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O contexto educativo e a
aprendizagem na Educação Pré-Escolar
Adelaide Vala*
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ções que enriqueçam o seu conhecimento, dores as condições materiais, afectivas e sociais para
bem como os procedimentos metodológicos que, em comum, possam organizar um ambiente ins-
que permitam integrar estes novos conheci- titucional capaz de ajudar cada um a apropriar-se
dos conhecimentos, dos processos e dos valores morais
mentos nos que já possui, o que implica, ne-
e estéticos gerados pela humanidade no seu percurso
cessariamente, que no jardim-de-infância se histórico-cultural (p. 141).
considere o instrumental de que a criança já
dispõe em cada etapa do seu desenvolvimento,
A principal preocupação do educador de-
ou seja, as formas de intervir e apreender o real
verá ser a de organizar, com os seus alunos, um
que vai adquirindo ao longo da sua vida.
espaço que possibilite aprendizagens diversifi-
Acreditamos que não há pedagogia sem or-
cadas, em situações significativas e funcionais,
ganização e que essa organização espelha as
utilizando materiais adequados. Deverão ser
intenções educativas do educador, os diferen-
proporcionadas situações em que as crianças
tes modos de interacção das crianças entre si,
possam interagir entre si e com os adultos da
com os materiais e com os adultos. O educa-
dor desempenha um papel muito importante sala e onde, dialogicamente, através de situa-
na organização do contexto educativo pois ções exploratórias, construam aprendizagens.
toda a organização espacial, material e rotina É importante que as crianças encontrem um
educativa vão influenciar as aprendizagens que ambiente onde se sinta que a escola não se se-
as crianças vão realizar. para da vida mas, pelo contrário, que lida com
situações que fazem parte dela. Só assim a es-
cola não será artificial e sem sentido. E, para
Organização dos espaços isso, é importante que o espaço educativo seja
e dos materiais flexível e que possa ser modificado de acordo
com os interesses, propostas e necessidades
De acordo com as Orientações Curriculares que as crianças vão sentindo e experimen-
para a Educação Pré-escolar (1997), “o contexto tando entre si.
institucional de educação deve organizar-se como É importante que o espaço educativo seja
um ambiente facilitador de desenvolvimento e da
organizado de modo a permitir que os alunos rea-
aprendizagem das crianças.” (p. 31). Deve, por
lizem ao mesmo tempo actividades diversificadas em
isso, ser um objectivo do educador organizar diferentes modalidades de trabalho: em pequenos
com o grupo de crianças um espaço educativo grupos, em pares, individualmente e em grande
funcional, acolhedor e envolvente, que pro- grupo. Os materiais deverão estar à disposição dos
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mova situações desafiantes e motivadoras para alunos para que estes os possam utilizar autonoma-
as crianças. mente (Grave-Resendes & Soares, 2002, p. 46).
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trumento de pilotagem é uma folha de dimen- cadora, enquanto elemento do grupo, a intro-
sões variáveis (nunca menos de A2), dividido duzir o diário e algumas propostas de organi-
em quatro colunas: não gostamos, gostamos, fize- zação do espaço educativo, uma vez que o
mos e queremos fazer, onde se vão registar as grupo não tem vivências anteriores onde se ba-
ocorrências mais significativas da vida do sear para propor ideias. Assim, o diário é in-
grupo durante uma semana. Nas duas primei- troduzido como um instrumento de registo e,
ras colunas, registam-se os juízos negativos e em conselho, deve falar-se sobre ele e de que
positivos, sob a forma de desagrados e elogios, forma se utiliza. O educador salienta o facto de
em relação a atitudes, comportamentos ou si- que todos podem fixar uma situação que con-
tuações individuais ou de grupo. Na terceira siderem relevante e, embora no início se possa
coluna, registam-se as realizações mais signifi- verificar que estas solicitam ao educador que
cativas e na última as ideias e propostas de escreva o que elas lhe ditam, gradualmente vão
actividades e projectos feitos pelas crianças. elas próprias começando a escrever o que con-
Devido a todos estes aspectos, o diário é o ins- sideram importante. É na coluna do não gosta-
trumento de pilotagem que apoia a organiza- mos que se verificam mais registos, provavel-
ção do trabalho, o planeamento das activida- mente por se tratar de ocorrências com os pa-
des na sala e, concretamente, a forma como se res, registadas no momento em que acontecem
organiza o grupo de crianças. e de que sentem necessidade de falar. Nas ou-
O registo no diário é feito livremente, em tras colunas, em que se regista diariamente em
qualquer momento do dia, sempre que a conselho, as crianças não sentem tanta urgên-
criança considere ter uma ocorrência significa- cia em escrever para não se esquecerem, até
tiva e importante. O registo escrito é feito di- porque são ocorrências que estão registadas
rectamente na folha de papel pela criança, ou noutros instrumentos de regulação e que elas
em ditado à educadora. Para facilitar a escrita sabem que serão lidos e debatidos. As ocor-
autónoma e espontânea da criança, o diário rências registadas no não gostamos são pessoais
deve estar colocado ao seu nível. No entanto, e a criança sabe que terá de ser ela a falar sobre
sempre que seja solicitada, a educadora é es- a ocorrência, não podendo por isso esquecê-la.
crivã da fala das crianças, podendo escrever o Todas as ocorrências registadas no diário serão
que elas lhe ditam. lidas na reunião de conselho, na tarde de sexta-
feira.
