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Cuidados com Feridas em Cães e Gatos

2015
Cicatrização de feridas em cães e gatos

Imagem: Malik, 2006-Journal of Feline Medicine and Surgery 8:135-140

Como ocorre o processo cicatricial em pequenos animais? Ele é igual em cães e gatos? Como o médico
veterinário deve proceder no tratamento de feridas?
1) Anatomia e função da pele
A pele é o órgão mais extenso do organismo, podendo atingir tanto em humanos como em animais, 16%
do peso corporal. É constituída pela epiderme, derme e hipoderme. A epiderme é a porção mais externa
da pele formado por um epitélio multiestratificado e constituída por três tipos diferentes de linhagens
celulares: queratinócitos, melanócitos e células de langerhans.
A derme e a camada mais espessa da pele e sustenta a epiderme. É formada por um tecido conjuntivo que
contém fibras proteicas, vasos sanguíneos, terminações nervosas, órgãos sensoriais e glândulas. As
principais células que compõe a derme são os fibroblastos. Essas duas camadas são sustentadas por uma
camada subcutânea de tecido conjuntivo frouxo denominada de hipoderme que tem por função unir a pele
a estruturas mais internas, permitindo a mobilidade tegumentar sobre as estruturas.
Umas das principais funções da pele é realizar uma barreira física entre o ambiente externo e interno do
animal. Desta forma atua na proteção do organismo contra a perda de água, armazenamento de gordura,
carboidratos e proteínas, proteção de raios ultravioletas, proteção contra atritos, termo-regulação corporal,
formação de vitaminas, respostas imunes do organismo aos alérgenos, recepção sensorial e circulação
sanguínea. Devido as inúmeras funções exercidas pela pele é indispensável a manutenção da homeostase
do órgão, tornando-se indispensável o tratamento adequado de qualquer injúria tissular.
2) Feridas em pequenos animais
As feridas cutâneas ocorrem com grande frequência na clínica de pequenos animais, sendo as causas
mais comuns as: cirurgias, traumas e neoplasias. Uma lesão no tecido epitelial desencadeia o processo
cicatricial que consiste em uma cascata de eventos celulares e moleculares que interagem para que ocorra
a repavimentação e a reconstituição do tecido. A cicatrização é dividida didaticamente nas fases de
inflamação, proliferação e maturação, no entanto, nos animais, elas ocorrem simultanemente. Para o
tratamento adequado das injúrias tissulares é importante que o médico veterinário de pequenos animais
tenha conhecimento sobre as fases e as diferenças do processo cicatricial nos cães e nos gatos,
determinando assim o manejo adequado do tratamento e consequentemente, a qualidade cicatricial e a
homeostase do órgão.
De uma maneira geral a fase inflamatória ocorre imediatamente após a injúria tissular, e tem como objetivo
realizar fagocitose de micro-organismos e tecidos necrosados, deixando o local da lesão preparado para a
formação de um novo tecido. Na fase proliferativa, ocorre a contração da ferida devido à mitose celular
que proporciona o desenvolvimento do tecido de granulação e a posterior epitelização da ferida. A fase de
maturação é caracterizada pelas transformações no tecido neoformado tais como: diminuição progressiva
da vascularização e dos fibroblastos, aumentando a força tênsil devido à maturação e reorientação das
fibras de colágeno.
A recomposição anatômica do leito da ferida ocorre de forma tridimensional podendo originar cicatrizes
hipertróficas ou normotróficas. Nas hipertróficas ocorre a formação de um tecido não harmônico devido a
alterações no mecanismo de cicatrização; seja por fatores intrínsecos ou extrínsecos ao organismo. Nas
cicatrizes normotróficas não ocorre alterações durante o período cicatricial levando a formação de uma
cicatriz com aspecto, textura e consistência anterior ao trauma. Para a ocorrência de um processo cicatricial
regular e com ausência de fatores extrínsecos é preciso haver um tratamento adequado das feridas desde
a sua origem.
3) Classificação das feridas
As feridas são classificadas conforme o tipo (cirúrgicas e traumáticas) e o grau de contaminação (limpas,
limpas contaminadas, contaminadas e infectadas). São consideradas cirúrgicas quando confeccionadas de
maneira asséptica por um instrumento cirúrgico cortante e as traumáticas estão associadas a uma lesão
mecânica que proporciona uma lesão séptica com superfície irregular.
