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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

CAEN
PROGRAMA DE MESTRADO EM ECONOMIA

LEONARDO ERICH MACHADO DE FREITAS

TÓPICOS EM CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO


CAPITAL HUMANO

FORTALEZA, CEARÁ
2023
Em capital humano, a primeira preocupação do autor é relembrar que nos modelos
anteriores, o fator “Labour” era constante ao longo do tempo e também dos países - e
informar que a partir de agora não será mais assim, que tal suposição não encontra
sustentação na realidade e portanto os modelos mais refinados devem buscar outro alicerce.
Esse alicerce é a ideia de que a qualidade dos indivíduos que compõem o “L” deve e vai
variar de um para o outro (o modelo a ser estudado não vai ser capaz de considerar as
diferenças entre cada um dos trabalhadores envolvidos, mas a simplificação a ser feita
ulteriormente também não deve ser tão grosseira quanto as anteriores).
Tal conceito passa a ser mais simpático (e soar menos injusto aos mais ingênuos) a
partir da reminiscência de que essa foi a realidade desde os tempos mais imemoriais: seja
medida através de força física no passado ou de soft skills no mercado de trabalho mais
atualizado, a capacidade laborativa dos indivíduos varia. E consequentemente, seus
rendimentos também variam nos dois sentidos: tanto o rendimento no sentido de
produtividade, de resultado de seu trabalho, quanto no sentido de importância financeira
recebida por ele - ou seja, o salário. Mas como tal conceito pode ser utilizado para explicar as
diferenças (sobretudo de renda) entre países? A essa simplificação (menos grosseira) que visa
utilizar a qualidade coletiva de determinada mão-de-obra, damos o nome de capital humano -
designação que também faz sentido, uma vez que assim como o capital físico, ele é capaz de
produzir mais output, se encaixa no “produz e é produzido” e dá retorno. E por fim, também
deprecia.
Quando pensamos em capital humano, o primeiro conceito que vem à mente é o de
educação - no entanto, Weil se propõe a abordar primeiro o conceito de saúde. O que também
faz sentido, uma vez que os ganhos de saúde são frutos mais diretos do desenvolvimento
econômico - e esses ganhos se manifestam através de estudantes mais perspicazes,
trabalhadores mais concentrados e possivelmente uma população que fica menos tempo de
cama.
O primeiro fato estilizado apresentado traça um importante paralelo entre a altura dos
indivíduos e outras variáveis que serão mais significativas no estudo do capital humano - a
primeira delas, a quantidade de calorias diárias consumidas. Além de ser a explicação
biologicamente natural para a altura dos indivíduos, a medida das calorias é capaz de explicar
a qualidade da nutrição, que afeta diretamente o desempenho em trabalho, estudos e
basicamente qualquer atividade que configura o indivíduo como capital humano. O impacto
da nutrição na função de produção é tamanho que antes mesmo do conceito de capital humano
ser formulado por Becker, já era grande responsável pelo crescimento na Grã-Bretanha em
séculos anteriores - mesmo que inicialmente impactasse “somente” na capacidade física para
trabalhos braçais. Segundo Fogel, a melhora na nutrição britânica aumentou em 56% o “L”
disponível (com cerca de 0,33% ao ano), o que pode ser responsável por quase um terço do
crescimento na renda, dado que seu crescimento per capita foi de 1,15% ao ano no período
observado. O autor tenta frisar como a nutrição impacta não somente as capacidades físicas
dos indivíduos, mas também as mentais.
Por conseguinte, somos apresentados a um delineamento que busca explicar e
quantificar a relação entre nutrição (na forma de calorias diárias consumidas por indivíduo) e
PIB per capita, chegando a resultados que não são surpreendentes - e como se não bastasse,
ainda informa-se que tal estudo subestima a desnutrição nos países menos desenvolvidos, uma
vez que não é capaz de expressar os erros econométricos que são fruto da desigualdade. De
maneira semelhante, também ocorre desnutrição entre as camadas menos favorecidas dos
países mais desenvolvidos.
De maneira ainda menos impressionante, também somos apresentados a dados que
mostram uma relação positiva entre expectativa de vida ao nascer e PIB per capita - outros
fatos estilizados menos óbvios também são utilizados para evidenciar o impacto da saúde na
renda - ou seria o oposto? É com esse questionamento do “ovo ou a galinha” (mais uma vez)
que Weil traça a ideia de que países com mais renda naturalmente tendem a ter acesso
facilitado a recursos capazes de melhorar a saúde. E ainda sobre o questionamento citado,
mostra-se um modelo que mede o impacto da renda na saúde e da saúde na renda.

