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FERNANDO PESSOA – ORTÓNIMO

Fernando Pessoa conta e chora a insatisfação da alma humana. A sua precariedade, a sua
limitação, a dor de pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se
sente incapaz de construir e que, comparando as possibilidades miseráveis com a ambição
desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio.

Os remédios para esse mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença
num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo messiânico, o
estoicismo de Ricardo Reis, etc. Todos estes remédios são tentativas frustradas porque o mal é
a própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. É uma poesia cheia de desesperos e
de entusiasmos febris, de náusea, tédios e angústias iluminados por uma inteligência lúcida –
febre de absoluto e insatisfação do relativo.

Fingimento Artístico:
Nova conceção de arte. A poesia está, não na dor experimentada ou sentida, mas, no
fingimento dela, apesar do poeta partir da dor real “a dor que deveras sente”. Não há arte sem
imaginação, sem que o real seja imaginado de maneira a exprimir-se artisticamente e ser
concretizado em arte. Esta concretização opera na memória a dor inicial fazendo parecer a
dor imaginada mais autêntica do que a dor real. Podemos chegar à conclusão de que há 4
dores: a real (inicial), a que o poeta imagina (finge), a dor real do leitor e a dor lida, ou seja,
intelectualizada, que provém da interpretação do leitor.

A expressão dos sentimentos e sensações intelectualizadas (intelectualização dos


sentimentos) são fruto de uma construção mental, a imaginação impera nesta fase de
fingimento poético. O fingimento é obtido com a junção de vários fatores como: a
intelectualização dos sentimentos, a despersonalização (fragmentação do eu) e a grande
capacidade de dramatização do poeta.

O pensamento e a sensibilidade são conceitos fundamentais na ortonímia, o poeta brinca


intelectualmente com as emoções, levando-as ao nível da arte poética. O poema resulta,
então, de algo intelectualizado e pensado. O fingimento está, pois, em toda a arte de Pessoa. O
Saudosismo que se encontra na obra de Pessoa não é mais do que “vivências de estados
imaginários”. Pessoa conclui que o poeta é um fingidor tal como um racionalizador de
sentimentos.

Fragmentação do eu:
Pessoa adquire uma grande capacidade de despersonalização, permitindo-lhe a heteronímia
(criar diferentes personalidades), possibilitando-lhe exprimir estados de alma e consciência
distintos. Permite assim expressar melhor a apreensão da vida, do Ser e do mundo, de modo
a "sentir tudo de todas as maneiras" (experienciar todas as possibilidades do "eu" e atingir o
mundo inteligível). A fragmentação do eu e o fingimento artístico estão fortemente
interligados.

Motivos poéticos:

➢ Tensão sinceridade /fingimento, consciência/inconsciência, sentir/pensar;


➢ Necessidade de intelectualizar o que sente ou pensa (intelectualização dos
sentimentos);
➢ Fingimento artístico;
➢ Nostalgia da infância, símbolo da felicidade perdida, onde não existia o doloroso
pensar e sentir;
➢ Desilusão perante a vida real e de sonho, recusa da realidade, refúgio no sonho;
➢ Fragmentação do eu;
➢ Sofrimento proveniente da dor de pensar;
➢ Consciência do absurdo da existência;
➢ Expressão de estados de alma - tédio, egotismo, ceticismo, solidão interior, angústia,
cansaço, náusea, saudade, etc.
➢ Afastamento da realidade para percecionar e produzir uma nova realidade;
➢ Identidade perdida e incapacidade de autodefinição;
➢ Obsessão de autoanálise;
➢ Produzir emoção estética através do poema, que "simula a vida";
➢ Consciência da efemeridade, porque o tempo é fator de desagregação;
➢ Não consegue fruir a vida por ser consciente, dor de viver;
➢ Tentativa de superação da dor, do presente, etc. através da evocação da infância, no
refúgio no sonho, no ocultismo (correspondência entre o visível e o invisível) e na
criação dos heterónimos;
➢ Tal como os heterónimos, apresenta uma identidade própria diversa do autor.

Sentimentos dominantes:
➢ Tédio
➢ Angústia existencial
➢ Náusea
➢ Melancolia
➢ Frustração
➢ Ânsia
➢ Ceticismo
➢ Desejo de evasão
➢ Saudade

A poesia ortonímica, ora segue, formalmente, os modelos da poesia tradicional portuguesa,


ora procura experiências modernistas. Na vertente tradicional, com poemas de métrica curta,
abundam aliterações e rimas internas, numa linguagem sóbria e intimista, mas de grande sua
vida de musical e rítmica. Na vertente modernista, há uma rutura que lhe permite inovações
como a do paulismo, caracterizado pelo vago, pelo subtil e pelo sonho, com refinamento de
processos simbolistas, ou o intersecionismo, que mistura diversas sensações numa só, que
incorpora a sensação de realidades observáveis e sentidas com a sensação de realidades
desejáveis e idealizadas.

Estilo e linguagem:
➢ Vocabulário simples;
➢ Associações inesperadas e, por vezes, desvios sintáticos;
➢ Uso frequente de frases nominais;
➢ Pontuação expressiva - exclamação, interrogação, reticências, etc.;
➢ Recurso a adjetivação expressiva, comparações, metáfora, paralelismo e repetições,
oxímoros, etc.;
➢ Grande sentido de musicalidade – eufonia (sons agradáveis), transporte, aliteração;
➢ Versificação regular e tradicional, reminiscência da lírica popular - repetições, métrica
curta (redondilha menor e maior), estrofes curtas (recurso frequente à quadra).

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