“considera os fenômenos psicológicos como totalidades organizadas, indivisíveis, articuladas, isto é, como
configurações”.
7 Constância perceptual: qualidade de integridade ou plenitude da experiência perceptual, que não se altera
mesmo com a mudança dos elementos sensoriais (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014).

68 • capítulo 3
retiniana do observador muda de tamanho. Quando você vê o perfil de um re-
lógio de parede redondo, continua a pensar nele como sendo circular, embora
projete uma imagem elíptica na retina. (...) Em termos gerais, constância signi-
fica que objetos vistos de diferentes ângulos, a distâncias variadas, ou sob con-
dições diversas de iluminação, são percebidos como se mantivessem o mesmo
formato, o mesmo tamanho e a mesma cor. (DAVIDOFF, 2001, p. 166)
Graças à memória e à experiência, mantemos também a constância de ta-
manho, ou seja, há uma tendência de percebermos objetos conhecidos com o
seu tamanho real, apesar da distância em que se encontram, mesmo que a ima-
gem na retina seja diferente. Quando vemos uma mulher a uma determinada
distância, por exemplo, podemos supor que ela meça 1,60 metro mesmo que
ela, na verdade, meça 1,70 metro. Mas dificilmente acharíamos que ela meça
90 centímetros, pois nossa experiência nos mostra que raramente uma mulher
adulta tenha essa altura. (MORRIS & MAISTO, 2010)
Há ainda a constância de forma, em que os objetos, mesmo variando de ân-
gulo pela nossa visão, possuem uma forma constante. Sabendo que uma porta
é retangular vista de frente e não passamos a supor que ela se tornou trapezoi-
dal só pelo fato de ser vista de outro ângulo.
De modo muito parecido, a constância de cor ocorre quando objetos que
nos são familiares tendem a manter as cores para nós mesmo em situações
desfavoráveis a nossos olhos. Se soubermos que um carro é vermelho, ele man-
terá essa cor na nossa retina mesmo em uma rua escura ou muito iluminada.
Entretanto, se o objeto não nos é familiar, pode haver distorção da cor, como
por exemplo, quando comparamos uma calça em uma loja com iluminação
excelente e quando a olha em um local com luz comum, a cor não é a mesma.
(MORRIS & MAISTO, 2010)
Conclui-se que a percepção é um fenômeno unificado, não podendo ser
compreendido como soma de elementos, ou sensações isoladas. Mesmo os
processos psicológicos constituem um todo, não sendo vistos como soma das
unidades ou partes. A partir de todas as pesquisas, pode se depreender que
percebemos casas, árvores, ao invés de enxergar cores ou formas separadas.
(FREIRE, 2012).
A autora supracitada ainda aponta que para a Gestalt, há uma importância
no estudo da relação das partes que compõe o todo, sendo que esta relação não
é inerte, mas sim capaz de proporcionar uma síntese criadora e nova. A me-
lodia não é composta do conjunto de notas, mas de uma configuração total.

capítulo 3 • 69
Esta sempre será idêntica, a não ser que se mude a relação entre os elementos.
“Nessa conformidade, pode concluir-se que a relação entre os elementos é es-
sencial para se determinar o tipo ou qualidade da forma ou do processo psíqui-
co em geral”. (FREIRE, 2012, p. 117).
FILHO (2009) esclarece que a hipótese da Gestalt para justificar a origem
destas forças integradoras do processo fisiológico central está relacionada a
um dinamismo autorregulador que, ao buscar sua própria estabilidade, incli-
na-se a organizar as formas em todos coerentes e unos. “Essas organizações
originárias da estrutura cerebral são, pois, espontâneas, não arbitrárias, inde-
pendentemente de nossa vontade e qualquer aprendizado” (p.19)

É interessante perceber como a Gestalt pode ser aplicada de maneira bastante prática
na Educação. Vendo o homem como uma totalidade, não é possível enxergar uma edu-
cação fundamentada somente no físico ou só no psíquico. Desta forma, não há como
acontecer o estudo de partes isoladas de uma matéria, como por exemplo, estudar a
revolução de 1930 isolada da revolução de 1964. Só percebendo as ligações entre os
fatos, sob o aspecto de um contexto maior, pode-se fazer uma verdadeira educação,
baseada na interdisciplinaridade.(FREIRE, 2012)

Este início da psicologia da Gestalt não foi tão fácil como aparentava ser.
“Os seus princípios eram complemente contrários à maioria da tradição aca-
dêmica da psicologia alemã. Proclamar que uma experiência complexa tinha
existência própria era uma revolução.” (MARX & HILLIX, 2008, p. 280). Quando
Wertheimer afirma que os dados primários da percepção são Gestaltens (estru-
turas), ele vai contra a tradição introspecionista alemã e seus discípulos ame-
ricanos. “Para esses psicólogos, as estruturas eram coisas a decompor em seus
elementos – e só estes eram primários.” (IDEM, 2008, p.280)
Mesmo com toda esta revolta, o autor supracitado afirma que a Gestalt ga-
nhou impulso devido ao fato de muitos estarem insatisfeitos com os resulta-
dos alcançados pela psicologia antiga, julgando-os pobres e artificiais. Assim,
muitos psicólogos, crendo que não seria mais possível negar a abordagem fe-
nomenológica ou os fenômenos reais emergentes, felicitavam este novo modo
de enxergar a psicologia.
BOCK, FURTADO & TEIXEIRA (1999) cita que a nossa percepção pode de-
monstrar algo diferente da realidade, pois ‘entendemos’ o ambiente de um

70 • capítulo 3
jeito diferente do que ele existe realmente. Por exemplo, quando cumprimen-
tamos uma pessoa conhecida e ao nos aproximarmos, percebemos que não era
esta a pessoa que imaginávamos. Este erro de percepção, que nos levou a cum-
primentar um desconhecido, ocorre porque na nossa percepção, a interpreta-
ção foi a de que estávamos vendo uma pessoa conhecida.
Só é possível alcançar a boa-forma quando há equilíbrio, estabilidade e sim-
plicidade. Se o elemento não for apresentado em aspectos básicos, possibili-
tando a sua decodificação, não será possível a percepção da boa-forma.
Um bom exemplo de boa-forma, segundo BOCK, FURTADO & TEIXEIRA
(1999) é a figura abaixo.

É comum perceber a reta abaixo maior que a reta acima. Entretanto, as retas
medem exatamente o mesmo tamanho. Isso se dá pelo fato de não haver entre
as figuras equilíbrio, simetria, estabilidade e simplicidade, não podendo evitar
assim a ilusão de ótica e garantir a boa-forma.
É interessante perceber que a ilusão de ótica, ou ilusão visual deve-se ao
fato de percepções serem baseadas em hipóteses não apropriadas, resultando
em ilusões visuais. “Uma ilusão visual envolve uma aparentemente inexplicá-
vel discrepância entre a aparência de um estímulo visual e sua realidade física”
(WEITEN, 2010, p.116). Ao sermos ‘levados’ a perceber algo que não existe, os
psicólogos passam a conhecer melhor como funcionam os processos percepti-
vos nas situações cotidianas. (MORRIS & MAISTO, 2010).
Há diferença entre ilusões físicas e perceptivas, que são diferenciadas pe-
los psicólogos. A ilusão física ocorre quando vemos um palito inclinado em
um copo de água – pelo fato da água agir como prisma, há uma inclinação das
ondas de luz. Já nas ilusões perceptivas, o estímulo contem sinais enganosos,
como no exemplo acima.

capítulo 3 • 71
Outro exemplo de ilusões, que mostram como os processos perceptivos
funcionam, é a ilusão de movimento induzido. Quando estamos em um trem
parado e um outro trem ao lado começa a andar, temos a sensação de estarmos
movendo para trás. Mas se olharmos para o chão e o tomarmos como referên-
cia, cessará a ambiguidade e o momento se clareará. (MORRIS & MAISTO, 2010)
O cálculo da distância entre nós e os objetos é uma importante percepção
de distância e profundidade. Apesar de vermos o mundo em três dimensões, a
imagem projetada em nossa retina é essencialmente plana ou bidimensional.
Embora não seja uma orientação teórica ativa atualmente na psicologia,
a Gestalt é ainda influente na compreensão da percepção. (WEITEN, 2010).
“Como escola psicológica, a Gestalt deixou de existir desde meados do século
XX”. (FREIRE, 2012). Mas nos campos da educação e psicoterapia sua aplicação
continua presente e de grande importância. COUTINHO (2008) corrobora tra-
zendo que a psicologia da Gestalt vem sendo retomada desde a última década
do século passado, por te grande relevância na terapia, educação e mesmo na
saúde dos homens. Esta nova empreitada denomina-se neo-gestáltica, sendo
muito intensa nos países de língua inglesa.
A síntese apresentada por FILHO (2009) define esta abordagem da seguinte
maneira:

A Gestalt, após sistemáticas pesquisas, apresenta uma teoria nova sobre o fenômeno
da percepção. Segundo esta teoria, o que acontece no cérebro não é idêntico ao que
acontece na retina. A excitação cerebral não se dá em pontos isolados, mas por ex-
tensão. Não existe, na percepção da forma, um processo posterior de associação das
várias sensações. A primeira sensação já é de forma, já é global e unificada. (...) Não
vemos partes isoladas, mas relações. Isto é, uma parte na dependência da outra parte.
Para nossa percepção, que é resultado de uma sensação global, as partes são insepa-
ráveis do todo e são outra coisa que não elas mesmas, fora deste todo. (p.19)

A relação da Gestalt e o Behaviorismo

A revolução da Gestalt expandia-se pela Alemanha concomitantemente ao cres-


cimento do movimento behaviorista nos Estados Unidos, mas estes ocorriam
de maneiras absolutamente independentes. O principal foco de ataque da psi-
cologia da Gestalt e do behaviorismo era sobre a natureza elementar do traba-

72 • capítulo 3
lho de Wundt. Segundo DAVIDOFF (2001), “o que mais os contrariava era a ten-
dência de analisar fenômenos psicológicos isoladamente, em vez de examinar
a organização como um todo. Fenômenos psicológicos (...) são destruídos pela
abordagem fragmentada” (p. 164). Porém, as divergências entre a psicologia
Gestalt e o behaviorismo acabaram por levá-las a tornarem-se opostas, já que
a Gestalt admite o valor da consciência, enquanto o behaviorismo rejeita este
conceito na psicologia científica.
A diferenciação principal entre a Gestalt e o Behaviorismo pode ser resumi-
da na postura que cada corrente assume em relação ao objeto da Psicologia:
o comportamento (ambos decretam a psicologia como a ciência que estuda o
comportamento). A crítica da Gestalt em relação ao Behaviorismo, que com-
preende o comportamento relacionado ao estímulo-resposta, engloba o fato de
que o comportamento não deve ser estudado de maneira isolada, já que desta
forma pode-se perder o seu significado para o psicólogo (BOCK, FURTADO &
TEIXEIRA, 1999).

