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Perigivânia e desenvolvimento cultural: uma chave que abre portas?

Nikolai Veresov, MonashUniversity,


Australia

Resumo

O artigo explora o conteúdo do conceito da peregivânia na teoria de Vygotsky em seus


aspectos teóricos inter-relacionados, da perspectiva das três dimensões. Na primeira
dimensão, a peregivânia é explicada como o conceito chave da teoria histórico-cultural.
A segunda dimensão mostra o lugar da peregivânia dentro da teoria histórico-cultural ao
identificar suas conexões e inter-relações com outros conceitos nesta teoria. A terceira
dimensão enxerga a peregivânia de uma perspectiva desenvolvimentista, como uma
ferramenta teórica da análise da gênese sociocultural da mente humana.

1. Introdução

Em busca de uma chave mágica

Na comunidade acadêmica, há um aspecto paradoxal na história da recepção da teoria


psicológica de Vygotsky: conceitos e princípios diferentes têm destinos diferentes. Os
“sortudos” são amplamente aceitos, aperfeiçoados e desenvolvidos por gerações de
pesquisadores, enquanto que os outros permanecem na periferia do discurso acadêmico.

Provavelmente o melhor exemplo que indica este quadro paradoxal é aquele com dois
conceitos: a zona de desenvolvimento proximal (ZPD) e a peregivânia. A ZPD é a ideia
de Vygotsky mais discutida e difundida associada ao seu legado científico.
Frequentemente, a ZPD é vista como o conceito central da teoria histórico-cultural.
Entretanto, a ZPD não era um conceito central ou principal na teoria Vygotskyana do
desenvolvimento infantil (Chaiklin, 2003, 45). Ao invés disso, Chaiklin destaca que,
para compreender o papel e o lugar da ZPD na teoria de Vygotsky,

deve-se entender a perspectiva teorética na qual ela apareceu. Ou seja, se pretendemos


compreender o que ele quis dizer com “zona de desenvolvimento proximal” em particular,
precisamos saber o que Vygotsky quis dizer com “desenvolvimento” em geral. Desta forma, o
leitor pode desenvolver uma compreensão generativa da abordagem teorética, que será mais
valiosa que uma definição de dicionário do conceito (Chaiklin, 2003, p. 46).

Esta abordagem se refere inteiramente ao conceito de peregivânia. Em contraste com a


ZPD, a peregivânia é um dos conceitos chave da teoria de Vygotsky. Entretanto, ela
“vem sendo amplamente ignorada no desenvolvimento posterior da teoria de L. S.
Vygotsky” (Daniels, 2010, p. 31).
Neste artigo, tento mostrar que em certo sentido a resposta para a questão “O que é
peregivânia?” é a “chave mágica” que abre a porta da compreensão do conteúdo
desenvolvimentista da teoria histórico-cultural.

Ainda assim, no início, parece ser razoável realizar uma breve pesquisa com várias
tentativas para responder às questões “O que realmente é a peregivânia?” e “O que ela
significa?”.

Tradução e descrição: chaves que não abrem a porta

É bastante difícil explicar e quase impossível traduzir a palavra perezhivanie para o


inglês. Não há um equivalente em inglês para este termo; até mesmo a palavra
espanhola vivencia (Quiñones&Fleer, 2011) não parece ser adequada. É interessante
notar que, depois de muitas tentativas malsucedidas para traduzir o termo, alguns
artigos científicos publicados em inglês usam o termo perezhivanie sem qualquer
tradução, simplesmente como perezhivanie (veja, como exemplo, Mahn, 2003; Daniels,
2008; Ferholt, 2009, 2010; Fakhrutdinova, 2010; Smagorinsky, 2011). A tradução direta
(ou melhor, a transferência para o inglês) claramente não é uma chave viável que possa
abrir a porta, somente faz a pergunta. Pode ser que o caminho para encontrar a chave e
abrir a porta seja através da descrição?

