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Admin,+Aprender34 A1
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Nesta entrevista, Alberto Melo relata e analisa o seu longo percurso pela educação de
adultos e pelo desenvolvimento local. Não ficam dúvidas sobre o caráter político de um e de ou
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tro que, indelevelmente, associou na sua trajetória pessoal e social de intervenção comunitária,
de quase 50 anos. Os propósitos de emancipação e de libertação das pessoas e das comunidades
tornaram a educação de adultos numa prática subversiva que os poderes instituídos procuraram
esvaziar, ou desviar sistematicamente, das suas intenções mais genuínas ou populares. Como
explicitamente refere, essa será a justificação para o estado atual das políticas públicas neste
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âmbito. Mas este vazio é também o que exige recuperar o sentido de resistência da educação de
adultos e impõe novos projetos e práticas alternativos. O contributo de Alberto Melo é, a este
título, absolutamente evidente e incontornável.
Abílio Amiguinho (A.A.) – Há quantos anos exilei-me, como muitos outros. Em França, fui
te dedicas ao estudo e à intervenção no trabalhar para a OCDE, integrado numa equipa
âmbito da educação de adultos? de estudos sobre problemas relacionados com
investimentos públicos na educação, especial-
Alberto Melo (A.M.) – É difícil dizer-te exa mente no ensino superior. Portanto, estava fo-
tamente quando foi o primeiro ano, digamos cado fundamentalmente na educação formal,
assim. Lembro-me de andar a estudar no se- mas comecei a pensar também que a educação
cundário, com catorze anos, e de me pedirem formal não resolveria os problemas todos.
para dar explicações a uma moça lá da aldeia, Pareceu-me, como disse, que o puro
que queria fazer o exame de regente primária. investimento no ensino formal não iria resol
De maneira que dei explicações e fui-me ocu- ver problemas tão vastos, e que era necessário,
pando. Depois fiz o curso de Direito que não para avançarmos, haver cada vez mais ativi-
tinha nada a ver com a educação. dades no quotidiano, no contexto em que as
Por outro lado, comecei a empenhar- pessoas viviam e trabalhavam. Não pensar ape
-me nas questões políticas, não tanto na mi nas nas escolas para resolver esses problemas,
litância direta, mas como testemunha atenta mas pensar em multiplicar espaços de apren-
do que se ia passando, formando as minhas dizagem pela sociedade fora. Foi esta posição,
posições, isto, claro, no período salazarista. esta intuição, se quiseres, que me levou a
Acabei por recusar ir para a guerra colonial, e deixar o trabalho que tinha e a procurar uma
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A.A. – De progressiva capacitação das pes-
soas... A.A. – Não ficaste muito mais tempo...
A.M. – Isso, na altura, estava a ser confirmado A.M. – Logo em maio, consegui negociar uns
Quando a Diretora Geral da Educação Perma- por todo o país, o que parecia uma perspetiva
nente é saneada pelos trabalhadores, o Bár- muito militar e um bocado totalitária. É pre-
tolo Paiva Campos pede-me para aceitar o ciso que as pessoas queiram aprender, antes de
cargo. Portanto, fui para lá em outubro de mais. Não é estar a obrigá-las a aprender e a
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A.M. – Logo a seguir. Foi em setembro ou out- A.A. – Mas não deixa de ser curioso...