Os princípios da Gestalt:

Wertheimer salientava que nosso universo perceptual é organizado de acordo


o movimento aparente, ou seja, como objetos únicos e não como junções de
sensações individuais. É deduzido que esta organização perceptual acontece
de forma instantânea, todas as vezes que são vistos diversos padrões ou forma-
tos, sendo isto espontâneo e inevitável. Os associacionistas8 afirmavam que era
necessário aprender a formar padrões, entretanto a aprendizagem é necessária
somente para as percepções de nível superior, como, por exemplo, denominar
objetos (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014).
Portanto, para a teoria da Gestalt o cérebro humano é um sistema dinâmico
em que há uma integração de elementos ativos em certo momento. Há uma as-
sociação automática que conecta unidades individuais, combinando-os quan-
do são similares ou bem próximas.
A atitude parte-todo, proposta por Wertheimer, enfatiza a importância da
estrutura da experiência, como é também a estrutura de uma casa. Dessa for-
ma, a experiência estruturada de uma maneira particular pode ser completa-
mente diferente se for estruturada de algum outro jeito. É notável como seis
pontos em uma linha produzem uma experiência diferente de seis pontos em

8 Associacionismo: ponto de vista segundo o qual o comportamento aprendido é o resultado das associações de
simples sensações e ideias em complexos mentais. (MARX & HILLIX, 2008, p.738)

capítulo 3 • 73
um circulo, por exemplo. Há assim, uma grande diferença entre as experiên-
cias, já que “o modo de aparecimento de uma parte é afetado pela estrutura de
que faz parte” (MARX & HILLIX, 2008, p. 282)

Uma boa analogia para exemplificar o mérito da estrutura e a diferença entre todos
e somas de partes é a água. A mistura de seus elementos, hidrogênio e oxigênio, é
muito diferente da água em si. Só conseguimos conhecer as características do com-
posto “água” quando a estudamos diretamente, sendo que estudar seus elementos
separados não possibilitam o mesmo todo. As qualidades emergentes da água surgem
somente com a combinação de seus elementos. (MARX & HILLIX, 2008)

Os fenômenos psíquicos então não poderiam ser estudados pelos elemen-


tos que os formam, pois estes não são percebidos à primeira vista. “Os elemen-
tos são o resultado da reflexão e da abstração. Além do mais, o fenômeno não é
apenas a soma das partes, mas é diferente dela.” (FREIRE, 2012)
Inclusive, ENGELMAN (2002) relata que Wertheimer difundia que a teoria
da Gestalt poderia também ser estendida aos processos fisiológicos centrais,
já que estes não poderiam ser vistos apenas como a soma de elementos, mas
como um processo único. É exatamente por esta afirmação que Kohler conside-
rava Wertheimer como pioneiro em relação ao isomorfismo.
Os gestaltistas utilizaram-se da teoria do isomorfismo9, acreditando que o
comportamento deva ser estudado globalmente, considerando todas as condi-
ções que modificam a percepção do estímulo.

Procurando saber quais eram os mecanismos cerebrais envolvidos na percepção, Wer-


theimer (baseado no entendimento de sua pesquisa de movimento aparente), promo-
veu a ideia de que a atividade cerebral é um processo integral de configuração, um
sistema dinâmico onde há interação dos elementos ativos em determinados momentos.
Desta maneira, opõe-se a visão associacionista, que acreditava que o cérebro funciona-
va de modo passivo e inapto para mudar ativamente os elementos sensoriais recebidos.

9 Isomorfismo: doutrina que afirma existir uma correspondência entre a experiência psicológica ou consciente
e a experiência cerebral latente. (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014, p. 275). Para MARX & HILLIX, a definição de
isomorfismo seria a relação de 1:1 que se supõe existir entre os campos cerebrais e a experiência (p. 746).

74 • capítulo 3
Do mesmo jeito que o movimento real e o aparente são percebidos como idênticos,
devem ser parecidos também os processos corticais respectivos. “Em outras palavras,
deve haver uma correspondência entre a experiência consciente ou psicológica e a
cerebral subjacente, responsável pelo fenômeno phi. Essa ideia é denominada isomor-
fismo.” (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014, p. 275) Comparando a percepção a um mapa,
os psicólogos da Gestalt afirmam que a percepção é uma cópia idêntica ao que repre-
senta, sem ser literal. Mas sabe-se que a percepção não é um referencial confiável para
perceber o mundo real.

Estas leis da teoria da Gestalt, que regem, determinam ou influenciam a


percepção humana das formas, auxiliam na apreensão de imagens e ideias.
Dentre estes princípios da organização perceptual, que estão relacionados ao
comportamento natural do cérebro ao agir no processo de percepção, podemos
listar:
1. Proximidade: Quando há partes que aparecem bem próximas umas
das outras no tempo e no espaço, há uma tendência de serem percebidas uni-
das. “Os elementos visuais próximos uns dos outros são vistos como um todo”
(DAVIDOFF, 2001, p. 167).

Consideramos três grupos acima, e não várias bolas.


2. Continuidade: Para que os elementos pareçam ininterruptos, constan-
tes em uma direção específica, nossa percepção segue uma tendência de conec-
tar estes elementos. Ou seja, quando elementos visuais consentem continuida-
de de uma direção, tendem a serem reunidos em nossa percepção. Este é uma
característica significante da camuflagem. “A rã está protegida dos predadores
em parte por que seu corpo é visto como uma continuidade de seu habitat.”
(DAVIDOFF, 2001, p.167)

capítulo 3 • 75
3. Semelhança/Similaridade: As partes semelhantes inclinam-se a se-
rem vistas juntas, agrupando-se. Elementos visuais (de acordo com cores, for-
mas ou texturas parecidas) são percebidos como agrupados. Há também uma
tendência de se ver agrupamentos que se direcionam em rumo semelhante.
“Consequentemente, unificamos os membros de um corpo de balé que dan-
çam em linhas paralelas, incutindo ordem naquilo que de outra forma parece-
ria um caótico conjunto de indivíduos”. (DAVIDOFF, 2001, p. 167)
É mais fácil percebermos linhas do que colunas na figura abaixo, por serem
semelhantes.

4. Preenchimento/Fechamento: Ao observar figuras não terminadas, há


uma tendência a completá-las, ocupando os espaços não preenchidos.
Adicionamos elementos nas figuras abaixo para percebê-la como um todo.

5. Simplicidade: Quando uma figura é vista, há uma tendência de observá


-la como sendo de boa qualidade sob as condições de estímulos. Este princípio
é denominado de boa forma ou pragnanz. “Uma boa Gestalt é simétrica, sim-
ples e estável, e não pode ser mais simples nem mais organizada” (SCHULTZ &
SCHULTZ, 2014, p. 269).

76 • capítulo 3
6. Figura/fundo: Quando vemos um objeto (a figura), há uma tendência
de organizar esta percepção sendo vista sobre o fundo (a base) em que aparece.
De acordo com o modo com que a percepção é organizada, pode haver uma
reversão, vendo objetos diferentes.
DAVIDOFF (2001) enfatiza que antes mesmo de saber o que é um determi-
nado objeto, é necessário separá-lo de seu segundo plano. Há sempre um des-
taque do objeto ou figura contra o fundo. “O mesmo objeto pode ser interpre-
tado como figura ou fundo, dependendo de como você direciona sua atenção”.
(IDEM, 2001, p. 165).
Na imagem abaixo, a representação de figura/fundo fica bem evidente: po-
de-se ver um vaso ou dois perfis de rosto. Este é um belo exemplo de figura/fun-
do. Estas reversões das imagens são espontâneas e difíceis de controlar. É in-
teressante ressaltar que, quando o cérebro e os sentidos estão funcionando de
maneira normal, não é possível ver a figura e o fundo simultaneamente, além
de, ocasionalmente, não ser imediata a imersão da figura no fundo.

Pode-se perceber que estes princípios de organização são independentes de


processos mentais superiores e também de experiências anteriores.
A mudança na percepção dos fenômenos, ora figura, ora fundo, varia de in-
divíduo para indivíduo e no próprio indivíduo. Isso se dá devido ao fato de que
cada pessoa foca no que é importante para ela, sendo que a mesma pessoa pode
olhar para o fundo em determinado momento e depois alterar esta percepção
para a figura, mudando a percepção. (FREIRE, 2012).
Analisar atentamente as possibilidades da figura/fundo trouxeram impor-
tantes aspectos para a educação e psicanálise, pois aponta para a contínua

capítulo 3 • 77
mudança da percepção do homem, traduzindo o enfoque de cada pessoa na-
quele determinado momento em relação à realidade e à existência. Outro as-
pecto importante percebido por este estudo está relacionado à importância
dada a visão da realidade e não de pressupostos, podendo transformar figuras/
problemas em fundos sem importância. Ao invés de fixar em um só aspecto, a
busca por outras opções pode mostrar uma visão do todo e assim, relativizar as
partes em favor do todo.
Assim, cita BOCK, FURTADO & TEIXEIRA (1999) na figura/fundo, quanto
mais clara for a forma (adquirindo assim boa-forma), mais clara será a distin-
ção entre a figura e o fundo. Neste exemplo, a figura é ambígua, ora a figura
aparece, ora o fundo, dependendo da percepção de que olha.
FIGUEIREDO (2010) sintetiza claramente as experiências de percepção da
Gestalt a seguir:

Ora, na experiência imediata os fenômenos tais como se expõem à percepção, tais


como reaparecem na lembrança, tais como se articulam diante da inteligência são for-
mas dotadas de significados. Veem-se coisas, objetos, figuras e não linhas, pontos,
manchas. Só por esforço de abstração as figuras podem ser desmembradas e cada um
de seus elementos considerados individualmente. Mas, desde então, estes elementos
já teriam perdido os aspectos decisivos que lhe vêm apenas da configuração, vale dizer,
do campo organizado em que se situam em relações precisas com os demais elemen-
tos. (p. 164)

CONEXÃO
Quer conhecer melhor a aplicação das leis da Gestalt na nossa vida cotidiana? E ver tam-
bém outros exemplos de organização perceptual que são citados neste texto? Não deixe de
acessar o link do artigo de Andrade (2012) intitulado Avaliação de símbolos pictóricos em
mapas turísticos. Acesse aqui: ANDRADE, Andrea Faria; SLUTER, Claudia Robbi. Avaliação
de símbolos pictóricos em mapas turísticos. Bol. Ciênc. Geod., Curitiba , v. 18, n. 2, p. 242-
261, June 2012 .

