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Um caso de cura pelo hipnotismo


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UM CASO DE CURA PELO HIPNOTISMO de controle. Freud a classificou como uma
(1893) histérique d’occasion, categoria que não exclui
uma combinação de qualidades [positivas] e de
Esta é uma resenha do texto de igual título, de Freud, [plena] saúde nervosa. Sua mãe e uma irmã
contido na Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas mais nova também eram sadias. Um irmão
Completas de Sigmund Freud, vol. I, Imago Editora, 1974 sofreu de neurastenia típica, do início da ida-
No geral ela mantém as palavras do próprio autor, mas é de adulta. Tendo começado a vida com uma
reescrita de modo a tornar a linguagem mais fácil de ser enten- boa constituição, ele se defrontou, na puber-
dida. Alguns comentários adicionais são introduzidos. Ela não
visa substituir a leitura do texto original – que é aconselhada -, dade, com dificuldades sexuais próprias da
mas apenas facilita-la. Trata-se de obra de divulgação e não idade. Seguiram-se anos de sobrecarga de
deve ser usada para uma leitura crítica. Os trechos entre [.....] e trabalho como estudante e sofreu um ataque
em itálico são de nossa autoria. de gonorréia, seguido de uma súbita dispepsi-
a, acompanhada de constipação rebelde e
[Este artigo apareceu quase simultaneamente inexplicável. Mais tarde a constipação foi
com a “Comunicação Preliminar”, de Breuer e substituída por sensação de pressão intracra-
Freud e revela o interesse de Freud pela hipnose, niana, depressão e incapacidade para o traba-
interesse que depois se deslocaria para a histeria. Ele lho. O paciente tornou-se cada vez mais en-
também relata uma aplicação prática do método da simesmado e seu caráter foi ficando mais
hipnose, descrito por ele no texto “Hipnose” (1891) fechado. Freud alega não ter certeza se não é
- Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas possível adquirir essa forma de neurastenia e
Completas de Sigmund Freud, Imago Editora, deixa em aberto a suposição de se na família,
1974.]. estaria presente uma disposição hereditária
para a neurose.
Freud diz que trará a público um caso Quando do nascimento do primeiro fi-
de cura pela hipnose que “foi mais convin- lho, a paciente pretendia amamentá-lo. O
cente e mais claro do que a maioria dos nos- parto foi normal, mas ela não conseguia a-
sos outros tratamentos”. mamentar a criança. Não havia leite, surgiam
O distúrbio já ocorrera uma vez, algum dores quando o bebê era posto a mamar, ela
tempo antes, e deixara uma seqüela da qual a perdeu o apetite e teve noites agitadas, de
paciente se viu livre pela ajuda da hipnose. insônia. Após uns quinze dias abandonou a
Um ano mais tarde ele reapareceu e foi supe- tentativa, com o que os problemas desapare-
rado da mesma forma. O êxito terapêutico ceram.
persistiu e a paciente pôde levar a cabo a Três anos mais tarde nasceu o segundo
função que fora afetada. Foi possível esclare- bebê. Ela voltou a ser incapaz de amamentar
cer o mecanismo psíquico do distúrbio e e os sintomas foram ainda mais desagradá-
relacioná-lo com a neuropatologia. veis. A paciente vomitava tudo que ingeria,
ficava inquieta quando o bebê era trazido
[Note-se, no caso a seguir, que a hipnose ainda para a sua cama e era incapaz de dormir. Seus
era usada para produzir a sugestão. Com Breuer ela dois médicos de família não queriam nem
passou a ser usada para promover a catarse e daí ouvir [falar] em prosseguir com outra tentati-
nasceu a psicanálise]. va prolongada. No quarto dia recomendaram
que Freud fizesse uma tentativa com a suges-
Tratava-se de uma jovem senhora de tão hipnótica. Assim, ele foi apresentado
vinte e poucos anos, que não podia ser con- profissionalmente [à paciente]. Inicialmente ele
siderada neurótica, mas que se tornara inca- foi recebido de má vontade e não pode con-
paz de amamentar seu bebê, [porque não pro- tar com a confiança dela.
duzia suficiente leite]. Suas experiências com Encontrou-a deitada no leito, com as fa-
um filho anterior e outro posterior serviram ces ruborizadas e irritada com sua incapaci-
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dade de amamentar. A fim de evitar os vômi- comer? E assim por diante. [Freud praticara,
tos ela não tinha ingerido alimentos durante aqui, uma sugestão pós hipnótica].