Muitas tentativas para explicar esse termo já foram sugeridas. Os editores do terceiro
volume dos Vygotsky’sCollected Works explicam:

Vygotsky utiliza a palavra “perezhivanie” que significa “experiência” ou “interpretação”. A


“perezhivanie” abrange tanto o modo como um evento é emocionalmente vivido quanto a forma
como esse evento é cognitivamente entendido pelo sujeito (Rieber&Woolock, 1997, p. 390).

De outra forma, os editores de “The Vygotsky Reader” dizem o seguinte sobre


perezhivanie:

(...) o termo serve para expressar a ideia que uma e a mesma situação objetiva podem ser
interpretadas, percebidas e vividas por crianças diferentes de modos diferentes. Nem a
“experiência emocional” (...) nem a “interpretação” é a tradução mais adequada do substantivo.
Seu significado está intimamente ligado ao do verbo alemão “erleben” (Van der Veer&Valsiner,
1994, p. 354).

Uma outra tentativa foi feita por Mahn e John-Steiner. De acordo com suas explicações,

O conceito de perezhivanie descreve os modos pelos quais os participantes percebem, vivem e


processam os aspectos emocionais da interação social (Mahn& John-Steiner, 2002, p. 49).

Mais tarde, um dos autores citados aperfeiçoou essa descrição, afirmando que

Vygotsky usou um termo russo – perezhivanie–para capturar o processo pelo qual as crianças
geram significado a partir de sua existência social. Este termo se refere ao modo pelo qual as
crianças percebem, vivem emocionalmente, apropriam-se, internalizam e entendem interações
em seus ambientes (Mahn, H. 2003, p. 129).

Ferholt menciona certas características dinâmicas da peregivânia:


A perezhivanie abrange as relações dinâmicas de imaginação e criatividade, emoção e cognição
(Ferholt, 2009, p. 225).

Daniel forneceu a seguinte interpretação:

Vygotsky entendia a perezhivanie como a integração de elementos cognitivos e afetivos, os quais


sempre pressupõe a presença de emoções. Vygotsky usou este conceito a fim de enfatizar a
totalidade do desenvolvimento psicológico das crianças, integrando elementos internos e
externos a cada estágio do desenvolvimento (Daniels, 2008, p. 44).

Assim, até mesmo uma breve pesquisa das interpretações e descrições existentes desse
termo na literatura fornece um panorama bem complexo. Todos os autores concordam
que a perezhivanie é essencial para a compreensão do pensamento de Vygotsky.
Contudo, diferentes autores enfatizam diferentes aspectos. Alguns enfatizam o caráter
emocional da perezhivanie, enquanto outros apontam para sua natureza complexa e
integrativa como um tipo de unidade de componentes emocionais e cognitivos para
perceber e compreender o ambiente social. Estas explicações representam uma ampla
combinação de várias características. Desse modo, considerando coletivamente estas
definições, a perezhivanie é descrita como um tipo especial de processo psicológico, ou
estado mental, que inclui e se refere a:

1) Experiência emocional;
2) Interpretação
3) Imaginação
4) Criatividade
5) Percepção
6) Experiência de vida
7) Construção de significadoe especialmente SENTIDOS
8) Apropriação
9) Internalização
10) Compreensão
11) Cognição

Ela implica na síntese de todos estes movimentos realizados pelo sujeito na


relação com o “ ambiente social”, ou seja, implica numa intensa atividade
interna, vivida como síntese dialética. É importante esta consideração porque
revela a multiplicidade de movimentos do sujeito que ocorre nesta dimensão da
subjetividade /o quanto ele é sujeito da ação , o quanto estes movimentos são
dialéticos, não se somam, não se colocam ao lado uns dos outros- , mas se
articulam dialeticamente, num processo de negação e superação......
.Imagino a apropriação, sendo negada ..dando lugar a uma nova forma –
superação- imaginação, sendo superada pela criatividade, que experiência de
vida, que compreensão, cognição... constituição de sentidos, geradores de
imaginação......
Todos esses aspectos oferecem um quadro extremamente controverso e complexo. Este
quadro explica a que a perezhivanie se refere, mas não diz o que ela na verdade é nem o
que significa.Talvez ela signifique esta possibilidade humana!! A peregivânia engloba
todas elas e, ao mesmo tempo, não é sinônimo de nenhuma delas. Devemos concluir
que a segunda chave não abre a porta.Não é sinônimo, pois é síntese!!