78 • capítulo 3
Principais teorias

Max Wertheimer (1880-1943) / Wolfgang Köhler (1887/1967)


Max Wertheimer nasceu em Praga e estudou direito posteriormente mu-
dando sua graduação para filosofia e psicologia. Foi na década de 1920, na
Universidade de Berlim, que Wertheimer iniciou seus maiores trabalhos rela-
cionados à psicologia da Gestalt. A maneira de este psicólogo dar aulas era mui-
to estimulante, e ele utilizava-se de sua imaginação de maneira muito intensa.
Para Maslow, grande nome da psicologia humanista, Weitheimer foi uma ins-
piração para a realização de seu conceito de autorrealização, devido a sua gran-
de habilidade e capacidade de desenvolver seu próprio potencial. (SCHULTZ &
SCHULTZ, 2014).
Segundo MARX & HILLIX (2008), Wertheimer reconheceu que há influência
da experiência ou hábitos passados. Desta forma, quando vemos uma figura
de modo frequente, somos mais propensos a enxergá-la novamente. Apesar
disso, os gestaltistas usualmente desprezam a influência da aprendizagem na
percepção.
Já Köhler era considerado o mais produtivo no desenvolvimento do movi-
mento da Gestalt. Aproximando-se de estudos da física, Köhler intencionava
uma aliança entre as duas ciências, pois acreditava que as Gestalten (formas
e padrões) aconteciam em ambos os conhecimentos, segundo SCHULTZ &
SCHULTZ (2014).
Apesar de ter vivido na Alemanha, Köhler nasceu na Estônia e se dedicou
inicialmente ao estudo do comportamento de chipanzés. Estes estudos eviden-
ciavam o insight para Köhler. Segundo o psicólogo, as tentativas dos chimpan-
zés para compreender o que era necessário fazer para alcançar a comida não
provinham de nenhum condicionamento. Köhler inclusive cita que os animais,
depois de determinado “entendimento” do que está acontecendo, realizam
os comportamentos de maneira perfeita, cita SCHULTZ & SCHULTZ (2014).
Corroborando as descobertas de Köhler, o psicólogo norte-americano de ani-
mais Robert Yerkes nomeia de “aprendizagem ideacional” os seus experimen-
tos com orangotangos, sustentando o conceito de insight descrito por Köhler.
COUTINHO (2008) define o insight para a Gestalt da seguinte maneira:

capítulo 3 • 79
A aprendizagem de ideias está intimamente ligada a interpretação das situações e es-
tas dependem da percepção que temos no momento. Nossas primeiras interpretações
são provisórias, como tentativas para a compreensão. Quando conseguimos perceber
as relações existentes em uma situação problemática, formando uma estrutura e inte-
grando os elementos em um todo, compreendemos a situação, temos um insight, ou
seja, uma reorganização de pensamentos anteriores que leva à boa forma e compre-
ensão. (p.36)

Em seus estudos sobre a inteligência de chipanzés, Köhler utilizou utensílios muito


simples e pôde, através da visão de percepção da Gestalt, compreender sobre a rees-
truturação do campo perceptual. Em um de seus estudos, por exemplo, Köhler coloca-
va uma fruta na frente da jaula do chipanzé, além de seu alcance e, ao lado da fruta,
ponha uma vara. A fruta e a vara eram entendidas pelo animal como fazendo parte de
um mesmo problema, assim logo o chimpanzé utilizou a vara para poder pegar a fruta
e comer. Entretanto, se a vara estivesse no fundo da jaula, a vara e a fruta não eram
imediatamente entendidas como parte de um mesmo problema. Quando se modificava
o campo perceptual do chipanzé, a questão poderia ser resolvida. Outro exemplo é
quando se colocava dentro da jaula dois pedaços de varas que não alcançavam sozi-
nhas a fruta colocada do lado de fora da jaula. Era necessário que o animal percebesse
que somente com a junção das duas varas ele poderia pegar a fruta, ou seja, apenas
a apreensão de uma nova relação entre as varas resolveria o problema. (SCHULTZ &
SCHULTZ, 2014)

Pavlov contaria a tese de Köhler quando realiza a mesma pesquisa com ma-
cacos. Quando os animais precisavam apoiar uma caixa em cima da outra para
obter a comida que se encontrava no alto, Pavlov chega à conclusão de que o
comportamento dos macacos envolvia aprendizagem por tentativa e erro (se-
melhantes a encontrada por Thorndike) e não evidências de Insight. (SCHULTZ
& SCHULTZ, 2014)
O insight para a psicologia da Gestalt acontece quando olhamos uma figura,
até então sem sentido para nós, e, de repente, há uma compreensão imediata,
um entendimento interno, quando a relação da figura/fundo passa a se mos-
trar, elucidando a parte/todo. Este insight não requer de nós nenhum esforço
especial. (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 1999)

80 • capítulo 3
Outro aspecto de estudo para Köhler foi relacionado aos princípios de
aprendizagem, apesar desta área não ser recebido um enfoque tão grande
como a percepção por parte dos psicólogos da Gestalt.
A aprendizagem e resolução de problemas eram entendidas de forma aná-
loga à premissa da percepção em que se baseava a Gestalt. Assim, a solução de
problemas transformou-se em uma reestruturação do campo perceptual.

Quando um problema é apresentado, está faltando algo que é necessário a uma so-
lução adequada. A solução ocorre quando o ingrediente que falta é fornecido de tal
modo que o campo torna-se significativo, em relação ao problema apresentado. (...) Os
gestaltistas consideraram que algumas espécies de aprendizagem exigiam um único
ensaio ou tentativa, sendo o desempenho facilmente repetido sem necessidade de
uma prática mais extensa. A maior parte do trabalho dos gestaltistas interessou-se
mais pela resolução de problemas do que pela aprendizagem. (MARX & HILLIX, 2013)

A teoria de Campo de Kurt Lewin

A Teoria do Campo10 nasceu da cooperação entre os pioneiros da Gestalt


– Werthimer, Koffka e Köhler – juntamente com Kurt Lewin (1890/1947), na
Universidade de Berlim. Apesar deste trabalho em conjunto, Lewin não pode
ser considerado um gestaltista, já que ele busca na Física as bases metodológi-
cas de sua psicologia, deixando de lado a preocupação com os limiares da per-
cepção. A partir deste novo enfoque, Lewin constrói uma nova e genuína ideia.
(BOCK, FURTADO & TEIXEIRA, 1999, p.65).
Endossando a afirmação acima, MARX & HILLIX (2008) também apontam
que mesmo Lewin sendo associado a um centro de psicologia da Gestalt em
Berlim, a identificação com este grupo foi diminuta, sendo que sua sistematiza-
ção foi além dos limites da escola. Não havia uma relação formal entre suas te-
orias e as dos gestaltistas. Lewin focava-se nas questões de motivação dos indi-
víduos, o que induzia ao pensamento relacionado a problemas de organização
da personalidade. Posteriormente, partiu para questões da psicologia social, o
que incluía as dinâmicas de grupo, passando por outras áreas como problemas
da natureza da aprendizagem, fatores culturais na organização da personalida-
de, e até mesmo desenvolvimento infantil.
10 Teoria de campo: sistema de Lewin que aplica o conceito de campos de força para explicar o comportamento de
um indivíduo com base no seu campo de influências sociais.(SCHULTZ & SCHULTZ, 2014, p. 277)

capítulo 3 • 81
MARX & HILLIX (2008) classificam Kurt Lewin como um pesquisador no-
tável, um experimentador extremamente talentoso, sendo que a sequência de
estudos experimentais que realizou na Universidade de Berlim na década de
1920 foram considerados modelos de criatividade e imaginação teóricas alia-
das a uma firme metodologia experimental. Por outro lado, Lewin defendia a
teoria diretiva na pesquisa e tornou-se famoso pelo desenrolar do sistema de
psicologia motivacional ou vetorial, conhecido pela teoria de campo.

Para compreendermos de maneira mais aprofundada a Teoria de Campo, precisamos


mergulhar em suas analogias metateóricas. Iniciando com a teoria de campo bastan-
te admirada de Marxwell, sobre a qual a psicologia, que ainda engatinhava, buscava
fundamentos para se estruturar. A teoria da relatividade pode ser considerada a mais
admirada representante da teoria de campo. Em um primeiro momento, a teoria da
relatividade abarca a questão da descrição dos eventos como “holística”, inter-rela-
cionando suas variáveis quando descreve a “trajetória dos eventos”. Em outro ponto,
a teoria trata de um caráter dinâmico, em que, como os planetas estão dispostos em
sua dimensão espacial, também estão dispostos o passado e o futuro, sendo que estes
estariam em uma dimensão temporal. Esta qualidade da Teoria de Campo é muito con-
troversa, sendo que não há um consenso geral sobre suas questões. O dinâmico, para
a psicologia, assumiu uma significação muito distinta desta da física, indo para uma
temática relacionada à motivação, principalmente a motivação inconsciente, e também
envolvendo a mudança, que este ponto se aproxima do significado para a física. (MARX
& HILLIX, 2010)

Refletindo a tendência científica do final do século XIX, a psicologia da


Gestalt apontava para as relações de campo e não no modelo atomístico e ele-
mentarista. Equiparando-se ao conceito de campos de força na física, a teoria
de campo vai além da posição ortodoxa da Gestalt e adentra áreas como as ne-
cessidades humanas, a personalidade e as influências sociais no comporta-
mento. (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014)

82 • capítulo 3
Segundo esta teoria, o comportamento humano é função tanto das características da
pessoa quanto daquelas do meio onde a pessoa está inserida. Isto indica que nós não
agimos apenas em função de nossos impulsos, mas em função também do meio no
qual estamos inseridos. (...) Um dos méritos do trabalho de Lewin foi o de ter deslocado
as pesquisas em psicologia do espaço restrito dos laboratórios para o contexto social.
(MORAES, 2013, p.355).

Kurt Lewin era alemão e judeu, fato que influenciou sua obra em relação
ao trabalho com grupos minoritários. Estudou matemática e física, além de re-
ceber o Ph.D em psicologia. (SCHULTZ & SCHULTZ, 2014)
A dinâmica de grupo, fundada dentro das diretrizes do trabalho de Lewin,
trouxe grandes reverberações na prática dos psicólogos, especialmente na área
dos psicólogos nas empresas. Lewin foi um dos primeiros pesquisadores em
psicologia “a problematizar a relação entre pesquisador e pesquisado, apon-
tando o papel ativo do pesquisador e sua inter-relação com o campo do pes-
quisado.” (MORAES, 2013, p. 355) E com o estudo da dinâmica de grupo, a
elaboração da psicologia social, além da teoria da motivação, aprendizagem,
personalidade e psicologia infantil foram muito beneficiadas. (FREIRE, 2012)
Bastante focado na motivação humana, Lewin procurava humanizar as fá-
bricas da época, tentando converter o trabalho em uma possibilidade de satis-
fação pessoal e não apenas um meio de ganhar a vida. Com a ideia da teoria de
campo da física como referência, Lewin imaginou as atividades psicológicas de
uma pessoa também contidas dentro de uma espécie de campo psicológico, a
que ele chamou de espaço vital11.
No espaço vital, segundo SCHULTZ & SCHULTZ (2014), faria parte todos os
acontecimentos passados, presentes e futuros que nos afligem. Partindo do
ponto de vista psicológico, cada um destes acontecimentos demarcam algum
tipo de comportamento em um momento específico. O espaço vital, portanto,
funda-se na necessidade do indivíduo interagir com o ambiente psicológico.
É interessante perceber que o espaço vital de um bebê, que ainda possui
pouca experiência, contém poucas regiões diferenciadas. Em contra partida,
um adulto culto e requintado adquiriu com sua alta variedade de experiências
um espaço vital complexo e abrangente.