O Colégio Americano de Cirurgiões considera uma ferida limpa quando essa não é traumática e limpa
contaminada quando não for traumática e possuir pequenas infrações na técnica de antissepsia. As feridas
contaminadas são as feridas traumáticas recentes com ausência de sinais clínicos de contaminação já as
infectadas são as traumáticas que possuem presença de tecido desvitalizado e presença de exsudato
purulento. As feridas traumáticas ocorrem com maior frequência em cães e gatos na porção anterior do
corpo, principalmente nos membros, pescoço e cabeça. Já nos felinos há relatos que as lesões ocorrem
também no abdômen e cauda, principalmente por brigas com outros animais.
Em animais hígidos e com ferida limpa a regeneração da pele ocorrerá espontaneamente, pois o organismo
está preparado para corrigir qualquer alteração na sua solução de continuidade. Devido a isso é importante
avaliar o paciente antes da prescrição do tratamento para a lesão e analisar caso ele tenha alterações no
metabolismo tais como: anemias, distúrbios na coagulação, diabetes e adrenocorticismo. Deve ser tratada
e monitorada a alteração de base, no entanto, devem haver mudanças na prescrição do tratamento pois
esses processos retardam o processo cicatricial. 4) Cicatrização de feridas cutâneas em cães e gatos
Estudos relatam que a epiderme dos cães é mais espessa que a dos felinos e que nos gatos há uma maior
quantidade de histiócitos na sua derme. Isso possivelmente afeta a absorção e metabolização de
medicamentos tópicos. Outro fator que provavelmente interfira nas diferenças do processo cicatricial entre
as espécies é que a microcirculação cutânea ao redor das feridas nos cães é mais dinâmica do que em
gatos. O processo cicatricial nos felinos ocorre de forma mais lenta que nos cães, visto que o período
de contração e epitelização da ferida ocorre mais lentamente. Também é importante observar o tecido de
granulação, que nos gatos é mais claro, (Figura 2), o que pode dificultar a sua visualização, e ocasionar
confusão na determinação da fase do processo cicatricial. Outro fator interessante é com relação à tensão
da ferida que demonstrou ser maior nos cães do que em felinos, aos 7 dias. A tensão da ferida determina
a maturação do tecido neoformado, demonstrando assim que no início do processo cicatricial as feridas em
cachorros cicatrizam mais rapidamente e possuem maior tensão quando comparada com a de felinos.
Figura 2 - A: Tecido de granulação no cão-seta (mais vermelho), B: Tecido de granulação no felino- seta
(mais pálido). Fonte: foto do cão: ClinPet- Grupo de Pesquisa, Ensino e Extensão em Clínica de Pequenos
Animais. Foto do gato: Andrade et al, Archives of Veterinary Science, v.15, n.3, p.135-142, 2010.
Existem trabalhos relatando sobre o fenômeno conhecido como “false healing” (cicatrização falsa) que se
refere ao procedimento de deiscência completa ao retirar os pontos de uma ferida cirúrgica aparentemente
saudável e cicatrizada, assim que o animal retorna a sua movimentação normal. Esse processo é relatado
com certa regularidade em felinos e raro em caninos e sua etiologia ainda precisa ser investigada. Como
pode ser visto, existem diferenças na cicatrização de feridas cutâneas em cães e gatos, que começam
na histologia da pele e culminam em peculiaridades no processo cicatricial. Essas particularidades devem
ser conhecidas pelos veterinários de pequenos animais, pois elas determinam maneiras diferentes no
tratamento das feridas.
Como por exemplo, o período de tratamento das feridas em felinos pode ser mais longo que nos caninos,
devido a demora na cicatrização de feridas cutâneas em gatos. Além disso, cuidados com medicamentos
que possam ser administrados nos gatos devem ser tomados, pois eles possuem uma epiderme mais fina
e maior quantidade de histiócitos na pele, podendo estar mais propensos a intoxicações. O principal cuidado
ao tratar uma ferida é avaliar o paciente, pois o tratamento vai variar de acordo com a individualidade de
cada caso, não havendo um protocolo padrão para o tratamento de feridas. No próximo artigo, falaremos
sobre como abordar o tratamento em cada fase do processo cicatricial, e em possíveis individualidades dos
pacientes.

Fonte: http://www.crmv-mt.org.br/index.php/noticias/800-cicatrizacao-de-feridas-em-caes-
egatos

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