Rumo à chave que funciona

Nem a tradução direta ou transferência deste termo ao inglês nem as descrições da


peregivânia como um certo estado psicológico de um indivíduo são chaves que abrem a
porta para a resposta da questão “O que é a peregivânia?”. Existem outras chaves
possíveis que possamos examinar? Acredito que haja mais uma. A chave que proponho
poderia estar expressa na fórmula condensada “Não uma palavra termo ou um termo
senão um conceito”. As duas primeiras chaves não abriram a porta uma vez que a
palavra peregivânia não é basicamente um simples termo ou uma definição; ela é um
conceito teórico que deve ser entendido como a representação de algo muito mais
fundamental. O caminho para a compreensão deste conceito e para a restauração de seu
conteúdo teorético reside em identificar claramente o lugar e o papel deste conceito na
teoria de Vygotsky e mostrar suas conexões e relações com outros conceitos, princípios
e leis da teoria.

Neste artigo, tento desvendar o conteúdo teórico do conceito da peregivânia em três


dimensões inter-relacionadas. Primeiramente, busco elucidar a peregivânia como um
dos conceitos chave na teoria de Vygotsky. A seguir, tento mostrar seu lugar na teoria
de Vygotsky ao identificar suas conexões e inter-relações com outros conceitos e
princípios da teoria histórico-cultural. E em terceiro lugar, procuro realizar uma análise
da peregivânia da perspectiva desenvolvimentista como ferramenta teórica de análise da
gênese sociocultural da mente humana.

Estas são metas que não são fáceis de alcançar. É praticamente impossível fazer isso em
um único artigo; minha tarefa aqui é a de meramente mostrar certas formas de
identificar o conteúdo psicológico e desenvolvimentista da peregivânia como um
conceito da teoria histórico-cultural. Ao fazer isso, concentro-me principalmente nos
textos originais de Vygotsky. Entretanto, minha tarefa não está somente em apresentar o
leitor a uma coletânea de citações de Vygotsky sobre a peregivânia aleatoriamente
retirada de fontes variadas. Minha intenção é a de mostrar as formas possíveis para o
desenvolvimento de um entendimento generativo do conteúdo psicológico deste
conceito como uma chave para a teoria histórico-cultural.

O processo do desenvolvimento cultural da mente humana é o assunto da teoria


histórico-cultural (THC). Na THC, todos os conceitos e princípios refletem e explicam
certos aspectos do extremamente complexo processo de desenvolvimento cultural da
mente humana. Por isso, a forma de definir o lugar e o papel do conceito perezhivanie
dentro desta teoria está em responder à questão “Como o conceito peregivânia está
relacionado ao processo de desenvolvimento cultural e quais aspectos do
desenvolvimento cultural ela teoricamente reflete?”.
Dentro da estrutura da THC, o conceito peregivânia é apresentado em três aspectos
principais. Está relacionado:

1) ao conceito de ambiente social como fonte de desenvolvimento,


2) à lei genética geral de desenvolvimento cultural,
3) e à ideia de uma unidade de análise da consciência humana.

2. Ambiente social e peregivânia

Ambiente social como fonte de desenvolvimento

Em oposição às teorias desenvolvimentistas clássicas que explicam o desenvolvimento


como um processo determinado por dois grupos de fatores – biológico e social –, a THC
caracteriza o ambiente social não como um fator, mas como fonte de desenvolvimento.
Como elemento constitutivo essencial

Vygotskyafirma que:

O ambiente social é a fonte para o surgimento de todas as propriedades humanas específicas da


personalidade gradualmente adquirida pela criança ou a fonte do desenvolvimento social da
criança, que é concluído no processo de interação real de formas presentes e “ideais”
(Vygotsky, 1998, p. 203).