11 Espaço vital: a totalidade dos fatores psicológicos efetivos para uma determinada pessoa, num determinado
momento do tempo (Lewin). MARX & HILLIX, 2012, p. 742)

capítulo 3 • 83
O conceito de espaço vital é o principal preceito da teoria de Lewin. É de-
finido como o conjunto de todos os fatos que determinam o comportamento
do indivíduo, enquanto campo psicológico, outro termo utilizado pela Teoria
de Campo é “o espaço de vida considerado dinamicamente, onde se levam em
conta não somente o indivíduo e o meio, mas também a totalidade dos fatos co-
existentes e mutuamente interdependentes”. (BOCK, FURTADO & TEIXEIRA,
1999, p.65)
Com o intuito de compreender o comportamento individual a partir do gru-
po (ou do todo que rodeia o sujeito), Lewin pode chegar a interdependência que
há entre os seus membros. (FREIRE, 2012)

(...) o conteúdo teórico, entre as teorias de campo, possui um alto grau de características
comuns. A mais importante, para nós, é o interesse amplamente compartilhado pelos
problemas de percepção e cognição, e a tendência correlata para utilizar os processos
perceptuais e cognitivos como fatores explicativos. Isto não causará muito surpresa, se
atentarmos para as estreitas relações existentes entre as modernas teorias de campo
e a psicológica gestaltista clássica, a qual se interessava, primordialmente, por ênfases
semelhantes. (MARX & HILLIX, 2008, p. 431)

Gestalt terapia

Baseada na extensão do trabalho do psiquiatra treinado psicanaliticamen-


te Frederick (Fritz) Perls, a terapia da Gestalt foi iniciada na década de 1950.
MORRIS & MAISTO (2010) salientam que Perls iniciou sua carreira como psica-
nalista, entretanto, posteriormente, dirigiu-se contrariamente a Freud (e suas
técnicas) de maneira bastante fervorosa.

Os membros do movimento gestáltico focalizavam experiências subjetivas, principal-


mente a percepção. Insistiam em que o todo é diferente e está longe de ser a simples
soma de suas partes. De modo geral, a terapia da Gestalt associa-se a essas ideias.
(DAVIDOFF, 2001, p. 606)

84 • capítulo 3
A Gestalt terapia foca no aqui e agora, incentivando as confrontações cara
a cara. Com o intuito de transformar as pessoas mais sinceras e ‘verdadeiras’,
a pessoa é vista como um todo e o terapeuta é diretivo e ativo. Os gestaltistas
julgam importante a ciência dos sentimentos, podendo utilizar a “técnica da
cadeira vazia”, em que as pessoas podem falar a uma parte de si mesmas, como
se estivessem na sentadas em uma cadeira vazia. (MORRIS & MAISTO, 2010)
Para os gestaltistas, a angústia psicológica assemelha-se bastante com a vi-
são da terapia centrada na pessoa. Para eles, o indivíduo que não aceita e des-
preza aspectos de si mesmo gasta muita energia, não percebendo suas necessi-
dades reais, o que acarreta a adoção de características que não são suas.
Como objetivo de readquirir as capacidades inatas para o crescimento, os
clínicos gestálticos determinam tarefas árduas a si mesmos, pois assim conse-
guem quebrar bloqueios, fachadas, jogos, fingimentos e defesas dos pacientes.
É necessário nesta abordagem o estímulo à autoconsciência. O mais significa-
tivo seria ‘completar a Gestalt’, através da integração de todos os lados do self,
que harmonicamente passam a ser quem eles realmente são, vivendo o ‘agora’.
(DAVIDOFF, 2001)
Estes objetivos são alcançados através de várias práticas diferentes. Os te-
rapeutas desta abordagem observam e analisam em profundidade o cliente.
Observam voz, gestos, fala e a linguagem corporal e assim podem achar os pon-
tos nos quais os clientes estão evitando e se iludindo.
Dentre os exercícios utilizados pelos gestaltistas, sendo alguns recursos que
auxiliam na averiguação e na resolução de conflitos, podemos citar, de acordo
com DAVIDOFF, (2001):

• Quando o terapeuta compele o paciente a manter a concentração em suas


emoções, sensações e percepções, e desta forma, aumentar a consciência;
• Pode-se solicitar ao cliente que represente as duas porções de si – a mas-
culina e a feminina, por exemplo – e que esta seja completa e integrada, levando
a aceitação das duas partes;
• A exacerbação, em que o cliente acentua seus gestos ou rediz falas signifi-
cativa em tons mais altos, para poder sentir o impacto total;
• A ênfase na ideia de que o cliente é ativo e responsável por si pode ser tra-
balhada na Gestalt quando se adiciona a frase “E eu assumo a responsabilidade
por isso”, logo após falas relacionadas a sentimentos e comportamentos;

capítulo 3 • 85
• Os sonhos são também importantes ferramentas de informação e repre-
sentação do self. A vivência de cada imagem dos sonhos auxilia em mais auto-
entendimento e auto-aceitação;
• E por fim, a criação de cenas vívidas, que tem o intuito de transformar os
problemas em situações mais compreensíveis e assim, motivar a mudança de
comportamento.

Aos gestaltistas desagrava a busca dos elementos da experiência e assinalavam que a


simples combinação de elementos não é adequada para produzir as características do
todo. Em psicologia, tal como na física, o todo requer leis próprias e a tarefa da psicolo-
gia consiste em tentar descobrir estas leis. (MARX & HILLIX, 2008, p. 313)

Críticas à psicologia da Gestalt

SCHULTZ & SCHLTZ (2014) apontam que as críticas à psicologia da Gestalt en-
volviam os seguintes temas:

• O fato de que os processos perceptuais, como por exemplo, o fenômeno


Phi, não serem estudados como um problema científico a ser indagado, sendo
que apenas sua existência foi aceita. “Era como se fosse uma negação da exis-
tência do problema”. (IDEM, p. 280)
• Para alguns psicólogos experimentais, a posição da Gestalt era vaga, já
que seus conceitos básicos não eram demarcados com rigor que fosse suficien-
temente científico. MARX & HILLIX (2008) afirmam que apesar de ter sido de-
certo experimental, as críticas não foram respondidas rapidamente com estes
mesmos enunciados.
• Os psicólogos da Gestalt defendiam-se alegando que, em uma ciência jo-
vem, as tentativas de explanação e explicação clara poderiam não ser comple-
tas, não sendo por isso vagas.
• Outras críticas relacionavam-se com o fato da Gestalt focar demais na teo-
ria, ao invés de concentrar-se na pesquisa e dados empíricos.
Apesar de ter certa verdade, a Gestalt enfatizou a experimentação e gerou
uma quantidade de pesquisa respeitável.

86 • capítulo 3
• Comparada ao behaviorismo, o trabalho experimental da Gestalt era con-
siderado inferior por não estabelecer controles adequados e os dados não po-
derem ser submetidos à análise estatística.
Como resposta, os psicólogos da Gestalt afirmavam que era proposital que
sua pesquisa fosse menos quantitativa, já que o que era encontrado qualitativa-
mente tinha preferência em relação ao quantitativo.
• O termo insight de Köhler também foi posto em dúvida. As experiências
com chimpanzés não comprovavam de maneira satisfatória o papel do insight
na aprendizagem.

LEITURA
O livro de Jorge Ponciano Ribeiro, intitulado de “Gestalt terapia: refazendo um caminho”,
trata desta corrente de pensamento e seu desenrolar no Brasil, desde seu início com poucos
profissionais interessados nesta área, até o aumento expressivo de gestaltistas brasileiros.
Também aborda os pressupostos teóricos da Gestalt.
Um clássico da literatura da Gestalt é o livro: “Gestalt Terapia Explicada”, de Frederick
Salomon Perls, que traz as ideias que fundamentam a Gestalt Terapia, por meio de palestras
e sessões gravadas. O livro, de mesmo autor, que também é rico na compreensão da abor-
dagem é “Isto é Gestalt”.
Na obra “Dicionário de Gestalt Terapia - Gestaltês”, de Gladys D’acri, vários autores
analisam os mais importantes conceitos de Gestalt-Terapia e sua evolução na atualidade.
Trata-se de um compêndio importante que embasa teoria e prática

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias – Uma introdução ao estudo de
psicologia. 13 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999. 368p.
COUTINHO, K. R. R. A psicologia da Gestalt: aplicabilidade à pratica pedagógica da educação de
jovens e adultos. Rev. Teoria e Prática da Educação, v. 11, n.1, p. 33-40, jan/abr. 2008
DAVIDOFF, L. Introdução à Psicologia. 3 ed. São Paulo: Makron Books, 2001, 798p.
ENGELMANN, A. A psicologia da Gestalt e a ciência empírica contemporânea. Psicologia: Teoria e
Pesquisa, Vol. 18, n. 1, p. 01-16, 2002
FERREIRA, A. B. H. Novo dicionário as língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira,
1996. 1837p.

capítulo 3 • 87
FIGUEIREDO, L. C. M. Matrizes do pensamento psicológico. 16 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2010
FILHO, J. G. Gestalt do objeto – sistema de leitura visual da forma. 9 ed. São Paulo: Escritura Editora,
2009. 133p.
FREIRE, I. R. Raízes da psicologia. 13 ed. Petrópolis: Vozes, 2012. 140p.
MARX, M. H.; HILLIX, W.A. Sistemas e teorias em Psicologia. São Paulo: Cultrix, 2008. 755p.
MORAES, M. O gestaltismo e o retorno à experiência psicológica In: JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA,
A. A. L.; Portugal, F. T. (Org.) História da Psicologia – Rumos e percursos Rio de Janeiro: Nau Editora,
2013. p. 341-360
MORRIS, C.G.; MAISTO, A. A. Introdução à Psicologia. São Paulo: Prentice Hall, 2004. 551p.
SCHULTZ, D.P.; SCHULTZ, S.E. História da Psicologia moderna. 10 ed. São Paulo: Cengage Learning,
2014. 418p.
WEITEN, W. Introdução à Psicologia - Temas e variações. 7 ed. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
605p.

88 • capítulo 3
4
Gestalt Terapia
e Psicologia da
Gestalt
4.1 Gestalt Terapia e Psicologia da Gestalt
Surgiu em 1951 por Frederick Perls buscando trazer contribuições para a
Psicologia da Personalidade voltadas para a psicoterapia e não para a teoria da
Personalidade conforme Freud, Jung, Adler e outros tinham propostos.
A Palavra Gestalt de origem Alemã não tem uma tradução ao “pé da letra”
para o português, mas pode ser compreendida como uma percepção; “uma dis-
posição ou configuração-uma organização específica de partes que constitui
um todo particular” (FRADIMAN E FRAGER, 1986, p. 127)
Para a reflexão dos seus conceitos e a formação das suas próprias teorias, a
Gestalt Terapia se respaldou nas bases filosóficas do humanismo, devido este
acreditar que todo comportamento humano é normal e acentua o desenvolvi-
mento do potencial dos indivíduos, ou seja, todos tem capacidade para desco-
brir seu potencial e assim desenvolve-los, mesmo dentro das nossas limitações;
existencialismo, aprendido nas linhas anteriores e que nos traz o aprendizado
de que a existência humana é singular e intransferível; fenomenologia, tam-
bém vista bem recentemente nesta disciplina e que afirma que a descrição é
mais importante que a observação, dando ênfase na percepção corporal da vi-
vencia imediata e importância no desenvolvimento do aqui-agora; e por fim, o
holismo, que se preocupa com o corpo, a integração das polaridades opostas,
concentração no aqui-agora, entre outras.
De acordo com Fradiman e Frager (1986, p. 127), “as principais correntes
intelectuais que influenciaram diretamente Perls foram a psicanálise (prici-
palmente Freud e Reich), a Psicologia da Gestalt (Kohler, Wertheimer, Lewin,
Goldstein e outros) e o existencialismo e a fenomelogia”.
No que diz respeito à contribuição, a teoria de campo de Kurt Lewin a
Gestalt é que este estudo afirmava que o indivíduo é capaz de interpretar todo o
campo onde as situações acontecem, é capaz de reconhecer a situação presente
e fazer escolhas por modificar ou continuar na mesma situação, dessa forma o
indivíduo pode trazer um investimento em si próprio da maneira que foi, que
é e escolhendo o que será, como um todo. Assim, fala-se muito de espaço vital,
onde este é o universo do psicológico, é o todo da realidade psicológica; contém
a totalidade dos fatos possíveis, capazes de determinar o comportamento do
indivíduo.
Mas você pode estar perguntando: Qual a relação da Fenomenologia, que
vimos agora pouco, com a Gestalt Terapia? Vamos buscar compreender isso de
uma maneira simples.

