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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Porquê de estudar a história da psicologia ........................................ pág. 2


A História da Psicologia na História do Homem .............................. pág. 4
A História do nome “psicologia” ...................................................... pág. 6
Antecedentes próximos da psicologia moderna ............................... pág. 7
Wundt ............................................................................................. pág. 11
Escolas originais da psicologia moderna ........................................ pág. 17
• Estruturalismo ................................................................. pág. 19
• Funcionalismo ................................................................. pág. 22
• Gestaltismo ...................................................................... pág. 26
• Psicanálise ....................................................................... pág. 31
• Behaviorismo .................................................................. pág. 44
• Neo-Behaviorismo .......................................................... pág. 53
• Psicologia humanista ....................................................... pág. 61

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Porquê de estudar a História da Psicologia?

• Três motores do desenvolvimento histórico de uma disciplina científica:


As ideias, o seu confronto, a sua evolução;
O cientista criativo que traz para a disciplina uma nova perspetiva;
O contexto sociocultural que inibe ou incentiva desenvolvimentos específicos na
disciplina.

A ênfase num destes fatores em detrimento de outro conduz a formas distintas


de encarar a história científica.

• Internalismo versus Externalismo:


Que forças fazem uma disciplina científica evoluir?

a) Abordagem Internalista:
1. Assume a ciência como atividade racional;
2. Centra-se nas ideias teóricas e no desenvolvimento interno da disciplina
(investigação, teoria, métodos);
3. A disciplina evolui em função da refutação de teorias anteriores, pelo uso
do método científico, sem que seja afetada pelas mudanças sociais (visão
idealista).
b) Abordagem Externalista:
1. Assume que a ciência é um empreendimento social e não apenas racional
(Kuhn);
2. Os cientistas são atores sociais numa cultura específica, que procuram ter
sucesso num determinado momento histórico-político, influenciados por
minorias, pela economia e pelo poder;
3. Serão essas forças externas que fazem evoluir a ciência.

• Personalidades versus Zeitgeist:


De onde vem a criatividade que faz evoluir a ciência?

a) Abordagem Personalística:
1. A história da disciplina resulta de personalidades fundamentais, os autores
das ideias científicas, cujas ideias geniais e inovadoras impulsionam o
desenvolvimento.
2. Exemplo de Freud: Copérnico, Darwin e Freud.
b) Abordagem Zeitgeist:
1. Os “cientistas geniais” encarnam as “forças” socioculturais (espírito dos
tempos) da sociedade e da época em que vivem; são apenas os homens
certos no momento e no local certo;
2. O Zeitgeist tem efeito potenciador ou inibidor.
3. Exemplo: Charles Darwin e Alfred Wallace.

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• Justificação do Presente (presentism) versus Perspetiva Histórica


(historicism):
Como contar a história da História?

a) Justificação do Presente:
1. A história da disciplina é narrada como uma série de passos progressivos
que conduzem ao seu estado atual;
2. Minimizam-se situações que não tiveram consequência para a situação
atual.
b) Perspetiva Histórica:
1. Cada época histórica é analisada em si mesma e não como fase de
evolução até ao presente;
2. Dar igual importância às ideias que contribuíram para a situação atual e às
ideias que desapareceram, sem deixar contributo assinalável para o
presente.

• Análise das Metáforas Teóricas:


Como se tem falado de coisas invisíveis?

Os psicólogos têm recorrido a inúmeras metáforas para conseguir descrever os


mecanismos invisíveis da mente.
A análise histórica das metáforas utilizadas para descrever o funcionamento
mental permite um enquadramento das teorias psicológicas na forma de pensamento
social da época. Porquê umas metáforas e não outras?

Exemplos de metáforas:
Metáforas usadas ao longo da história para descrever a memória: tábula rasa,
armazém, enciclopédia, arquivo, bancada de trabalho...
Metáforas usadas para descrever aos mecanismos da atenção: filtro, gargalo de
garrafa, holofote...

• Perspetiva das Escolas de Pensamento:


Uma escola de pensamento é um grupo de cientistas que está de acordo sobre
questões como:
a) Qual é o problema a abordar?
b) Que fenómenos devem ser estudados?
c) Como olhar para esses fenómenos?
Um colégio invisível que partilha o mesmo sistema teórico.

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• Exemplo de Sistemas /Escolas de Pensamento:


Questões a responder de Behaviorismo Psicanálise
forma consensual:
Qual o problema? Comportamento Processos inconscientes
Que fenómenos estudar? Associações Estímulo- Sonhos
Resposta
Como estudar esses Experimentalmente Associação livre
fenómenos?

A História da Psicologia na História do Homem


A Psicologia tem um longo passado na História da Homem.

• História da Vida:
As quatro grandes etapas da evolução da vida:
a) Origem da vida;
b) Primeira estrutura celular complexa;
c) Primeiros organismos multicelulares;
d) Origem da consciência -> nesta começa a gerar-se a Psicologia do Senso
Comum.
1. As preocupações que estão na base da Psicologia só podem ter surgido
quando uma mente consciente se questiona sobre si mesma, ou seja, na
última etapa da evolução.
“Olhar ao espelho” é uma metáfora muito utilizada quando se fala de consciência.

• Homo Sapiens – Paleolítico médio e superior:


Há 100 000 anos...
Nesta época, nasce o pensamento artístico e a consciência da morte.
Subdividida entre Paleolítico Médio, no qual surgem as primeiras sepulturas,
Paleolítico Superior, onde se desenvolve a arte figurativa (como as pinturas murais,
estatuetas...), e, por fim, o Neolítico, onde se cria a agricultura, domesticação de
animais, sedentarização e cerâmica.

Terá já havido uma “psicologia” leiga quando a primeira mente humana


(suportada por cérebro igual ao nosso cérebro atual) se questionou sobre si e sobre os
outros.

• Neolítico:
Há 10 000 anos...
O sedentarismo surge como resultado de um avanço da história do Homem
muito importante, pois permitiu a criação de cidades.
Nesta fase, ocorrem os primeiros relatos de doenças mentais.
Subdivide-se, principalmente em Época do Cobre, na qual surgem as primeiras
cidades (Suméria), a escrita e as pirâmides; Época de Bronze, com o êxodo, a criação

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do alfabeto e das cidades gregas; e, por último, a Época de Ferro, na qual se


desenvolve a Cultura Ocidental, ou seja, nos últimos 3 000 anos.
Tal evolução levou a um crescimento aprofundado da forma de pensar do
Homem.

• Cultura Ocidental:
Há 3 000 anos...
a) Ocorrem as primeiras cidades gregas;
b) A obra Homero: Ilíadas e Odisseia;
c) A Experiência de Psamtik I -> Experiência realizada com crianças privando-as
da fala;
d) “Conhece-te a ti mesmo”;
e) Hipócrates;
f) Aristóteles.

Nesta, ocorre a Idade Média e a Idade Moderna. Na Idade Média, surge a primeira
tentativa de compreender fenómenos psicológicos através de métodos empíricos. Na
Idade Moderna ocorre o nascimento da Ciência Moderna, na qual se engloba a
Psicologia, tendo apenas 500 anos de existência.

Para a cultura grega anterior a Platão, a Psyche (alma) é a força vital que
abandona o corpo quando se morre. Para Platão, a psyche possui funções para além
das associadas à vida: seria também responsável por processos que hoje atribuímos à
mente (perceção, desejar, acreditar...).
Estes acreditam que a alma deixa o corpo na morte, pois só esta o mantém ativo e
a funcionar, ou seja, a alma é como uma energia anímica.

Surgem reflexões socráticas e aristotélicas sobre a alma humana.

• Aristóteles:
“O Homem como animal racional” nasce com Aristóteles, pois tudo se explica através
da alma.

A forma (a essência, as características imutáveis de um objeto) e matéria (o


substrato comum a todas as coisas) existem sempre em simultâneo. A alma garante o
funcionamento do corpo (a “matéria dos seres”), organizando-o para que ele possa
realizar as funções vitais.

Todas as ações e comportamentos de um organismo se explicam em termos das


funções da sua alma. A alma incluí três funções:
a) Alma Nutritiva (o que mantém o organismo vivo, todos os seres têm);
b) Alma Sensitiva (apenas animais, não existe em todos os organismos, permite
reagir aos estímulos);
c) Alma Racional (apenas o Homem a tem).

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A Idade Média é uma fase negra para todos os tipos de ciência, pois é baseada
nos princípios da Igreja, privando a evolução científica.

• Idade Moderna:
Ocorrem grandes acontecimentos, na tentativa de progredir em relação à época
anterior.

Nesta, surge a criação do neologismo “Psicologia”, e, inclusive, adquire-se o


conhecimento da diferença entre os factos relatados em livros e a verdadeira
experiência em si realizada. Apesar do nascimento da ciência moderna, a psicologia
continua a ser especulativa e não empírica.
Galileu gera principal mudança com as experiências realizadas.
Harvey estuda a circulação do sistema humano.
Apenas com Darwin ocorre o verdadeiro nascimento da Psicologia.
Esta ocorre tardiamente devido à Filosofia.

O crescimento da Psicologia e revistas relacionadas com a especialidade


apenas se aprofundam após a Segunda Guerra Mundial, principalmente a parir da
década de ’60.
• Delimitação:
a) Critérios de Inclusão: Psicologia científica, derivada da corrente de
pensamento europeu, nascida na Europa no final do século XIX.
b) Critérios de Exclusão: Psicologias pré-científicas ocidentais, ou seja, todos os
esforços de compreender o Homem expressos nos sistemas filosóficos ou
religiosos, e as Psicologias Orientais.

A História do nome “Psicologia”

• Quando surgiu o termo Psicologia?


O termo psicologia é um neologismo criado no século XVI pela junção dos termos
gregos “psique” e “logos”, contudo, esta não foi criada na Grécia.
Existem diversos candidatos à autoria deste neologismo:
a) Otto Casmann;
b) Rudolf Gockel;
c) Filip Melanchton;
d) Marko Marulic -> Até ao momento é o que contém o registo mais antigo a
falar em psicologia.

Embora o registo documental mais antigo indique que Marko Marulic utilizou o
termo Psicologia em 1524, não se pode garantir que:
a) Este autor não o tenha utilizado antes desta data;

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b) Tenha sido ele o seu criador, o neologismo psicologia poderia circular já entre
outros autores, de forma informal, ou ter sido utilizado em obras anteriores
mas desaparecidas.

Antecedentes próximos da Psicologia Moderna

• Contributos da Filosofia para o desenvolvimento da Psicologia Moderna:


Para explicar tal, é realizada uma divisão em três fases:
a) Racionalismo (Descartes) – Razão (fonte de conhecimento) e ideias inatas
(ponto de partida);
b) Empirismo (Locke, Berkeley, Hume) – Experiência (fonte de conhecimento) e
sensações (ponto de partida). Defende que todo o conhecimento vem da
experiência;
c) Kant e a rejeição de uma Psicologia de base científica.

• René Descartes:
Zeitgeist da época de Descartes:
A metáfora do relógio domina o pensamento nos séculos XVII, XVIII e XIX:
o Universo é um grande mecanismo que funciona como um relógio; os fenómenos
podem ser explicado mecanicamente. Ocorre no início do capitalismo.
A divulgação das correntes protestantes põe em causa os dogmas do
catolicismo.
A Filosofia deixa de estar na dependência da Teologia e põe de lado os
assuntos religiosos, criando-se uma nova “agenda”, ou seja, em lugar de se questionar
sobre as virtudes da alma, a Filosofia procura responder a novas perguntas sobre a
mente humana.

Consequências Epistemológicas:
a) Determinismo: Cada fenómeno é determinado por acontecimentos anteriores;
se o Universo é regular como um relógio, basta conhecer as regras de
funcionamento para prever o futuro a partir do conhecimento do passado.
b) Reducionismo: Se o Universo é um relógio, então pode ser compreendido pela
análise dos seus componentes mais básicos. Apenas posso perceber os
fenómenos se compreender o que lhe constituem.

Criar máquinas que simulem o funcionamento de seres vivos:


Nesta época, defende-se que os seres vivos são como máquinas, logo, os
objetos mecanizados criados conseguiam produzir, supostamente, fenómenos físicos e
psicológicos.

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O Racionalismo Cartesiano:
Descartes, após um sonho, começa a partir da realidade “penso, logo, existo”
para criar todo o seu conhecimento. Neste contexto, aplica os princípios lógico-
matemáticos a todas as ciências, para produzir conhecimento certo.
Podem-se ignorar as diferentes filosofias antigas e usar o rigor lógico-
matemático para chegar a certezas filosóficas – Método Racionalista.

“E notando que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão firme e tão segura que as
mais extravagantes suposições dos céticos não eram capazes de a abalar, julguei que
a podia receber sem escrúpulo como primeiro princípio da filosofia que eu
procurava.” – Discurso do Método

O Problema da Mente e do Corpo / Dualismo Cartesiano:


Alma e corpo são duas entidades, de natureza distinta (Dualismo – perspetiva
correntemente aceite na época, com raízes históricas e religiosas muito fortes). O
Homem é composto de uma alma e de um corpo.

Antes de Descartes: Alma -> Corpo, para a filosofia escolástica, a alma era
responsável pela perceção, pelas motivações, pelo movimento, pelo batimento
cardíaco, etc.)
Depois de Descartes: Alma <-> Corpo, a alma influência o corpo mas este
também influencia a alma; para Descartes o corpo possui funções que antigamente se
atribuíam à alma.

Corpo (res extensa): Material, ocupa espaço, obedece às leis da mecânica,


pode executar movimentos sem interferência da alma (arco reflexo).
Mente (res cognitans): Imaterial, não ocupa espaço, tem a função de pensar. A
consciência é um conjunto de sensações projetadas na mente e o “ego” pode examiná-
las calmamente. É tratada pela filosofia tradicional.

Para Descartes, existem dois tipos de ação:


a) Ações Involuntárias, que ocorrem em resposta a estímulos externos e que
dependem apenas do corpo;
b) Ações voluntárias, que derivam de decisões conscientes para agir.

Apenas os seres humanos têm alma, apenas os seres humanos são capazes de
ações voluntárias. Os animais só podem agir involuntariamente, sob o comando do
corpo, uma vez que não têm alma.
A ligação entre a alma e o corpo faz-se na glândula pineal, estrutura situada na
base do cérebro.

• Repercussão das ideias de Descartes no desenvolvimento da Psicologia


Moderna:

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Quadro conceptual para o estudo da mente: a atenção do filósofo deve centrar-se


na mente e nas operações mentais e não na alma e suas virtudes.
O método de investigação da mente deixa de ser a reflexão metafísica e a dedução
e passa a ser a observação direta dos fenómenos mentais e a indução (influência da
proposta científica de Galileu). O método “mente a observar-se a si própria” levanta
uma questão filosófica adicional, mais tarde batizada como “o problema do teatro
cartesiano” ou “série infinita de homúnculos”.
Delimitação das funções da alma e explicação fisiológica do corpo; muitas das
funções anteriormente atribuídas à alma são atribuídas por Descartes ao corpo,
passando a ter explicação fisiológica. Mais tarde esta tentativa de explicação
fisiológica estendeu-se também aos processos mentais, na tentativa de reduzir as
funções da alma às funções do corpo.
Doutrina das ideias: distinção entre conteúdos mentais inatos e adquiridos. Ideias
inatas versus ideias derivadas da experiência.

No seguimento da filosofia de Descartes, surgem duas abordagens que são os


antecedentes próximos da Psicologia Moderna:
a) Mente – Abordagem filosófica. As correntes filosóficas no seguimento de
Descartes preocupam-se em explorar os conteúdos e processos mentais. A
questão “inatismo versus empirismo” foi uma das mais debatidas.
b) Corpo – Abordagem fisiológica. A Fisiologia é o ramo da Biologia dedicado
ao estudo do funcionamento dos organismos vivos. A Fisiologia estuda os
mecanismos envolvidos nas funções corpóreas. Em meados do século XIX,
começou a haver interesse em conhecer os mecanismos fisiológicos
subjacentes aos fenómenos mentais.

• Contributos da Filosofia para o desenvolvimento da Psicologia Moderna:


David Hume – Considera que não se pode garantir a certeza do conhecimento; os
conteúdos mentais resultam das experiências sensoriais -> Empirismo
Britânico/Associativismo Britânico.

Tipos de ideias:
a) Ideias Simples – Resultantes diretamente das perceções; não podem ser falsas;
b) Ideias Complexas – Combinação de ideias simples e podem não corresponder
à realidade.

Leis de associação (permitem a geração de ideias complexas por associação entre


ideias simples):
a) Lei da Semelhança – É mais fácil associar ideias que sejam semelhantes;
b) Lei da Contiguidade – É mais fácil associar ideias que tenham relações de
contiguidade temporal;
c) Lei da Causa e do Efeito – É mais fácil associar ideias que estabeleçam entre
si uma relação de causalidade.

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Immanuel Kant – Reage à filosofia de Hume e de Descartes, defendendo que nem


o racionalismo nem o empiricismo são suficientes para explicar a natureza do
conhecimento. O conhecimento envolve a participação ativa da mente.
Kant considera que existem duas fontes de conhecimento: Conhecimento a
posteriori e Conhecimento a priori.

Kant apontava duas razões para a impossibilidade da Psicologia se tornar uma


ciência empírica:
a) Os processos psicológicos só variam no tempo, pelo que não podem ser
matematicamente descritos;
b) Os processos psicológicos são internos e subjetivos, pelo que não podem ser
sujeitos a medição.

O surgimento da Psicologia Científica Moderna foi impulsionada pela tentativa de


responder estas críticas de Kant, como é o caso de Herbart, seu aluno, que veio a
contrariá-lo, defendendo que os processos psicológicos variavam no tempo e em
intensidade. Os fisiólogos do século XIX responderam de forma indireta a estas
críticas.