Contudo, o que significa “ambiente social como fonte de desenvolvimento”? Há mais


dois conceitos, os quais trazem o conteúdo psicológico a esta afirmação genérica. O
primeiro é o conceito de “situação social de desenvolvimento”:

(...) no início de cada faixa etária, há o desenvolvimento de uma relação completamente original,
exclusivamente singular e única específica a dada idade, entre a criança e a realidade,
principalmente a realidade social, que a cerca. Chamamos esta relação de situação social de
desenvolvimento em uma dada idade. A situação social de desenvolvimento representa o
momento inicial para todas as mudanças dinâmicas que ocorrem no desenvolvimento durante
dado período. Isso determina inteira e completamente as formas e o caminho ao longo do qual a
criança poderá adquirir novas características de personalidade, extraindo-as da realidade social
como o recurso básico do desenvolvimento, o caminho ao longo do qual o social se torna o
individual. Portanto, a primeira pergunta que devemos responder ao estudar a dinâmica de
qualquer idade consiste em explicar a situação social de desenvolvimento (Vygotsky, 1998, p.
198).

O conceito de situação social de desenvolvimento, por um lado, caracteriza o mundo


social como uma fonte de desenvolvimento e, por outro, descreve um tipo especial de
relação entre a criança e o ambiente social, um tipo de ponto de partida para o
desenvolvimento de formas elevadas de comportamento e consciência da criança.

O segundo conceito é “uma interação de formas reais e ideais”. Ao introduzir este


conceito, Vygotsky dá o seguinte exemplo:

Temos uma criança que acabou de aprender a falar e pronuncia palavras isoladas. A criança fala
expressões de uma palavra, mas sua mãe fala com ela numa língua que já está gramatical e
sintaticamente formada e que tem um amplo vocabulário, muito embora esteja suavizando seu
discurso em benefício da criança. Ainda assim, a mãe fala usando a forma do discurso
completamente perfeita. Convenhamos chamar esta forma desenvolvida, que supostamente irá
aparecer ao final do desenvolvimento da criança, de forma final ou ideal – ideal no sentido de
que age como modelo para aquilo que deve ser alcançado ao cabo do período
desenvolvimentista; e final no sentido de que representa o que a criança deve reter ao fim de seu
desenvolvimento. E permita-nos chamar a forma do discurso da criança de forma primária ou
rudimentar (Vygotsky, 1994, p. 347-348).

Se nenhuma forma ideal adequada pode ser encontrada no ambiente, e o


desenvolvimento da criança, por quaisquer motivos, deva se dar fora destas condições
específicas, isto é, sem nenhuma interação com a forma (ideal) final, então esta forma
apropriada não conseguirá se desenvolver corretamente na criança (Ibid). O seguinte
exemplo torna este ponto mais claro:

Tente imaginar uma criança que esteja crescendo entre pessoas surdas e que esteja cercada por
pais surdos-mudos e crianças de sua idade também surdas-mudas. Esta criança será capaz de
desenvolver um discurso? (...) O discurso não se desenvolverá de maneira alguma nesta criança.
A fim de que o discurso se desenvolva, é necessário que esta forma ideal esteja presente no
ambiente e que interaja com a forma rudimentar da criança; somente então o desenvolvimento do
discurso pode ser atingido (ibid, p. 349).

Em um sentido mais amplo, a “forma ideal” pode ser considerada como qualquer tipo
de forma cultural desenvolvida de comportamento e interação que a criança encontre em
seu ambiente social.Vygotsky enfatiza que a interação entre a forma (real) presente e a
(ideal) desenvolvida é um fator de distinção e “a maior peculiaridade do
desenvolvimento da criança em contraste a outros tipos de desenvolvimento”
(Vygotsky, 2001, p. 112-113).

O desenvolvimento da criança e sua “trajetória desenvolvimentista individual”


dependem (1) de qual tipo de situação social a criança está envolvida, (2) de quais tipos
de formas ideais o ambiente que cerca a criança apresenta e (3) de quais tipos de
interação entre as formas real e ideal social acontecem.