90 • capítulo 4
A Gestalt utiliza da fenomenologia da seguinte forma: dando importância a
descrição dos fenômenos. Fazer com que o individuo entre em contato com sua
própria descrição, acredita que assim o indivíduo pode mudar ou aceitar a sua
condição fenomenológica. O indivíduo só percebe a situação que já foi percebi-
da através do aqui-agora, ou seja, através do contato com a sua fala, respiração,
voz, expressão corporal e com o espaço que está trazendo o conteúdo. Através
do contato do indivíduo com o mundo natural e o mundo observado é que ele
faz o seu fenômeno de vida.
Compreendeu? Vamos a um exemplo para ficar mais claro.
A minha relação com meu irmão está muito delicada. Eu percebi que tenho
que falar mais calmamente, que devo evitar determinados assuntos para não
brigarmos, entre outras restrições. (Este é o conteúdo que percebo). Quando
conto isso ao terapeuta, considero que é um conteúdo a mais, mas o terapeuta
vai pontuado a minha respiração, a minha fala, os meus gestos e noto que é um
conteúdo que mexe muito comigo no aqui-agora (nova percepção sobre o que
foi percebido anteriormente).
Para, então, compreendermos os conceitos da Gestalt-Terapia vamos estu-
dar, resumidamente o movimento da Psicologia da Gestalt e assim relacionar-
mos os conceitos estudados por elas.
As influências antecedentes sobre a Psicologia da Gestalt foram:
Kant (1724-1804): afirmava que a percepção é uma organização ativa dos
elementos sensoriais numa experiência coerente. Assim ia contra à doutrtina
da associação, afirmando que algumas experiências são inatas. (Ex: espaço,
tempo e causalidade).
Franz Brentano (1838 - 1917), visto também nos estudos da Fenomenologia,
se opôs aos estudos de Wundt sobre os elementos ou conteúdos, ia a favor do
ato da experiência, o que chamou de Psicologia do Ato.

• Mach (1839-1916) - as sensações do espaço e da forma do tempo indepen-


diam do seus elementos. (Ex: figuras geométricas(mesa) e sensações (música
rápido ou devagar).
• William James (1842 - 1910) - também ia contra ao elementarismo.
Afirmava que vemos os objetos como um todo e não como feixes de sensações.
• Fenomenologia (Séc XIX) - descrição pura dos fenômenos.
Outros autores trouxeram funcionalidade a Psicologia da Gestalt, ou seja, a
tirou do papel e a transferiu para os problemas práticos. Esses foram:

capítulo 4 • 91
• Max Wetheimer (1910): comparou a experiência sobre a visão do movi-
mento através de um estroboscópio. (Somatário de elementos sensoriais). Esse
experimento é aquele usado para dar movimento aos bonecos nos desenhos
animados. Desenha-se movimento por movimento e depois mistura os papeis.
Aos nossos olhos, esses elementos separados viram unidade e nos parecem que
estão em movimento.

Nesta perspectiva Wetheimer procurava ensinar a solucionar problemas


como um todo e de acordo com a idade cronológica. Mas buscava também esti-
mular a solução de um problema para outras situações práticas e a isto chama-
va de pensamento criativo ou produtivo.
• Kurt Koffka (1886-1941): aluno de Wetheimer, escreveu um artigo em
uma revista americana chamado. “A percepção: uma introdução à teoria da
Gestalt” Köhler (1887-1967) - livros escritos com precisão que tornaram obras
definitivas sobre vários aspectos da ψ da Gestalt. Assim foi oferecendo maior
credibilidade a essa nova corrente.
Köhler tinha enorme interesse nos estudos sobre a Capacidade em solucio-
nar problemas, assim apresentava uma situação problema para Chimpanzés
dentro das jaulas e observa quais estratégias eles utilizavam para solucionar
os mesmos e como eles reestruturavam o campo psíquico para encontrar essa
resposta.
Alguns princípios ou teorias anteriores tiveram grande influência para os
estudos da Gestalt e alguns deles serão pontuados abaixo.
Agrupamento por proximidade: "Em condições iguais, os estímulos em
maior proximidade terão maior possibilidade de serem agrupados".(Schultz e
Schultz, 1999). Se eu te perguntar o que você vê na figura abaixo, uma das pos-
sibilidades de resposta será: Um quadrado. Outros dirão um conjunto de bo-
las pretas. Isso nos faz perceber a figura como um todo e não como elementos
separados.

92 • capítulo 4
• Continuidade: descreve a preferência pelos contornos contínuos e sem
quebra ao invés de outras combinações mais complexas, mas igualmente plau-
síveis de figuras mais irregulares. Se for perguntado: O que você vê abaixo: Uma
resposta esperada será: Um triângulo de cabeça para baixo. Mesmo que uma
parte do triangulo esteja maior que a outra temos a tendência de simplifica-lo
e vê-lo como perfeito.

• Semelhança: partes semelhantes tendem a ser vistas juntas como se for-


massem um grupo.

• Complementação: preencher lacunas. A tendência é dizermos que este


desenho é um retângulo, pois queremos dar fechamento a figura e visualizar-
mos como concluída.

• Simplicidade: perceber como completos e organizados. É como se olhás-


semos para a figura e falássemos que ali existe um conjunto de figuras geomé-
tricas, ou disséssemos uma por uma, mas de maneira organizada.

capítulo 4 • 93
• Figura/fundo: organizamos percepções no objeto observado (figura) e o
segundo plano contra o que ela se destaca (o fundo)
Figura e fundo é um tema que muitas vezes desperta curiosidade nas pes-
soas devido suas imagens, e de fato é uma relação muito aplicável a nossa rea-
lidade. As figuras serão apresentadas abaixo e eu gostaria que você discutisse
com seus colegas em sala de aula o que eles veem nas mesmas. Vocês poderão
perceber que nem todos perceberão as figuras da mesma forma e assim acon-
tece nas nossas vidas. Um mesmo acontecimento tem significados diferentes
para diferentes pessoas.

Dessa forma na metade dos anos 20 a Gestalt era um escola dominante e


vigorosa na Alemanha. Teve sua expansão para os EUA nos primeiros anos do
Sec XX. Mas neste país passou pela falta de aceitação devido a: processo como
escola relativamente lento; principais obras da Gestalt encontravam-se escritas
em alemão; muitos psicólogos acreditavam que a Gestalt só se tratava de per-
cepção; três líderes foram para as escolas americanas que não tinham progra-
mas de Pós-Graduação. (Schultz e Schultz, 1999).

94 • capítulo 4
Alguns conceitos principais abordados pela Gestalt Terapia

O Ethos do Agora

O Ethos para a Gestalt é interpretado como a expectativa sobre o futuro. Afirma


que o preço para a felicidade futura é a morte do presente. Por exemplo: tra-
balho penoso nas 2 semanas de férias como forma de ganhar mais dinheiro e
assim obter o planejamento da aposentadoria. Outro pensamento comum do
Ethos do agora seria: “A vida só começa quando a faculdade acabar; depois que
os filhos crescerem, entre outras”.
A Gestalt oferece Relevância as atividades psicológicas, relacionando todas
as experiências a alguma questão central, de importância profunda.
Assim, a amplitude do psicoterapeuta se expandiu com o movimento
Existencial, percebendo que os problemas básicos são comuns a todos os seres
humanos.
Lidando com o tratamento psicológica da humanidade é preciso Mudança
nos pensamentos humanos, para haver uma preocupação além das doenças.
Preocupação nas suas necessidades, desejos.
Os pacientes levam seus problemas e preocupações para a psicoterapia,
desabrochando uma psicoterapia de orientação humanística. E para lidar com
essa narrativa é preciso ter uma base teórica de acordo com o pensamento pre-
sente, diferentemente da teoria parada no isolamento histórico, com o objetivo
de não haver imitações, simplificadas.
Neste aspecto critica a Psicanálise, acreditando que alguns conceitos base-
ados até 1950 são o retrato obrigatório da natureza humana, base pela qual se
formaram todos os teóricos de psicoterapia. Mas houve o nascimento de no-
vas perspectivas teóricas e isso faz refletir novas possibilidades de abordar o
paciente.

Segundo Ginger e Ginger (1995) existem novas perspectivas presentes que


formam a base da Gestalt Terapia e seriam elas:
7. O poder está no presente;
8. A experiência é o mais importante;
9. O terapeuta é seu próprio instrumento; e
10. A terapia é boa demais para ficar limitada aos doentes, ou seja, não se
deve apenas dar importância aqueles que apresentam diretamente alguma do-
ença, mas à todos que de alguma forma precisam de tratamento psicológico.

capítulo 4 • 95
A Gestalt Terapia trabalha muito com o presente e afirma que o presente só
existe agora, desviar-se dele o afasta da realidade.
Dessa forma a Gestalt acredita que atos de lembrar e planejar são funções
presentes. E que afastar as histórias que dizem respeito a fatos que acontece-
ram e que podem acontecer, fora do ambiente do aqui-e-agora, é arbitrária.
Não é dizer que o Passado e o futuro estão abandonados, mas são expecta-
tivas do passado e do futuro no presente que formam limites psicológicos para
a experiência presente e um contexto psicológico de fundo para o presente e
figura para o passado ou futuro.
Saber estar no presente é aprendizagem que requer reflexão sobre o seu sen-
tido e valor, caso contrário fica-se preso ao passado e ao futuro.
Mas como a Gestalt Terapia trabalha o passado?
Através do conteúdo trazido no presente, ou seja, no aqui-agora. Através da
tomada de consciência, da interpretação dos movimentos corporais, do tom de
voz, da fala e da investigação de como esse conteúdo passado influencia no pre-
sente. A Gestalt só trabalha com o passado quando este é abordado pelo cliente,
caso contrário este não é o foco da terapia.
A Gestalt Terapia para desenvolver a consciência estimula que o paciente
Fale sobre, ou seja, faz com que as pessoas experenciem sua ação presente en-
quanto estão se comunicando. Ao invés de trazer um relato com sofrimento, o
apresenta com naturalidade, o visualizando no presente.
Para Freud não há importância nas interações presentes; elas são disfarces
do que vem do passado. (transferência). Para a Gestalt é preciso ter preferên-
cia pelo momento novo e presente. Afirma que não há necessidade de buscar
símbolos no passado; a própria experiência presente produz símbolos que são
afirmativas válidas.
É preciso atribuir significados às experiências coloca-os dentro de um mol-
de, algo que está em processo, mas é preciso registrar a experiência por meio do
significado. Exemplo: Hoje sai para jantar com meus amigos. Que significado
isto tem para mim, hoje? Como registrei essas informações?
Os instrumentos da Gestalt Terapia.
O primeiro instrumento é o próprio terapeuta, seu estado psicológico e
como ele vai conseguir visualizar o discurso do paciente é a principal ferramen-
ta. Ele recebe e avalia o que acontece na interação paciente-terapeuta e assim
vai apresentando suas intervenções. Mas não é porque é terapeuta que aceita
todo o conteúdo trazido pelo paciente com tranquilidade. Ele também se irrita,
fica entediado e frustrado.

