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O contexto educativo e a
aprendizagem na Educação Pré-Escolar

Adelaide Vala*

Nota introdutória trução de conceitos, que fazem parte do co-


nhecimento a ser compreendido e interiori-

N o Modelo Pedagógico do Movimento da


Escola Moderna, o cenário pedagógico é
um elemento fundamental no processo de
zado pela criança. Esse processo será cons-
truído através das interacções que estabelece
com o meio e com os outros, interacções me-
aprendizagem, uma vez que é organizado pe- diadas pela linguagem, para que a criança
los elementos do grupo, estando todos envol- possa ter domínio de todas as componentes da
vidos na sua gestão, o que implica um processo tarefa. Assim, desenvolve as funções do pensa-
de corresponsabilização. Assim, o cenário pe- mento. Podemos afirmar que o pensamento
dagógico é um espaço de trabalho, construído vem da actividade, através de um comporta-
em cooperação pela educadora com os seus mento de observação, experimentação, refle-
alunos, e que irá desempenhar um papel pre- xão e organização, mediada pela linguagem e
ponderante em todo o processo de aquisição e com a comunicação do conhecimento adqui-
organização das aprendizagens. rido.
Segundo Vygotsky, citado por Moll, a apren- Donde, defendemos que o contexto pré-es-
dizagem precede o desenvolvimento, o que colar é um ambiente preponderante no desen-
contraria a ideia de que a criança necessita, pri- volvimento da criança, em que o papel e a fun-
meiro, de adquirir uma determinada compe- ção que cada um dos participantes desempe-
tência, para aprender determinado conteúdo. nha e as relações sociais que se vão estabelecer
Isto significa que as competências não prece- entre eles e o próprio ambiente educativo con-

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dem o desenvolvimento, mas é no processo de duzirão a aprendizagens significantes.
elaboração do conhecimento que se cons- A Educação Pré-escolar tem como função
troem, também, as competências. promover ambientes que proporcionem situa-
Baquero afirma que o desenvolvimento ções motivadoras e desafiantes, que conduzam
nasce da interacção entre o indivíduo e o am- a criança à construção de conhecimentos, pois
biente, sendo o ambiente entendido como um é desta construção que depende todo o pro-
mundo social e cultural, no qual se incluem as cesso de desenvolvimento. A aprendizagem
relações humanas e sociais, as mediações lin- vai ocorrer a partir de um problema que a
guístico-discursivas e os instrumentos cultu- criança vai colocar sobre algo que observou ou
rais, materiais e abstratos. já conhece, ou seja, o conhecimento e a apren-
O processo de aprendizagem implica a rea- dizagem vão ao encontro das possibilidades
lização de actividades que conduzam à cons- reais e potenciais da criança.
Assim, a função do ensino pré-escolar é le-
* Educação Pré-Escolar. var a criança a obter experiências e informa-

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ções que enriqueçam o seu conhecimento, dores as condições materiais, afectivas e sociais para
bem como os procedimentos metodológicos que, em comum, possam organizar um ambiente ins-
que permitam integrar estes novos conheci- titucional capaz de ajudar cada um a apropriar-se
dos conhecimentos, dos processos e dos valores morais
mentos nos que já possui, o que implica, ne-
e estéticos gerados pela humanidade no seu percurso
cessariamente, que no jardim-de-infância se histórico-cultural (p. 141).
considere o instrumental de que a criança já
dispõe em cada etapa do seu desenvolvimento,
A principal preocupação do educador de-
ou seja, as formas de intervir e apreender o real
verá ser a de organizar, com os seus alunos, um
que vai adquirindo ao longo da sua vida.
espaço que possibilite aprendizagens diversifi-
Acreditamos que não há pedagogia sem or-
cadas, em situações significativas e funcionais,
ganização e que essa organização espelha as
utilizando materiais adequados. Deverão ser
intenções educativas do educador, os diferen-
proporcionadas situações em que as crianças
tes modos de interacção das crianças entre si,
possam interagir entre si e com os adultos da
com os materiais e com os adultos. O educa-
dor desempenha um papel muito importante sala e onde, dialogicamente, através de situa-
na organização do contexto educativo pois ções exploratórias, construam aprendizagens.
toda a organização espacial, material e rotina É importante que as crianças encontrem um
educativa vão influenciar as aprendizagens que ambiente onde se sinta que a escola não se se-
as crianças vão realizar. para da vida mas, pelo contrário, que lida com
situações que fazem parte dela. Só assim a es-
cola não será artificial e sem sentido. E, para
Organização dos espaços isso, é importante que o espaço educativo seja
e dos materiais flexível e que possa ser modificado de acordo
com os interesses, propostas e necessidades
De acordo com as Orientações Curriculares que as crianças vão sentindo e experimen-
para a Educação Pré-escolar (1997), “o contexto tando entre si.
institucional de educação deve organizar-se como É importante que o espaço educativo seja
um ambiente facilitador de desenvolvimento e da
organizado de modo a permitir que os alunos rea-
aprendizagem das crianças.” (p. 31). Deve, por
lizem ao mesmo tempo actividades diversificadas em
isso, ser um objectivo do educador organizar diferentes modalidades de trabalho: em pequenos
com o grupo de crianças um espaço educativo grupos, em pares, individualmente e em grande
funcional, acolhedor e envolvente, que pro- grupo. Os materiais deverão estar à disposição dos
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mova situações desafiantes e motivadoras para alunos para que estes os possam utilizar autonoma-
as crianças. mente (Grave-Resendes & Soares, 2002, p. 46).