O espaço educativo é organizado de modo
a permitir que as crianças possam escolher as
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lha de experiências culturais da vida real de cada um dados, pelas crianças ou pela educadora. Essas
e dos conhecimentos herdados pela História das Ciên- animações culturais estão organizadas sema-
cias e das Culturas, decorrem três finalidades forma- nalmente, mas podem ser alteradas sempre
tivas: iniciação às práticas democráticas, reinstituição
dos valores e significações sociais e a reconstrução coo-
que surjam situações que necessitem de ser
perada da cultura (p. 141). realizadas por estarem inseridas na vida da
sala.
Niza (1998) refere, também, que “a estabili-
Organização do tempo dade de uma estrutura organizativa, uma rotina
educativa, proporciona a segurança indispensável
Segundo as Orientações Curriculares para a para o investimento cognitivo” (p. 154). A organi-
Educação Pré-escolar (1997), zação de uma rotina educativa não pode, por
isso, ser feita sem a participação das crianças
o tempo educativo contempla de forma equilibrada do grupo. Esta agenda tem de ser debatida, ne-
diversos ritmos e tipos de actividades em diferentes si- gociada e aferida com o grupo, em conselho, a
tuações – individual, com outra criança, com um pe-
partir dos seus interesses. Por isso, é necessário
queno grupo, com todo o grupo – e permite oportuni-
dades de aprendizagem diversificadas, tendo em que as crianças compreendam a gestão do es-
conta as diferentes áreas de conteúdo (p. 40). paço, o que podem fazer e onde, e participem
na organização desse espaço, a fim de organi-
Quando falamos de tempo, referimo-nos, zarem o seu tempo em função de tudo o que
portanto, à rotina educativa. Esta é a forma gostariam de realizar na sala. Tem de ser dado
como se organiza o trabalho em sala, ao longo tempo à criança para se apropriar do espaço
de um dia, ou de uma semana, e que denomi- educativo, para melhor gerir o seu tempo. “A
namos respectivamente, rotina diária e rotina distribuição do tempo relaciona-se com a organiza-
semanal. Referimo-nos, também, a situações ção do espaço pois a utilização do tempo depende
estruturadas, mas flexíveis, que permitem à das experiências e oportunidades educativas pro-
criança antecipar situações e acontecimentos, porcionadas pelos espaços.” (Orientações Curri-
ou seja, permite que ela saiba o que vai fazer, culares, 1997, p. 40). Ao longo do dia, existem
quando vai fazer, transmitindo-lhe uma maior momentos distintos, o que conduz a diferentes
segurança. Podemos afirmar que o papel de- possibilidades educacionais que, juntamente
sempenhado pela rotina na educação pré-esco- com a segurança e com a autonomia que a
lar é fundamental pois promove a autonomia, criança sente, permite que esta faça escolhas,
a segurança e o sentido de pertença da criança, tome decisões e realize acções que a levam a
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Reflexão final
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ção e de funcionamento. Deverá, por isso, ser pada; dinamizadores de cooperação; animado-
organizado em várias áreas de aprendizagem res cívicos e morais do treino democrático;
diferenciada e estimulante, com o objectivo de auditores activos para provocarem a livre ex-
pressão e a atitude crítica. Mantêm e estimulam
provocarem questões e o interesse das crianças a autonomização e responsabilização de cada
do grupo. educando no grupo de educação cooperada
O educador deve reflectir profundamente (p. 155).
na sua forma de estar e de ser na profissão, no
que acredita e defende, para que a organização
do espaço educativo onde vai desenvolver a REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
sua profissão traduza isso mesmo. A organiza-
ção do espaço educativo é preponderante para Formosinho, J. O. (1998). A contextualização
a comunicação, para a interacção entre os ele- do Modelo Curricular High-Scope no âm-
mentos do grupo, para a partilha de experiên- bito do Projecto Infância. In J. O. Formosi-
cias e de saberes. Como afirmava Formosinho nho (org). Modelos Curriculares para a Educa-
(1998), esta organização é indispensável para a ção de Infância (pp. 51-92). Porto: Porto Edi-
autonomia do grupo, pois conduz a que “(…) tora.
papéis sociais, relações interpessoais, estilos de inte- Grave-Resendes, L. & Soares, J. (2002). Diferen-
racção – que constituem a textura básica – (sejam) ciação Pedagógica. Lisboa: Universidade
vividos, experienciados, perspectivados nas expe- Aberta.
riências que cada área específica permite” (p. 68). Moll, L. C. (1996). Vygotsky e a Educação: impli-
cações pedagógicas da psicologia sócio-histórica.
Como afirma Niza (1998), Porto Alegre: Artes Médicas.
Niza, S. (1998). O Modelo Curricular de Edu-
(…) este sistema de formação intelectual, es- cação Pré-Escolar da Escola Moderna Portu-
tética e sócio-moral das crianças radica na con- guesa. In J. O. Formosinho (org.). Modelos
vicção de que a organização da vida no jardim
Curriculares para a Educação de Infância.
de infância é o fundamental operador da educa-
ção escolar. Essa organização é dinamizada (…) (pp. 137-159). Porto: Porto Editora.
por processos de cooperação progressivamente Orientações curriculares para a Educação Pré-Esco-
reforçados de forma a garantir o exercício di- lar. Lisboa: Editorial do Ministério da Edu-
recto e continuado dos valores de evidente res- cação
peito, de autonomização e de solidariedade que Vala, A. (2008). Contextos Promotores da Aquisi-
a organização participada democraticamente,
ção da Linguagem Escrita em Jardim de Infân-
potencia.
cia. Tese de Mestrado em Psicologia Educa-
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