• Contributo da Fisiologia para o desenvolvimento da Psicologia Moderna:


Fisiologia – Área da Biologia que estuda as funções orgânicas dos seres vivos.
Centrada no sistema nervoso.

Charles Bell – Distinguiu entre nervos sensoriais e nervos motores.


Ernst Heinrich Weber – Estudo das sensações e Lei de Weber (diferença
detetável mínima entre duas sensações); mudanças físicas nem sempre provocam
mudanças psicológicas.
Johannes Muller – Defendia que a mente não estava consciente dos objetos
reais do mundo, mas sim de estados do sistema nervoso; o sistema nervoso era o
intermediário entre o mundo e a mente, impondo assim a sua natureza aos processos
mentais. A sensação passa a ser um elemento preciso, corporalmente situado.
Gustav Teodor Fechner – Acreditava que mente e matéria eram simplesmente
duas formas de conceber a mesma realidade. Embora a mensagem teórica de Fechner
não tivesse grande impacto, as suas metodologias instauraram o início da Psicologia
Experimental, pois mostrou que os fenómenos mentais podiam ser medidos com
precisão e em relação a acontecimentos físicos. Criou a Teoria do Ice Berg, mais tarde
utilizada por Freud.
Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz – Teoria da perceção da cor.
Estimulou a velocidade do impulso nervoso. Teoria das inferências inconscientes. A
perceção é um processo cognitivo muito mais complexo que a sensação pois implica
inferências inconscientes baseadas na experiência passada. Se, como diz Muller, a
mente não tem acesso direto aos objetos do mundo, será necessário existir um
processamento automático e inconsciente que utilize a informação dada pelos órgãos
dos sentidos para inferir as propriedades dos objetos externos.

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Franciscus Cornelius Donders – Técnica de medição dos tempos de reação, de


forma a poder avaliar a duração das operações mentais.

• EM SUMA...
Para o nascimento da Psicologia Moderna contribuíram dois aspetos:
a) Uma atitude: Acreditar que os “mistérios da alma” não eram do foro religioso
mas que podiam ser estudados de forma objetiva, como qualquer outro aspeto
do mundo natural; as problemáticas que os filósofos de então formularam
continuaram a ser exploradas pelos primeiros psicólogos;
b) Um método: Tal como os físicos, os químicos e os fisiologistas observavam,
mediam, testavam os fenómenos a investigar, também era necessário
desenvolver formas adequadas de investigar problemáticas psicológicas com
outros métodos que não a especulação e a opinião.

Assim, a Psicologia Moderna estabelece com a Filosofia uma continuidade


temática, mas uma descontinuidade em termos metodológicos. Pelo contrário, existe
continuidade com a Fisiologia em termos metodológicos, mas não em termos
temáticos.

“Somente quando os investigadores passaram a confiar na observação e na


experimentação cuidadosamente controladas para estudar a mente humana é que a
Psicologia começou a adquirir uma identidade distinta das suas raízes filosóficas” –
Schultz & Schultz.

Wilhelm Maximiliam Wundt


• Biografia:
Fundador da psicologia. É apenas o veículo de movimentos menos concretos.
Contemporâneo de Freud.
1832 – Nasce em Neckarau a 16 de Agosto.
Pais letrados, porém é um aluno trivial, apenas quando vai estudar medicina é que
aplica e torna-se o melhor aluno do curso e, ao finalizar a licenciatura, descobre que
não ser ser médico. Com tudo isto, vai para Berlim estudar.
Assistente laboratorial de Hermann, já em Berlim, Wundt cria um laboratório em
casa. Por consequente, começa a interessar-se por questões mentais.
Lança o primeiro livro sobre a precessão sensorial, composto por seis artigos seus,
previamente publicados sobre perceção. Desta forma, começa a lecionar aulas de
psicologia nas cadeiras de fisiologia, começando em 1867 o primeiro curso oficial de
Psicologia (Psicologia Fisiológica).
1873 – Escreve um livro baseado nas aulas de psicologia lecionadas, sendo este o
primeiro livro de psicologia científica, e, como tem um exacerbado número de
páginas, até hoje a obra ainda não se encontra totalmente traduzida.

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1879 – O laboratório que inicialmente era uma sala de arrumos, passa a ser
utilizado sobretudo para a investigação experimental. Fundação da Psicologia
Moderna.
1881 – Fundado o primeiro jornal exclusivamente dedicado à investigação
psicológica (“Estudos Filosóficos”) e onde se publicam os resultados obtidos no seu
laboratório.
1886 – Publica manual destinado a estudantes que revê os resultados
fundamentais da Psicologia Moderna (15 edições).
1904 – Inicia a publicação de “Psicologia dos Povos” em 10 volumes.
1920 – Escreve o livro “O que experimentei e descobri”, acabando por morrer
nesse mesmo ano, a 31 de Agosto.

• Wundt no seu tempo:

Bain – Rival de Wundt; considerado o pai da psicologia britânica.


Fechner – Considerado mais genial que Wundt.
W. James – Rival americano; chega a visitar Wundt.

• Contributos para o nascimento da Psicologia Moderna:


Alguns indicadores quantitativos sobre o contributo de Wundt para o nascimento da
Psicologia Moderna:
a) Como professor – Influenciou muitos alunos;
b) Como orientador – Orientou 186 teses de doutoramento; tinha estudantes
quase de todas as partes do mundo;
c) Como autor – Escreveu 11 livros; 53 735 páginas impressas.

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Áreas de investigação dos doutoramentos orientados por Wundt:


70% - Estudos sobre sensação e perceção;
11% - Estudos sobre associações e memória;
10% - Estudos sobre atenção;
9% - Estudos sobre métodos de investigação.

Laboratório de Psicologia em Leipzig:


Inicialmente sala de arrumos, torna-se laboratório em 1876, sendo assim o
primeiro laboratório de Wundt de psicologia. Nesta, o equipamento laboratorial era
exposto e utilizado no âmbito das disciplinas lecionadas por Wundt.
1679 – Inicia-se a realização de experiências de investigação científica,
independentemente da atividade docente. Insistência nos estudos de introspeção
(experimental).
Durante a II Guerra Mundial, o laboratório é destruído por bombardeamentos dos
aliados.

• As ideias de Wundt:
A conceção de Wundt sobre a Psicologia foi-se alterando ao longo da sua longa
carreira, sendo difícil apresentar uma ideia geral. De um modo geral, Wundt concebe
a Psicologia de forma alargada, abrangendo duas vertentes fundamentais:
a) A um nível mais básico, a Psicologia deve estudar os fenómenos sensoriais e
os conteúdos da consciência; estes fenómenos podem ser estudos
experimentalmente em laboratório. A psicologia experimental dedica-se à
descrição da consciência e aos processos mentias mais básicos (sensação,
perceção, atenção).
b) A um nível mais complexo, a psicologia deve estudar os fenómenos
psicológicos de ordem superior (linguagem, memória, aprendizagem, mas
também costumes, cultura, história); os métodos experimentais eram
inadequados a este tipo de investigação. Apresenta-se mais filosófica,
transparecendo que a psicologia experimental apenas estuda experiências
imediatas, referindo a impossibilidade de a memória ser estuda em laboratório.

Esta divisão foi muito criticada.

O estudo dos fenómenos sensoriais e conteúdos da consciência:


A psicologia fisiológica de Wundt é uma disciplina de fronteira entre a
psicologia e a filosofia. A expressão Psicologia Fisiológica não tem o significado
atual (bases filosóficas dos fenómenos psicológicos), mas refere-se sim ao estudo dos
fenómenos psicológicos com metodologias experimentais típicas das ciências
naturais. Utilizam métodos experimentais para estudar fenómenos psicológicos.

A introspeção experimental de Wundt:


Observação controlada pelo experimentador do seu próprio estado mental.
Seria a técnica mais adequada ao estudo dos conteúdos da consciência. A técnica

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introspetiva é antiga e fora bastante utilizada antes de Wundt na especulação


filosófica.
Características:
a) Treino intensivo dos observadores – Antes de estar habilitado a fazer
observações com qualidade científica suficiente um observador tinha de ser
intensamente treinado;
b) Sensações induzidas – A introspeção era geralmente referente a sensações
provocadas por estímulos externos controlados em termos de duração e de
intensidade; assim, garantia-se a replicabilidade dos relatos de introspeção;
c) Exaustividade da estimulação – As condições de estimulação variavam
sistematicamente, de forma a permitir uma descrição exaustiva dos conteúdos
da consciência referentes a determinada sensação;
d) Atenção – O observador devia estar totalmente atento à estimulação e saber
exatamente quando ela iria ocorrer, de forma a poder fazer uma descrição
cuidadosa das sensações provocadas pelo estímulo;
e) Automatismo – O relato do observador devia ser quase automático; não devia
existir pausa entre a estimulação e o relato do observador, de forma a evitar
distrações.

Apesar de consistir no relato de experiências subjetivas, a introspeção de Wundt


procurava a necessária objetividade científica através de um treino apurado do
observador e de um controlo extremo das condições de estimulação.
Por isso Wundt defendia que os estudos de psicologia não deviam utilizar como
sujeitos crianças, animais ou mesmo indivíduos adultos pois faltava-lhes o treino
necessário ao domínio da técnica introspetiva.
Apesar do método introspetivo parecer de ser o único viável para alcançar alguns
dos objetivos da psicologia de Wundt, sempre foi alvo de críticas pois apresenta
limitações graves de um ponto de vista científico.

Críticas genéricas ao método introspetivo:


a) Pela sua natureza subjetiva, os dados obtidos por introspeção podem ser
reproduzidos, mas não verificáveis com outros observadores;
b) Muitos dados relevantes para a compreensão dos fenómenos mentais são
inacessíveis a este método (fatores inconscientes do pensamento);
c) Só os efeitos do pensamento (e não o processo em si do pensar) são
observáveis por este método;
d) A linguagem usada para fazer o relato não é um espelho do pensamento, isto
é, a linguagem verbal poderá não ser a melhor forma de representar e
descrever os conteúdos sensoriais da consciência).

No entanto, a introspeção era apenas um dos métodos utilizados por Wundt nos
seus estudos laboratoriais:
a) Introspeção;
b) Registo de tempos de reação;

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c) Associação de palavras;
d) Técnicas psicofísicas;
e) Registos de respostas fisiológicas ou motoras.

O estudo dos processos da consciência:


Para Wundt, o objetivo da psicologia experimental é o estudo dos processos
conscientes. A psicologia experimental deverá preocupar-se com a experiência
imediata. As experiências imediatas formam os estados da consciência que a mente
organiza.
Todas as ciências se baseiam na experiência. No entanto, as ciências naturais
baseiam-se numa experiência indireta, mediada pelos instrumentos do cientista. A
experiência imediata (não mediada) é a experiência direta, é a experiência consciente
tal como ela ocorre sem mediações de outros instrumentos ou da linguagem; é ela o
objeto de estudo da psicologia experimental de Wundt.
Sendo o objeto da psicologia experimental a descrição das experiências imediatas,
devemos:
a) Analisar os processos conscientes, dividindo-os nos seus elementos básicos;
b) Descobrir como esses elementos se organizam em elementos mais complexos,
identificando as leis de organização dos elementos básicos.

Elementos básicos da consciência:


Os estudos de introspeção de Wundt e colaboradores identificaram dois tipos de
elementos básicos da vida mental:
a) Sensações – Surgem sempre que um órgão sensorial é estimulado; podem ser
caracterizadas em função da sua intensidade, duração e modalidade (visual,
auditiva, olfativa, tátil);
b) Sentimentos – Complemento subjetivo das sensações; não se originam nos
órgãos dos sentidos e refletem a qualidade da experiência.

Organização dos elementos básicos em elementos complexos:


Apesar do enfoque nos elementos da consciência, Wundt sabia que as nossas
perceções são um todo e não uma amálgama de sensações e sentimentos isolados.
A consciência é um fluir unitário de acontecimentos e os seus constituintes só
podem ser diferenciados através do esforço de abstração envolvido na análise
psicológica experimental.
As sensações nunca nos são dadas como elementos isolados, mas sim como
perceções integradas: percebemos primeiro o todo e não o conjunto de sensações e
sentimentos justapostos que formam esse todo.
Apenas através do esforço da introspeção é possível dissecar a perceção de um
objeto nos seus elementos constituintes.
Para Wundt, a cadeia contínua e mutável de processos mentais que
caracterizam a consciência resulta de conexões e sínteses dos elementos básicos da
vida mental (sentimentos e sensações). Chamou aperceção ao processo ativo pelo qual

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a mente organiza e sintetiza os seus próprios conteúdos em elementos mais


complexos.
Assim, a teoria de Wundt opõe-se ao associacionismo tradicional, pois
enquanto para esta corrente filosófica as ideias elementares se associavam em ideias
mais complexas em função das leis mecanicistas de associação, para Wundt a mente é
criativa, dinâmica, gerando uma representação que é mais rica que a soma das
sensações e sentimentos que a constituem.

Entre 1900 e 1920, Wundt dedica-se a um estudo mais filosófico, onde publica
10 volumes, onde investiga processos mentias superiores relacionados com a cultura.

A psicologia experimental centrar-se-á nos efeitos do mundo exterior


(estímulos) sobre o mundo interior (consciência).
No entanto, é importante não esquecer que a consciência também se
caracteriza por intervir sobre o mundo exterior, exteriorizando assim o mundo
interior. Como a expressão consciência não pode ser controlada, não é possível de
estudo laboratorial.
Para Wundt, a psicologia não se deve confinar ao estudo da consciência
individual, pois cada indivíduo desenvolveu-se num ambiente mental, histórica e
culturalmente determinado. Assim, é preciso também analisar os processos mentais
que, pela sua natureza, se encontram ligados ao “ambiente espiritual” (cultura) em
que o ser humano se desenvolve. Trata-se de estudar os produtos culturais que
consubstanciam certas leis psicológicas. Estes produtos culturais não interessam em si
mesmos.
Apesar de Wundt ter uma visão alargada da psicologia, a sua delimitação da
disciplina deixava de fora muitos assuntos são hoje dela parte integrante:
a) Opunha-se a qualquer aplicação prática da psicologia;
b) Rejeitava os estudos de crianças ou de animais pois levantava problemas
metodológicos na descrição dos conteúdos da consciência;
c) Considerava abordagens mais holísticas como “literatura” e não como ciência.

• O legado de Wundt:
Diversas razões que, acumuladas, têm levado a reconhecer a Wundt a paternidade
da psicologia moderna:
a) Delimitação de uma nova disciplina – Definiu os objetivos, os problemas e os
métodos que a psicologia moderna deveria ter, sistematizando um novo campo
de inquirição e destacando-o das perspetivas tradicionais da filosofia e
fisiologia;
b) Fundação do primeiro laboratório de psicologia – Fundou o primeiro
laboratório experimental da disciplina, utilizando-o para produzir
conhecimento científico em psicologia.
c) Fundou revista científica – Fundou a primeira revista exclusivamente dedicada
à publicação de resultados laboratoriais em psicologia;

16
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

d) Formação de psicólogos – Formou inúmeros alunos que divulgaram a


psicologia pelo mundo;
e) Escrita científica – Escritor prolífico em diversas áreas da psicologia do seu
tempo, sendo de destacar os manuais para ensino da psicologia ao nível
universitário.

No entanto, a aceitação da importância histórica de Wundt não deixa de ter


alguma ambiguidade:
a) Apesar de ter estabelecido o primeiro laboratório de psicologia, a investigação
que aí realizou foi tendencialmente ignorada, mesmo durante o seu tempo de
vida;
b) Embora tenha atraído estudantes brilhantes de todo o mundo para o seu
laboratório, a maior parte deles distorceu ou rejeitou a psicologia wundtiana;
c) Durante as últimas duas décadas da sua vida trabalhou intensamente numa
nova abordagem à psicologia que foi largamente ignorada, mesmo antes da
sua morte.

De uma maneira geral, as críticas à psicologia experimental de Wundt focavam os


seguintes pontos:
a) Foque exclusivo nos conteúdos da consciência, restringindo assim as áreas de
inquirição possíveis em psicologia;
b) Visão atomista da consciência;
c) Utilização da metodologia introspetiva;
d) Nula aplicabilidade dos seus resultados e o seu desinteresse pelos fenómenos
do quotidiano.

Na altura da sua morte, a psicologia wundtiana estava a desaparecer, sendo


substituída por novas abordagens. Muita da história da psicologia após Wundt
consistiu numa rebelião contra os limites que ele impôs à disciplina.
À medida que a psicologia se tornou mais cognitiva, iniciou-se a redescoberta de
algumas das ideias do esquecido Wundt-teórico.

Escolas Originais da Psicologia Moderna


Após criação de laboratório de Wundt

“Escolas de Pensamento” – Grupo de cientistas que concordam na resposta a três


questões:
a) O objeto – Que problemas a Psicologia deve estudar?
b) Os fenómenos – Que fenómenos devem ser observados para esclarecer tais
problemas?
c) Os métodos – Que método deve ser utilizado para obter as respostas?

17
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Caso todos concordem nas respostas às questões, é possível criar uma Escola,
sendo, neste caso, a da Psicologia.
As ideias de uma determinada Escola de Pensamento representam uma forma
organizada de ver o mundo, constituindo Sistemas Teóricos.

• Escolas de Pensamento Originais da Psicologia:

O Estruturalismo é a primeira escola a aparecer, nascendo o Funcionalismo


como seu opositor. O Funcionalismo tem uma forma de pensar “natural”, pois em vez
de pensar nos elementos da mente, pensa sim na sua função.
Wundt é refutado pela história da psicologia nesta época.