todo o dia. Seu epigástrio estava distendido e Na terceira tarde, quando voltou a vê-la,
sensível à pressão; a palpação revelou motili- a paciente recusou-se a prosseguir porque já
dade anormal do estômago; de tempos em não havia mais nenhum problema: ela tinha
tempos, havia eructação inodora, e a pacien- um excelente apetite e muito leite para o be-
te se queixou de ter tido um mau gosto cons- bê. Seu marido alegou ter achado estranho
tante na boca. A área de ressonância gástrica que depois da saída dele, na véspera, ela ti-
estava aumentada. vesse reclamado exigindo comida e tivesse
Freud logo induziu a hipnose e fez su- censurado a mãe de um modo que não lhe
gestões referentes ao sono. Três minutos era habitual.
depois ela estava dormindo profundamente. A jovem mãe amamentou a criança por
[Então ele] utilizou a sugestão para contestar oito meses e ambos passaram bem. Porém,
os temores dela e os sentimentos em que um ano mais tarde, quando de um terceiro
esses temores se baseavam: “Não tenha receio! filho, ela foi novamente incapaz de amamen-
Você vai poder cuidar muito bem do seu bebê, ele vai tá-lo. Freud foi chamado uma outra vez. Dis-
crescer forte. O seu estômago está perfeitamente cal- se ter encontrado a paciente no mesmo esta-
mo, o seu apetite está excelente, você já está na expec- do do ano anterior e a primeira hipnose da
tativa da próxima refeição etc.” Depois de des- tarde ter tido como único resultado fazê-la
pertada ela estava amnésica para o que ocor- sentir-se mais desesperada. Mais uma vez,
rera. após a segunda hipnose, os sintomas foram
Na noite seguinte foi-me dito que na eliminados e não se fez necessária uma tercei-
noite anterior ela havia feito uma refeição e ra. Também essa criança foi amamentada sem
que havia dormido placidamente e que na qualquer problema e a mãe, tanto quanto se
manhã seguinte tinha-se alimentado e ama- sabe, gozou de boa saúde. [Eis aqui um dos
mentado o bebê impecavelmente. [Este trecho motivos pelos quais Freud virá a abandonar a hipno-
sugere que Freud a hipnotizava diariamente, à noi- se: os resultados obtidos eram sempre passageiros e os
te]. No entanto, não suportara a refeição do pacientes inevitavelmente recaiam, sempre que ocorri-
almoço. Logo que a comida lhe foi trazida, am novos problemas].
sua indisposição voltou e os vômitos come- Em face desse êxito a paciente e o mari-
çaram antes mesmo de ela tocar no alimento. do perderam o constrangimento e confessa-
Foi impossível colocar o bebê ao seio e to- ram o motivo de sua conduta [em relação a
dos os sinais objetivos eram os mesmos an- Freud]: “Eu me sentia envergonhada”, disse-
teriores. Freud diz não ter conseguido resul- lhe a mulher, “porque uma coisa como a hip-
tado com sua argumentação de que a batalha nose podia obter resultado, ao passo que eu,
já estava quase ganha, de que agora ela podia com toda a minha força de vontade, não con-
se convencer de que o problema podia desa- seguia nada.”
parecer e que de fato havia desaparecido du- Qual pode ter sido o mecanismo psíqui-
rante meio dia. Uma nova sessão de hipnose co do distúrbio que foi removido pela suges-
foi realizada, levando-a a um estado de so- tão? Freud diz não ter [ainda] observações
nambulismo tão rapidamente quanto da pri- diretas sobre o assunto, que discutirá noutra
meira vez. Ele ordenou à paciente, sob hip- ocasião [em “Estudos sobre a Histeria” - Edição
nose, que cinco minutos depois de sua saída Standard Brasileira das Obras Psicológicas Comple-
ela devia zangar-se com sua família e dizer tas de Sigmund Freud, vol. II, Imago Editora,
com aspereza: o que tinha acontecido com o 1974], mas por agora recorre à alternativa de
jantar dela? Será que pretendiam deixá-la deduzir qual teria sido ele.