A organização e a utilização do espaço são ex- O espaço educativo da sala é, assim, um


pressão das intenções educativas e da dinâmica do
factor condicionante das actividades de apren-
grupo, sendo indispensável que o educador se interro-
gue sobre a função e finalidades educativas dos ma- dizagem das crianças, influenciando as estraté-
teriais de modo a planear (…) essa organização gias e as situações vivenciadas. Daí ser impor-
(Orientações Curriculares, 1997, p. 37). tante que esta organização seja feita com o
grupo de alunos e com o educador de modo a
Como afirma Niza (1998), construir-se um espaço que, apesar de estar pre-
viamente estruturado, irá proporcionar dife-
[a] escola define-se para os docentes do MEM
como um espaço de iniciação às práticas de coopera-
rentes situações de exploração e de funciona-
ção e de solidariedade de uma vida democrática. mento. “O conhecimento do espaço, dos materiais e
Nele, os educandos deverão criar com os seus educa- das actividades possíveis é também condição de au-

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tonomia da criança e do grupo” (Orientações Cur- senvolver-se ao longo da semana, e ao longo


riculares, 1997, p. 38). daquele dia. Para isso, torna-se importante re-
gistar, planificar, investigar, avaliar e comuni-
Também Sérgio Niza (1998) nos diz que car essas vivências. Nesta área, estão afixados
os instrumentos de pilotagem e de regulação
[é] através de um sistema de organização coope- da vida do grupo: o mapa de presenças, o diá-
rada que as decisões sobre as actividades, os meios, os rio, o mapa de registo e avaliação das activida-
tempos, as responsabilidades e a sua regulação se des, o mapa das tarefas, o calendário, o plano
partilham em negociação progressiva e directa e que o
treino democrático se processa de maneira explícita no
do dia, o mapa dos projectos, o quadro das co-
Conselho (p. 142). municações, o “quero mostrar, contar ou escrever”
e as regras da sala negociadas pelo grupo. Esta
No início do ano, a organização da sala de- área serve de apoio às outras áreas e às activi-
verá ser realizada com as crianças para que es- dades nelas desenvolvidas ao longo do dia,
tas conheçam cada área, os materiais que lá quando as crianças estiverem em tempo de tra-
poderão encontrar e o que poderão lá fazer. balho em projecto. Todos os instrumentos de
Conhecerem a forma como a sala está organi- pilotagem devem, sempre que possível, estar
zada e saberem o que podem fazer nela, é um ao alcance das crianças, para que estas possam
factor preponderante para a autonomia da ir regulando o seu trabalho e registando o que
criança. pensam ser importante a qualquer altura do
Em Setembro, o educador deverá organizar dia, pois só assim será possível que estas sejam
um espaço flexível, que possa ser modificado ouvidas e respeitadas quando se tomam deci-
sempre que os interesses, propostas e necessi- sões para a vida do grupo.
dades apresentadas pelas crianças o tornem
necessário, mas também acolhedor e estrutu-
rante, que respeite a livre expressão da criança.
Esse espaço está organizado em oito áreas di-
ferenciadas, organizadas à volta da sala e de
uma área central polivalente para os momen-
tos em grande grupo. São elas:

• Área da biblioteca e centro de documen-


tação;