Objeto de Método de População Objetivo


estudo estudo estudada
Estruturalismo Elementos Introspeção Observadores Conhecimento
básicos da formal treinados
consciência
Funcionalismo Funções Métodos Pessoas e Conhecimento
mentais objetivos, outros
introspeção primatas
informal
Gestaltismo Experiência Métodos Pessoas e Conhecimento
subjetiva objetivos, outros
global introspeção primatas
informal
Behaviorismo Associações Métodos Pessoas e Conhecimento
entre estímulos objetivos outros animais e aplicação
e respostas
Psicanálise Personalidade Introspeção Pessoas com Conhecimento
normal e informal problemas do e aplicação
patológica foro
psicológico

18
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

• Estruturalismo:
Edward Bradford Titchner.
Foi aluno de Wundt. Criou a primeira Escola da Psicologia Americana, apesar
de se ter formado numa universidade britânica.

a) Objeto – A psicologia deve estudar os conteúdos da consciência humana


(especialmente as experiências sensoriais);
b) Fenómenos – A consciência deve ser analisada em termos dos seus elementos
constituintes básicos e das leis de combinação desses elementos;
c) Método – A psicologia deve recorrer à introspeção analítica feita em
laboratório por observadores treinados.
Estruturalismo interessado nos conteúdos da consciência (experiências sensoriais
e sentimentos associados) -> Introspeção.

Influências da Escola de Pensamento Estruturalista:


a) Psicologia de Wundt – Baseia-se na Psicologia Experimental de Wundt; visão
mais restrita do que o sistema teórico de Wundt. Apenas é influenciado pela
psicologia experimental (elementos da consciência).
b) Associacionismo britânico – O conhecimento resulta da associação de ideias
simples recebidas pelos sentidos, que se ligam umas a outras por fatores como
a semelhança, a contiguidade, a coocorrência... (mecanismos de associação).
Prolongou-se até ao século XIX; são empirista pois o conhecimento vem da
experiência.
c) Zeitgeist (“espírito do tempo”) – As abordagens analíticas tinham vindo a ser
desenvolvidas com sucesso em outras ciências. Por exemplo, sucesso da
Química e tabela periódica de Dimitri Mendelev.

Breve biografia de E. B. Titchener:


1867 – Nasceu em Chichester, Inglaterra (11.01.1867);
1892 – Doutora-se em Psicologia Experimental na Universidade de Leipzig,
sob orientação de Wilhelm Wundt. Regresso a Inglaterra onde tenta implementar as
ideias de Wundt, mas sem sucesso pois os seus colegas não aceitavam abordar
cientificamente alguns dos problemas tradicionais da Filosofia. Emigra para os EUA.
Traduziu para inglês algumas das principais obras de Wundt; tornou-se líder do
movimento conhecimento como Estruturalismo.
1898 – Escreve o artigo “The Postulates of a Structural Psychology”.
1927 – Morre em Ithaca, Nova Iorque (03.08.1927).

Psicologia como estudo dos conteúdos da consciência:


Apesar de em Física se estudar o calor, som e luz, as pessoas não podem ser
estudadas nos mesmos parâmetros, a não ser quando ocorrem como sensações.
O objetivo primeiro do psicólogo experimental tem sido analisar a estrutura da
mente; revelar os processos elementares da consciência ou, se pudermos mudar a

19
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

metáfora, isolar os componentes de uma dada formação consciente. Ela procura


descobrir, em primeiro lugar, o que lá está (na consciência) e em que quantidade
existe, e não a razão por que está lá.

O estruturalismo pode ser definido como o estudo da estrutura da consciência,


ou seja, a inventariação dos elementos básicos com que se constroem as experiências
conscientes, recorrendo para isso ao método da introspeção.
O uso do método da introspeção por Titchner:
a) Objetivo – Dissecar as experiências conscientes nos seus elementos básicos;
b) Os sujeitos são encarados como instrumentos rigorosos, que regem e anotam
de forma mecanizada as características da experiência consciente que estavam
a viver;
c) Introspeção de natureza retrospetiva (diferente de Wundt).

Na introspeção estruturalista, devem-se relatar sensações (elementos) e não


perceções, caso contrário, não se encontra correto.
Objetivos dos estudos com introspeção:
a) Inventariar todos os elementos mentais que, uma vez combinados,
produziriam todas as experiências humanas possíveis (analogia com tabela
periódica);
b) Identificar as regras que permitem combinar estes elementos para que se
estruture a experiência consciente global.

Os estruturalistas identificaram perto de 44 500 qualidades sensoriais, sendo


maioria destas qualidades da audição e da visão. Cada um dos elementos sensoriais
era distinto dos restantes e podia ser combinado com outros, para formar perceções e
ideias.
Três elementos irredutíveis das experiências conscientes:
a) Sensações – Elementos básicos do nosso mundo percetivo e correspondem aos
sons, visões, cheiros que experienciamos quando somo estimulados pelos
objetos do mundo físico;
b) Imagens – Elementos de ideias relativas a experiências não presentes no
momento;
c) Estados afetivos – Elementos básicos que constituem os sentimentos e as
emoções.

Cada elemento pode variar em intensidade, clareza e duração:


a) Sensações e imagens – Variam em qualidade, intensidade, duração e clareza;
b) Estados afetivos – Variam em qualidade, intensidade e duração.
Levando em conta todas estas variações possíveis, as experiências conscientes
formaram-se a partir de perto de 250 mil componentes distintas, o que explica a
riqueza da nossa vida psíquica.
Depois de inventariados os elementos da consciência, é preciso saber como eles se
combinam para formar os processos mentias complexos. Titchner rejeita as noções

20
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

voluntaristas de Wundt e posiciona-se a favor da perspetiva associacionista


tradicional, defendendo o “princípio da combinação de elementos”.
Os elementos só se juntam quando se toma atenção ao objeto, contudo, Titchner
não concordava com este parâmetro.
Lei básica de associação de Titchner – Baseia-se na lei da contiguidade dos
associacionistas britânicos.

Diferenças entre Wundt e Titchner:


Wundt Titchner
Voluntarismo; Estruturalismo;
Ênfase na organização dos elementos da Ênfase na enumeração dos elementos da
consciência; consciência;
Ênfase na aperceção: a mente tem o Ênfase na associação: os elementos da
poder de organizar os elementos da consciência organizam-se mecanicamente
consciência; em função de leis de associação;
Rejeita o estudo experimental dos Aceita a possibilidade de estudar
processos mentais superiores. experimentalmente processos mentais
superiores, reduzindo-os.

Mudança no pensamento de Titchner:


No final da sua carreira, Titchner abandonou a posição atomista, reavaliou o
seu método de introspeção analítico e adotou uma perspetiva mais fenomenológica,
em que defendia que a experiência consciente devia ser abordada como um todo e não
dividida em elementos. No entanto, esta mudança radical de perspetiva veio
demasiado tarde para que ele a pudesse enquadrar no sistema teórico estruturalista.

Críticas ao Estruturalismo:
a) Metodologia limitada à introspeção;
b) Conceção errada das experiências conscientes (visão estática e analítica);
c) Visão limitada e estéril do campo disciplinar da Psicologia;
d) Recusa em explorar domínios de aplicação da Psicologia.

Contributos do Estruturalismo:
Possuía um objeto e um método de estudo claramente definidos, o que veio
estabelecer um padrão de elevada exigência científica nas investigações em
psicologia. Formou com rigor um número importante de psicólogos que vieram a ter
posições centrais na psicologia norte-americana.
O método da introspeção ainda hoje é utilizado (psicofísica, psicologia
cognitiva, psicologia clínica). Como alvo de muitas críticas, o Estruturalismo
favoreceu o desenvolvimento de outras correntes da Psicologia (Funcionalismo,
Behaviorismo, Gestaltismo).
Behaviorismo nasce como oposição à introspeção.

21
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

• Funcionalismo:
a) Primeira escola de Psicologia não germânica, tendo surgido nos EUA no final
do séc. XIX;
b) Centra-se nos atos e funções da consciência, e não nos seus conteúdos
(estrutura);
c) Concebe a mente como uma parte funcional e útil do organismo na sua relação
com o meio ambiente;
d) Surge como oposição ao Estruturalismo, abrindo espaço para as correntes
atuais da Psicologia moderna e para os domínios aplicados desta disciplina.

Antecedentes intelectuais:
Charles Darwin – Teoria da Evolução por Seleção Natural;
Francis Galton – Estudo da Hereditariedade e das diferenças individuais;
Herbert Spencer – Aplicação da Teoria da Evolução às Ciências Humanas e Sociais;
Charles Peirce – Corrente filosófica – Pragmatismo;
Psicologia de William James.

Charles Darwin:
Ideias da Darwin que influenciaram William James e o Funcionalismo:
a) Continuidade funcional entre a mente animal e a mente humana –> a
psicologia animal ganha relevância;
b) Ênfase nas funções e não nas estruturas;
c) Importância dada às diferenças individuais na teoria da evolução.

Francis Galton:
Galton adequou as ideias de Darwin ao estudo da mente humana. Defendeu a
origem genética das capacidades mentais.
Cunhou a expressão “Nature versus Nature”, dando ênfase à primeira
componente na explicação do comportamento. A sua preocupação com o rigor na
avaliação das diferenças individuais contribuiu para o desenvolvimento dos testes
psicológicos e para a importância do uso da Estatística na investigação psicológica.

Herbert Spencer:
Filósofo inglês procurou aplicar as leis da evolução a todos os níveis de
funcionamento humano (biologia, psicologia, sociologia e moral). Cunhou a
expressão “sobrevivência do mais apto”.
Defende que a mente humana existe na sua forma atual como resultado de
uma evolução continua do organismo para se adaptar ao meio ambiente. As suas
ideias tiveram grande impacto nos EUA.

Charles Sanders Peirce:


O Pragmatismo foi um movimento filosófico americano, cuja ideia básica se
pode formular do seguinte modo: consideremos todos os efeitos práticos que

22
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

pensamos poderem ser produzidos pelo objeto da nossa conceção. A conceção de


todos esses efeitos corresponde à conceção completa de tal objeto.

Ideias centrais do Pragmatismo:


Um conceito define-se pelo conjunto dos seus efeitos práticos:
a) Se dois nomes diferentes corresponderem a elementos com os mesmos efeitos
práticos, então correspondem a um mesmo conceito;
b) Se dois elementos partilharem o mesmo nome, mas tiverem efeitos diferentes,
então correspondem a dois conceitos diferentes.
O pragmatismo de Peirce levou William James a conceber as ideias como
instrumentos mentais criados pelo cérebro com o objetivo de resolver problemas. As
ideias não são, por isso, nem verdadeiras nem falsas – são apenas úteis ou não.

Zeitgeist:
Modernização da sociedade americana na segunda metade do século XIX:
urbanização, desenvolvimento, grande crescimento do número de escolas e fábricas.
Psicologia das organizações mais desenvolvida nos EUA.

O percursor do Funcionalismo:
William James criou o primeiro laboratório de psicologia nos EUA. Embora não se
tenha identificado com nenhum sistema teórico da psicologia, foi inspirador da
corrente funcionalista na psicologia americana.
1842 – Nasce em New York (11.01.1842). Falava fluentemente cinco línguas.
1872 – Convidado para lecionar Fisiologia em Harvard; permaneceu professor
nesta universidade durante trinta e cinco anos.
1875 – Leciona em Harvard o primeiro curso de psicologia.
1882 – Viaja pela Europa, contactando com fisiólogos, filósofos e psicólogos
europeus.
1890 – Publica o livro “The Principles of Psychology” (dois volumes),
redigido ao longo de 12 anos.
1910 – Morre a 26 de Agosto, devido a problemas de coração.

O interesse de William James pela Psicologia:


Depois de explorar diversos interesses, William James começou a estudar
sozinho psicologia por razões pessoais (depressão profunda, com ataques de pânico e
alucinações, na sequência da morte de uma amiga de infância).
Nunca se interessou pelos aspetos experimentais e laboratoriais da psicologia,
assim que pode, entregou a responsabilidade do laboratório que criara em Harvard a
um aluno de Wundt. Todas as suas observações, por mais brilhantes que fossem,
resultavam de introspeção ou de uma observação cuidada da vida em seu redor e não
da prática científica empírica.
Depois de publicar o seu livro, James achou que não tinha mais nada de útil a
dizer sobre psicologia, dedicando-se inteiramente à filosofia. Aparentemente, a

23
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

psicologia fora uma ponte entre a sua formação de base (medicina/fisiologia) e os


seus verdadeiros interesses (filosofia).

Crítica a Wundt e ao Estruturalismo:


O estruturalismo é uma corrente limitativa e teoricamente errada, não
conseguindo captar os aspetos fundamentais da experiência mental. As experiências
mentais são o que são e não um aglomerado de elementos básicos; a identificação de
elementos discretos da consciência através da introspeção não demonstra que esses
elementos existam independentemente da observação efetuada – trata-se de um
artefacto metodológico resultante de se treinaram os observadores a fazer esse tipo de
análise.
A consciência, desde o dia do nosso nascimento, gera uma imensa
multiplicidade de objetos e relações e o que denominamos sensações simples é
resultado da atenção discriminativa, levada a um grau muito extremado.

Influência Darwiniana:
A psicologia deve preocupar-se com o modo como a mente funciona e não
com os seus conteúdos. Deve estudar a utilidade biológica da consciência, que
consiste em ajudar o indivíduo a sobreviver e adaptar-se ao seu meio ambiente,
permitindo-nos escolher.

Pragmatismo:
Os estudos mentais são estados funcionais, ou seja, a sua essência está na
função que desempenham e não na sua estrutura. Perguntas que a psicologia deve
responder:
a) O que faz a mente?
b) Como o faz?
c) Para que o faz?

Nascimento do nome “Funcionalismo”:


O “funcionalismo” foi batizado em 1898 por Titchner, para demarcar a sua
posição e dos seus detratores. Este apenas foi uma oposição ao Estruturalismo. Na
verdade, não existia escola funcionalista, mas apenas uma forma diferente de ver a
psicologia; só mais tarde é que alguns autores definiram o programa científico da
escola Funcionalista.

O conceito de função:
As coisas são o que são em virtude da sua função e não daquilo de que são
feitas. A ideia básica do funcionalismo é que os estados mentais são estados
funcionais – a sua essência reside na função que desempenham na vida mental do
sujeito.
A psicologia devia dedicar-se ao estudo do organismo total no seu meio
ambiente; o comportamento devia ser considerado em termos do seu significado
(função), enquanto modo de adaptação do organismo ao ambiente.

24
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

O nascimento formal do funcionalismo:


Em 1894, John Dewey e James Rowland Angell chegam à Universidade de
Chicago e contribuem para o desenvolvimento formal do funcionalismo. Harvey Carr
elabora as ideias de Angell, avançando com uma formulação mais amadurecida desta
corrente da psicologia americana.

Figuras centrais:
a) John Dewey;
b) James Rowland Angell;
c) Harvey Carr;
d) Robert Woodowrth.
Período de influência – 1890-1940

John Dewey:
“The reflex arc concept in psychology”. Este artigo marca o início formal do
funcionalismo. Nele, Dewey critica a análise reducionista em Psicologia veiculada
pelo conceito de “arco reflexo”. Para Dewey, comportamento e mente não se podem
dissociar, devendo ser compreendidos em termos do papel que desempenham na
adaptação do organismo ao ambiente.
O conceito de arco reflexo:
A visão molecular do arco reflexo (estímulo -> resposta) é redutora
pois estímulo e resposta determinam-se mutuamente. Para Dewey é a função da
resposta, ou seja, a intenção da ação, que determina a resposta e não apenas o
estímulo (estimulo ßà resposta).
A intenção de aquecermos as mãos à luz de uma vela determina o
nosso comportamento face a esse estímulo. Não apenas a resposta depende do
estímulo como também aquilo que vamos considerar estímulo depende da resposta
que lhe pretendemos dar.
A psicologia começa a estudar o comportamento através de fenómenos
externos. Estava aberto o caminho para o Behaviorismo.

Funcionalismo:
a) Objeto – A psicologia deve estudar os processos mentais na sua função de
adaptação do organismo ao meio;
b) Fenómenos – Os fenómenos a investigar são as funções mentais que permitem
a adaptação ao meio; aqui inclui-se o desenvolvimento psicológico, a
normalidade e a patologia, as diferenças individuais;
c) Método – A psicologia deve utilizar uma grande variedade de métodos e deve
recorrer a populações diversificadas.

Contributos do funcionalismo:
Enquanto Wundt e Titchner transformaram em ciência experimental as
especulações filosóficas na linha de Descartes e Locke, os funcionalistas fundam uma

25
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

nova visão da Psicologia em torno da Teoria da Evolução de Darwin. Os seus


principais contributos para a psicologia são:
a) Oposição à perspetiva árida defendida pelo estruturalismo;
b) Alargamento do campo de investigação da psicologia e das populações
estudadas;
c) Desenvolvimento de novas metodologias de investigação, para além da
introspeção. Testes mentais, questionários, observação direta tornaram-se
fontes de informação respeitadas em psicologia.
Ao conceber a mente como mecanismo de adaptação dos indivíduos ao meio,
o Funcionalismo tinha especial interesse em aplicar os conhecimentos da psicologia a
diferentes áreas (educação, direito, indústria, publicidade, medicina e saúde mental,
economia). Acreditava que a psicologia podia ser usada para resolver problemas
práticos.