O que o modelo traz de mais interessante é a noção de que com mais saúde os
trabalhadores produzem mais, numa curva que vai direto pra cima; enquanto o impacto da
renda na saúde é mais parcimonioso, com um impacto maior nos cenários de menor renda.
Além disso, de modo semelhante aos modelos de crescimento já estudados, o modelo é capaz
de expressar impactos exógenos dos dois lados - ou seja, tanto na saúde quanto na renda.
Também é citado um efeito multiplicador, capaz de captar o “bate-bola” entre um fator e outro
(trabalhadores mais saudáveis têm mais renda, e a renda a mais vai gerar mais saúde e…).
Na seção seguinte, o capital humano finalmente é abordado em sua forma mais óbvia:
educação. Alguns fatos estilizados nos ajudam a compreender não só a evidente relação
positiva entre educação e desenvolvimento, mas também o abismo existente entre os países
desenvolvidos e os demais. Ao discorrer sobre o aspecto da educação como investimento, o
autor também apresenta a ideia do custo de oportunidade ao decidir pela educação, que existe
tanto pelo lado do indivíduo (o estudante) quanto pelo lado das instituições (governo ou
iniciativa privada). Seguindo essa linha de pensamento, os números apontam que capital
físico e capital humano possuem magnitude semelhante.

Uma das problemáticas ao se observar educação e capital humano é a dificuldade em


medir os retornos de capital - dificuldade esta que por conveniência (não que não haja
justificativa plausível, pelo contrário) é contornada ao tratar os salários como os retornos. Ao
aprofundar-se no tema, o autor apresenta o conceito de retornos de educação, que seria o
aumento no salário que um trabalhador receberia se tivesse mais um ano de escolaridade -
conceito com o qual qualquer um que já estudou econometria está bastante familiarizado,
dado que a equação minceriana (de Jacob Mincer) é a mais elementar nos cursos dessa área da
economia. Em meio a isso, um ponto crucial apontado é a importância acentuada da educação
básica, capaz de gerar os maiores retornos.
Outra problemática apresentada é a do “share of capital”, que busca mensurar o
“tamanho” do PIB que é pago aos donos do capital físico e o “tamanho” pago à fatia que
representa o trabalho. A importância dessa aferição é saber qual fatia do salário representa o
que chamam de “raw labour”, o trabalho cru, o trabalho puro, que não depende de nenhum
capital humano. E mais importante ainda é ver que nos países desenvolvidos, esse “salário
cru” é menos que nos países em desenvolvimento - ou seja, o prêmio pelo capital humano é
maior, o capital humano é mais valorizado.
Apesar dessa fatia do capital humano ser menor nos países não desenvolvidos, é
importante pontuar que tais países ainda apresentam uma fatia maior (e crescendo) no
trabalho do que no capital físico, fortalecendo a ideia de que os capitalistas (na sua concepção
mais pura, de detentor dos meios de produção, ou seja, capital físico) tendem a ter uma menor
relevância no cenário econômico contemporâneo, tornando o conceito de luta de classes
(também na sua concepção original, de trabalhadores x detentores dos meios de produção)
uma realidade um pouco mais distante. Profissões disruptivas (principalmente as que têm
íntima relação com a tecnologia, como programador) ilustram essa ideia trazida pelo autor -
mas isso será explorado com mais empenho no capítulo que trata de inovação.
Por enquanto, urge a necessidade de voltar um pouco no raciocínio para tentar
compreender as diferenças salariais entre diferentes níveis de escolaridade - novamente, um
conceito muito próximo daquele que economistas tanto exploram em econometria através da
equação minceriana - dessa vez trazido na forma de tabela, discriminando sete diferentes
níveis de educação.