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• Área da escrita e reprodução da escrita;
• Área das construções;
• Laboratório de Ciências e Matemática;
• Ateliê das expressões plásticas;
• Ateliê de expressão dramática Durante todo o processo de organização e
• Área da cultura alimentar; gestão do espaço educativo, o diário é o ins-
• Área Polivalente. trumento de regulação que fará a mediação na
socialização das crianças. É nele que o grupo
Na área polivalente situa-se a mesa grande, registará todas as situações que se torne neces-
ou o conjunto de mesas que dão suporte aos sário debater, o que ajuda na resolução de con-
momentos colectivos do grupo. É aqui que, flitos que aparecem no seio do grupo. Regista
diariamente, o grupo se reúne em conselho também, propostas e ideias que vão surgindo e
para conversar, partilhar, negociar e propor as que deverão ser conversadas pelo grupo, pla-
diversas actividades e projectos que irão de- neando-se assim novas actividades. Este ins-

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trumento de pilotagem é uma folha de dimen- cadora, enquanto elemento do grupo, a intro-
sões variáveis (nunca menos de A2), dividido duzir o diário e algumas propostas de organi-
em quatro colunas: não gostamos, gostamos, fize- zação do espaço educativo, uma vez que o
mos e queremos fazer, onde se vão registar as grupo não tem vivências anteriores onde se ba-
ocorrências mais significativas da vida do sear para propor ideias. Assim, o diário é in-
grupo durante uma semana. Nas duas primei- troduzido como um instrumento de registo e,
ras colunas, registam-se os juízos negativos e em conselho, deve falar-se sobre ele e de que
positivos, sob a forma de desagrados e elogios, forma se utiliza. O educador salienta o facto de
em relação a atitudes, comportamentos ou si- que todos podem fixar uma situação que con-
tuações individuais ou de grupo. Na terceira siderem relevante e, embora no início se possa
coluna, registam-se as realizações mais signifi- verificar que estas solicitam ao educador que
cativas e na última as ideias e propostas de escreva o que elas lhe ditam, gradualmente vão
actividades e projectos feitos pelas crianças. elas próprias começando a escrever o que con-
Devido a todos estes aspectos, o diário é o ins- sideram importante. É na coluna do não gosta-
trumento de pilotagem que apoia a organiza- mos que se verificam mais registos, provavel-
ção do trabalho, o planeamento das activida- mente por se tratar de ocorrências com os pa-
des na sala e, concretamente, a forma como se res, registadas no momento em que acontecem
organiza o grupo de crianças. e de que sentem necessidade de falar. Nas ou-
O registo no diário é feito livremente, em tras colunas, em que se regista diariamente em
qualquer momento do dia, sempre que a conselho, as crianças não sentem tanta urgên-
criança considere ter uma ocorrência significa- cia em escrever para não se esquecerem, até
tiva e importante. O registo escrito é feito di- porque são ocorrências que estão registadas
rectamente na folha de papel pela criança, ou noutros instrumentos de regulação e que elas
em ditado à educadora. Para facilitar a escrita sabem que serão lidos e debatidos. As ocor-
autónoma e espontânea da criança, o diário rências registadas no não gostamos são pessoais
deve estar colocado ao seu nível. No entanto, e a criança sabe que terá de ser ela a falar sobre
sempre que seja solicitada, a educadora é es- a ocorrência, não podendo por isso esquecê-la.
crivã da fala das crianças, podendo escrever o Todas as ocorrências registadas no diário serão
que elas lhe ditam. lidas na reunião de conselho, na tarde de sexta-
feira.
O espaço educativo é organizado de modo
a permitir que as crianças possam escolher as
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actividades e estar nas diversas áreas a pares,


em pequenos grupos ou individualmente. Para
isso, todas as manhãs, depois da reunião de pla-
neamento, as crianças vão registar as suas esco-
lhas no mapa das actividades. No final do dia,
avaliam se realizaram, ou não, as actividades
escolhidas e porquê, registando essa avaliação
segundo um código previamente negociado
pelo grupo, em conselho. Este instrumento de
regulação é constituído por um mapa de duas
Quando se inicia o ano lectivo com um entradas. Numa das colunas encontram-se os
grupo que nunca teve contacto com o modelo nomes das crianças e na outra ordenam-se as
pedagógico do MEM, é um recomeçar para a actividades disponíveis, diariamente, em cada
educadora e para o grupo, e tem de ser a edu- área.