Críticas e limitações do funcionalismo:


O funcionalismo nunca se apresentou de forma organizada e sistemática, mas
sim como uma perspetiva algo vaga em que se enquadravam autores por vezes com
grandes divergências teóricas. Movimento de origem e influência restrita (América do
Norte). Os investigadores estavam mais preocupados com questões aplicadas do que
com questões teóricas, fato que dificultou o desenvolvimento de um quadro teórico
unificado.
O funcionalismo como escola desapareceu quando deixou de ser necessário
fazer oposição ao Estruturalismo. Os seus contributos vieram integrar a nova escola
psicológica americana – Behaviorismo.
A importância de olhar para os processos em lugar das estruturas e em
considerar a função dos comportamentos é uma característica da psicologia moderna
herdada do funcionalismo. O seu principal contributo foram as inúmeras linhas de
psicologia aplicada que despontaram na América: Psicologia Educacional, do
Trabalho, Clínica, do Desporto, entre outras.

Gestaltismo
Nasceu na Europa. Escola sobretudo dedicada à perceção.
Era considerada a psicologia da forma, sendo uma das cinco primeiras escolas da
Psicologia. De origem alemã, enquadra-se num movimento científico alargado que se
caracteriza pela recusa em abordar os fenómenos de forma analítica.
Reação (pela negativa) a toda a psicologia de índole associacionista
(estruturalismo, voluntarismo, behaviorismo).

• Antecedentes Genéricos:
o Correntes filosóficas não associacionistas:
§ Kant:
Perceção não resulta da associação mecânica da associação
mecânica de sensações elementares – a experiência percetiva é um

26
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

todo organizado pela consciência. Rejeita o associativismo


britânico.
Fenómeno versus Nuómeno:
à Fenómeno – Construção mental, que ordena e dá
sentido às sensações. Dá origem à fenomenologia.
à Nuómeno – Coisa em si, “Das Ding na sich”,
inacessível à consciência. Apenas temos acesso ao efeito.

§ Husserl:
Analisa os fenómenos de forma ingénua, sem ser treinado. Foi
professor de um fundador da Gestalt. A realidade é apenas o que
presenciamos dos objetos.
Fenomenologia – A essência das coisas não reside nos seus
constituintes físicos, mas sim na forma como o ser humano as
experiências.
A realidade consiste apenas nos objetos e coisas tal qual eles são
percebidos (experienciados) pela consciência humana.
Não há realidade independente da consciência humana; sujeito e
objeto não são separáveis.

o Teorias de campo (Física):


Mudança no Zeitgeist da Física:
Conceito de “campos de força” como sistemas globais. Objetos não
podem ser analisados separadamente, têm de ser vistos numa perspetiva
mais global.

• Antecedentes Próximos:
o Psicologia do Ato (Bretano):
Vem da Filosofia. Contemporâneo de Wundt. Tem uma perspetiva
mais funcionalista. Procura responder à pregunta “o que faz a mente?”.
Mais interessado nos atos do que no próprio objeto, não podendo estes ser
decompostos.
Psicologia do Ato – O objeto da psicologia são os “atos” ou processos
mentais e não os seus produtos, isto é, os conteúdos da consciência.
Os atos da consciência (“ato” de sentir, de perceber, de querer) não se
decompõem – são totalidades.
Favorecia a introspeção mais “pura” (observação direta da experiência
consciente) e não o esforço analítico da introspeção wundtiana – exerce
influência na perspetiva fenomenológica de Husserl.

o Escola de Wurzburg (Kulpe):


Alno de Wundt, fundou a escola de Wurzburg. A sua ideia de
pensamento sem imagens levanta questões aos associacionistas.

27
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Defende que os processos mentias superiores podem ser estudados


experimentalmente (por exemplo, o pensamento abstrato ou a resolução de
problemas).
Os processos mentais são criativos e não podem ser reduzidos a
elementos sensoriais e a processos de associação.
O clima intelectual de Wurzburg facilitou o aparecimento de um
sistema crítico que procurava corrigir o elementarismo da psicologia
wundtiana.

o Christian von Ehrenfels:


Psicólogo vienense, alno de Bretano. Redigiu um ensaio – sobre as
qualidades da forma (1890) -, cuja fama foi inicialmente insignificante,
mas que define as linhas que irão orientar o Gestaltismo. A totalidade que
é designada pelo termo melodia é constituída pela relação das notas entre
si (Gestalt) e não pela soma das notas isoladas.
O reconhecimento musical é realizado através da perceção auditiva.
Defende que não reconhecemos os elementos em si, mas sim, a relação
dos elementos entre si. A mente processa a relação e não os elementos.
O todo é superior à junção das partes.

Princípio orientar do Gestaltismo – A totalidade não é a soma das


partes, mas sim, o condicionamento destas, sendo esta vista como a
realidade da psicologia primária. As formas, estruturas e conjuntos são
realidades psíquicas primitivas.
Opõe-se assim à fragmentação analítica da vida psíquica preconizada
pelas teorias originais da psicologia do século XIX (voluntarismo,
estruturalismo, associacionismo).

• Figuras Centrais:
a) Max Wertheimer (1880-1943);
b) Kurt Koffka (1886-1941);
c) Wolfgang Kohler (1887-1967);
d) Kurt Lewin (1890-1947).
Sendo todos judeus, migram para os EUA durante a Segunda Guerra Mundial. O
seu período de influência ocorre desde 1910 a 1940.

• As três questões para o Gestaltismo:


a) Objeto – A psicologia deve estudar as experiências conscientes na forma
subjetiva e global com que são vividas pelo sujeito.
b) Fenómenos – Os fenómenos da perceção, pensamento e resolução de
problemas (fenómenos mentais superiores).
c) Método – A psicologia deve recorrer tanto a métodos subjetivos (introspeção
informal) como a métodos objetivos (experimentação, observação, etc.);
pessoas e outros primatas superiores são os sujeitos privilegiados.

28
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

• A fundação do movimento Gestalt:


Max Wertheimer – Psicólogo alemão, publicou em 1912 um estudo sobre o
fenómeno phi (movimento aparente), sobejamente conhecido na altura não fora ainda
explicado.

Movimento Aparente:
Problema para a psicologia de natureza analítica: como explicar uma perceção
de movimento que surge a partir de estímulos imóveis?
A perceção do movimento é superior à soma dos seus componentes: as duas
sombras isoladas não transmitem sensação de movimento; no entanto, a alternância
rápida entre elas leva à perceção do movimento.
A perceção consciente do movimento é algo “puro”, que não pode ser
decomposto nos seus constituintes.

• A Teoria Gestaltista da Perceção:


Gestalt = padrão, forma, estrutura.

As experiências vividas pela consciência tinham uma natureza global, eram


gestalts e não resultavam da justaposição de elementos básicos. A tentativa de reduzir
um acontecimento psicológico aos seus componentes mais básicos resulta no
desaparecimento desse fenómeno.
Exemplo disso, é o Cubo de Necker. A nossa experiência consciente alterna
entre duas Gestalt distintas.

O cérebro desenvolveu-se para percecionar o ambiente. A escola de Gestalt


identificou uma série de princípios que são regras que o nosso sistema mental segue
para organizar o mundo percetivo como um todo (e não as suas componentes).

Princípios da Organização Percetiva:


a) Lei da proximidade (perceção imediata e simples);
b) Lei da semelhança;
c) Lei da boa continuidade (evita ângulos e quebras; utilizada para proteção de
dados online);
d) Lei do fechamento (completa os espaços em falta);
e) Lei da pequenez.

Lei de Pragnaz (Kurt Koffka):


De todas as imagens possíveis, o sistema visual tende espontaneamente a
perceber a estrutura mais simples, mais equilibrada, mais homogénea, mais simétrica.
A lei de Pragnaz integra os diferentes princípios de organização percetiva que nos
permitem perceber os objetos como um todo.

29
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

O sistema visual tende a perceber a figura não como um conjunto complexo,


mas sim como uma figura simples. São os princípios da organização percetiva que
permitem distinguir essas figuras do fundo.

• A teoria Gestaltista para a aprendizagem:


Para além de ter constituído uma nova visão e um novo método de abordagem
para os fenómenos percetivos, a psicologia de Gestalt abordou ainda temas menos
básicos, tais como a aprendizagem e o raciocínio.
Aprendizagem enquanto restruturação do ambiente psicológico do indivíduo (e
não de associações entre estímulos e respostas).

Aprendizagem por Insight:


Para W. Kohler, a aprendizagem surge pela restruturação repentina da situação
(insight – visão súbita).
Para os gestaltistas, o problema é uma estrutura e a sua solução uma outra
estrutura. Resolve-se um problema passando de uma estrutura a outra, reorganizando
o campo percetivo. Esta reorganização é, em geral súbita – daí a solução ocorrer por
“inght” (exemplo: “Os insights de Sultan”).
A aprendizagem resulta de uma modificação brusca na forma como o animal
percebe o ambiente – a forma como as diferentes partes do problema se relacionam
precisa de ser alterada. A aprendizagem não se resolve por tentativa e erro, mas sim
subitamente. A aprendizagem torna-se mais difícil quando a situação com que o
sujeito se depara possui uma organização em que as conexões necessárias à solução
não são óbvias.

Kurt Lewin – Trabalhou com os três autores principais da Gestalt. Criou em


1945 no MIT um centro de investigação sobre dinâmicas de grupo que ainda hoje é
uma importante linha de investigação em Harvard.
Lewin não foi gestaltista puro, pois abandona a psicologia da consciência para
se dedicar ao estudo do comportamento e dos fenómenos grupais; no entanto, a sua
teoria do campo psicológico é uma teoria com grande influência das ideias da Gestalt.
O campo é determinado por uma totalidade organizada de acontecimentos – o
campo psicológico (ou life space), que tem características Gestalt.
O campo psicológico é constituído por elementos em diferentes estados de
equilíbrio e que se alteram consoante as necessidades, as expectativas, as
competências, o comportamento do indivíduo.

30
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Cada região representa os elementos presentes na mente do indivíduo num


dado instante e que são subjetivamente relevantes para o comportamento atual
(personalidade, capacidades, motivações, regras, metas, comportamentos).

• Em suma...
Ao contrário dos Estruturalistas, a psicologia da Gestalt não aceita que
experiências conscientes complexas possam ser divididas em unidades mais simples –
a perceção do todo é o facto psicológico mais saliente;
Ao contrário dos Behavioristas, a Psicologia da Gestalt não aceita que
comportamentos complexos possam ser divididos em sequências de comportamentos
mais simples ou em associações Estímulo-Resposta; também não aceita a rejeição que
os behavioristas fazem do estudo das experiências conscientes.

• Críticas ao Gestaltismo:
a) As propostas teóricas são vagas, pois os conceitos básicos não foram definidos
com suficiente rigor;
b) Modelos mais descritivos do que explicativos (identificaram uma série de
problemas, mas não conseguiram explica-los, apenas afirmam que isso é
resultado da organização percetiva);
c) Muitas hipóteses especulativas, sem demonstração experimental (por exemplo,
a ideia de que os princípios de organização percetiva operavam anteriormente
à perceção);
d) Estudo experimental pouco rigoroso (Pavlov não conseguiu reproduzir os
estudos de insight).

• Contributos do Gestaltismo:
O Gestaltismo teve um contributo inegável para as teorias da perceção. Ênfase nos
aspetos holísticos dos fenómenos psicológicos, pondo em relevo fenómenos a que a
psicologia da altura não tinha dado atenção.
O seu contributo foi absorvido pela Psicologia Cognitiva. Teve influencia sobre o
movimento americano da Psicologia Humanista.

Psicanálise
• Os antecedentes da Psicanálise: ambiente intelectual e social anterior à
Psicanálise:
Antes de Freud, eram os pacientes que ouviam o médico, contudo, com este, passa
a ser o médico a ouvir o paciente.
O consciente é visto como um depósito dos impulsos e pensamentos impróprios.
As pessoas com doença mental têm esses impulsos suprimidos. Freud achava que se
conseguisse aceder a esses impulsos podia corar doentes mentais.

31
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

O inconsciente pré-freudiano:
Desde sempre têm sido usados diferentes métodos para conhecer, domar ou
libertar “forças ocultas” que vivem dentro de nós. Embora nas cerimonias religiosas e
de cura de todos os povos que já́ habitaram este planeta existam elementos essenciais
para induzir o transe hipnótico, apenas no século XVIII se observou na Europa um
interesse súbito pelo hipnotismo.
O termo hipnose foi cunhado apenas em 1842 pelo cirurgião oftalmologista
escocês James Braid (adaptação direta da palavra grega hypnos que significa sono).
Segundo Braid, as pessoas podiam cair "num estado particular do sistema nervoso
determinado por manobras artificiais" desde que ocorresse fadiga cerebral e cansaço
visual, o que se conseguia por meio de repetições de palavras e gestos sugestivos.
O hipnotismo permitia o controlo sobre os demónios inconscientes,
possibilitando, assim, expulsá-los e conduzir à cura.

G. W. Leibnitz defendia existir um gradiente de experiências mentais que ia


desde as aperceções (experiências conscientes e claras) às perceções mínimas.
Sugeriu também que as perceções mínimas podiam influenciar comportamentos, sem
nunca serem detetadas pela consciência, introduzindo assim um conceito próximo do
de motivação inconsciente.
No século XIX, poetas e escritores usavam ópio para libertar “visões e sonhos
inspiradores”. O Romantismo criou um clima intelectual que favorecia o
reconhecimento da atividade mental inconsciente.
A ideia de duplicidade, de um outro agente mental autónomo dentro da nossa
própria mente, que poderia ser libertado em certas circunstancias (usando hipnotismo,
drogas ou poções) é um dos grandes contributos do Romantismo para a Psicanálise
freudiana.
Em resumo, a historiografia científica tem demonstrado que Freud não foi o
primeiro pensador europeu a descobrir o inconsciente.

A psicopatologia antes de Freud:


Philippe Pinel, em 1801 escreve um livro, onde defende que a doença mental é
um fenómeno natural (devido a causas físicas, sociais ou psicológicas), sendo,
portanto, tratável como as outras doenças. Anteriormente, os doentes mentais eram
vistos como possuídos por espíritos malignos (idade média) ou como seres irracionais
(século XVIII).
Os doentes mentais devem ser tratados como seres humanos (libertados das
correntes, alimentados convenientemente, atribuindo-se-lhes tarefas) e acompanhados
por médicos. Pinel aos poucos substituiu os tratamentos de sangrias, purgas e banhos
frios por uma terapia que envolvia contacto próximo e observação cuidada dos
pacientes.
Jean Martin Charcot, acreditava- se na altura que a histeria (do grego hystéra =
útero) era uma desordem do sistema nervoso de base emocional, causada por
alterações nos fluidos uterinos; em consequência, o seu tratamento envolvia técnicas
como a compressão dos ovários ou aplicações locais de sacos de gelo.

32
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Charcot identificou a histeria como uma doença sem causa orgânica,


atribuindo-lhe origem em traumas sexuais; esses traumas podiam revelar-se nos
sonhos. Utilizava a hipnose para induzir no paciente as manifestações
sintomatológicas próprias da histeria.

Charcot demonstrava para a sua audiência de médicos e estudantes que podia


usar a hipnose para criar sinais próprios da histeria numa pessoa sã (tremores,
paralisia, insensibilidade à dor, etc) e que podia igualmente aliviar sintomas dos
pacientes histéricos mediante sugestão hipnótica. Se uma mulher cega pela histeria o
deixava de o ser quando hipnotizada, então a causa do fenómeno era obrigatoriamente
mental.
A hipnose permite tratar essas doenças através do processo de catarse (ganhar
consciência do trauma) ou implantando memórias falsa (reconstrução da memória do
acontecimento traumático, criando por hipnose uma memória sem associações
negativas). Trata-se a mente e não o corpo.

A teoria Darwiniana da evolução:


Importância do instinto reprodutor (sexualidade) – A par com a seleção
natural, a força que está por trás da evolução das espécies é o instinto para deixar
descendência. A motivação sexual/reprodutora está subjacente a todos os
comportamentos.
A importância do significado dos comportamentos – Os comportamentos
(mais especificamente, Darwin estudou as emoções) têm uma função adaptativa, um
significado que é preciso descobrir para os compreender (o sorriso escarninho servia
para mostrar os caninos).
A importância do desenvolvimento das estruturas orgânicas – Os organismos
desenvolvem-se ao longo do tempo (ontogenia).

A sexualidade no século XIX:


Excesso de pudor: manifestava-se, por exemplo, no costume vitoriano de
cobrir os pés dos pianos com veludo.
Interesse acerbado pela sexualidade – Elevada incidência de prostitutas nos
centros urbanos (distrito londrino de Whitechapel, por exemplo); grande quantidade
de material pornográfico.
Condenação de qualquer prazer que não o espiritual – Podia-se condenar o
consumo do tabaco não por razões de saúde mas porque produzia sensações
agradáveis a quem fumava.
Estudo científico da sexualidade e da infância – Existia já a descrição
científica de “aberrações” sexuais (hoje tidas como comportamentos normais) e da
relação entre sexualidade e histeria (Charcot, Janet).

Apesar da conceção de idealizada de infância (sinónimo de inocência,


ingenuidade e pureza), começava a haver a ideia de uma sexualidade infantil. Em
1897, Albert Moll, médico vienense, refere a existência do desejo sexual da criança

33
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

pelo progenitor do sexo oposto, antecipando o conceito freudiano de Complexo de


Édipo.

• Sigmund Freud e o nascimento da Psicanálise:


Biografia:
Nasce em 6 de Maio de 1856, em Freiberg (Morávia), mas vai viver para
Viena a partir dos 4 anos.
Apaixona-se por Martha Bernaus. Como a carreira de investigador não
oferecia perspetivas económicas que lhe permitissem casar, abandona o laboratório e
abraça a carreira médica, entrando para o Hospital Geral de Viena.
Experimenta cocaína entre 1884 e 1887, publicando alguns artigos louvando
os efeitos desta substância e sugerindo o seu consumo a amigos e familiares.
Em 1885 recebe uma bolsa para fazer um estágio de curta duração em Paris,
com Jean Martin Charcot e Bernheim, onde se interessou pela histeria e pela hipnose.

