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II.1.2.

EXEMPLO DE APLICAÇÃO: DIFUSÃO EM ESTADO ESTACIONÁRIO


ATRAVÉS DE UM FILME FINO
O objetivo é determinar o fluxo de difusão e o perfil de concentração, ou
seja, quanto soluto move-se através de um filme e como a concentração varia ao
longo do filme. Matematicamente é um problema extremamente simples.
Fisicamente ele apresenta sutilezas que merecem reflexão.
Situação física:
Cada lado do filme tem uma solução de um soluto (espécie 1) com
concentrações diferentes. Ambas as soluções são diluídas e muito bem agitadas.
O soluto difunde de uma concentração mais alta, mantida constante em z ≤0, ao
lado esquerdo do filme, até uma concentração mais baixa e também mantida
constante no outro lado do filme, localizada a z ≥l.

c1,0

c1,l

∆z

0 l z

Figura 7: Difusão através de filme

Para determinar o perfil de concentração e o fluxo através do filme,


escreve-se um balanço de massa sobre uma fina camada ∆z localizada em uma
posição arbitrária z no interior do filme, como já demonstrado na equação (35):

(acumulação de soluto num volume A∆z)=(taxa de difusão para dentro da camada,


em z) - (taxa de difusão para fora da camada, em z+∆z)


∂t
(
[( A∆z )c1 ] = AJ 1 z − A J 1 z + ∆z
) (35)

Observe que a taxa de difusão é o fluxo de difusão multiplicado pela área


do filme (A). Neste caso, a área é constante com a distância. Além disso, como o
processo está em estado estacionário, a acumulação é nula. Logo,

(
0 = A J1 z − J1 z + ∆z
) (39)

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Dividindo-se esta equação pelo volume da fina camada de filme, A∆z, e
fazendo-se o limite para ∆z muito pequeno:

 J1 − J1 z 
0 = − lim  z + ∆z  (40)
∆z →0 ( z + ∆z ) − z 
 

Logo,

dJ 1
0=− (41)
dz
Se esta equação for combinada com a Lei de Fick (equação 34), então,
para um coeficiente de difusão (D) constante pode-se escrever:

d 2c1
0=D (42)
dz 2
Essa equação diferencial está sujeita a duas condições de contorno:

z=0 c1 = c1, 0 (43)

z =l c1 = c1,l (44)

Evidentemente, se o sistema está em estado estacionário, as


concentrações são independentes do tempo.
Essa consideração pode ser facilmente alcançada com volumes das
soluções adjacentes muito maiores que o volume do filme.
Resultados matemáticos
Para achar o perfil de concentração integra-se duas vezes a equação
diferencial:

c1 = C1 z + C 2 (45)

As constantes são determinadas pela substituição das condições de


contorno na equação de c1.

z
c1 = c1,0 + (c1,l − c1, 0 ) (46)
l
O fluxo é encontrado através da diferenciação do perfil, isto é:

dc1 D
J1 = −D = (c1, 0 − c1,l ) (47)
dz l
O fluxo resulta constante porque o sistema está em regime permanente.

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Caso especial 1: Membrana com composição química diferente das soluções
Uma variação do exemplo anterior é considerar que o filme é uma
membrana com composição química diferente das soluções. O equacionamento é
o mesmo que o anterior (equação 42) e a mudança ocorre apenas nas condições
de contorno:

z = 0, c1 = Hc1sol
,0 (48)

z = l, c1 = Hc1sol
,l (49)

onde H é um coeficiente de partição, isto é, a concentração na membrana ( c1 )


dividida pela concentração das soluções nas regiões adjacentes à membrana
( c1sol ). O coeficiente de partição é uma propriedade de equilíbrio e, portanto, seu
uso implica em que existe equilíbrio entre a superfície da membrana e o meio.

c1

c1sol

Figura 8: Coeficiente de partição

Seguindo o procedimento do exemplo anterior, o perfil de concentração


será análogo ao perfil previamente determinado na equação 46:

z
c1 = Hc1sol
, 0 + H (c1,l − c1, 0 )
sol sol
(50)
l
Consequentemente, o fluxo através da membrana será:

dc1  DH  sol
J1 = −D = (c1,0 − c1sol
,l ) (51)
dz  l 

O termo entre as chaves é chamado de permeabilidade, ou de


permeabilidade por unidade de comprimento.
O coeficiente de partição implica em descontinuidades nas interfaces. Se o
soluto é menos solúvel na membrana do que na solução, tem-se o perfil de
concentração segundo a primeira ilustração da Figura 9. Se for mais solúvel, o
perfil será do tipo apresentado na segunda ilustração.