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tes inventários permitem às crianças (re)lem-


brar as diferentes possibilidades de actividades
que estão ao seu dispor para realizarem, dia-
riamente, em cada uma das áreas. Estão orga-
nizados em lista onde, além da palavra escrita,
está uma ilustração, permitindo às crianças a
leitura autónoma da mesma. Nenhum destes
inventários está fechado, podendo ser acres-
centado em qualquer altura do ano, com mate-
riais ou actividades propostas pelas crianças ou
pelo educador, desde que sejam considerados
importantes pelo grupo, em conselho.

As paredes da sala tornam-se expositores


permanentes de todo o trabalho desenvolvido
na sala pelas crianças: textos, histórias, projec-
tos de estudo, projectos técnicos, registos de
observação de descobertas, estratégias de reso-
lução de problemas, relatos de visitas e traba-
lhos de arte. Trata-se de uma valorização pú-
blica das experiências de vida das crianças, das
suas ideias e das suas opiniões. A sala vai-se
enriquecendo com as diversas produções que
retratam e dão sentido à vida do grupo,
apoiando as aprendizagens e provocando no-
vos projectos. Ao longo do ano, devido a esta
Na sala, os materiais estão à disposição das
dinâmica, a sala pode ter de ser reorganizada
crianças para que os possam utilizar autono-
devido a alterações de interesses. Mas vão-se
mamente. Mas durante o ano, elas devem
constantemente enriquecendo as diversas
construir materiais e produtos que enriqueçam
áreas com os materiais que as crianças vão tra-
as áreas: é o caso dos vários projectos e histó-
zendo ou construindo, ou que a escola vai ad-
rias, das listas de palavras, do dicionário ilus-

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quirindo. Nesta perspectiva, os materiais de-
trado, do ficheiro imagem/palavra que irão
vem ser seleccionados com o objectivo de dar
tornar a área da escrita mais rica, os jogos que
uma continuidade entre o meio social e o es- se vão construindo (lotos, jogos de memória,
colar, e isso só é possível se forem autênticos e dominós, etc), ou o terrário, ou o caracolário
pertencerem a ambos os meios. que ficará no Laboratório de ciência e mate-
Com o grupo, em conselho, deve-se registar mática.
a organização das diversas áreas da sala e ela- Como afirma Niza (1998),
borar os inventários de todos os materiais que
existem e outros que as crianças consideram [a]ssim se caminha, por negociação progressiva,
importante adquirir. Posteriormente, devemos desde o planeamento à partilha das responsabilida-
des e de regulação/avaliação. Por negociação se pro-
fazer com as crianças um levantamento das di-
cede à construção dialogante dos valores e dos signifi-
ferentes actividades que se podem realizar em cados das práticas culturais e científicas em que ra-
cada área, usando as paredes da sala como dica o desenvolvimento e a educação. Desta
uma exposição dessas mesmas produções. Es- concepção de escola como uma comunidade de parti-

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lha de experiências culturais da vida real de cada um dados, pelas crianças ou pela educadora. Essas
e dos conhecimentos herdados pela História das Ciên- animações culturais estão organizadas sema-
cias e das Culturas, decorrem três finalidades forma- nalmente, mas podem ser alteradas sempre
tivas: iniciação às práticas democráticas, reinstituição
dos valores e significações sociais e a reconstrução coo-
que surjam situações que necessitem de ser
perada da cultura (p. 141). realizadas por estarem inseridas na vida da
sala.
Niza (1998) refere, também, que “a estabili-
Organização do tempo dade de uma estrutura organizativa, uma rotina
educativa, proporciona a segurança indispensável
Segundo as Orientações Curriculares para a para o investimento cognitivo” (p. 154). A organi-
Educação Pré-escolar (1997), zação de uma rotina educativa não pode, por
isso, ser feita sem a participação das crianças
o tempo educativo contempla de forma equilibrada do grupo. Esta agenda tem de ser debatida, ne-
diversos ritmos e tipos de actividades em diferentes si- gociada e aferida com o grupo, em conselho, a
tuações – individual, com outra criança, com um pe-
partir dos seus interesses. Por isso, é necessário
queno grupo, com todo o grupo – e permite oportuni-
dades de aprendizagem diversificadas, tendo em que as crianças compreendam a gestão do es-
conta as diferentes áreas de conteúdo (p. 40). paço, o que podem fazer e onde, e participem
na organização desse espaço, a fim de organi-
Quando falamos de tempo, referimo-nos, zarem o seu tempo em função de tudo o que
portanto, à rotina educativa. Esta é a forma gostariam de realizar na sala. Tem de ser dado
como se organiza o trabalho em sala, ao longo tempo à criança para se apropriar do espaço
de um dia, ou de uma semana, e que denomi- educativo, para melhor gerir o seu tempo. “A
namos respectivamente, rotina diária e rotina distribuição do tempo relaciona-se com a organiza-
semanal. Referimo-nos, também, a situações ção do espaço pois a utilização do tempo depende
estruturadas, mas flexíveis, que permitem à das experiências e oportunidades educativas pro-
criança antecipar situações e acontecimentos, porcionadas pelos espaços.” (Orientações Curri-
ou seja, permite que ela saiba o que vai fazer, culares, 1997, p. 40). Ao longo do dia, existem
quando vai fazer, transmitindo-lhe uma maior momentos distintos, o que conduz a diferentes
segurança. Podemos afirmar que o papel de- possibilidades educacionais que, juntamente
sempenhado pela rotina na educação pré-esco- com a segurança e com a autonomia que a
lar é fundamental pois promove a autonomia, criança sente, permite que esta faça escolhas,
a segurança e o sentido de pertença da criança, tome decisões e realize acções que a levam a
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apoiando-a, ainda, na gestão do seu tempo e novas experiências e aprendizagens (Formosi-