As ideias e obra de Freud:


O Caso Fundador da Psicanálise: Anna O.:
Anna O. era uma jovem inteligente, de 21 anos, que investia grande parte do tempo a
cuidar do seu pai doente. Apresentava sintomas de paralisia em determinadas ocasiões, perda
de sensibilidade nas mãos e pés, espasmos involuntários e não conseguia beber água mesmo
estando com sede.
Depois de avaliada por diversos médicos que não encontraram causas físicas para os
seus sintomas, Josef Breuer diagnosticou-lhe um quadro clínico de histeria.
Em Julho de 1880 tinha havido um período de calor muito intenso durante o qual Anna O. sofrera
intensamente de sede porque, súbita e inexplicavelmente, era-lhe impossível beber. Pegava num copo
de água, mas mal lhe pousava os lábios, repelia-o como hidrófoba e, durante uns segundos, parecia
ficar ausente e alheada. Só se alimentava de fruta, única maneira de saciar a sede que a atormentava.
Os diversos sintomas que Anna O. apresentava foram abordados por Breuer um a um
através deste procedimento técnico: identificação da ocasião em que o sintoma aparecia e,
logo que o acontecimento que tinha levado à sua origem era descrito, o sintoma era
permanentemente removido.
O caso Anna O. fez uma grande impressão no jovem Freud quando lhe foi contado a
primeira vez em 1982, importância que foi empolada pelas ideias apreendidas em Paris,
durante o seu estágio com Charcot.
Freud acabou por convencer Breuer a publicar a história de Anna O., fazendo dela o
primeiro caso clínico exposto no seu livro conjunto Estudos sobre Histeria (1895).

Estudos sobre a Histeria (1895):


Obra pioneira de Freud (em co-autoria com Josef Breuer) e que marca o início
da Psicanálise.
As ideias defendidas em Estudos sobre a histeria não são originais. A inovação
da obra de Freud e de Breuer foi ligar estas duas ideias numa teoria consistente.
Por um lado, tomaram a ideia de Charcot de que os sintomas histéricos são
psicogénicos, ou seja, são efeito de uma causa psicológica desconhecida (experiência
traumática passada) e não produtos de uma anomalia orgânica do sistema nervoso.

34
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Esta noção implicava que um agente psíquico (estritamente mental) influenciasse os


processos físicos do organismo.
Por outro lado, defendem a ideia de cura por catarse, tradição que remontava
aos gregos, que se aproximava da confissão católica e já proposta pelo fisiólogo Jacob
Bernays (1824–1881).
Os histéricos sofrem principalmente de lembranças penosas e desagradáveis
de natureza traumática. O apagamento da nossa consciência de tais lembranças
penosas e emocionalmente carregadas exige um mecanismo de repressão ativo que
opere a um nível inconsciente da vida mental. O afeto estrangulado é então
“convertido” nos sintomas físicos da histeria (alterações na visão, audição, paladar,
olfato, dores agudas, anestesia total ou hipersensibilidade, paralisia total ou parcial,
tremores, convulsões, contrações e tiques).
A terapeuta da histeria envolviu um processo catártico que consistia em levar
o paciente a recordar, pela hipnose ou por conversação, o trauma psicológico sofrido,
provocando uma descarga emocional que conduzia à cura.

A Evolução das Técnicas Psicanalíticas:


Como forma de aceder aos conteúdos do inconsciente, Freud utilizou
inicialmente a hipnose, depois a técnica da pressão, a associação livre e,
posteriormente, a interpretação de sonhos.
Freud substituiu o uso da hipnose pelo método da associação livre em 1892-
1898, por considerá-lo bastante mais eficiente na exploração das memórias recalcadas
dos doentes.
O método assume o determinismo psíquico: qualquer atividade psíquica é
determinada, não é livre; tudo o que a nossa mente produz tem uma raiz inconsciente
que pode ser alcançada deixando o doente falar livremente.
Freud usou o método da associação na sua autoanálise e na interpretação de
sonhos.

A cura terapêutica preconizada pela psicanálise efetuava- se pela catarse. Em


1857, Jacob Bernays, defendia a importância médica do processo de catarse. Esta
ideia terá levado Freud e Breuer a ligar o termo catarse ao processo de cura
psicanalítico: evocação consciente de um facto inconsciente.
A terapeutica psicanalítica baseava-se unicamente em trocas verbais, partindo
de técnicas já utilizadas por Breuer e que Anna O. tinha denominado “a cura pela
fala”.

A Teoria da Sedução:
Versão 1 – Na origem da perturbação histérica dos adultos neuróticos estaria o
recalcamento de uma experiência traumática infantil em que a criança teria sofrido
uma tentativa de sedução sexual por parte de um familiar mais velho.
Versão 2 – A sedução era uma fantasia resultante de um desejo sexual pelo
progenitor que, por ser inconfessável, era recalcado.

35
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

A Interpretação dos Sonhos:


Os sonhos são manifestações disfarçadas de desejos infantis reprimidos. Como
esses desejos são inaceitáveis, sofrem transformação e ocultam-se sob a forma de
símbolos, que constituem o conteúdo manifesto do sonho. Diferentes mecanismos
permitem essa transformação (por exemplo, a condensação ou a deslocação). O
conteúdo latente do sonho (o seu significado real) será posto em evidência pela
análise psicanalítica.
A análise dos sonhos passa-se a ser usada por Freud como a técnica
psicanalítica fundamental.

A Psicopatologia do Quotidiano:
No dia-a-dia, os desejos inconscientes lutam para se manifestarem, afetando
os nossos pensamentos e ações.
Aquilo que à primeira vista parece ser um simples engano ou esquecimento
(conteúdo manifesto) tem, na verdade, um significado (um conteúdo latente),
refletindo um motivo inconsciente de que realiza o ato falhado.
Freud consegue, desta forma, retirar dos fenómenos banais do quotidiano uma
psicopatologia da normalidade, em que através da análise de pequenos atos, até então
destituídos de sentido, se consegue aceder aos motivos do inconsciente.
O livro está organizado em função da natureza dos lapsos que Freud analisa:
a) Esquecimento de nomes próprios;
b) Esquecimento de palavras;
c) Amnésia infantil;
d) Lapsos de linguagem;
e) Lapsos de escrita;
f) Lapsos de leitura;
g) Atos falhados.

Três ensaios sobre a teoria da sexualidade:


Considerado por Freud um dos pilares da sua teoria psicanalítica. Neste livro,
defende-se a importância do impulso sexual (libido) no comportamento das
pessoas.
Ao longo dos três ensaios, abordam-se aqui as suas ideias sobre a sexualidade
infantil, o contínuo entre práticas normais e patológicas e o complexo de
Édipo:
a) Desvio sexuais (desvios relativos ao objeto sexual e desvios relativos ao
fim sexual)
b) Sexualidade infantil (desenvolvimento psicossexual)
c) As transformações da puberdade

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

O Inconsciente:
O psiquismo humano organiza-se em três instâncias – primeira tópica:
O consciente é a zona do psiquismo que corresponde aos pensamentos e
sentimentos a que o sujeito tem acesso direto através da introspeção.
O subconsciente é constituído pelos conteúdos que podem ser trazidos à
consciência.
O inconsciente é um repositório de conteúdos censuráveis (pulsões, desejos,
sentimentos, recordações) que lutam contra mecanismos de censura para se expressar
a nível da consciência.

A dinâmica do psiquismo humano é controlada por dois princípios:


Princípio do prazer – Este princípio rege o inconsciente e visa a realização
imediata dos desejos; as pulsões sexuais inconscientes procuram-se exprimir, sendo
passíveis de punição social.
Princípio da realidade – Processos conscientes que determinam o
comportamento que o indivíduo tem de assumir para se auto- preservar no seu
ambiente social. O consciente avalia quais as pulsões do inconsciente que podem ou
não ser satisfeitas.
A consciência protege-se do princípio de prazer desenvolvendo mecanismos
de defesa que negam ou distorcem a realidade dos conteúdos inconscientes (negação,
deslocamento, projeção, racionalização, regressão, sublimação, etc.).

Para além do Princípio do Prazer:


As forças inconscientes não se reduzem apenas ao princípio do prazer, mas a
dois tipos de pulsão:
Pulsão da vida (“Eros”) – Motivos associados à sexualidade, à reprodução.
Pulsão da morte (“Thanatos”) - Motivos associados à dissolução, à quebra dos
laços – “urgência presente em todo o organismo para regressar ao estado inanimado
primordial”.

A experiência clínica de Freud com os traumatizados da primeira Grande


Guerra (que tendiam a reativar espontaneamente as experiências traumática sem vez
de recalcá-las) e com pacientes masoquistas levou-o a postular esta segunda pulsão
para equilibrar a tendência para o prazer.

O Ego e o ID:
O psiquismo humano - segunda tópica: a mente organiza-se em três instâncias
psíquicas que interagem entre si.
Id – Repositório dos impulsos de Eros e Thanatos; fonte da energia psíquica,
sem preocupações lógicas, temporais ou morais. Impulsiona e pressiona o Ego e a sua
atividade é inconsciente.
Ego – Diferencia-se do Id no primeiro ano de vida; campo de ação dos
elementos conscientes e pré-conscientes, que gere os determinantes do
comportamento; corresponde ao elemento racional da mente. Gere as necessidades

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

primitivas expressas pelo Id e as exigências normativas impostas pelo Superego.


Superego – Interiorização das imagens idealizadas dos progenitores e das
normas sociais; desenvolve-se a partir do complexo de Édipo.

O Futuro de uma ilusão / O mal-estar na civilização:


Freud estende a análise psicanalítica à sociedade e às produções culturais.
A religião não seria mais do que uma ilusão, uma tentativa de satisfazer
desejos infantis de proteção por um pai simbólico (Deus).
Os impulsos inconscientes podem ser sublimados, de forma a serem expressos
por comportamentos socialmente aceites. No entanto, isso tem o preço: a emergência
de sintomas neuróticos.
A civilização implica necessariamente a repressão dos impulsos inconscientes
e a sua sublimação. Por isso, existirá sempre neurose.

Principais contributos da psicanálise freudiana para a psicologia:


Desde o seu início e durante décadas, a Psicanálise desenvolveu-se à margem
da Psicologia mais tradicional, sendo atacada no início por psicólogos como
Woodworth, Watson ou Cattell.
A partir de 1930, começou a ter aceitação na América, havendo tentativas de
avaliar cientificamente as ideias defendidas por Freud (com resultados muitas vezes
ambíguos).
Aos poucos a linguagem psicanalítica foi integrada na Psicologia main stream
(mesmo Skinner se adaptou alguns conceitos freudianos à linguagem do
behaviorismo).
Apesar de todos as críticas, a Psicanálise trouxe contributos significativos para
a Psicologia moderna.
Explicação puramente psicológica de algumas doenças mentais
a) Importância de fatores inconscientes na vida psíquica – motivos
inconscientes, mecanismos de defesa, simbolização, etc.
b) Importância da sexualidade e da afetividade na vida psíquica
c) Importância das experiências infantis na compreensão da vida psíquica
do adulto.

Críticas à Psicanálise Freudiana:


O questionamento das ideias de Freud entre defensores e opositores tem sido tão feroz
que se têm denominado “Freud Wars”. Para além de divergências conceptuais que
levaram ao aparecimento de dissidentes dentro do quadro psicanalítico, podem ser
apontadas duas grandes críticas à Psicanálise freudiana:
a) O apoio empírico para as ideias teóricas de Freud é limitado e mesmo
distorcido.
b) Dificuldade em transformar os conceitos psicanalíticos em proposições
empiricamente testáveis.

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Apoio empírico deficitário:


a) A recolha de dados não é sistemática nem decorre em situações controladas
(por exemplo, não havia registo em tempo real das verbalizações dos doentes
durante as sessões; esse registo era feito de memória, a posteriori)
b) Seleção enviesada da informação (Freud parecia apenas considerar a
informação que suportava as suas ideias)
c) Contradição entre anotações ainda existentes (pela mão de Freud) e o que ele
publicou baseado nessas anotações
d) A análise histórica mostra que os relatos de cura propostos Freud para alguns
dos seus casos são falsos (por exemplo, o caso de Anna O.).

• Os dissidentes da Psicanálise Freudiana:


Psicanalistas que rejeitaram aspetos centrais da teoria freudiana, nomeadamente
ênfase na sexualidade e no determinismo do inconsciente e das experiências infantis.

Alfred Adler:
Terceiro filho de uma família judia. Desenvolveu diversas doenças durante a
infância (raquitismo que só lhe permitiu andar aos 4 anos, pneumonia). Médico
vienense, especializado em oftalmologia e que se dedica mais tarde à medicina geral.

A Psicologia Individual de Adler apresenta diferenças marcadas face às ideias


de Freud. A personalidade é um todo – daí a noção de Psicologia Individual - e não
constituída por estruturas ou traços.
Propõe um único impulso inato básico para o comportamento. Este impulso
foi formulado de diferentes formas ao longo da carreira de Adler:
a) Primeiro como agressividade ou assertividade;
b) Depois como compensação (tentativa de compensar inferioridades reais ou
imaginadas; insere-se aqui o conceito de complexo de inferioridade);
c) Finalmente, numa fase final da sua vida, como desejo de alcançar a perfeição
(no sentido do desenvolvimento total do self), conceito que irá influenciar a
Psicologia Humanista.

O comportamento e a personalidade do indivíduo são determinados por forças


sociais e não biológicas.
Em vez do termo “personalidade”, Adler prefere a expressão estilo de vida para se
referir à forma como o indivíduo resolve os seus problemas e se relaciona com o seu

39
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

ambiente.
O estilo de vida é um padrão de respostas uno, inconsciente e repetitivo que o
indivíduo desenvolve para resolver as principais tarefas da sua vida (relações sociais,
ocupação/trabalho, amor/casamento, etc.).

Este estilo de vida é específico de um indivíduo – todos têm um estilo de vida,


mas não existem duas pessoas com o mesmo estilo. Forma-se durante a infância (4-5
anos) e permanece consistente ao longo da vida. As diferentes experiências de vida
vão sendo assimiladas a esse estilo inicialmente formado.
O conceito de estilo de vida enfatiza as metas que o indivíduo pretende alcançar –
objetivos de vida.
Os objetivos de vida são formados na infância e podem permanecer inconscientes;
funcionam como forma de compensação da inferioridade, da insegurança e do
desamparo transmitido à criança pelo mundo dos adultos e como forma de proteção
contra o sentimento de impotência.
Todas as pessoas têm a mesma meta (a compensação da inferioridade), mas
existem diversas maneiras de alcançá-la, constituindo isso o seu estilo de vida. Uma
pessoa tornar-se superior desenvolvendo o intelecto, outra dedicando os seus esforços
à perfeição muscular.
A compensação surge na teoria de Adler como o recalcamento na teoria de
Freud: quando o indivíduo sente ou fantasia algum tipo de inferioridade, vai
desenvolver uma série de processos inconscientes de compensação, de forma a
restabelecer o equilíbrio.

Sentimentos de inferioridade fortes (complexos de inferioridade) à Impede o


desenvolvimento e o crescimento positivo.

Sentimentos de inferioridade moderados à Desenvolvimento positivo e saudável.

Se os sentimentos de inferioridade forem muito fortes, os objetivos de vida


podem tornar-se irreais, desenvolvendo-se neurose. Esses objetivos de vida podem ser
conscientemente mudados na vida adulta através da psicoterapia.
Assim, a psicoterapia adleriana tenta dissolver estilos de vida arcaicos
regulados por objetivos inadequados e estimular uma abordagem mais adequada à
vida.

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Adler distingue quatro tipos de estilo de vida, cada um privilegiando um grau


de interesse social e de atividade:

Tal como Freud, Adler dá especial importância aos primeiros anos de vida na
formação da personalidade adulta.
No entanto, as experiências infantis que Adler indica como potenciadoras de
estilos de vida desajustados são de natureza social e relacionadas com sentimentos de
inferioridade e com as inadequadas formas de os compensar.
Especialmente importantes são os problemas de saúde durante a infância ou a
ordem de nascimento na fratria.
Em vez de sermos determinados mecanicamente pelas nossas experiências
passadas, Adler vê a motivação como algo que nos dirige para o futuro.
Mais focado na relação do indivíduo com o ambiente do que nos conflitos
internos, Adler confere à psicanálise uma dimensão mais social.

Carl Jung:
Jung tem uma ascensão fulgurante no meio psicanalítico vienense,
acompanhando Freud na sua viagem americana (1909) e tornando-se o primeiro
presidente da Associação Internacional de Psicanálise (1910).
Por trabalhar num hospital psiquiátrico, Jung teve a oportunidade de ser o
primeiro a experimentar os métodos psicanalíticos de Freud em doenças psicóticas
(esquizofrenia), mais graves do que a neurose.

Diferenças entre a Psicologia Analítica jungiana e a Psicanálise freudiana


a) As forças que moldam a personalidade não resultam apenas das experiências
vividas nos anos da infância, mas também do presente e das nossas metas e
aspirações futuras.
b) Libido não é definida em termos sexuais, mas sim enquanto energia vital; as
diferentes componentes da libido (alimentação, evacuação, sexo,
intelectualidade) expressam- se em função daquilo que é crucial para o
indivíduo num dado instante.
c) O complexo de Édipo não tem importância primordial e o conceito de

41
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

sexualidade infantil de Freud não seria correto.


d) O desenvolvimento psíquico decorre ao longo da vida, sendo a meia-idade
uma das fases mais importantes na autorrealização do eu.
e) A mente inconsciente inclui não apenas o nível pessoal (que contém as
memórias, impulsos e desejos da vida individual que forma reprimidos e que
podem facilmente ser chamados ao consciente) mas também um nível mais
profundo – o inconsciente coletivo – que acumula as experiências das
gerações anteriores no formato de arquétipos.