ubro. Reunia com pessoas que por lá andavam,
e constituiu-se um pequeno conselho consul- A.M. – Devemos, antes de mais, criar motiva-
tivo com pessoas exteriores com quem trocava ção para mais aprendizagem. E essa motivação
impressões, como a Ana Benavente, que então estava em muitos sítios, estava no próprio ter-
convidei. Também convidei a Teresa Santa reno através de experiências que se estavam a
Clara Gomes, e havia mais uma ou outra pes- desenvolver, experiências de intervenção co-
soa, que agora não recordo, com que gostava munitária em que as pessoas se empenhavam
de trocar impressões sobre as estratégias, sobre com projetos. Nessas dinâmicas, sentiam a
as abordagens. Foram cerca de nove meses até necessidade de saber mais, e, realmente, havia
às eleições de 1976, que o PS ganhou com am- muitos grupos a pedir apoio, assistência, porque
pla margem. queriam aulas disto e daquilo, porque queriam
um animador para o teatro, queriam um his-
A.A. – É então que se inicia a chamada nor- toriador que os ajudasse a fazer a história da
malização, não é? sua terra. As pessoas, então, sentiam que o país
era delas. Uma grande herdade no Alentejo
A.M. – De certo modo, sim, quer dizer, eu não ou uma aldeia minhota não lhes diziam nada,
tinha nada, em princípio, contra o PS, o Vítor quando se sentiam numa situação de domina-
Alves estava próximo do PS, tinha trabalhado dos, não se sentiam cidadãos. Quando se sen-
muito com ele, mas, quando soube que era o tiram capazes, libertos, digamos, para fazer
Sotto Mayor Cardia o futuro ministro, pedi coisas, para mudar o seu dia a dia, para mudar
logo a demissão. os seus territórios, sentiram imediatamente a
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era mais em apoios de assistência técnica, em talmente, apoiar o quer existia, e tomar esses
materiais, em equipamento. Quando os suecos exemplos como a base de toda a reforma edu-
vieram, e ficaram bastante interessados pela cativa de adultos em Portugal.
abordagem, eu fui à Suécia, na altura com o
A.A. – Num tempo em que o Algarve se tinha mentar o PIB, era mais dinheiro, mais transa-
deslocado quase todo para o litoral… ções, mais produção, mais consumo, mais
investimento material. E, a pouco e pouco,
A.M. – Sim, em que a serra se estava a deserti- começámos a fugir da ideia de desenvolvi-
ficar, especialmente de homens em idade ativa. mento e a carregar mais na ideia do bem-estar.
Vinham trabalhar para a construção civil, para Bem-estar, qualidade de vida. Que passa, sem
os restaurantes e hotéis, enquanto ficavam nas dúvida, pela satisfação das necessidades bási-
aldeias as mulheres, as crianças e os idosos. cas, mas que vai muito além da ideia de fazer
Praticamente todo o trabalho era feito ali por subir o PIB.
mulheres.
A.A. – Mas essa cultura de que falavas tinha
A.A. – Qual foi o vosso ponto de entrada? a ver com o voltar a acreditar que popula-
Penso que foi o da educação das crianças em ções, de alguma forma entregues ao fata
idade da designada educação de infância... lismo e à resignação... Quer dizer, tudo isso
fazia parte do movimento educativo de na-
A.M. – Foi por uma questão meramente con- tureza informal, mas que não rejeitava a
juntural. O projeto de intervenção que nós tí formação formal. Não é verdade?
nhamos concebido, sempre lhe chamámos
projeto de desenvolvimento local integrado. A.M. – Sim, claro está. Especialmente para
Com várias componentes: educativa, social, este tipo de populações, arredadas das questões
cultural, ambiental. Mas não tivemos nenhum culturais e educativas, acho que a porta de en-
apoio a nível nacional, e o apoio que tivemos trada deve ser pelos aspetos informais. E, se
foi de uma formação na Holanda que, por es- forem bem-sucedidas, estas atividades iniciais,
tatuto, dava prioridade às crianças com idade as pessoas motivam-se e, às tantas, começam
pré-escolar. Sabendo que um processo de inter- a procurar formalizar e a receber formações
venção integrada pode começar por qualquer mais estruturadas que, inclusivamente, as
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que o projeto não é necessariamente educativo, efetivamente as suas qualidades de liderança e
e acho até que nem deve ser normalmente edu- criatividade social.
cativo na sua centralidade. É um projeto que Ainda domingo1, foi eleita uma moça,
envolve e interessa muita gente de uma comu- para a Junta de Freguesia, que trabalhou
que é dominante essa perspetiva relativamente por cento de desempregados, formação profis-
ao poder, independentemente do partido (en- sional para quê e para quem? É tudo um faz de
contrei pessoas assim em todos os partidos), conta, neste momento.
não se pode esperar que haja aliados para uma Também não querem formar cidadãos,
abordagem que dê poder ao cidadão, que quei-
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mento Social. o dinheiro é raro e falta a muitas pessoas, em
muitos grupos, em muitos territórios. Porque o
A.M. – Sim, é um dos exemplos. O PRODER dinheiro que eu levo aqui ao mercado, o euro, é
também, no campo do desenvolvimento rural. o dinheiro que vai especular para a City de Lon-