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Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2019

Novos passos de perceber performance


por Elisa Ottoni

Infelizmente não pude comparecer ao FITU pois fui selecionada para uma residência
artística chamada Fôlego 1 para a criação de uma peça que será dirigida por Pedro
Kosoviski. Dentro da engrenagem da proposta de criação da peça a performatividade é um
elemento crucial para o levantamento das ideias levantadas. Kosoviski ao apresentar suas
peças teatrais pelo Brasil, se atentou a um movimento muito cotidiano de pós peça : A roda
de conversa. É muito comum após as apresentações teatrais, como contrapartida, a
atividade de conversar sobre a peça com a platéia. Os atores suados, com o figurino pela
metade são provocados sobre seus trabalhos, a platéia deixa de ser platéia para uma
relação de maior horizontalidade, extingue-se os protagonismos e a relação persiste e
preenche todo aquele espaço. Em tempos nublados como o nosso, de muitos
silenciamentos, Kosoviski notou que as rodas de conversa tem ganhado mais força do que
muitas vezes o próprio espetáculo. Após dividirem essa experiência viva que é o teatro, as
pessoas sentem-se confortáveis não só para falar sobre a peça mas também sobre si
mesmo, sensações para além da obra, política, memórias, declarações, desabafos e
diversas opiniões. A ideia de Kosoviski é realizar uma peça que na verdade é uma roda de
conversa de um pós peça, em que a participação do público será altamente afetada em sua
obra. A peça está em construção não sabe-se o que poderá se tornar, mas durante a
oficina/criação toda interferência performativa era bem vinda a qualquer momento. Seja
durante uma fala de alguém, de um exercício, fora do espaço de jogo o que tornava a
residência uma experiência intensa de corpos, discursos e suas formas de escuta. Como
mote para o trabalho começamos a estudar as maneiras de estar e se organizar em roda e
seus desdobramentos. Uma questão que me chamou a atenção foi a do fato da roda ser
uma opção democrática, em que todos se olham de maneira horizontal mas também um
lugar opressivo por não haver formas de esconder-se. Para olhar a todos é preciso se
deixar olhar e a medida que somos olhados e olhamos em suas tensões e relaxamentos é
possível notar o corpo performativo se estabelecendo; é e não é um ator, uma cena, um
acontecimento. Falarei aqui sobre duas performances realizadas durante a residência que
mais chamaram a atenção:

1- Uma roda por uma prova de amor: A performer recebia o público entregando-os uma
cadeira e dizia que gostaria da nossa ajuda para formar uma roda com provas de amor.
Uma menina se prontificou a pegar mais de uma cadeira e oferecer seu lugar para algumas
pessoas, outra entrou na roda falando sobre o seu pai, um casal com um grande beijo, um
mais rebelde jogou a cadeira e gritou: “amor é o caralho, chega de romantismo!” Outro
carregou mais cadeiras que conseguia deixando-as cair no chão prontamente ajudado por
outro alguém. A performer sentada olhava a construção da roda vestida de atenção. Foi
muito interessante perceber as diversas relações que uma expressão “ prova de amor”pode
gerar e ser interpretada. A memória chega primeiro que a palavra, o cheiro de alguém, a
experiências que nos aproxima da expressão. Outra questão que me atentou foi em como o
sentido de - prova de amor- está ligado para muitas pessoas a sacrifício, deixar de fazer
algo por si para fazer pelo outro e em muitas vezes em se prejudicar. Talvez seja a palavra
“prova”que pese o amor. O casal que caiu em um longo beijo encontrou outro significado o
provar no sentido de saborear o amor. Eram apenas cadeiras, uma performer e uma
sugestão. Simples e explosivo.

2- A performance de uma peça: Um ator com uma mochila diz que vai realizar uma peça
sobre o Van Gogh mas que precisa da ajuda de todos. “Quem vai ser o diretor?”
“Maquiador?” “Cenógrafo?” o ator vai distribuindo funções e as pessoas em volta vão se
empenhando para a construção da peça. Uma pinta o rosto do ator, outra o veste enquanto
um grupo pensa no cenário, o produtor corre de um lado para o outro e aos poucos uma
peça vai sendo elaborada em segundos. O ator faz 2 minutos de peça e senta em roda de
conversa para conversar sobre o trabalho e na roda de conversa dá a possibilidade das
pessoas que se prontificaram a montar a peça com ele a conversar sobre seus conceitos. A
cena não cena ficou bastante caracterizada nesse trabalho, era uma espécie de ficção em
que as pessoas que participavam entravam sendo elas mesmas, porém no final havia
espaço para a imaginação, para a criação de conceitos, havia espaço para o “e se…” Era
uma linha tênue entre a brincadeira, a cena, o absurdo e a realidade.

Observações finais:

Durante a residência muitas propostas performáticas foram realizadas, e algo que me


chamou a atenção foram as formas de se propor e estar em uma performance. Quando o
artista apostava excessivamente em uma dramaticidade maior o carácter performativo
desaparecia e a cena transbordava e tornava excessivo, não me convencia a embarcar em
sua proposta. Havia também quem interpretava o não atuar como um corpo estranho no
espaço e outros que abandonavam a cena mas também se abandonavam e a proposta
ficava sem tonos. Essas propostas que em algum lugar não funcionaram serviram para
observar que a performance é um estado de risco e que quando, como observadora, há
uma certa busca pelo acerto da parte do performer, o trabalho é prejudicado. Talvez o
acerto tenha a ver com buscar um resultado e que talvez essa palavra não combine muito
com o ato performativo. Performance é caminhar sempre procurando novas e velhas
perguntas. Foi bonito vivenciar diversos corpos em pesquisa, vencendo o medo do erro, se
arriscando, propondo e ouvindo. É difícil não relacionar os impactos do mundo, do país, dos
buracos das calçadas, do aperto dos ônibus com as nossas vidas. Estamos em um
momento em que ser performático é uma necessidade, encontrar fissuras, questionar as
regras, interromper um fluxo pela preservação da nossa existência. Pelo direito de existir!

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