Arquétipos são determinantes inatos da vida mental que predispõem as pessoas


para agir de forma semelhante aos nossos antepassados em situações similares. Jung
trata os arquétipos como órgãos psicológicos (na medida em que, tal como os órgãos
físicos, resultaram da evolução).
A noção de arquétipo permite compreender porque em lugares e em épocas
distantes aparecem temas idênticos nos contos de fadas, nos mitos e lendas, nos ritos
de religiões, nas artes, etc.

Jung propôs uma gama ampla de imagens e acontecimentos arquetípicos, mas


destaca quatro estruturas psicológicas cuja natureza seria arquetípica.
a) Persona (“máscara” que usamos quando contactamos com outras pessoas);
b) Anima e animus (características que cada pessoa exibe do outro sexo);
c) Sombra (parte primitiva da personalidade, que contém os desejos ignorados ou
moralmente inaceitáveis);
d) Self (impulso para a harmonia e unidade de todos os aspetos do inconsciente).

O Comité Secreto:
Perante as ameaças dos dissidentes, formou-se em 1912 o "Comité Secreto", que
reunia os discípulos fiéis aos princípios originais da Psicanálise.

• Os descendentes da Psicanálise Freudiana:


Psicanalistas que aderiram às premissas centrais do modelo freudiano, mas que
ainda assim modificaram alguns pontos (expansão do conceito de Ego, tornando-o
mais independente do Id; maior ênfase dados as forças psicossociológicas; menor
importância dos fatores psicossexuais).

Movimento da Psicologia do Eu:


A Psicologia do Eu alarga as funções do Ego, integrando aspetos afetivos e
cognitivos do ser humano e assumindo relativa independência face ao Id.
Ex: Anna Freud, Heinz Hartman, Erik Erickson

Movimento kleniano:
Perspetiva psicodinâmica centrada na psicanálise infantil; a relação mãe-filho
durante os primeiros seis meses de vida é generalizada a todos os objetos da vida da

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

criança e a natureza da personalidade adulta baseia-se na natureza desta relação


primordial. Papel do medo e da agressividade no desenvolvimento infantil (oposição
aos freudianos).
Ex: Melanie Klein

Movimento da relação objetal:


Perspetiva psicodinâmica centrada entre objetos e não nos impulsos instintivos
(objeto: elemento capaz de satisfazer um impulso); enfoque na relação mãe-filho
(vinculação).
Ex: John Bowlby, Donald Winnicott

Movimento lacaniano:
Perspetiva psicodinâmica de natureza hermenêutica: o inconsciente tem a
estrutura de uma linguagem e a psicanálise consiste em descodificar essa linguagem,
como um crítico literário lê um texto a fim de captar o seu significado, que pode
inclusivamente passar despercebido ao autor que o criou.
Ex: Jacques Lacan

• Síntese:
Freud considerava a Psicanálise como uma das teorias revolucionários sobre o
Homem, a par das ideias de Copérnico e de Darwin. Na verdade, a Psicanálise teve
um efeito avassalador na Psicologia, tanto nas práticas de intervenção
psicoterapêutica como na forma como concebemos o Homem.
A psicanálise é simultaneamente uma técnica terapêutica, um método de
investigação e um corpo autónomo de conceitos organizados numa teoria. Partindo de
preocupações clínicas, Freud desenvolveu uma nova Psicologia que se demarcava da
psicologia novecentista centrada na consciência (Wundt, Titchner, William James) e
também da psicologia behaviorista, centrada no estudo das relações estímulo-resposta.
O âmbito das conceções freudianas ultrapassou a Psicologia, tendo sido utilizadas
como instrumento para analisar religiões, mitos, modos de vida, arte e cultura.
Em termos populares, a Psicanálise continua a ser a vertente mais visível da
Psicologia, muitas vezes sendo confundida com ela.
No entanto, a relação da Psicanálise com a Psicologia dita científica tem sido
problemática, pois continua a ser-lhe recusado o estatuto de cientificidade
Não só os seus conceitos e explicações têm sido acusados de serem empiricamente
indemonstráveis, como a própria terapia psicanalítica pode ser acusada de ineficácia
ou de eficácia restrita (a existirem melhores na saúde mental do paciente, estas não se
observam a curto prazo; o cliente pode tornar-se dependente do terapeuta; é um
tratamento dispendioso e só é aplicável a pessoas com boa expressão verbal).
O movimento psicanalítico tem sofrido sucessivas revisões, encontrando-se
dividido em diferentes escolas, algumas delas assumindo já muito poucas das ideias
originais de Freud. No entanto, algumas ideias básicas como a existência de processos
inconscientes, o conceito de um desenvolvimento dinâmico da personalidade, a

43
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

importância das experiências infantis na vida psíquica do adulto são pontos que
caracterizam qualquer perspetiva psicodinâmica em Psicologia.
Embora extensamente criticada, reconhece-se a inovação da Psicanálise na
forma de olhar o Homem e a sua mente. A Psicanálise alargou claramente o domínio
da Psicologia e influenciou toda a vida intelectual contemporânea.

Behaviorismo
• Influências Filosóficas:
Associacionismo (baseado principalmente no associacionismo):
(John Locke, Gergoge Berkley, David Hume, David Hartley, John Stuart Mill)

Defendia que:
a) À nascença, a mente é tabula rasa;
b) Os conteúdos da mente são adquiridos pela experiência (empirismo);
c) Ideias simples associam-se entre si para formar ideias mais complexas;
d) As associações são feitas com base na semelhança ou na contiguidade
(temporal ou espacial) das ideias;
e) A repetição fortalece a associação;
f) As leis da associação explicam os processos de memória, raciocínio, emoção e
ação.

AlexanderBain:
Filósofo escocês; embora a sua influência na Lógica, Gramática e Retórica
sejam consideráveis, a sua reputação deve-se ao contributo que fez para o
desenvolvimento da Psicologia moderna.
No seguimento do associacionismo britânico, Bain propunha que todos os
estados mentais e conhecimentos se baseavam em sensações físicas.
Foi o primeiro autor da Grã-Bretanha a defender a Fisiologia como forma de
elucidar os estados mentais, desenvolvendo uma teoria do paralelismo psíquico-físico.

O trabalho de Bain articula a Fisiologia sensório-motora experimental com a


Psicologia associacionista. Defendeu (antes de Wundt) a identidade da Psicologia
como disciplina científica (1851), independente da Filosofia (metafísica especulativa);
é por alguns considerado o verdadeiro percursor da Psicologia moderna.
Escreveu o primeiro tratado importante exclusivamente dedicado à Psicologia
(dois volumes: The Senses and the Intellect, 1855; e The Emotions and the Will,
1859), onde propunha que a Psicologia se expressasse em termos das Leis da
Associação. Esta obra permaneceu o livro de base para os estudantes ingleses de
Psicologia durante meio século. Nesse livro, apresentou a ideia de aprendizagem por
tentativa e erro.
Fundou a revista Mind (1876), o primeiro periódico científico dedicado
explicitamente à Psicologia (“A Quarterly Review of Psychology and Philosophy”) e
que ainda se publica na atualidade.

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Aprendizagem por tentativa e erro – formulada para explicar a associação


entre movimento e sensações, evoca pela primeira vez o conceito de “tentativa e erro”
(trial and error).

Se ao sentirmos dor física fizermos um movimento acidental e espontâneo que


alivie essa sensação de dor, iremos repetir esse movimento sempre que a sensação
surgir. O organismo pode aprender a dar resposta a estímulos (de dor, por exemplo)
por tentativa e erro, estabelecendo uma associação entre o estímulo e a resposta e a
força de associação depende do resultado da ação.

Objetivismo/Positivismo:
O Positivismo é uma perspetiva filosófica que defende que o único
conhecimento válido é o conhecimento científico, o qual resulta da verificação
positiva de teorias pelo método científico.
Para Comte, as Ciências Físicas do século XIX já tinham chegado a este
estádio desejável de desenvolvimento. As Ciências Humanas teriam de abandonar as
questões metafísicas e especulativas e passar a basear-se apenas em factos
observáveis e demonstráveis.
Seguir a direção do Positivismo de Comte dava às Ciências Humanas
oportunidade de aspirarem à posição de credibilidade das Ciências Físicas.

• Funcionalismo:
(Galton, James, Dewey, Angell)

Procura responder à pergunta “Que funções desempenha a consciência?” e não


à pergunta “De que partes é constituída a consciência?”, centrando-se nas operações e
processos mentais e não nos seus conteúdos.
Centra-se na utilidade / função da consciência: a mente e a consciência têm
por função permitirem uma relação mais eficaz do organismo com o seu meio
ambiente; a consciência existe porque ajuda o organismo a sobreviver; a sua função é
adquirir, fixar e organizar experiências que determinam as ações do organismo.
Contém grande interesse quanto às aplicações práticas da Psicologia
(avaliação psicológica, psicologia clínica, psicologia industrial).

Com a aceitação crescente da perspetiva funcionalista, os psicólogos


começaram a desacreditar:
a) No valor da introspeção;
b) No interesse (e mesmo na existência) dos elementos básicos da consciência;
c) Na necessidade da Psicologia se manter uma ciência pura, sem aplicações.

45
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

• Psicologia Animal:
Antes do século XIX, havia pouco interesse no comportamento animal, uma
vez que estes eram considerados autómatos, sem mente ou alma.
A teoria darwiniana da evolução das espécies por seleção natural veio
defender a continuidade entre animal e humano: “Não há diferença fundamental entre
homem e outros mamíferos superiores no que respeita às faculdades mentais”
(Darwin, 1871).
As ideias de Darwin fizeram aumentar o interesse pelo comportamento animal
dado a possível semelhança com o comportamento humano. Nas décadas finais do
século XIX há grande divulgação de histórias e relatos sobre capacidades mentais de
animais.

George Romanes (1848-1894)


Fisiólogo britânico, amigo de Darwin.
Publica Animal Intelligence (1882), o primeiro livro de “Psicologia
Comparada”, onde procura demonstrar aspetos da inteligência animal comparando
exemplos de diferentes espécies.
Problemas metodológicos: anedoctal method (uso de observações pontuais,
casuais, não sistemáticas de comportamento animal); introspeção por analogia
(conhecendo as operações da mente humana, a observação das atividades de uma
outra espécie permitiria inferir quais as operações mentais em jogo).

A escala do funcionamento mental (Romanes, 1893)

C. Lloyd Morgan (1852-1936)


A fim de contrariar a tendência da época para antropomorfizar e atribuir
excessivas capacidades mentais aos animais, propõe o princípio da parcimónia
(cânone de Lloyd Morgan).

Lei da parcimónia – Um comportamento animal não deve ser interpretado


como resultando de um processo mental superior se for explicável em termos de um

46
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

mecanismo mental inferior. Tem influência central no Behaviorismo.

• Conexionismo:
Para analisar a mente humana é preciso encontrar as conexões de força
variável que se estabelecem entre o ambiente (características da situação) e as
respostas do organismo (prontidão para responder, inibições, direções de resposta).
Se todos estes aspetos forem inventariados, conhecendo-se exatamente o que
aquele homem pensaria ou faria, o que o satisfaz e o que o repugna, em todas as
situações possíveis, então não haveria mais nada a explicar.
Aprender é fazer conexões. A mente é o sistema humano para fazer conexões.

Edward Lee Thorndike (1874-1949)


Foi aluno de William James e de Lloyd Morgan.
Animal Intelligence: an experimental study of the associative processes in
animals (1898) – primeira tese de doutoramento em Psicologia a usar animais como
sujeitos experimentais.
Dedicou-se posteriormente ao estudo de aprendizagem em seres humanos, e
mais tarde à Psicologia da Educação.

Aprendizagem por “trial and error and chance success”

a) Lei do Efeito – Dos atos realizados por um organismo numa dada situação,
aquele que leve à sua satisfação fica de tal forma associado à situação que,
quando ela se repetir, o ato vai ter maior probabilidade de ocorrer que
anteriormente. Inversamente, qualquer ato que produza desconforto numa
dada situação vai ter menor probabilidade de ser executado quando a situação
se repetir. Quanto maior a satisfação ou o desconforto, maior o fortalecimento
ou o enfraquecimento da conexão estabelecida.

A resposta de fuga (conjunto de movimentos que levam o gato a libertar-se)


torna-se cada vez mais rápida à medida que o número de repetições (ensaios)
aumenta.
b) Lei do Exercício – Quantas mais vezes uma resposta for dada em determinada
situação, mais forte a conexão que se estabelece entre essa resposta e essa
situação. Mais tarde Thorndike percebeu que a conexão dependia mais da
natureza das consequências da resposta que do facto de ela ser repetida, pelo
que abandonou a Lei do Exercício.

A obra de Thorndike é anterior ao behaviorismo, enquadrando-se ainda na corrente


funcionalista americana. Depois de Thorndike:
a) Importância decrescente dada ao papel da consciência na Psicologia Animal;
b) Importância crescente do método experimental no estudo do comportamento;
c) Importância crescente da perspetiva mecanicista: a Psicologia pode/deve ser
reduzida ao estudo das associações Estímulo – Resposta;

47
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

d) Importância crescente do tema “Aprendizagem” em Psicologia.

• Reflexologia:
Ivan Pavlov (1849-1936)
Sofre a influência de Ivan Sechenov (1829- 1905), que procurava explicar
mecanicamente os atos voluntários considerando-os ações reflexas.
Prémio Nobel em virtude dos trabalhos sobre a fisiologia da digestão: controlo
nervoso dos reflexos digestivos (1904).
O trabalho seu é publicado na Science em 1906, introduzindo as suas ideias
aos estudiosos da Psicologia Comparada na América. Pavlov conseguiu mostrar
experimentalmente que os processos mentais em animais (aprendizagem) podiam ser
explicados sem recorrer ao conceito de consciência.

Reflexo – Relação entre um acontecimento externo particular (estímulo) e um


comportamento fixo (resposta).
Reflexo inato – Reflexos pré-programados no organismo, com valor de
sobrevivência para o organismo.
Reflexos condicionados – Reflexos aprendidos (originalmente, chamou-lhe
reflexos psíquicos)

Esquema de um reflexo inato (não condicionado)


Estímulo não condicionado (ENC) à Resposta não condicionada (RNC)
Carne à Salivar

Estímulo neutro (EN) à Sem resposta relevante (RNR)


Som de campainha à Localizar fonte sonora com o olhar

Condicionamento pavloviano (ou clássico)


a) Fase 1 – Antes do treino (pré-condicionamento):
a. Carne (ENC) à Salivar (RNC) Som de campainha (EN) à Localizar
fonte sonora com o olhar (RNR)
b) Fase 2 – Treino (condicionamento):
a. Som de campainha (EN) + Carne (ENC) à Salivar (RNC) (ensaios
reforçados)
c) Fase 3 – Após o treino (pós-condicionamento):
a. Som de campainha (EC) à Salivar (RC)

48
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Podemos avaliar a intensidade do condicionamento através de:


a) Intensidade da resposta condicionada (por exemplo, quantidade de saliva
produzida);
b) Latência da resposta condicionada (quanto tempo demora o estímulo
condicionado a evocar a resposta)

Que fatores que afetam a intensidade do condicionamento?


a) Número de ensaios reforçados durante o treino;
b) Intervalo de tempo entre o estímulo ENC e o EN.

EN precede o ENC e há sobreposição ( “delayed conditioning”): é o tipo de


condicionamento mais eficaz.
EN precede o ENC mas não há sobreposição ( “trace conditioning”): é eficaz
se o intervalo entre os dois estímulos for curto.
EN e o ENC são apresentado ao mesmo tempo (“simultaneous conditioning”):
produz condicionamento fraco.
ENC termina antes da apresentação do EN ( “backward conditioning”): este
condicionamento é o menos eficaz de todos.

Extinção
Os reflexos condicionados não são permanentes. Um condicionamento pode
ser extinto, desde que não haja emparelhamentos reforçados.
Uma RNC intensamente condicionada resistirá mais à extinção do que uma
RNC débil. A velocidade extinção depende dos fatores envolvidos no processo de
treino (por exemplo, o número e a percentagem de emparelhamentos reforçados
utilizados).

A extinção não é um processo simples pois uma resposta condicionada é


facilmente recondicionada.

49
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Fenómeno de recuperação espontânea – A associação criada pelo


condicionamento não desaparece, apesar de não se manifestar no comportamento.
Interpretação destes resultados – O organismo aprende a inibir a resposta
condicionada.

Generalização
A associação adquirida no condicionamento não se limita ao estímulo
utilizado; ela generaliza-se a estímulos semelhantes. Quanto mais um estímulo for
semelhante ao EC original, mais intensa será a resposta RC.

Generalização primária – Feita com base nas propriedades físicas do estímulo.


Por exemplo: círculo e elipse.
Generalização secundária – Feita com base em semelhanças de significado; é
um tipo de generalizações que se sobretudo verifica nos humanos.

Por exemplo: generalizar de “leão” para “tigre” mas não generalizar de “leão”
para “peão”.

Discriminação
Se as respostas produzidas pela generalização não forem reforçadas,
extinguem-se progressivamente, havendo um processo de discriminação. O
organismo passa assim a distinguir entre estímulos semelhantes.
O estímulo EC+ é reforçada e o estímulo EC- não é. A RC passa a ser evocada
unicamente por EC+.
O processo de discriminação é frequentemente utilizada para avaliar as
capacidades percetivas de organismos que não podem expressar-se verbalmente
(crianças e animais).