passar fome? Como poderia ela amamentar a
criança, se ela mesma não tinha nada para
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Há determinadas idéias que têm um afe- se o caso é de neurastenia, essas idéias ocasi-
to de expectativa vinculado a elas. São de onam as fobias. Quando se relacionam às
dois tipos: intenções, originam a folie de doute. [mania de du-
 as intenções: idéias de se fazer isto ou aqui- vidar]. Nesse ponto a neurastenia e a histeria
lo se comportam diferentemente. Na neuraste-
 as expectativas: idéias de isto ou aquilo po- nia, a idéia antitética combina-se com a idéia
der acontecer. volitiva num composto único e causa a fra-
O afeto vinculado a tais idéias depende queza da vontade. Na histeria, o processo é
de dois fatores: outro. Em primeiro lugar, graças à dissociação
 o grau de importância que o resultado tem da consciência, a idéia antitética, é afastada da
para a pessoa associação com a intenção e continua a existir
de forma desconecta e muitas vezes inconsci-
 o grau de incerteza inerente à expectativa
entemente. [Enquanto Pierre Janet, colaborador de
desse resultado.
Charcot, considerava que essa dissociação da consciên-
cia era devida a uma condição constitucional inata e
Às contra-expectativas dá-se o nome de
falava de uma “flaibesse de conscience” (fraqueza da
idéias antitéticas aflitivas. No caso de uma in-
consciência), como uma condição básica da histeria,
tenção, essas idéias se passam assim: “Não
Freud a viu como adquirida, produzida por uma
vou conseguir executar minha intenção, porque isto
defesa. [Ver, a esse respeito, Breuer e Freud – “Es-
ou aquilo é demasiado difícil para mim, e eu sou
tudos sobre a Histeria” - Edição Standard Brasileira
incapaz de fazê-lo”. A contra-expectativa con-
das Obras Psicológicas Completas de Sigmund
siste em enumerar coisas que talvez possam
Freud, vol. II, Imago Editora, 1974. p.286-7].
acontecer, diferentes do que se deseja. Assim
Essa idéia antitética inibida consegue atuali-
chegaríamos até as fobias.
zar-se através da inervação do corpo, com a
Retornemos às intenções. Como é que
mesma facilidade com que o faz uma idéia
uma pessoa sadia, lida com idéias antitéticas?
volitiva. [Freud virá a chamar isso de “conversão”.
Com a autoconfiança da saúde a pessoa as
O. c., p. 256]. A idéia antitética funciona como
reprime e inibe e as exclui de suas associa-
uma contravontade e a vontade torna-se impo-
ções. De outro lado, nos neuróticos Freud
tente. Talvez esses dois fatores sejam um só:
supõe que haja a presença primária de uma
a idéia antitética apenas seria capaz de se im-
tendência à depressão e diminuição da auto-
por porque não é inibida pela intenção, da
confiança. Nas neuroses uma grande atenção
forma como a intenção é inibida por ela.
é dedicada pelo paciente às idéias antitéticas
Se essa mãe fosse neurastênica ela teria
que se opõem às intenções, talvez porque o
sentido temor, mas teria conseguido ama-
tema de tais idéias se coadune com o seu
mentar ou então teria abandonado seu encar-
estado de ânimo ou talvez porque as idéias
go, receosa do mesmo. A histérica se conduz
antitéticas vicejem no terreno da neurose.
de modo diferente. Pode não ser consciente
[No mesmo sentido, de um ponto de vista empírico,
do seu receio, está decidida a levar a cabo sua
na psiquiatria, Juan Jose Lopez-Ibor considerava as
intenção e aí, porém, sua vontade falha. A-
neuroses como enfermidades do ânimo. Atualmente
demais, a contravontade desperta nela os
sabe-se como os antidepressivos influenciam favora-
sintomas que uma simuladora apresentaria
velmente a maioria dos sintomas neuróticos, embora
para não amamentar seu filho: perda do ape-
isso não represente uma cura verdadeira e a freqüên-
tite, aversão à comida, dores. E, como a con-
cia com que se diagnostica as pessoas como portado-
travontade exerce sobre o corpo um controle
ras de “transtornos do humor”].