96 • capítulo 4
O mais importante é conseguir trabalhar livremente e não ficar preso a
técnicas e a teorias. Para isso a Gestalt fala da Escolha livre onde o terapeuta
é ativo. Afirma que outros acontecimentos estão presentes na terapia, como a
dissociação livre (o paciente foge da responsabilidade); e a associação livre- o
terapeuta é passivo, sendo esta clássica da Psicanálise.

Qual a relação do conceito de Figura e Fundo da Psicologia da


Gestalt para a Gestalt Terapia?

Existem 2 características da percepção.


1. Figura, emerge do fundo, assumindo uma posição que atrai a sua
atenção.
2. Movimento do indivíduo para o fechamento.
• A inteireza das unidades da experiência, geralmente é impedida pelos fa-
tos sociais da vida, ficando como ações incompletas e no fundo. Inacabadas e
incomodas. Ex: mulher que não podia sentar no colo do pai ( figura- proximida-
de com os homens só causa problema)
• Fundo- fonte contínua de formação de novas figuras.

3 elementos que compõem o fundo na vida de um indivíduo.

1. Vivencias anteriores- os atos ou pensamentos que combinam com as


características do indivíduo irão emergir com a proeminência de figura mais
prontamente do que os menos compatíveis com esse fundo. Ex: fundo contém
gentileza/ palavra suave ou uma expressão de simpatia emergem com figura.
Objetivo da terapia- alterar o senso que o indivíduo tem do fundo, fazendo
com que as novas experiências sejam harmoniosas com sua natureza.
• Figuras sem o apoio do fundo, perdem qualidade de profundidade.
• A figura deve fluir de forma natural de um rico fundo experencial. Ex: na-
dar, plantar flores, andar de moto. Ex: Menina criada por uma mãe perfeccio-
nista e moralista/ valores de pessoas e valores de propriedades.
2. Situações inacabadas- todas as experiências ficam em compasso de es-
pera até que a pessoa finaliza. Ex: vontade de brigar com o chefe e briga com o
filho.Querer ser artista e o pai tornar o filho médico.

capítulo 4 • 97
2 Obstáculos para concluir uma situação inacabada:

1. Obsessão ou compulsão- constituindo uma necessidade rígida de com-


pletar a situação antiga, levando-a a rígida formação de figura-fundo. Ex: pes-
soa obcecada por sexo e uma mulher pede um drinque.
2. Pessoas lábeis- não permitem um relacionamento estável entre o mo-
mento presente e o próximo. Ex: pessoas de pouca realização.
3. O fluxo da experiência presente ( continuação dos elementos que com-
põem o fundo)- quando os propósitos, interações e desenvolvimentos atuais
são complexos, eles criam grandes dificuldades de coordenar o fluxo de rela-
cionamento figura-fundo.

Acessibilidade do fundo

Para a Gestalt Ter acesso ao fundo acontece por meio da experiência, da des-
crição dos fatos
A pessoa está presente na experiência quando está com atenção aberta às
alternativas e com o senso de escolha dentro das possibilidades.
As vezes isso pode soar como a mesma maneira que a Psicanálise trabalha o
inconsciente, mas tem suas diferenças.
O Inconsciente para Gestalt assim como para a Psicanálise, também é um
depósito das coisas que nossas defesas psíquicas, para evitar o sofrimento, não
nos permite lembrar. A Gestalt aborda o inconsciente no aqui-agora, não foca o
passado, mas sim o presente, acredita que através da investigação do presente
o terapeuta e o cliente podem chegar a conclusão do motivo daquele assunto
que em um dado momento pareceu ser inconsciente, mas com a investigação
tornou-se consciente.
Já a Psicanálise aborda o inconsciente através de experiências passadas e
através de teorias formuladas por ela, onde o cliente é figura ativa no processo.
A Gestalt não tem teorias formuladas acerca do inconsciente e num trabalho
conjunto-terapeuta-cliente- é que se chega a uma conclusão, mas sendo que
esta conclusão é no presente, não havendo necessidade de trazer experiências
passadas.

98 • capítulo 4
O contato

Segundo Ginger e Ginger (1995) o contato é a necessidade de união e separa-


ção. E é através das funções motoras e sensoriais que o contato é feito. A partir
do momento que entende-se este significado, percebe-se que para escutar o ou-
tro é preciso ter contato, caso contrário não haverá compreensão na conversa.
A fronteira de contato é o ponto em que o indivíduo experencia o “eu” em
relação ao que é não “eu”, por esse contato, ambos são experenciados mais
claramente.
Quando se perde essa consciência do eu com o não eu a terapia ajuda a recu-
perar essas funções de contato. No cotidiano podemos exemplificar isto como
quando um pai ensina seu filho a andar de bicicleta ou dar um nó na gravata,
ele volta a seus próprios movimentos para desenvolver seu senso daquilo seu
filho poderia fazer.
Pode-se dizer que o contato é um relacionamento dinâmico que ocorre
apenas nas fronteiras de duas figuras de interesse irresistivelmente atraentes,
claramente diferenciadas. Ele é responsável por definir ações, ideias, pessoas,
valores, ambientes, imagens, memórias, entre outras, com as quais o indivíduo
está disposto e livre para se envolver plenamente tanto com o mundo externo a
ela quanto as reflexões internas.
Mas, quando a pessoas é confrontado por grave humilhação ou outras in-
trusões opressivas, que excedam os limites de sua experiência permissível, ele
pode agir contra a invasão ameaçadora, perdendo o contato. Como por exem-
plo uma Pessoa que é demitida. Pode ter uma reação agressiva ou não. Depende
da sua fronteira do eu pra contato.
Para não entrar em contato com o eu as pessoas podem desenvolver uma
série de fronteiras, tais como: corpo, valores, familiares, expressivas e de
exposição.

Corpo: áreas de preferência no seu corpo e limitação em outras áreas, por


exemplo: queixa de abraço.
Valores: considerado como Filosofia de vida e indispensável a vida. Esses
podem ser restritos ou amplos. Quando restritos o faz sofrer mais, pois não
consegue articular muito as exigências do meio externo com as do interno, mas
quando esses são amplos acaba tornando a vida mais flexível.

capítulo 4 • 99
Familiaridade: Modo como nos agarramos ao que conhecemos em vez de
nos aventurar no desconhecido. Ex: viajar para o mesmo lugar, sempre. Manter-
se casado, mesmo não dando mais certo. Assim cria-se comportamento enges-
sados do tipo: Eu sempre fui assim e não vou mudar.
Expressivas: referem-se às restrições que a vida impõe ao longo da existên-
cia e que posteriormente acabam dando continuidade ao longo da vida. Por
exemplo: Um pai que diz não chore, pode criar no adulto a dificuldade de ex-
pressar sentimento que exijam o choro.
Exposição: são pessoas que não querem ser identificadas então camuflam
seus sentimentos, seus valores, suas atitudes, entre outras reações.
Um termo muito apontado pela Gestal refere-se a AWARENESS
(consciência).
As pessoas quando estão em terapia já estão aware (consciente) do que es-
tão fazendo. O terapeuta vai investigar e perguntar do que o indivíduo está awa-
re, ou seja, o que o paciente está fazendo, o que está sentindo, ou o que deseja.
Segundo Ginger e Ginger (1995) para responder a essas perguntas, a pessoa
pode abandonar o fluxo contínuo da comunicação, voltar sua atenção para si
mesma, identificar o que estava realmente acontecendo consigo e conseguir
relatar isto a outra pessoa.
Estar aware, em sua maioria o indivíduo não está pronto em ter acesso as
suas sensações e não se permite ter acesso a awareness.
O obsessivo, por exemplo, concentra-se tanto nos mínimos detalhes do seu
próprio comportamento e o efeito que este mesmo evoca nos outros, se esque-
cendo de estar aware. Por exemplo, o obsessivo, pode ser homossexual, mas usa
de sua obsessão para fugir do seu próprio medo. Este evitar o deixa tenso, dese-
quilibrado, facilmente envergonhado e ofendido, mas seguro, pois a segurança
é seu apoio de que as pessoas dessa forma não notará sua sexualidade.
Embora o indivíduo possa não estar imediatamente aware do processo em
momentos de maior envolvimento, isto acontece só porque ele está focalizado
exteriormente, seu envolvimento com uma figura de interesse está aumentan-
do e sua função é aceitável.
O indivíduo aprende como se tornar aware ou por diversos exercícios ou
pela orientação sensível do terapeuta que dirige a atenção do paciente para de-
talhes de seu próprio comportamento que são relevantes, porém ignorados.

100 • capítulo 4
O processo de tornar-se aware acontece de 2 formas na terapia:
• Experiências culminantes- são formas compostas; é um evento total e uni-
ficado que é de importância central para o indivíduo. Ex: um molho, ida a um
show.
• Experiências ingredientes- são os elementos num todo composto. Essas
geralmente passam desapercebidas, mas poderíamos explorar e descobrir sua
relação com o evento culminante, intensificando assim a experiência.

A pessoa se move entre uma experiência sintetizada e a awareness das pecas


elementares que formam sua existência num ciclo dinâmico e continuamente
auto-renovador.
Focalizar a própria awareness mantém a pessoa absorvida na situação pre-
sente, ampliando o impacto da experiência da terapia, bem como das experiên-
cias mais comuns da vida.
Existem 4 aspectos principais da experiência humana em que a awareness
pode ser focalizada segundo Gengir e Gengir (1995).
1. Awareness de sensações e ações - quando a concentração é focalizada
na sensação interna, podem ocorrer eventos surpreendentemente comparáveis
aqueles que surgem mediante a hipnose, as drogas, a privação sensorial, as si-
tuações heróicas e outras circunstancias que tiram o individuo de quadro de
referencia usual.
O indivíduo ao agir não percebe suas sensações, não volta para si. Deixa ser
influenciado por fatores externos que muitas das vezes vão contra as suas von-
tades internas, apenas porque foi influenciado. Através da ampliação da expe-
riência, em terapia, o indivíduo pode expandir seus conhecimentos, voltando
para si, ou seja, tendo contado com suas sensações.
Existem duas vantagens existentes na ampliação da experiência: 1- poder
retornar facilmente aos acontecimentos comuns e à comunicação comum; 2- a
experiência traz a sensação de ser algo que a própria pessoa ajudou a produzir,
em vez de ter sido lançada num estado incomum que normalmente está além
dos poderes pessoais.
O indivíduo pode experenciar suas sensações das seguintes formas:
role-playing, fantasia, uso da percepção como um acessório flexível da terapia,
entre outros.
A awareness das sensações e das ações serve a três objetivos terapêuti-
cos: 1- a acentuação da realização; por exemplo; o indivíduo que toma várias
ações, mas não consegue ser produtivo em nenhuma, porque não é capaz de

capítulo 4 • 101
ter sensação; 2- a facilitação do processo de elaboração; por exemplo, pessoa
que foi promovida e acaba não sabendo lidar com os outros funcionários que
se encontram na sua situação anterior; e 3- recuperação de experiências anti-
gas, por exemplo; marido que morreu há muito tempo, mas não consegue ter
a sensação verdadeira.