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c1sol
,0

c1sol
,l

c1sol
,0

c1sol
,l

Figura 9: Descontinuidades nas concentrações de interface de filmes

Esse tipo de difusão também pode ser descrito em termos de energia de


soluto, isto é, em termos de seu potencial químico. O potencial químico do soluto
ou do solvente não muda na interface entre membrana e solução:

µ10

µ1l

Figura 10: Continuidade de potencial químico nas interfaces de filmes

Caso especial 2: Difusão em membrana porosa:

Uma outra situação importante é a difusão em membrana porosa. Isso


significa que a membrana já não é homogênea, mas com poros cheios de solução.
A diferença entre este caso e o anterior é que a difusão não ocorre em uma
dimensão. O soluto difunde através dos poros tortuosos da membrana. Ao invés
de tentar solucionar este problema exatamente, pode-se assumir um coeficiente
efetivo de difusão que engloba a influência de toda a geometria dos poros
(tortuosidade τ e porosidade φ ). Portanto, pode-se escrever:

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 Def H  sol
J1 =   (c1,0 − c1,l )
sol
(52)
 l 

onde Def é o coeficiente efetivo de difusão, uma função não só do soluto e do


solvente mas também da geometria local.

Observação: Em meios porosos é comum definir difusividade efetiva segundo



Def = 2 onde τ é a tortuosidade e φ a porosidade. Geralmente a tortuosidade é
τ
dada em termos de comprimento tortuoso/comprimento efetivo [ τ 2 = (Lσ / L ) ],
2

neste caso maior que 1. Também há outras formas sofisticadas de avaliar


tortuosidade. Entretanto, o importante é perceber que o coeficiente efetivo será
menor que a difusividade real devido à tortuosidade e à porosidade. A porosidade
restringe a espécie a partes do sólido e a tortuosidade diminui a difusividade em
virtude dos poros confinarem a espécie que se moverá por caminhos mais longos
e tortuosos através do poro. A porosidade é dada pela relação entre o volume dos
poros e o volume total do sólido.

Aplicação prática: Célula de diafragma


Uma das melhores formas de se medir coeficientes de difusão em líquidos
é utilizar uma célula de diafragma. Essas células consistem de dois
compartimentos contendo líquidos muito bem agitados separados por uma fina
barreira porosa ou diafragma. Para experimentos mais acurados costuma-se
utilizar uma placa porosa de vidro sinterizado. Porém, há muitos experimentos
bem sucedidos realizados com uma simples folha de papel de filtro.
Para coletar os dados enche-se o compartimento inferior com o solvente e o
superior com uma solução de concentração conhecida. Após um tempo
determinado, coletam-se amostras dos dois compartimentos e medem-se as
respectivas concentrações.

Existe uma solução aproximada muito útil para este problema, que se
baseia na hipótese do pseudo estado estacionário. Deve-se compreender que
na realidade as concentrações nos dois compartimentos variam com o tempo.
Porém, como os compartimentos são muito maiores que o diafragma, as variações
nos compartimentos são muito mais lentas que ao longo do diafragma. Sendo
assim, o perfil de concentração através do diafragma se aproxima do estado
estacionário, ainda que as concentrações dos compartimentos sejam dependentes
do tempo.

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No pseudo estado estacionário o fluxo através do diafragma é dado por

 DH  sol
J1 =   (c1,inf − c1sol
,sup ) (53)
 l 

Aqui, a quantidade H abrange a fração de área do diafragma que é viável


para a difusão.
A seguir, faz-se um balanço de massa nos compartimentos adjacentes:

dc1sol
,inf
Vinf = − AJ 1 (54)
dt

dc1sol
,sup
Vsup = AJ 1 (55)
dt
onde A é a área do diafragma.
Pode-se dividir as equações pelos respectivos volumes e a seguir subtrair
uma da outra, o que resultará em:

d sol DAH  1 1  sol


(c1,sup − c1sol
(c1,inf − c1sol ) = + ,inf ) (56)
dt
,sup 
l  Vinf Vsup 

A constante geométrica característica da célula de diafragma que está


sendo usada é dada por:

AH  1 1 
β=  +  (57)
l  Vinf erior Vsup erior 
 

Portanto:

d sol
,sup ) = − Dβ (c1,inf − c1,sup )
(c1,inf − c1sol sol sol
(58)
dt
A condição inicial será:

,inf − c1,sup ) = (c1,inf 0 − c1,sup 0 )


(c1sol sol sol sol
Em t=0, (59)

Evidentemente, se o compartimento inferior for inicialmente cheio com


solvente, a concentração inicial do soluto será zero.

Integrando-se a equação diferencial sujeita à condição inicial, o resultado


será:
− β Dt
,inf − c1,sup ) = e
(c1sol ,inf 0 − c1,sup 0 )
sol
(c1sol sol
(60)

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sendo que

1  c1sol
,inf 0 − c1,sup 0
sol

D= ln   (61)
β t  c1sol ,inf − c1,sup
sol 

Esse fator geométrico β pode ser determinado através da calibração da


célula com substância cujos coeficientes de difusão sejam conhecidos.
Um questionamento que poderia ser levantado quanto ao método é que
solutos diferentes poderiam sofrer a interferência do tamanho dos poros. Porém,
há trabalhos que mostram concordância entre coeficientes de difusão medidos
experimentalmente com a célula de diafragma e coeficientes medidos através de
outros métodos.