Entretanto, esta não é toda a história. Neste respeito, o conceito de perezhivanieobtém


seu papel extraordinário.

Ambiente social e perezhivanie: o exemplo de Vygotsky

Examinemos um exemplo de peregivânia dado por Vygotsky. Em uma de suas


Palestras dedicadas à questão do ambiente (Vygotsky, 1994, 2001), Vygotsky dá um
exemplo que mostra o papel e o lugar de uma peregivânia da criança.

Ele começa a descrição de um exemplo com uma afirmação bastante genérica:

(...) para um entendimento adequado do papel que desempenha o ambiente no desenvolvimento


da criança é sempre necessário abordar o ambiente não com um padrão absoluto, mas relativo. O
ambiente deveria ser considerado como uma condição de desenvolvimento (...) mas dever-se-ia
sempre abordar o ambiente do ponto de vista do relacionamento que existe entre a criança e seu
ambiente em um dado estágio de seu desenvolvimento (Vygotsky, 1994, p. 338).
Dois pontos valiosos deveriam ser mencionados quanto a esta citação. Primeiramente,
Vygotsky aborda o problema do ambiente de uma perspectiva desenvolvimentista e, em
segundo lugar, o que importa não é o ambiente social per se, mas o relacionamento
entre a criança e seu ambiente social. Esta afirmação tem conexões diretas com o
conceito da “situação social de desenvolvimento” como um ponto de partida das
considerações de Vygotsky. Contudo, qual é o indicador mais importante do
relacionamento entre a criança e o ambiente? Vygotsky continua:

Os fatores essenciais que explicam a influência do ambiente no desenvolvimento


psicológico das crianças, e no desenvolvimento de suas personalidades conscientes, são
feitos de suas peregivânias.
A peregivânia, surgida de qualquer situação ou
de qualquer aspecto do ambiente da criança, determina qual tipo de
influência esta situação ou este ambiente terá na criança. Portanto, não é
nenhum dos fatores neles mesmos (se considerados sem referência à criança) que
determina como influenciarão o curso futuro do desenvolvimento da criança, mas os
mesmos fatores refratados pelo prisma da peregivânia da criança (Vygotsky, 1994, p.
339-340).Talvez possamos dizer que a P. se constitui nas / e revela as sínteses
possíveis do sujeito na relação com o ambiente social

Para esclarecer esta declaração teórica genérica, Vygotsky continua com o seguinte
exemplo:

Estamos lidando com três crianças, trazidas a nós de uma família. A situação externa nesta
família é a mesma para todas as três crianças (...). A mãe bebe e, como resultado, aparentemente
sofre de muitas distúrbios psicológicos e nervosos. As crianças se veem em uma situação muito
difícil. Quando bêbada, e durante esses ataques de nervos, a mãe já havia tentado arremessar uma
das crianças pela janela e batia regularmente nelas ou as jogava no chão. Em uma palavra, as
crianças estão vivendo em condições de terror e medo devido a tais circunstâncias (Ibid).

Apesar do fato de que a situação externa pareça a mesma para todas as crianças, há
diferenças essenciais com respeito ao desenvolvimento delas:

As três crianças são trazidas para nossa clínica, mas cada uma delas apresenta um quadro
totalmente diferente de desenvolvimento interrompido, causado pela mesma situação. As
mesmas circunstâncias resultam em um quadro inteiramente diferente para as três crianças (Ibid).

A mais nova dessas crianças

reage à situação desenvolvendo uma série de sintomas neuróticos, ou seja, sintomas de uma
natureza defensiva. Ela é simplesmente esmagada pelo terror quanto ao que está acontecendo
com ela. Como resultado, desenvolve surtos de terror, enurese e gagueira, às vezes incapaz de
falar, uma vez que perde a voz. Em outras palavras, a reação da criança se acumula a um estado
de completa depressão e impotência perante esta situação (Ibid).