2. Awareness dos Sentimentos


• Os sentimentos estão diretamente ligados as sensações, mas vão alem da
sensação rudimentar. Ex: quando uma pessoa relata que está com medo, isto
inclui sensações específicas.. Pode acontecer esse medo sem a awareness des-
sas sensações subsidiárias.
Os sentimentos incluem uma avaliação pessoal, uma tentativa de encaixar
um acontecimento especifico dentro do esquema mais amplo das próprias
experiências.
As sensações podem ser aceitas por si mesmas e não parecem exigir ou esse
senso de encaixe.
Meta da Gestalt-terpaia- fazer com que as pessoas abram espaço para os sen-
timentos e os usem como um meio de integrar os vários detalhes de suas vidas.
Chamar a atenção para o s sentimentos presentes envolve um movimento
de ida e vinda entre a awareness, as ações e a expressão do individuo.
As pistas para focar-se no auto-awareness vem do próprio indivíduo. E suge-
rem onde pode haver buracos na experiência. Ex: olhar de dor.

3. Awareness dos desejos


A awareness dos desejos, é uma função de orientação; ela dirige, mobiliza,
canaliza, foca.
As pessoas que não tem desejos- pessoas deprimidas- não tem futuro; tudo
parece sem valor e sem esperança; assim, nada tem importância suficiente
nem para ser desejado.
Um desejo é uma função de ligação, integrando a experiência presente
com o futuro onde está a gratificação e também com o passado que culmina e
resume.
Na falta de um desejo claro, o indivíduo ou se torna imobilizado, ou fica num
impasse com um grande conjunto de sensações e sentimentos, ou se torna de-
sorganizado e se torna numa busca profunda por uma gratificação. Exemplos:
quero respeito, sucesso, amor, ser um bom marido.

102 • capítulo 4
4. Awareness de valores e avaliações
Se centra ao redor de unidades de experiência mais amplas do que as sensa-
ções, sentimentos e desejos.
É uma atividade unificadora, incluindo e resumindo grande parte da vida
anterior do indivíduo e sua reação a ela.
Quando estamos lidando com a awareness de valores e avaliações, estamos
acionando uma gama de julgamentos e contradições internas.

A Implicação do Terapeuta no Processo Psicoterapico

A qualidade da relação terapêutica (observador/observado) só é atingida não


apenas contando com a presença do terapeuta e sua participação, desde que
tal participação contemple a prioridade da relação que se estabelece: que esta
possa servir ao indivíduo que procura terapia, para que ele alcance, autonoma-
mente, sua satisfação, seu reequilíbrio organísmico.
O Gesalt-terapeuta ao utilizar a si mesmo enquanto instrumento no proces-
so terapêutico, compreende que há um primeiro nível de percepção sobre o que
esta acontecendo, mas ele não vai utilizar de algo que apenas ache, intua ou
sinta.
A o terapeuta enquanto instrumento do seu próprio trabalho aplicará so-
bre si próprio e sobre suas próprias observações, os seguintes fundamentos:
a focalização de todo o campo vivencial, descrevendo fenomenologicamente
o que se apresenta no aqui-e-agora e a colocação entre parêntese do que está
percebendo.
Ao incluir-se no encontro terapêutico, o terapeuta reconhece sua própria
presença e as forças inerentes às suas próprias fronteiras, situações inacaba-
das; reconhece seus próprios pontos cegos, ou seja, se há algo interferindo na
relação que se estabelece com o outro.
A cura para a Gestalt
A cura é estrutura através da responsabilidade e da frustração, ou seja, a partir
do momento que o indivíduo se torna responsável por suas escolhas e assume
responsabilidade, pode-se se dizer que encontrou o seu equilíbrio ou tomada de
consciência. A outra forma é a frustração, ou seja, através das negações do in-
divíduo e da insatisfação frente a essas negações o terapeuta o convida a entrar
em contato com este momento e o individuo quando percebe suas negações e
insatisfações se sente culpado ou frustrado por ser responsável por sua própria
condição, diante disso ele faz toma consciência do sintoma e faz sua escolha.

capítulo 4 • 103
Considerações Finais:

Este capítulo procurou trazer um panorama geral sobre alguns movimentos


da Psicologia- Fenomenologia e Humanismo. Para isso, expos o pensamento de
cada pioneiro dentro de cada movimento. Sendo o da Fenomenologia Husserl,
do Humanismo Abrahm Maslow e Carl Rogers e da Gestalt Terapia Perls.
Com a fenomenologia foi possível aprender que a importância está na des-
crição dos fenômenos através da redução eidética, da intencionalidade, da epo-
ché, da noemis e noema. Não importa como o fenômeno é descrito, mas sim
como a pessoa o descreve.
Dentro do humanismo aprendemos que mesmo a pessoa mediante as
suas limitações ela tem capacidade para desenvolver suas potencialidades,
mas para isso é preciso se auto perceber. O crescimento acontece por meio do
autoconhecimento.
Por fim, fomos capazes de aprendermos um pouco sobre o movimento da
Psicologia da Gestalt e da Gestalt Terapia. Percebemos que esta abordagem
visa a consciência do aqui-agora, não abordando muito o passado, preocupa-se
mais com o presente, com o preenchimento das lacunas e com a formação da
consciência. Para isso explora o contato com o corpo e com o eu.

Abaixo você se deparará com alguma questões que envolvem todos os conte-
údos aqui abordados. Procure respondê-las sem olhar o gabarito e depois confi-
ra se você aprendeu mesmo o conteúdo.

1. Qual foi a crítica feita ao psicologismo para que surgisse a


fenomenologia?

A crítica feita ao psicologismo, conhecido como método experimental, era


em relação a este possuir uma verdade absoluta e incontestável após algum
conceito ter sido formulado. Iam contra a Psicologia experimental, onde as re-
ações eram manipuladas e observadas para que pudessem ter uma medida exa-
ta acerca do comportamento humano. Essa forma de experimentação é muito
utilizada pela física, matemática e química. Mas os estudos sobre o comporta-
mento humano não são exatos e muito menos possui um conceito fixo e perma-
nente. Para que houvessem estudos sobre as reações humanas era preciso ob-
servar, através do comportamento natural, em ambiente natural, as sensações

104 • capítulo 4
dos indivíduos em diferentes situações. Neste momento, os estudiosos sobre
a fenomenologia apóiam os pensamentos de Locke (empirismo), afirmando
que a mente nasce como se fosse um papel em branco e que a capacidade do
homem em adquirir conhecimento está em associar os elementos expostos na
natureza e a partir destes construir suas ideias.

2. O que é fenomenologia?

Significa tratar de descrever, compreender e interpretar os fenômenos que


se apresentam à percepção, separando assim, o sujeito do objeto. Definida
como aquilo que aparece à consciência e que se dá como objeto intencional.
Esse objeto intencional é entendido como diversas possibilidades de escolhas
para alcançar a essência.

3. Qual foi a importância de Brentano para o surgimento da


fenomenologia?

Trouxe esclarecimentos acerca da fenomenologia, que anteriormente eram


contestados por outros filósofos. Brentano foi responsável por criar a Psicologia
do Ato, onde ele afirmava que os fenômenos psíquicos são constituídos pela
atividade, ou seja, pela troca, pela interação social e não como conteúdo, o que
se entendia como inato. Dessa forma ele renuncia o determinismo, o qual afir-
mava que o comportamento humano é determinado por fatores biológicos e
psicológicos e afirmava que os fator responsável pelo comportamento era a in-
tenção em interagir e aprender.

4. Quem foi Husserl e quais eram seus pensamentos acerca da


fenomenologia?

Husserl foi o criador da fenomenologia a partir dos pensamentos de


Brentano. Foi responsável por retornar o conceito de intencionalidade, defi-
nindo como a principal característica da consciência, sendo responsável por
criar as intenções. Afirmava que tudo informado pelos sentidos é dado em uma
experiência da consciência, caso contrário passa desapercebido, sem represen-
tação para a vida. Foi o primeiro a utilizar o termo epoché, ou seja, colocar entre
parênteses; aquilo que não se torna intenção é encaminhado para a epoché,

capítulo 4 • 105
como fantasias e imaginações. Seu objeto de estudo era a consciência e o méto-
do a observação natural.

5. O que é redução eidética e quais são os pensamentos anteriores a


esta? Explique-os.

A redução eidética é conhecida como redução das idéias para se chegar


ao verdadeiro significado, através da consciência. Mas anterior a redução da
idéias, estas últimas se encontram dispersas no contexto social, onde o primei-
ro contato com os objetos podemos dizer que é concebido pela Noesis, ou seja,
pelo ato de perceber, sem sentido para as nossas vidas, ainda irreflexivo; logo
após, em um outro estágio encontramos a Noema, tida como objeto de percep-
ção, ou seja, percepção reflexiva, mas ainda não generalizando para os diversos
aspectos sociais, apenas associado a situação que nos fez perceber; por último
então, encontra-se a redução eidética, responsável por generalizar esses signi-
ficados a diversas situações de nossas vidas.

6. Diferencie percepção de intuição.

Percepção pode ser definida como observar sem interpretar e intuição como
saber o significado e torna-se invariante.

7. Qual é o papel do terapeuta Humanista Existencial?

R: não julgar ou criticar a postura da pessoa. Ele acolhe e ajuda a esclarecer


e repensar sobre suas atitudes e sentimentos que possam estar trazendo des-
conforto, possibilitando a enxergar outras maneiras de enfrentar suas dificul-
dades, desvelando-as, mas sempre respeitando o momento de cada um.

8. Defina os estudos de Maslow citando as fases de sua hierarquia de


necessidades.

R: Ele desejava compreender as mais elevadas realizações que os seres


humanos são capazes de alcançar e, em função disto, estudou uma pequena
amostra das pessoas mais saudáveis psicologicamente que pôde encontrar a
fim de determinar de que maneira diferiam das pessoas cuja saúde mental não

106 • capítulo 4
passava da média. A partir desse estudo, ele desenvolveu uma teoria da perso-
nalidade que se concentra na motivação para crescer, para se desenvolver e re-
alizar o eu a fim de concretizar de modo pleno nossas capacidades e potencia-
lidades humanas.
Para tornar-se auto-realizadora, a pessoa precisa satisfazer as necessidades
que estão na escala mais baixa da hierarquia de necessidades: 1) necessidades
fisiológicas (comida, sono, fome etc.); 2) necessidades de segurança (estabili-
dade, proteção); 3) necessidades de pertinência e amor; 4) necessidades de esti-
ma dos outros e de si mesmo (auto-estima); 5) necessidade de auto-realização.