Exercício 6:
Considere que água está evaporando da superfície de um tanque através
de um filme de ar de 0,15 cm de espessura. O coeficiente de difusão da água em
ar a 20oC é aproximadamente 0,25 cm2/s. Se o ar ambiente (acima do filme) está
50% saturado, qual será a velocidade com que o nível de água do tanque irá
baixar por dia?

Exercício 7: Utiliza-se um pequeno saco de aproximadamente 85,6 cm2 de um


filme flexível de um determinado polímero, cuja espessura é igual a 0,051cm.
Armazena-se água destilada e suspende-se o saco dentro de uma estufa a 35o C
e 75% de umidade relativa. O saco é pesado por diversos dias, dando o seguinte
resultado:

Tempo (dias) Peso do saco (g)

0 14,0153

1 13,9855

4 13,9104

7 13,8156

8 13,7710

12 13,6492

14 13,5830

16 13,5256

Qual é a permeabilidade (DH) do filme? (Cussler, 1984)

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Exercício 8: Difusão dependente da concentração
Até o momento assumiu-se que o coeficiente de difusão era constante. Na
realidade o coeficiente depende da concentração na maioria dos sistemas, porém,
em soluções diluídas a dependência geralmente é pequena e, portanto, o
coeficiente de difusão pode ser assumido constante. Ao inserir essa informação no
modelo, a solução do problema torna-se geralmente trabalhosa. Porém,
simplificações podem ser úteis em algumas situações, como a que se segue.
Através de um filme sabe-se que o coeficiente de difusão muda
bruscamente de comportamento quando atinge uma concentração crítica c1c. Ele
é considerado aproximadamente constante até certa concentração crítica, e muda
de valor, porém, mantém-se aproximadamente constante a partir daquela
concentração. Pode-se imaginar um filme cujo tamanho dos micro-poros seja
muito próximo do tamanho do soluto, e que a porosidade varie com a umidade.
Portanto, na faixa de menor umidade as moléculas do soluto teriam grande
dificuldade de difundir através da estrutura.
Pode-se idealizar um sistema como se fosse constituído por dois filmes
colados juntos, sendo que a interface corresponde à posição onde a concentração
é igual a c1c.
Coeficiente de difusão:

c10 grande

f1 f2

peque

no

c1c c1l

z=0 z=zc z=l

Nos dois filmes, f1 e f2, a equação, para estado estacionário, será:

dJ 1
0=−
dz
Isso significa que, não havendo acumulação ao longo do tempo, o fluxo de
difusão tem que ser o mesmo em cada um dos filmes, e constante.
No entanto, as equações de fluxo são escritas de diferentes formas. No
filme onde o coeficiente é pequeno teremos:

dc1
J 1 = − D(f 1)
dz

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Integre a equação de z=0 a z=zc, repita o procedimento para f2 e integre de
z=zc a z=l. Mostre que, igualando-se as equações de fluxo, a posição zc pode ser
determinada segundo:

l
zc =
 D(f 2)(c1c − c1l ) 
  +1
 D(f 1)(c10 − c1c ) 

e que o fluxo difusivo será:

D(f 1)(c10 − c1c ) + D(f 2)(c1c − c1l )


J1 =
l
Também mostre que se a concentração crítica for igual à média de c10 e c1l
então o coeficiente aparente será a média aritmética dos dois coeficientes.

Exercício 9: Você montou uma célula de diafragma no laboratório para determinar


coeficientes de difusão. A célula é composta por dois compartimentos de 125 cm3
cada, muito bem agitados, separados por uma folha de papel de filtro com área útil
de 25 cm2 e espessura de 0,01 cm. Para calibrar você utilizou soluções de
sacarose, e seu coeficiente de difusão resultou em média 95% do valor conhecido
na literatura para o coeficiente de sacarose.
Determine o coeficiente de difusão para a sua solução (soluto X), na
concentração média de 40,1%.
Dados:
Célula inferior: 39,07 % (p/p)
Célula superior: 41,13 % (p/p)
O elemento X tem peso molecular semelhante à sacarose. PMX = 300 g/g-mol

Após 120 minutos você coletou amostras nos dois compartimentos e as


concentrações foram:
Célula inferior: 39,37 % (p/p)
Célula superior: 40,83 % (p/p)
Faça a análise considerando que os volumes permanecem aproximadamente
constantes durante o experimento.

NOTA: Para calcular a pressão de vapor de saturação da água numa temperatura


determinada:

Equação de Antoine:
 3816,44 
ln p vA, sat = 18,3036 −   [mmHg], com T em K.
 T − 46,13 

Equação de Weiss:
 17,2697T − 4717,3 
p vA,sat = 0,61078 exp  [kPa], com T em K.
 T − 35,86 
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