das suas aprendizagens. Segundo Vasconcelos nho, 1996).
(1998), o facto de negociarmos a organização Além de todos estes factores favoráveis, o
do tempo com o grupo de crianças que parti- estabelecimento de uma rotina permite o de-
lham connosco o espaço educativo, permite senvolvimento, de forma gradual e natural, de
que elas se sintam seguras e parte integrante de noções temporais, adquirindo a consciência de
toda a estrutura educativa. dia, semana e mês. “As referências temporais são
O tempo no jardim-de-infância está divi- securizantes para a criança e servem como funda-
dido em dois tempos distintos: a manhã, desti- mento para a compreensão do tempo: passado, pre-
nada ao trabalho em projecto, onde estão inte- sente, futuro, contexto diário, semanal, mensal e
gradas as actividades escolhidas pelas crianças, anual” (Orientações Curriculares, 1997, p. 40).
e a parte da tarde destinada ao trabalho curri- A rotina diária contempla tempos diferencia-
cular comparticipado pelo grupo e às sessões dos como tempo para planear, tempo para
de animação cultural, dinamizadas por convi- concretizar, tempo para avaliar e tempo para

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reformular (Formosinho, 1996; Niza, 1998, O planeamento é feito em cooperação, dia-


Vasconcelos, 1998). riamente, e o Plano do Dia constitui, por isso,
O dia começa com um tempo de acolhi- um instrumento de registo que vai servir de re-
mento. As crianças vão marcando a presença ferência para o trabalho a desenvolver durante
conforme vão chegando à sala, preparam a o dia. Este instrumento é complementar do
mesa para a reunião de planeamento e vão par- mapa de escolha e avaliação das actividades,
tilhando entre si vivências significativas. Si- que regista diariamente a planificação indivi-
multaneamente, a educadora vai registando as dual das crianças. Na reunião de conselho de
suas falas. Este é um momento que reúne to- sexta-feira, avalia-se o que se fez e o que não
das as crianças para uma primeira conversa, se fez, a partir dos registos do diário, e os pro-
participada por todos e moderada pelo educa- jectos que não foram concluídos, voltando a
dor. Posteriormente, e a partir da leitura do registar-se no diário da semana seguinte.
Diário, (coluna do queremos fazer) é feito o pla- Na reunião de conselho de sexta-feira, o
neamento, que fica registado no Plano do Dia. diário é lido em grande grupo, fazendo-se uma
O Plano do Dia é um instrumento de plani- avaliação da semana e debatendo-se as ocor-
ficação e regulação composto por três colunas rências registadas. Fala-se sobre os incidentes,
tomam-se decisões, negoceiam-se normas e
onde se regista o que se quer fazer, quem faz e
assumem-se compromissos. Tudo fica regis-
avaliação. Na primeira coluna, vão ser regista-
tado pela educadora, o que reforça a importân-
dos todos os projectos e actividades a realizar
cia do que foi combinado pelo grupo. Esse re-
em pequenos grupos durante esse dia. Na se-
gisto é colocado nas paredes da sala, na área
gunda coluna, regista-se o nome das crianças
polivalente. Posteriormente, tais compromis-
que vão participar nessas actividades. No final
sos e normas são ilustrados pelas crianças, para
do dia, na reunião de avaliação, o plano é ava-
que haja uma clarificação da mensagem e para
liado pelo grupo e essa avaliação é registada
que possam identificar o conteúdo do texto.
com um código pré-estabelecido com o grupo.
Os tempos de saída para visitas à comuni-
Esta avaliação é registada por uma das crianças dade (idas a museus e exposições, ao teatro, a
no plano do dia, durante a reunião, situação concertos, ao meio envolvente da escola, etc)
previamente combinada com o grupo e regis- acontecem sempre que surja necessidade, em
tada no mapa das tarefas semanais. contexto de uma actividade ou da realização
de um projecto. Assim, não lhe é atribuído um
tempo fixo na organização das actividades da