maior do que a simulação, produz no apare-
Quando as idéias antitéticas se relacio-
lho digestivo uma série de sinais de que a
nam com as expectativas, o fato se manifesta
simulação não seria capaz. Ocorre não uma
num quadro mental difusamente pessimista;
fraqueza da vontade, mas uma perversão da
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vontade e a paciente se surpreende ante uma vez. Depois, desapareceu. Mas, um dia, pas-
dissensão incompreensível. [Com o surgimento sados alguns anos, quando eu estava passe-
posterior da teoria dos conflitos e a elaboração de um ando de carruagem, sobreveio uma violenta
novo quadro teórico de referências, essas idéias desa- tempestade e um tronco de árvore junto ao
parecerão, embora a essência delas permaneça, ex- caminho, bem à nossa frente, foi atingido por
pressada de uma outra forma]. um raio, de forma que o cocheiro teve de
É por essa razão que Freud considera a frear os cavalos bruscamente, e eu pensei
paciente como uma hystérique d’occasion: em comigo: ‘Agora, haja o que houver, você não
conseqüência de uma causa fortuita ela foi deve gritar, senão os cavalos disparam’. E
capaz de produzir um complexo de sintomas naquele momento o estalo retornou e persis-
característicos da histeria. A causa fortuita tiu desde essa ocasião”. A partir do momento
era o estado de excitação da paciente antes em que se desvendou a sua origem, o tique
do primeiro parto ou sua exaustão após o desapareceu e não retornou mais. Esta foi a
mesmo. Um primeiro parto, afinal, é o maior primeira ocasião em que consegui observar a
choque a que está sujeito o organismo femi- origem dos sintomas histéricos mediante a
nino e, em conseqüência, uma mulher geral- contravontade. [Incidentalmente, Freud estava se
mente produz alguns sintomas neuróticos, valendo da hipnose não para praticar uma sugestão,
que podem estar latentes em sua disposição. mas para investigar um sintoma. Isto é, estava se
O caso dessa paciente parece típico e aproximando do método catártico de Breuer].
esclarece outros em que a amamentação no A mãe exausta tomou a decisão de não
seio ou uma função semelhante é impedida deixar que sequer um som saísse de seus lá-
por influências neuróticas. Nele Freud só bios, com receio de perturbar o sono da fi-
entendeu o mecanismo psíquico por inferên- lhinha. Mas, como conseqüência da exaustão,
cias, mas acrescenta que em outros, conse- a idéia antitética mostrou-se mais forte do
guiu estabelecer diretamente a ação de um me- que ela e teve acesso à inervação da língua e
canismo psíquico semelhante em sintomas dos lábios e produziu um ruído que daí em
histéricos, investigando o paciente sob hip- diante permaneceu fixado por muitos anos.
nose e menciona um, dentre eles. Diz ter [“Estudos sobre a Histeria” - Edição Standard
tratado uma paciente histérica que embora Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sig-
demonstrasse grande força de vontade nos mund Freud, vol. II, Imago Editora, 1974].
aspectos não afetados pela doença, nos que Pode-se perguntar como a idéia antitética
estavam afetados mostrava impedimentos e pode adquirir supremacia em conseqüência
incapacidades neuróticos. Um tique peculiar da exaustão geral. Eu responderia apresen-
se intrometia em sua conversação. Freud tando a teoria de que a exaustão é apenas
perguntou-lhe quando e como aquilo tinha parcial. O que está exausto são os elementos
surgido pela primeira vez. “Não sei quando do sistema nervoso que são o fundamento
foi”, respondeu, “ah! faz muito tempo.” Isso o material das idéias conscientes; as idéias que
levou a considerar que se tratava de um ver- estão excluídas da consciência, as idéias inibi-
dadeiro tique até que, um dia, fez-lhe a mes- das e suprimidas, não estão exaustas e predo-
ma pergunta sob hipnose. Ela então respon- minam na disposição para a histeria. [Futura-
deu prontamente: “Foi quando minha filha mente Freud dirá que as idéias conscientes sofrem o
mais nova esteve muito doente; ela havia desgaste do tempo, mas que as inconscientes não o
passado o dia inteiro tendo convulsões, mas, sofrem, sendo, pois, atemporais].