Condicionamento de ordem superior


Quando uma resposta condicionada está adquirida e estável, o EC pode ser
considerado temporariamente como um ENC. Pode então ser estabelecido novo
condicionamento, no qual um novo estímulo neutro é emparelhado ao EC já
estabelecido. A resposta RC é condicionada ao novo estímulo sem intervenção do
ENC primitivo. Trata-se de um condicionamento de segunda ordem.

Condicionamento clássico fora do laboratório

Explicação do comportamento humano:


a) Condicionamento de respostas emocionais: medos, fobias, atração sexual.
b) Rachman and Hodgson (1968) – condicionamento de resposta sexual a botas.
c) O condicionamento clássico no ser humano é limitado.

Modificação do comportamento humano:


a) Treino de controlo de respostas involuntárias (tiques). Dessensibilização

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

sistemática (fobias).
b) Não há necessidade de interpretar os comportamentos para os poder modificar.

Tratamento para a enurese de Mowrer e Mowrer (1938):


Coloca-se na cama da criança com enurese um colchão ligado a um
dispositivo elétrico que, quando molhado, faz tocar uma campainha. A campainha
acorda então a criança. A partir de algumas repetições deste ciclo, onde molhar a
cama faz acordar a criança, esta passa a associar a sensação de pressão na bexiga
(previamente um estímulo neutro) à resposta de acordar. Rapidamente a pressão na
bexiga se torna suficiente para acordar a criança, permitindo-lhe assim ir ou pedir
para ir ao WC.

Fase 1 – Antes do treino (pré-condicionamento):


Campainha (ENC) à Acordar (RNC) Pressão na bexiga (EN) à Nenhuma resposta
específica (RNR)

Fase 2 – Treino (pré-condicionamento):


Pressão na bexiga (EN) + Campainha (ENC) à Acordar (RNC) (notar que o EN
antecipa o ENC)

Fase 3 – Após o treino (pós-condicionamento):


Pressão na bexiga (EC) à Acordar (RC)

Condicionamento clássico
O condicionamento clássico pode ser considerado uma das formas mais
primitivas de aprendizagem; virtualmente todas as espécies são capazes de aprender
através deste mecanismo, desde organismos unicelulares (como a paramécia) até aos
humanos.
Baseia-se em processos simples, automáticos, involuntários, que não estão sob
controlo da consciência. A sua função é permitir a adaptação dos animais ao seu
ambiente.
Para Pavlov, o chimpanzé não era mais inteligente que um rato (em termos
qualitativos): tinha apenas mais áreas associativas no córtex e mais órgãos executivos
(dedos, braços).
Embora permita explicar como as pessoas adquirem reações de medo à
palavra "Exame", ou reação de nostalgia perante determinado cheiro, não permite
explicar como se aprende a resolver problemas.

• Behaviorismo:
John Watson (1878-1958):
Animal Education (PhD, 1903): qual a contribuição de cada órgão sensorial
para a aprendizagem de percurso num labirinto?

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Psychology as the Behaviorist Views It (1913): a psicologia vista como o


estudo objetivo do comportamento, nomeadamente através do estudo das associações
entre estímulos e respostas.
Pretende mostrar a continuidade de processos psicológicos entre as espécies
animais e o homem, transformando o rato branco no sujeito privilegiado da Psicologia
Experimental. Watson não trouxe novidades teóricas, mas radicalizou as posições
dos seus antecessores: “mind is behavior and nothing else”. Teve grande sucesso em
termos de aplicações práticas (publicidade, práticas parentais, etc.).

O programa de Watson para a Psicologia


A Psicologia deve estudar unicamente aquilo que pode ser descrito
objetivamente, nomeadamente as respostas do organismo a estímulos. Existem
respostas simples (flexão do joelho) e respostas complexas (dançar), que Watson
designa “atos.”
As respostas podem ser explícitas (diretamente observáveis) ou implícitas (não
observáveis diretamente por ocorrerem no interior do organismo: movimentos
viscerais, secreções glandulares, impulsos nervosos).
A investigação psicológica deve utilizar técnicas objetivas (observação direta
ou através de instrumentos, testes, treino por condicionamento, etc.).
Ao contrário da Psicologia tradicional da altura, o sujeito humano deixa de ser
observador e passa a ser observado; o experimentador passa a ser o observador.
O objetivo da Psicologia era analisar os comportamentos em ternos do par S-R,
decompondo pares S-R complexos em unidades S-R elementares.
Impossibilitado de negar a evidência do pensamento, Watson tentou reduzi-lo
a respostas motoras implícitas. Considerou que o pensamento envolvia reações e
movimentos implícitos associados ao discurso (pensar era falar em silêncio,
subvocalmente).

Respostas emocionais em crianças Little Albert versus little Peter:


Albert (11 meses) foi submetido a um processo de condicionamento de uma
resposta natural de medo a ruído forte utilizando um rato branco como estímulo
neutro; observou-se a generalização da resposta condicionada a outros estímulos
fisicamente semelhantes (coelho, máscara de Pai Natal).

Little Peter – Peter (3 anos de idade) tinha naturalmente medo de coelhos;


Watson e Mary Cover Jones utilizaram técnicas de condicionamento para eliminar
essa fobia (início da terapia para mudança de comportamentos desadaptados - "A
Laboratory Study of Fear: The Case of Peter”, Mary Cover Jones, 1924).
Apesar de, em termos teóricos, estes estudos não irem mais longe que as descobertas
de Pavlov, mostraram que as perturbações emocionais da vida adulta podiam ter outro
tipo de explicação que não a freudiana.

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

• O sucesso do Behaviorismo:
A carreira não académica de Watson (publicidade, marketing) permitiu-lhe
divulgar o Behaviorismo (e a Psicologia) por toda a América:
Investigação aplicada (não académica) – Publicidade e manipulação do
comportamento dos consumidores.
Livro sobre práticas parentais (Psychological Care of the Infant and the Child,
1928).
Divulgação junto de largas audiências.
Promessas de sucesso na modificação do comportamento e na melhoria
(científica) da sociedade; o seu livro Behaviorism (1925) foi considerado “um marco
na história intelectual do Homem”.

• Críticas ao Behaviorismo Watsoniano:


A psicologia americana estava disponível para alterar o seu rumo na direção
de uma objetividade maior do que a permitida pelas perspetivas anteriores, baseadas
na introspeção. No entanto, o posicionamento radical de Watson não foi bem aceite.
Para William McDougall (1871-1938), os dados comportamentais devem ser o foco
da Psicologia, mas não se pode dispensar os dados da consciência (como determinar o
significado de um estímulo ou de uma reação sem analisar a verbalização que o
sujeito faz dessa experiência?). Critica igualmente o determinismo excessivo do
behaviorismo, que não deixa espaço para o livre arbítrio.

• Contributos do Behaviorismo Watsoniano para a História da Psicologia:


Watson foi um agente catalisador do zeitgeist, levando a que a Psicologia
adotasse a atitude mais positivista que caracterizava aquilo que na altura se esperava
da ciência.
A atitude radical de Watson, apesar de não ser bem aceite e apesar das
polémicas geradas, garantiu que a quase toda a Psicologia americana se tornasse
behaviorista em menos de 15 anos.
Apesar do descrédito de muitas das suas ideias, tornou a metodologia e a
terminologia da Psicologia mais objetiva e abriu portas para versões mais realistas do
behaviorismo.

Neo-Behaviorismo
O behaviorismo evolui em três fases:
a) A “pseudo-revolução” behaviorista (radical behaviorism), lançada por Watson
(1913-1930);
b) O neo-behavorismo, que define o estudo da aprendizagem como o objetivo da
Psicologia, decorreu entre 1930 e 1970 (Guthrie, Hull, Skinner);
c) Surgimento de um behaviorismo mais atento a aspetos cognitivos e sociais,
desenvolvido a partir de 1960 (Bandura e Rotter).
As diferentes formas de behaviorismo foram sendo criticadas internamente e

53
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

externamente (movimento “constraints on learning”), criando espaço ao paradigma


cognitivista.

• Clark Leonard Hull:


Formado em Engenharia e doutorado em Psicologia (1918). Versão sofisticada
do behaviorismo, centrado no estudo da motivação e da aprendizagem.
O objetivo é formular leis fundamentais do comportamento, expressas em
linguagem matemática. O sistema teórico de Hull é de base biológica: os organismos
sofrem privações (falta de alimento, e.g.), que vão criar necessidades biológicas que,
por sua vez, criam impulsos (drives, e.g. fome) que ativam comportamentos (procura
de comida). O objetivo do comportamento é satisfazer uma necessidade (tem metas) e
a manutenção desse comportamento é alimentada pela redução da necessidade
(reforço). Há impulsos primários (de base biológica) e impulsos secundários
(adquiridos por aprendizagem semelhante ao condicionamento clássico).

• Burrhus Friederich Skinner:


Licenciou-se em Literatura Inglesa e só depois em Psicologia. Considerado o
psicólogo mais importante do seu tempo.
Para além de obras científicas, escreveu obras literárias e ensaios onde
explorava as consequências sociais da sua perspetiva teórica (Walden II, 1948;
Beyond Freedom and Dignity, 1971). Skinner preocupou-se mais com a descrição do
comportamento do que com a sua explicação. Embora não os negasse, não tinha o
mínimo interesse pelos estados internos dos organismos; acreditava que todo o
comportamento era explicável a partir das forças externas que atuavam sobre o
organismo.

Caixa de Skinner:
O animal (geralmente sozinho) é colocado numa gaiola onde se encontra um
dispositivo que fornece alimento (ou bebida, ou choques elétricos) – uma alavanca se
o sujeito for um rato, um botão se o sujeito for um pombo.
A caixa é um ambiente controlado que permite registar continuamente, de
forma objetiva e precisa respostas simples do animal.

Condicionamento operante (ou instrumental)


A resposta do organismo é um instrumento para obter determinado efeito
(alcançar ou evitar algo).
Os elementos envolvidos neste condicionamento são:
a) Resposta operante (ou instrumental) – Resposta voluntária emitida por um
organismo e que ocorre espontaneamente, sem ter sido desencadeada; podem
ser aprendidas isoladamente ou em sequências complexas (cadeias de
comportamento), de modo a que o resultado final seja a obtenção da meta
desejada.

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

b) Reforço – Qualquer acontecimento que, seguindo uma resposta operante, faz


aumentar a probabilidade de ela ocorrer novamente. O reforço é o elemento
central do condicionamento operante.
c) Punição – Qualquer acontecimento que, seguindo uma resposta operante, faz
diminuir a probabilidade de ela ocorrer novamente.

O reforço favorece a re-ocorrência de determinada resposta operante. O reforço


pode ser positivo ou negativo:
a) Reforço positivo – A resposta conduz a uma consequência positiva;
b) Reforço negativo – A resposta evita uma consequência negativa; este tipo de
reforço faz aumentar os comportamentos de fuga ou de evitamento
(aprendizagem de evitamento).

A punição diminui a re-ocorrência de determinada resposta operante. A


punição pode ser positiva ou negativa:
a) Punição positiva – A resposta conduz a uma consequência negativa;
b) Punição negativa – A resposta evita uma consequência positiva.

Exemplo: Reforço positivo:


Dar sobremesa à criança se ela comer o jantar. (Comer o jantar dá acesso a
uma consequência positiva).

Reforço negativo:
Castigar a criança se ela não comer o jantar. (Comer o jantar evita uma
consequência negativa).

Punição positiva:
Castigar a criança por ela fizer birra ao jantar. (Fazer birra ao jantar produz
uma consequência negativa).

Punição negativa:
Não dar a sobremesa à criança se ela fizer birra ao jantar. (Fazer birra evita o
acesso a uma consequência positiva).

Aprendizagem por punição:


Skinner defendeu que a punição, ao contrário do reforço (positivo ou
negativo) era inadequada à aprendizagem, indicando 5 razões:
a) Menos eficaz que o reforço, pois limita-se a suprimir um comportamento e
não em fortalecer um comportamento desejável;
b) É menos eficaz a longo termo – Embora suprima de imediato o
comportamento, não o enfraquece a longo prazo;
c) Causa comportamentos de fuga indesejáveis a uma situação de aprendizagem;
d) Fomenta respostas emocionais (raiva, vergonha, agressividade);

55
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

e) Fomenta hábitos no punidor.

Contingências de reforço:
A atribuição do reforço pode ser ou não contingente à resposta operante
(depender dela):
a) Reforço contingente: a atribuição de reforço segue um critério (programa de
reforço);
b) Reforço não contingente: a atribuição de reforço é feita aleatoriamente; pode
dar azo a comportamentos supersticiosos, se o organismo associar
(erroneamente) uma resposta ao reforço.

• Programas de reforço:
Reforço contínuo – Cada vez que o organismo emite a resposta operante é-lhe
atribuído reforço;
Reforço intermitente ou parcial – A resposta operante só é reforçada algumas
vezes, seguindo um critério (critério temporal ou de razão);
Extinção – A resposta operante nunca é reforçada; leva à extinção da resposta.

Padrão de
Taxa de resposta Padrão de resposta Resistência
reforço
Razão fixa Muito alta (razões Resposta estável se a Quanto maior a
elevadas geram taxas razão for baixa; resposta razão, maior a
de resposta elevadas) com breves depois de resistência à
cada reforço se a razão extinção
for alta
Razão A taxa mais alta Respostas constantes, O mais resistente
variável (razões elevadas geram sem pausas à extinção
taxas de resposta
elevadas)
Intervalo A taxa mais baixa Pausas longas depois do Quanto maior o
fixo (intervalos mais curtos reforço, seguidas de intervalo, mais
geram taxas de aceleração gradual resistência à
resposta elevadas) extinção

56
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Intervalo Moderada (intervalos Respostas estáveis e Mais resistente à


variável mais curtos geram uniformes extinção do que
taxas de resposta um programa de
elevadas) intervalo fixo com
o mesmo intervalo

Programas de reforço parcial intervalar:


Reforça-se a resposta desejada após um intervalo de tempo desde o último
reforço. Esse intervalo de tempo pode ser fixo (2 em 2 minutos) ou pode ser variável
(em média, 2 minutos).
O programa de intervalo fixo gera um periodismo da produção das respostas,
ou seja, uma quebra nas respostas até aos momentos imediatamente antes do reforço.
Esse periodismo pode ser eliminado com o programa variável.

Programas de reforço parcial de razão:


Reforça-se a resposta desejada apenas após ter sido dado um determinado
número de respostas corretas desde o último reforço. Esse número pode ser fixo
(reforçar de 4 em 4 respostas) ou pode ser variável (reforçar, em média, cada 4
respostas).
A taxa de resposta é mais estável que no programa intervalar, mas nota-se uma
pausa entre grupos de respostas, imediatamente após o reforço, sobretudo quando a
razão é elevada. O programa variável elimina esse efeito.
Pode-se ainda fazer variar a razão de forma crescente.

• Programas de extinção:
Não se reforça nunca a resposta; conduz ao desaparecimento gradual da
resposta até ao nível pré-condicionamento. A velocidade da extinção depende do
programa de reforço utilizado: é mais rápida nos programas contínuos que nos
parciais; é mais rápida nos programas fixos que nas variáveis.
O reforço de razão fixa é um programa adequado para a aquisição de novos
comportamentos, porque o sujeito repete esses comportamentos muitas vezes. O
reforço de razão variável é o mais adequado para manter o comportamento.

Generalização e Discriminação:
Embora os estímulos da situação de condicionamento operante não
desencadeiem respostas como no condicionamento clássico, os estímulos presentes na
situação em que um comportamento é reforçado são aprendidos, permitindo ao
organismo predizer quando o reforço está ou não disponível.
Estímulo discriminativo – Estímulo que assinala a disponibilidade do reforço;
o organismo aprende a reconhecer a situação em que pode ser reforçado.

Estímulo → Resposta → Reforço


(não confundir com o condicionamento clássico: aqui os estímulos não desencadeiam

57
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

respostas, servem apenas de sinal)

Podem verificar-se processos de generalização ou discriminação destes


estímulos – por exemplo, “pode-se ensinar um pombo a ler”.

Reforço condicionado:
O reforço pode ser primário ou secundário (condicionado):
Reforço secundário – Um estímulo inicialmente neutro que se torna reforçante
por ser sistematicamente emparelhado a um reforço primário, este tendo significado
biológico direto (processo semelhante ao condicionamento clássico).

Treino – Resposta à Estímulo neutro à Reforço primário


Pós-treino – Resposta à Reforço condicionado
O poder destes reforços condicionados depende do emparelhamento com os
reforços primários.

Moldagem (shaping):
Aprendizagem por aproximações sucessivas
Consiste no reforço seletivo de respostas cada vez mais próximas da resposta
final desejada (moldagem comportamental por aproximações sucessivas).
As técnicas de moldagem permitem que o indivíduo adquira comportamentos
muito complexos (por exemplo, a linguagem dos humanos).

• Contribuição de Skinner para a compreensão do Comportamento humano:


Abordagem ao organismo que ignora a mente: o indivíduo funciona pelo
efeito de condições externas que o afetam. Tudo o que uma pessoa faz resulta da sua
história única de reforços e punições.
Descreve um conjunto de processos que permitem explicar a aprendizagem de
comportamentos complexos.
Permitiu o desenvolvimento de técnicas para modificação de comportamento,
com aplicação clínica ou educacional.

Condicionamento Clássico Condicionamento Operante


Estímulos Associação entre estímulos O comportamento é acompanhado
neutros e incondicionados. de consequências positivas.
Natureza do Reflexos, respostas Comportamentos aprendidos,
comportamento automáticas. adquiridos.
Tipo de Involuntária. Voluntária.
Resposta
Papel do Passivo; o comportamento Ativo; o sujeito opera para obter
Sujeito do sujeito é mecânico. satisfação e evita a dor.
Tipos de A aprendizagem faz-se por A aprendizagem faz-se por reforço
Aprendizagem associação de estímulos. (positivo ou negativo).