Os dados expostos indicam os resultados já esperados, e tornam mais pertinente o box


que trata do chamado “college premium”, que é a razão entre os salários dos trabalhadores
com ensino superior em relação àqueles com ensino médio. O autor traz um fato estilizado
que mostra que o college premium apresentou declínio ao longo da década de 1970 - o que é
perfeitamente crível, uma vez que diplomas iam se tornando mais comuns e menos escassos -
mas voltou a crescer na década de 1980. Mais do que um fato estilizado cujos resultados
devem ser levados a ferro e fogo, a estatística do college premium mostra que números crus e
equações inflexíveis nem sempre contam a história toda: o contexto é sempre a chave.
Para Weil, todo o caminho que foi percorrido nos tópicos anteriores foi necessário
para explicar as diferenças de renda entre diferentes níveis de escolaridade. Agora, tem-se o
que é necessário para explicar as diferenças de renda (obviamente per capita) entre países
através dos diferentes níveis de escolaridade - embora a missão seja árdua, uma vez que a
correlação (esperadamente) positiva não indica causalidade, e é sempre difícil isolar a variável
que nos interessa (educação) para observar apenas os seus efeitos. Desse modo, utiliza-se a
função Cobb-Douglas com a qual já estamos acostumados, porém acrescentando dessa vez a
variável “h”, que denota a quantidade de output por trabalhador.
Igualmente, utiliza-se a nova concepção do “h” também para a equação do nível de
produção por trabalhador em estado estacionário, que passa a ser…

, de modo que o nível de produção em estado estacionário vai ser diretamente


proporcional ao “h”.
Sendo assim, para responder a pergunta principal (como renda per capita é explicada
pelas diferenças de escolaridade), é preciso determinar a relação entre o “h” e a quantidade de
escolaridade num país - e isso será feito utilizando os dados dos salários e da quantidade de
escolaridade desse país, em estudos semelhantes aos que já foram abordados anteriormente.
No fim, o salário do trabalhador vai ser proporcional ao “h”. O presente modelo também é útil
para fazer conjecturas sobre a renda per capita dos países, baseando-se no princípio de que se
dois países apresentassem diferentes níveis de escolaridade mas fossem idênticos nos demais
indicadores, então os seus estados estacionários de renda por trabalhador seriam proporcionais
aos seus níveis de “h”. A presente hipótese foi aplicada (com dados dos indicadores sendo
comparados em relação aos Estados Unidos) e seus resultados foram plotados no gráfico a
seguir:
Como esperado, o modelo ajuda a explicar a ideia, a esboçar os princípios estudados,
mas não conta a história toda. Em geral, as previsões em relação aos dados de escolaridade
tendem a ser menores do que as diferenças reais de renda entre os países - que isso não sirva
para que os policymakers desprezem o impacto da educação.
E o desprezo dos policymakers pela educação é uma realidade nada distante, uma vez
que a qualidade da educação fornecida nos países não desenvolvidos tende a ser baixa.
Medidas como quantidade de professores por estudante e de livros didáticos por estudantes (o
que o autor chama de “inputs”) ajudam a fazer uma comparação entre a educação de
diferentes países, e implacavelmente vão afetar o nível de qualidade daquilo que os estudantes
aprendem (o que o autor chama de “outputs”), que pode ser medido através de testes
padronizados, como o Pisa. E como é previsível que países mais desenvolvidos são capazes
de fornecer educação de maior qualidade, podemos assimilar que tais países não apenas
possuem mais educação quantitativamente, mas qualitativamente - o que significa que as
diferenças no capital humano como analisadas até aqui subestimam a real diferença entre
países desenvolvidos e não desenvolvidos.
Um último tópico que Weil considera digno de nota é o das externalidades: nesse caso,
elas são como pensar nas externalidades que são intensamente estudadas na teoria
microeconômica, mas pondo um holofote especial naquelas que são positivas. O exemplo dos
fazendeiros com mais educação que são capazes de adotar novas tecnologias mais cedo (e
influenciar os seus vizinhos) é bem clássico, e põe luz sobre a ideia chave das externalidades:
a de que a educação não beneficia somente quem a absorve, mas também aqueles que estão ao
seu redor (algumas vezes, o benefício coletivo pode chegar a ser maior). Não
surpreendentemente, tais externalidades tendem a ser mais significativas em países menos
desenvolvidos - e é por isso que faz sentido que os governos desses países busquem educação
compulsória de qualidade como chave para o desenvolvimento.

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