por fim, no final da tarde, adormeceu. Eu Esse mecanismo oferece uma explicação
estava sentada à beira da cama dela e pensei não apenas para ocorrências isoladas, mas
comigo mesma: ‘Agora você tem de ficar também para as partes principais da histeria
absolutamente quieta, para não acordá-la.’ e, ainda, para uma de suas características mais
Foi então que o estalo ocorreu pela primeira salientes. Se as idéias antitéticas se impõem
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num primeiro plano e têm acesso à inervação a histeria e o tic convulsif por algum tempo,
somática, então pode-se compreender tam- conseguiu constatar apenas um aspecto dife-
bém a peculiaridade dos delírios dos ataques rencial entre os dois: o tique histérico desapa-
histéricos. Não é coincidência que o delírio rece, mais cedo ou mais tarde, enquanto o
histérico das monjas durante as epidemias da tique verdadeiro persiste. O quadro de tic
Idade Média tenha assumido a forma de convulsif é constituído de movimentos invo-
blasfêmias violentas e linguagem erótica ou luntários, sob a forma de caretas ou gestos
que sejam justamente os meninos de boa que, numa época, tiveram um significado, de
educação e bem-comportados os que sofrem coprolalia, de ecolalia e de idéias obsessivas
de ataques histéricos, nos quais dão vazão a pertencentes ao âmbito da folie de doute. Gui-
todo tipo de insubordinação, má-criação e non, que nunca teve qualquer idéia de pene-
má conduta. Os grupos de idéias recalcadas trar no mecanismo psíquico desses sintomas,
entram em ação quando a pessoa cai vítima observou que alguns dos seus pacientes vie-
de exaustão histérica, pela operação de uma ram a ter os espasmos e caretas porque uma
espécie de contravontade. Talvez a conexão idéia antitética tinha entrado em ação. Esses
seja ainda mais íntima, pois o estado histéri- pacientes relataram-lhe que, em alguma oca-
co parece produzido pela repressão. [Primeira sião, tinham visto um tique parecido e daí em
menção de Freud do que virá a ser uma das pedras diante tinham começado a imitá-lo. Apenas
angulares da teoria das neuroses!] alguns dos movimentos involuntários que
A emergência de uma contravontade é a ocorrem nos tiques tem essa origem.
responsável pela característica demoníaca A coprolalia, [termo usado para descrever a
mostrada pela histeria. A perversidade de exclamação involuntária de palavrões], que acom-
caráter dos histéricos, sua ânsia de fazerem a panha os tiques teria origem na percepção do
coisa errada, de parecerem doentes quando paciente de que ele não consegue impedir-se
mais necessitam estar bem, podem compro- de produzir determinado som, geralmente
meter os caracteres mais irrepreensíveis, se um “h’m’h’m”. Ele então recearia perder o
esses pacientes caem vítimas de idéias antité- controle de palavras que um homem de boa
ticas. educação evita usar e esse receio faria com
É sem sentido querer saber o que acon- que se efetuasse o que temia. Guinon não
tece às intenções inibidas. Poder-se-ia ficar apresenta nenhuma anamnese que confirme
tentado a responder que elas não existem. O essa hipótese. Freud alega que ele próprio
estudo da histeria mostra que, não obstante, nunca teve a oportunidade de entrevistar um
elas realmente existem e que é mantida a mo- paciente que sofresse de coprolalia, mas rela-
dificação física a elas correspondente e que ta um caso de tique em que a palavra pro-
elas são armazenadas e levam a vida insus- nunciada involuntariamente não pertencia ao
peitada numa espécie de reino das sombras, vocabulário coprolálico. Tratava-se de um
até emergirem e assumirem o controle do homem adulto que era atormentado pela
corpo, que geralmente está sob as ordens da necessidade de exclamar “Maria”! Na idade
consciência do eu. [Esse “reino das sombras” escolar ele tinha tido uma ligação sentimental
virá a ser, mais tarde, o inconsciente.] com uma menina chamada Maria e esse acon-
Esse mecanismo é característico da his- tecimento, o predispôs a uma neurose. Na-
teria, mas não ocorre somente nela. Encon- quela época, ele começou a exclamar o nome
tra-se presente, de modo bastante notável, de seu ídolo no meio da aula e o nome conti-
no tic convulsif, uma neurose que, em matéria nuou com ele por boa parte de sua vida. A
de sintomas, tem tanta semelhança com a explicação deve ser esta: num momento de
histeria que todo o seu quadro pode ocorrer especial excitação, o seu esforço de manter
como manifestação parcial da histeria. Tanto em segredo o nome inverteu-se na contra-
é assim que Charcot, após manter separados vontade e, depois disso, o tique persistiu.

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