58
História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

• Criticas ao behaviorismo:
Depois das conceções teóricas mais sofisticadas de Hull, o behaviorismo de
Skinner parece ser um retrocesso teórico ao behaviorismo radical de Watson.
Entre estes dois autores houve uma série de outros investigadores que
defenderam a necessidade de considerar variáveis mediadoras entre o estímulo e a
resposta.
As principais críticas ao Behaviorismo skineriano:
a) Existirão leis universais da aprendizagem? Movimento das restrições à
aprendizagem;
b) As variáveis mediadoras são dispensáveis? Integração de conceitos
mentalistas nos processos de aprendizagem (início do Cognitivismo): Tolman,
Rotter, Bandura;
c) Podem as leis de aprendizagem explicar o desenvolvimento do
comportamento verbal na criança?

Restrições à aprendizagem (constrainst on learning):


O alvo da crítica do movimento “constraints on learning” é a tese behaviorista
da Equipotencialidade: “Qualquer resposta tem, à partida, o mesmo potencial para ser
condicionada” (Karl Lashley).
Segundo a perspetiva das restrições à aprendizagem, os organismos estão
preparados (pela evolução natural) para aprender mais facilmente determinados tipos
de associações estímulo-resposta-reforço que outros tipos de associação.

Exemplo: condicionar medo a ratos é fácil, mas Watson nunca conseguiu


condicionar o pequeno Albert a ter medo de binóculos de ópera.

A rejeição da equipotencialidade é importante porque põe em causa:


a) A universalidade das leis de aprendizagem;
b) A importância das predisposições dos organismos, o que dificulta a
generalização do animal para o homem.

Um behaviorismo cognitivista?:
Interpretação de Tolman: aprendizagem latente:
Aprende a discriminar as caixas A e B e os caminhos que conduzem a cada
uma, sem que nenhum reforço esteja por trás de tal discriminação; essa aprendizagem
não é revelada no comportamento.
As caixas ganham novo significado para o animal, devido ao reforço: uma é
para evitar, a outra para procurar.
A aprendizagem manifesta-se sem necessidade de haver experiência (ensaios
e erros). A aprendizagem não depende apenas do reforço; existe aprendizagem
latente. Conceito de mapa mental.

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Aprendizagem social:
Crenças sobre o reforço (Rotter, 1966):
A Teoria da Aprendizagem de Rotter faz apelo a variáveis internas do sujeito
(expectativas, valores, crenças), as quais vão determinar os efeitos das experiências
externas (reforço).
Uma das crenças fundamentais em aprendizagem seria acerca da fonte de
reforço: interna (locus de controlo interno) ou externa (locus de controlo externo).
Pessoas que creem que o reforço não depende do seu controlo (locus de controlo
externo) fazem poucas tentativas para mudar a situação, tendem a atribuir o reforço à
sorte.

Modelagem e imitação (Bandura):


A imitação é o processo básico de aprendizagem social. A aprendizagem
realiza-se pela observação e imitação do comportamento de um modelo, sem
necessidade do reforço.
O reforço do modelo (reforço vicariante) é suficiente para haver
aprendizagem. A modelagem é a reprodução pelo observador de um comportamento
em condições semelhantes às em que ele foi observado e às quais se aplicam as
mesmas regras do modelo.

Desenvolvimento da linguagem
A perspetiva de Skinner sobre os comportamentos humanos complexos,
nomeadamente a aprendizagem da linguagem, foi alvo de duras críticas. Em 1959,
Chomsky publicou uma crítica ao livro de Skinner “Verbal behavior”, onde defendia
que a visão funcionalista da linguagem defendida por Skinner deixava de parte 12
pontos fundamentais, de que se destacam:
a) A criança aprende a falar mesmo que os seus “professores” (os pais, os pares,
os educadores) sejam falantes imperfeitos ou irregulares;
b) As diferentes línguas humanas partilham características universais:
a. A linguagem respeita uma gramática que a criança aprende, mas que
não lhe é ensinada explicitamente.

Chomsky defende que para dar conta de todas estas questões não se pode
recorrer apenas a aprendizagens baseadas em reforço, mas tem de se fazer apelo a
mecanismos mentais inatamente determinados e específicos para processar a
linguagem. A crítica de Chosmky abriu caminho à revolução cognitiva.

• Contributos do neo-behaviorismo:
Apesar de todas as críticas, a figura de Skinner ombreia com Freud como uma
das personalidades mais importantes na história da Psicologia.
Durante os anos 50 e 70, a psicologia americana foi maioritariamente guiada pelas
suas ideias.

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Apesar da sua visão mecanicista do funcionamento dos organismos, Skinner


era um humanista, procurando que a sua tecnologia comportamental permitisse
melhorar a vida humana.
Os princípios do behaviorismo sistematizados por Skinner continuam a ser
aplicados por psicólogos numa série de intervenções (escolas, clínicas, laboratórios).
No entanto, o behaviorismo deixou de ser o sistema teórico central da Psicologia,
vertendo alguns dos seus contributos (nomeadamente o rigor metodológico) na
perspetiva teórica que lhe seguiu e que domina atualmente a Psicologia - o
cognitivismo.

Psicologia Humanista
A Psicologia de orientação humanista nasceu na América no início da década
de 60, sobretudo graças ao trabalho de dois homens – Abraham Maslow e Anthony
Sutich – e como uma “terceira força”, em oposição às duas outras forças que
dominavam a Psicologia da altura.

• A terceira força:
Oposição ao mecanicismo behaviorista (“Primeira Força”):
Olhar somente para o comportamento é desumanizar o ser humano; ele é mais
do que uma unidade “S-R”.

Oposição ao determinismo psicanalítico (“Segunda Força”):


Olhar para o ser humano como jogo dos impulsos instintivos inconscientes é
redutor; a consciência é mais do que um reflexo superficial da dinâmica inconsciente.

A Psicologia Humanista assume que os valores éticos e a capacidade para o


ser humano se autodeterminar são forças psicológicas fundamentais na compreensão
do seu comportamento.
A Psicologia deverá focalizar-se nas características que tornam humano o ser
humano (criatividade, espírito crítico, princípio éticos, liberdade,
autodeterminação...).
Não nega o efeito limitativo do ambiente, mas acredita que o ser humano é
intrinsecamente bom e motivado para transcender as suas limitações e “atualizar” o
seu potencial humano (autorrelaização).

Temas básicos:
A Psicologia Humanista recorre a métodos de natureza fenomenológica, pois
considera os métodos científicos tradicionais inadequados a um estudo apropriado dos
seres humanos.
A Psicoterapia não serve apenas para tratar pessoas emocionalmente
perturbadas ou psicóticos; ela é sobretudo relevante para pessoas saudáveis que
estejam interessadas em cumprir o seu potencial humano. De resto, deverá ser essa a
principal função da Psicologia.

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

• Influências filosóficas:
Existencialismo – Corrente filosófica europeia (finais do séc. XIX até meados
do séc. XX) que destaca a liberdade individual e a responsabilidade do ser humano. O
existencialismo considera cada homem como um ser único que é responsável pelos
seus atos e do seu destino.

Fenomenologia – Corrente filosófica que estuda a essência da consciência tal


como é vivida do ponto de vista do indivíduo (na primeira pessoa); procura descobrir
o que é acessível através da experiência, abordando os conteúdos da consciência sem
preconceitos nem teorias pré-concebidas por parte do observador.

• Evolução histórica:
1957/58 – Dois primeiros encontros de psicólogos interessados em fundar uma
associação profissional dedicada a uma perspetiva mais humanista em Psicologia (sob
organização de Maslow).
1958 – A expressão “Psicologia humanista” foi utilizada pela primeira vez por
John Cohen (psicólogo inglês).
1961 – Funda-se a American Association for Humanistic Psychology e é
publicado o primeiro volume do Journal of Humanistic Psychology.
1964 – Primeira conferência americana de Psicologia Humanista.
1971 – A APA atribuir uma secção dedicada ao movimento humanista.

Os autores mais conceituados desta “Terceira Força” da Psicologia são:


a) Abraham Maslow (1908-1970) – Desenvolveu uma teoria hierárquica das
motivações, dando especial relevo à necessidade dos seres humanos para se
autorrealizarem (“cumprirem o seu potencial”).
b) Carl Rogers (1902-1987) – Criou a terapia centrada no cliente, onde a tendência
do ser humano para a autorrealização é o motor da mudança terapêutica.
c) Rollo May (1909-1994) – Recebe influência das correntes filosóficas europeias
– fenomenologia e existencialismo -, integrando-as na teoria freudiana.
d) Victor Frankl (1905-1997) – Defende que a procura de significado na vida é a
principal força motivacional do ser humano. Desenvolve a “logoterapia”, um
tipo de psicanálise onde a busca de significado substitui o princípio de prazer
freudiano.

Abraham Maslow (1908-1970):


Teve como professores Alfred Adler, Erich Fromm, Margaret Mead, Ruth
Benedict e Max Wertheimer. Tendo mais proximidade com os dois últimos, tomava
notas sobre eles, tentando analisar o que os fazia serem seres humanos tão “bem
conseguidos”.
Maslow pretendia que a ciência abordasse todos os problemas que tinha vindo
a pôr de lado (religião, poesia, valores, filosofia, arte...)

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

Para isso, começou a tentar compreender os grandes cientistas, pensadores,


artistas (ou seja, os melhores espécimes humanos com que se deparava).
A partir destas análises, desenvolveu uma teoria hierárquica da motivação
humana, onde defende que, desde que as necessidades básicas sejam satisfeitas,
podem surgir as motivações mais elevadas para a autorrealização.

As necessidades de défice (necessidades


D), caso não sejam satisfeitas, provocam no
indivíduo a energia suficiente para satisfazê-las.
No entanto, se forem satisfeitas, o indivíduo deixa
de se sentir motivado.
Ao contrário da anteriores, as
necessidades de crescimento (being necessities)
não diminuem quando são satisfeitas, sendo fonte
constante de motivação.
Todas as pessoas têm um impulso natural
para se realizarem a si mesmas, ou seja, para usar todas as suas qualidades a fim de
concretizar o seu potencial enquanto ser humano. No entanto, apenas 1-2% da
população consegue satisfazer estas necessidades.

Carl Rogers (1902-1987):


A grande força motivacional da personalidade é a tendência para a
autorrealização, uma motivação que leva o indivíduo a desenvolver-se como um ser
humano maduro e saudável. A saúde psicológica de um indivíduo pode perturbar-se
se o seu “self” percebido não for compatível com o seu “self” ideal ou com
experiências do mundo real (“incongruência”).

Terapia Rogeriana:
também denominada Terapia centrada no cliente ou Terapia não diretiva

A capacidade de mudança reside no cliente (que já não se chama “paciente”) e


não no terapeuta. É abandonado o modelo médico (em que se considera ser o médico
quem possui o conhecimento necessário para tratar o paciente).
O cliente é quem sabe o que está mal e o que está bem, quem deve encontrar
formas de melhorar e quem deve determinar quando acaba a terapia. Ao terapeuta
apenas compete criar uma atmosfera que facilite o desenvolvimento da terapia,
ajudando o cliente a clarificar as suas ideias e a sua forma de pensar sobre o
problema.
A terapia rogeriana é uma terapia de “suporte” e não de “reconstrução”
Para que a terapia seja eficaz, o terapeuta deve mostrar três qualidades:
a) Congruência – Ser genuíno, honesto com o cliente;
b) Empatia – Capacidade para sentir o que o cliente sente;
c) Respeito – Aceitação, respeito positivo incondicional face ao cliente;
Estas três qualidades são necessárias e suficientes: se existirem, o cliente

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

melhorará, mesmo que não se utilizem outras técnicas; se não existirem, a melhoria
do cliente será mínima mesmo com ajuda das técnicas terapêuticas mais sofisticadas.

Viktor Frankl (1905-1997):


“Entre estímulo e resposta existe um intervalo e é nesse intervalo que temos o poder
de escolher a nossa resposta. Nessa resposta reside o nosso crescimento e a nossa
liberdade.”

O seu livro mais famoso (1945, com o longo título: "...apesar de tudo, dizendo
sim à vida: experiências de um psicólogo num campo de concentração”, mas mais
conhecido pelo título inglês “Man's Search for Meaning”) relata a vida quotidiana de
um campo de concentração na perspectiva de um psiquiatra.

A sua teoria resultou grandemente da sua experiência como prisioneiro nos


campos de concentração nazis: observando quem conseguia e quem não conseguia
sobreviver, Frankl concluiu que pessoas com esperança de se vir reunir ainda aos seus
familiares, que tinham projetos que desejavam cumprir ou que tinham fé possuíam
mais probabilidade de sobreviver que aqueles que tinham perdido a esperança.
Este autor defende a existência de um significado inerente a cada ser humano
e que o motiva para atingir os seus objetivos – é essa busca de significado a força
motriz do psiquismo humano.
A “Logoterapia” é um tipo de psicanálise que postula a busca incessante de
significado.

• Contributos da corrente Humanista para a Psicologia:


Introduziu novos conceitos e valores na Psicologia, permitindo uma
compreensão mais rica da natureza e condição humana.
Desenvolveu um conjunto alargado de métodos para a prática da psicoterapia
que ultrapassa largamente o modelo médico seguido por behavioristas e psicanalistas,
gerando assim um grande espectro de terapias e expandindo as opções para lidar com
problemas psicológicos.
Desenvolveu novos métodos de investigação, orientados para o conhecimento
da subjetividade do indivíduo e os significados que ele atribui às suas experiências.
Carl Rogers foi o primeiro autor a estudar de forma científica o processo
terapêutico (analisando de forma sistemática e rigorosa registos da interação
terapeuta- cliente).

• Limitações do contributo da corrente Humanista para a Psicologia:


Perspetiva teórica que não aborda muitos aspetos da vida mental
(nomeadamente, os aspetos cognitivos, sociais, etc).
Corrente com impacto sobretudo em termos aplicados (no universo da
psicoterapia) e não ao nível teórico e académico.
Alguma imprecisão conceptual, que dificulta a sua avaliação em termos

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científicos. Ênfase dado ao estudo de casos e não a estudos científicos tradicionais


(estudos correlacionais e experimentais).

• Uma quarta força – Psicologia Transpessoal:


No final da sua vida (1968), Maslow sentia-se insatisfeito com o
desenvolvimento da Psicologia Humanista e iniciou uma "quarta força" - uma
abordagem holística à Psicologia, que honrasse o espectro completo das experiências
humanas, incluindo as experiências espirituais e os estados alterados de consciência.
Até então as abordagens da Psicologia tradicional (incluindo a perspetiva
humanista) ignoravam o conceito de transcendência.

Peak Experiences:
Na base desta quarta força está o estudo de Maslow sobre “peak experiences”
(1964), nas quais o sentimento do eu (self) se dissolve numa consciência mais global.
O conceito de autorrealização não permitia dar conta deste tipo de experiências.

Uma “peak experience” tem algumas das seguintes características:


a) Experiência positiva muito forte e profunda (próxima do êxtase);
b) Sentido profundo de paz e tranquilidade;
c) Sentir-se em sintonia com o resto do universo;
d) Sentir um conhecimento ou compreensão profundos;
e) Inefabilidade – experiência muito especial, dificilmente traduzível por
palavras.

A maior parte das pessoas já viveu experiências desta natureza, mas raramente
as partilhas com os outros. A Psicologia Transpessoal acredita que estas experiências
são janelas importantes para a saúde mental dos seres humanos.

Self Transcendence:
No enquadramento transpessoal, Maslow adicionou um sexto nível à sua
hierarquia das necessidades: uma necessidade para a transcendência do self, uma
motivação para “peak experiences”.

A transcendência do self refere-se à experiência direta de uma conexão


profunda e harmoniosa com os outros e com o mundo. É a essência das experiências
místicas. Apenas algumas das pessoas que buscam a autorrealização buscam também
este tipo de transcendência.

Psicologia Transpessoal:
“A Psicologia transpessoal aborda o estudo do potencial humano mais
elevado, procurando reconhecer, compreender e concretizar os estados de consciência
espirituais e transcendentes" (Lajoie & Shapiro, Journal of Transpersonal Psychology,

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História e Sistemas da Psicologia Apontamentos Teórica

1992).

Os temas abordados incluem desenvolvimento espiritual, self para além do


ego, peak experiences, experiências místicas, transe, crise espiritual e outras
experiências de transcendência.
As escolas tradicionais da Psicologia têm tendência a ignorar ou patologizar os
níveis de funcionamento transpessoal, considerando-os condições de regressão
patológica (“falácia pré-trans” de Ken Wilber).
Será preciso diferenciar problemas psíquicos pré-racionais de problemas
transpessoais válidos.
O conceito de “crise espiritual”, como contrapartida ao nível da
disfucionalidade psicológica, levou à proposta de uma nova categoria de diagnóstico
– "Psychoreligious or Psychospiritual Problem" - , que foi incluída na 4a edição do
Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-IV).

• Contributos da Psicologia Transpessoal para a História da Psicologia:


Trata-se de uma abordagem demasiadamente recente e ainda em expansão
para compreendermos o seu impacto (se tiver algum...) no atual desenvolvimento da
Psicologia.
Tendo enquadramento em movimentos que rejeitam o paradigma tradicional
da ciência, esta abordagem não tem encontrado reconhecimento na vertente mais
científica da Psicologia.
No entanto, os seus autores acreditam que um novo paradigma surgirá: uma
escola da Psicologia verdadeiramente integrada e positiva, capaz de reconciliar a
ciência com as experiências de transcendência espiritual.

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