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sala. Mas a organização não tem um carácter
limitativo, antes complementar da vida da sala
e, por isso, pode ser modificada quando neces-
sário.

Reflexão final

O espaço educativo da sala constitui um


factor condicionante das actividades de apren-
dizagem das crianças, influenciando as estraté-
gias e as situações vivenciadas. Deverá ser um
espaço que, apesar de previamente estrutu-
rado, proporcione várias situações de explora-

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ção e de funcionamento. Deverá, por isso, ser pada; dinamizadores de cooperação; animado-
organizado em várias áreas de aprendizagem res cívicos e morais do treino democrático;
diferenciada e estimulante, com o objectivo de auditores activos para provocarem a livre ex-
pressão e a atitude crítica. Mantêm e estimulam
provocarem questões e o interesse das crianças a autonomização e responsabilização de cada
do grupo. educando no grupo de educação cooperada
O educador deve reflectir profundamente (p. 155).
na sua forma de estar e de ser na profissão, no
que acredita e defende, para que a organização
do espaço educativo onde vai desenvolver a REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sua profissão traduza isso mesmo. A organiza-
ção do espaço educativo é preponderante para Formosinho, J. O. (1998). A contextualização
a comunicação, para a interacção entre os ele- do Modelo Curricular High-Scope no âm-
mentos do grupo, para a partilha de experiên- bito do Projecto Infância. In J. O. Formosi-
cias e de saberes. Como afirmava Formosinho nho (org). Modelos Curriculares para a Educa-
(1998), esta organização é indispensável para a ção de Infância (pp. 51-92). Porto: Porto Edi-
autonomia do grupo, pois conduz a que “(…) tora.
papéis sociais, relações interpessoais, estilos de inte- Grave-Resendes, L. & Soares, J. (2002). Diferen-
racção – que constituem a textura básica – (sejam) ciação Pedagógica. Lisboa: Universidade
vividos, experienciados, perspectivados nas expe- Aberta.
riências que cada área específica permite” (p. 68). Moll, L. C. (1996). Vygotsky e a Educação: impli-
cações pedagógicas da psicologia sócio-histórica.
Como afirma Niza (1998), Porto Alegre: Artes Médicas.
Niza, S. (1998). O Modelo Curricular de Edu-
(…) este sistema de formação intelectual, es- cação Pré-Escolar da Escola Moderna Portu-
tética e sócio-moral das crianças radica na con- guesa. In J. O. Formosinho (org.). Modelos
vicção de que a organização da vida no jardim
Curriculares para a Educação de Infância.
de infância é o fundamental operador da educa-
ção escolar. Essa organização é dinamizada (…) (pp. 137-159). Porto: Porto Editora.
por processos de cooperação progressivamente Orientações curriculares para a Educação Pré-Esco-
reforçados de forma a garantir o exercício di- lar. Lisboa: Editorial do Ministério da Edu-
recto e continuado dos valores de evidente res- cação
peito, de autonomização e de solidariedade que Vala, A. (2008). Contextos Promotores da Aquisi-
a organização participada democraticamente,
ção da Linguagem Escrita em Jardim de Infân-
potencia.
cia. Tese de Mestrado em Psicologia Educa-
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É por isso que os educadores que sustentam


este sistema de educação pré-escolar, se assu- cional. Lisboa: Instituto Superior de Psicolo-
mem como promotores da organização partici- gia Aplicada. (texto policopiado).

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