Defina os pensamentos de Carl Rogers.

Rogers é conhecido por uma abordagem popular de psicoterapia denomi-


nada terapia centrada na pessoa ou terapia centrada no cliente. Rogers propôs
que cada pessoa possui uma tendência inata para atualizar as capacidades e
potenciais do eu. Ao contrário de Maslow, as visões de Rogers não foram for-
muladas a partir do estudo de pessoas saudáveis, mas do tratamento de indi-
víduos emocionalmente perturbados através da terapia centrada na pessoa.
O nome de sua terapia sugere sua concepção da personalidade humana. atri-
buindo a responsabilidade da mudança à pessoa ou cliente, e não ao terapeuta.
Rogers supôs que as pessoas podem alterar consciente e racionalmente seus
pensamentos e comportamentos indesejáveis, tornando-os desejáveis. Ele
não acreditava que as pessoas sejam controladas por forças inconscientes. A
personalidade é moldada pelo presente e pela maneira como o percebemos
conscientemente.

1. Quais foram as bases filosóficas que fundamentaram a Gestalt-


terapia? Explique-as
Humanismo- todo comportamento humano é normal e acentua o desenvol-
vimento do potencial dos indivíduos.
Existencialismo- a existência humano é singular e intransferível.
Fenomenologia- a descrição é mais importante que a observação. Ênfase na
percepção corporal da vivencia imediata e importância no desenvolvimento do
aqui-agora.
Holismo- importância do corpo, integração das polaridades opostas, con-
centração no aqui-agora, entre outras.

capítulo 4 • 107
2. A partir de quais bases teóricas a Gestalt-terapia foi embasada?
Na Psicologia da Gestalt, na teoria de campo de Kurt Lewin e na Teoria
Organísmica Goldstein.

3. Quem foi o grande fundador da Psicologia da Gestalt e em que ano?


Frederick Perls, 1951.

4. A partir de qual momento Perls resolveu elaborar uma abordagem


que estivesse de acordo com seus pensamentos?
Perls era neuropsiquiatra e analista. Fez muitos anos de sua vida análise e
por conta disso se tornou analista. Tinha grande paixão pela Psicanálise, mas
contestava algumas de suas teorias. Querendo expor seus pensamentos, em
1936, Perls vai a um Congresso Internacional de Psicanálise, que estava aconte-
cendo na Cheslovaquia, tendendo expor seu trabalho intitulado “Resistências
Orais”. Freud não o permite apresentar e Perls volta pra sua cidade movido com
toda essa situação e decidido que este era o momento de expor de alguma seus
pensamentos. Durante este tempo ele se junta a outros investigadores que se
identificavam com a Psicanálise, mas iam contra a algumas de suas teorias e
formam o movimento da Psicologia da Gestalt, para em 1951 publicarem o livro
intitulado “Gestalt-terapia”.

5. Qual é a importância do experimento para a postura fenomenológica?


Sua importância é convidar a pessoa para; descrever a situação e
reconstituí-la.

6. Para a fenomenologia como é a relação eu percebedor X algo


percebível?
Husserl- filósofo responsável por criar um pensamento do indivíduo em
contato com o fenômeno, afastando-o de teorias que não estivessem em con-
tato com a realidade, aborda a relação Eu percebedor X algo percebível da se-
guinte forma: antes de percebermos a verdade, percebemos qualquer coisa ou
objeto que esteja presente no nosso espaço presente, mas isso só será perce-
bível por mim de acordo com a minha consciência, ou seja, de acordo com a
minha mente que visa algo, chamado consciência intencional. O mundo do
observador (eu percebedor) só é visado por esta observação quando entra em
contato com a realidade (algo percebível). Os fenômenos a nossa volta só são

108 • capítulo 4
construídos através do ato do algo percebível, caso contrario fica apenas como
percebedor, sem formamos pensamentos, lembranças, imaginação, não pode-
remos tornar o fenômeno como algo percebível.

7. Qual é a relação da Gestalt com a fenomenologia?


A Gestalt utiliza da fenomenologia da seguinte forma: dando importância a
descrição dos fenômenos. Fazer com que o individuo entre em contato com sua
própria descrição, Acredita que assim o indivíduo pode mudar ou aceitar a sua
condição fenomenológica.
O indivíduo só percebe a situação que já foi percebida através do aqui-agora,
ou seja, através do contato com a sua fala, respiração, voz, expressão corporal e
com o espaço que está trazendo o conteúdo.
Através do contato do indivíduo com o mundo natural e o mundo observado
é que ele faz o seu fenômeno de vida.

8. De acordo com que foi entendido sobre o existencialismo comente a


frase: “ o que constrói o indivíduo não é a história em que vive, mas o que dela
fez”.
A construção da essência do indivíduo não é imposta pela mundo; através
da história que o indivíduo vive e através da interpretação da situação é que o
indivíduo forma sua essência. O mundo não nos impõe nada, o indivíduo tem
capacidade e liberdade para interpretar e aceitar a sua condição de existência e
assim modificá-la de acordo com a consciência ou necessidade.

9. Explique a relação do Existencialismo com a Gestalt.


O Existencialismo trouxe grande importância para a Gestalt no que diz res-
peito a construção humana, através da interpretação de sua existência. Ou seja,
através do contato do individuo, com a comunicação, contato consigo mesmo,
trocas do ser humano e seu mundo, o ser humano vai exercendo suas escolhas
e construindo sua condição humana, através da realização em sua existência
é que o homem formula sua essência, caso contrário fica um ser inacabado,
precisando ser concluído.

10. Como é estruturada a “cura” para a Gestalt?


A cura é estrutura através da responsabilidade e da frustração, ou seja, a
partir do momento que o indivíduo se torna responsável por suas escolhas e

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assume responsabilidade, pode-se se dizer que encontrou o seu equilíbrio ou
tomada de consciência. A outra forma é a frustração, ou seja, através das nega-
ções do indivíduo e da insatisfação frente a essas negações o terapeuta o convi-
da a entrar em contato com este momento e o individuo quando percebe suas
negações e insatisfações se sente culpado ou frustrado por ser responsável por
sua própria condição, diante disso ele faz toma consciência do sintoma e faz
sua escolha.

11. Por que a Gestalt demonstra grande importância a teoria de campo


(Kurt Lewin) e vai contra ao pensamento linear newtoniano?
Frente a pensamento linear o indivíduo é interpretado numa relação de
causa/efeito, ou seja, faço isso e receberei de troca aquilo. Ou seja, como se a
condição de existência do ser humano fosse imposta e não modificavel. Nesse
momento o indivíduo age sem perceber sua própria existência, não perceben-
do suas escolhas, não se responsabilizando por elas e não se atentando para os
próprios limites. Frente teoria de campo o pensamento é totalmente divergen-
te. O indivíduo é capaz de interpretar todo o campo onde as situações acon-
tecem, o indivíduo é capaz de reconhecer a situação presente e fazer escolhas
por modificar ou continuar na mesma situação, dessa forma o indivíduo pode
trazer um investimento em si próprio da maneira que foi, que é e escolhendo o
que será, como um todo.

12. O que é “espaço vital”?


Termo elaborado por Kurt Lewin, onde este é o universo do psicológico, é o
todo da realidade psicológica; contém a totalidade dos fatos possíveis, capazes
de determinar o comportamento do indivíduo.

13. Qual é a relação da Gestalt com o Holismo?


O Holismo prega a forma do indivíduo se ver inserido no mundo como um
todo, ou seja, fazendo proveito das partes como soma e não se prendendo a
elas.Ou seja, através do contato do indivíduo com o mundo saber enxergar as
possibilidades e através dessas possibilidades formular a sua existência e não
esperar que o mundo nos traga algo e sim irmos ao encontro desse algo.

14. Como a Gestalt trabalha o inconsciente?


O Inconsciente para Gestalt assim como para a Psicanálise, também é um de-
pósito das coisas que nossas defesas psíquicas, para evitar o sofrimento, não nos

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permite lembrar. A Gestalt aborda o inconsciente no aqui-agora, não foca o pas-
sado, mas sim o presente, acredita que através da investigação do presente o te-
rapeuta e o cliente podem chegar a conclusão do motivo daquele assunto que em
dado momento pareceu ser inconsciente, mas com a investigação tornou-se cs.

15. Onde o tratamento do inconsciente difere da Psicanálise?


A forma da Gestalt trabalhar com esse conteúdo é diferente da forma como
a Psicanálise trabalha. A Psicanálise aborda o inconsciente através de experi-
ências passadas e através de teorias formuladas por ela, onde o cliente é figura
ativa no processo. A Gestalt não tem teorias formuladas acerca do inconsciente
e num trabalho conjunto-terapeuta-cliente- é se chega a uma conclusão, mas
sendo que esta conclusão é no presente, não havendo necessidade de trazer ex-
periências passadas.

16. Diferencie o conceito de saúde para a Gestalt e para a Medicina?


Medicina- estar com saúde é estar em plena atividade, podendo realizar to-
das as tarefas do dia a dia. Gestalt- estar com saúde é poder manter em contato
com o contexto em que vive, ou seja, o indivíduo pode estar em plena ativida-
de, cumprindo todas as suas tarefas, mas não conseguindo fazer suas escolhas
de forma espontânea, o indivíduo pode não estar conseguindo entrar em con-
tato com o mundo e assumindo suas responsabilidades sobre ele, então para
Gestalt este está doente.

17. Qual é a importância do Reconhecimento para a Gestalt?


A Gestalt acredita que através do reconhecimento de suas responsabilida-
des e através do reconhecimento de suas escolhas o indivíduo está saudável,
ou seja, mesmo que o indivíduo não efetue ainda tais escolhas e se mantenha
fechado para o mundo, isto já é uma capacidade de escolha. A importância é do
indivíduo reconhecer sua responsabilidade sobre suas próprias escolhas.

18. Faca um estudo comparativo do EUX MUNDO com Ser-no-mundo.


EUXMUNDO- a relação do indivíduo euxmundo é uma relação de como o
mundo fosse culpado por suas escolhas, ou seja, o indivíduo interpreta o mun-
do numa relação de causa/efeito, como se ele fosse fazer algo e receber como
efeito desse algo uma resposta negativa, ou se o mundo não atender as suas
necessidades o individuo não terá outra escolha a não ser ficar arrasado e ser
punir por isso.

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Ser-no-mundo é uma relação do indivíduo com o mundo de forma onde os
dois participam do processo de construção da existência e de mudança.

19. De que forma a Gestalt interpreta o ser-no-mundo?


A Gestalt interpreta da formas que o homem age e transforma o mundo ati-
vamente, recebendo dele também influencias. O Individuo nesta situação não
se vê como um ser isolado, estará num contexto com forças atuando como um
todo, mas sobre essas forças ele é responsável pelas mudanças.

20. Como a Gestalt trabalha com o passado?


Através do conteúdo trazido no presente, ou seja, no aqui-agora. Através da
tomada de consciência, da interpretação do movimentos corporais, do tom de
voz, da fala e da investigação de como esse conteúdo passado influencia no pre-
sente. A Gestalt só trabalha com o passado quando este é abordado pelo cliente,
caso contrário este não é o foco da terapia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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em direção à maturidade: Uma proposta de clarificação do desafio de Carl Rogers. PCLI
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