A segunda criança abordou a situação de outro modo. Estava

desenvolvendo uma condição extremamente agonizante, um estado de conflito interno (...) Por
um lado, do ponto de vista da criança, a mãe é um objeto de vínculo doloroso e, por outro, ela
representa uma fonte de todos os tipos de terror e terríveis experiências emocionais
(peregivânias) para a criança. A segunda criança foi trazida a nós com este tipo de conflito
profundamente pronunciado e uma contradição interna bruscamente chocante expressada em
uma atitude simultaneamente positiva e negativa em relação à mãe, um terrível vínculo com ela e
um ódio por ela igualmente terrível, combinado a um comportamento terrivelmente
contraditório. A criança pediu para ser levada para casa imediatamente, mas expressou terror
quando o assunto de sua ida para casa foi manifestado (Vygotsky, 1994, p. 340).

Por fim, a terceira e mais velha criança

Mostrou sinais de maturidade precoce, seriedade e solicitude. Já entendia a situação. Entendia


que sua mãe estava doente e tinha dó dela. Podia ver que as crianças mais novas estavam em
perigo quando a mãe estava em um de seus momentos de agitação. Esta criança tinha um papel
especial. Deve acalmar sua mãe, certificar-se de que ela não irá machucar os demais e confortá-
los. Simplesmente, esta criança tornou-se o membro mais velho da família, a única cuja tarefa
era a de tomar conta de todos os outros. Como resultado, todo o curso de seu desenvolvimento
sofreu uma mudança admirável. Esta não era uma criança cheia de vida com interesses simples,
excitantes e normais, apropriados para sua idade e que exibem um nível alegre de atividade. Era
uma criança cujo curso de desenvolvimento normal foi severamente interrompido, um tipo
diferente de criança (Vygotsky, 1994, p. 340-341).

Como é possível explicar por que exatamente as mesmas condições de ambiente


exercem três tipos diferentes de influência nessas três crianças diferentes?

Isso porque cada criança tem uma atitude diferente perante a situação. Cada uma delas viveu a
situação de uma forma diferente. Uma delas teve como experiência um terror inexplicável e
incompreensível que a deixou numa situação de desamparo. A segunda o fez de modo
consciente, como um choque entre seu grande apego e seu não menos intenso sentimento de
medo, ódio e hostilidade. E a terceira criança teve uma experiência, até certo ponto, tanto quanto
possível para uma criança de 10 a 11 anos, como uma infelicidade que se depositou na família e
que exigiu dela deixar todas as outras coisas de lado, para tentar de alguma forma atenuar sua
infelicidade e ajudar tanto a mãe doente quanto as crianças (Vygotsky, 1994, p. 341).

A conclusão é que

Assim (...) dependendo do fato de que a mesma situação havia sido vivida pelas três crianças em
três formas diferentes, as influências que essa situação exerceram em seus desenvolvimentos
também são diferentes (Ibid).

Além disso, Vygotsky resume a questão toda dizendo que

Ao citar esse exemplo, eu somente desejei esclarecer a ideia que (...) a paedologia não investiga
o ambiente como tal sem considerar a criança, mas, ao contrário, olha o papel e a influência do
ambiente no curso do desenvolvimento. Devo sempre ser capaz de encontrar o prisma específico
pelo qual a influência do ambiente é refratada na criança, ou seja, devo ser capaz de encontrar o
relacionamento que existe entre a criança e seu ambiente, a peregivânia da criança. Em outras
palavras, como a criança tem consciência, interpreta e emocionalmente se relaciona com certo
evento. Esse prisma é tal que determina o papel e a influência do ambiente no desenvolvimento
do caráter da criança, seu desenvolvimento psicológico, etc (Ibid).

Vygotsky conclui a explicação do exemplo com duas afirmações gerais que nos levam
de volta ao conceito de ambiente social como fonte de desenvolvimento.

A peregivânia é uma unidade em que, por um lado, em um estado individual, o


ambiente é representado, ou seja, aquele que está sendo vivido – a peregivânia está
sempre relacionada a algo que é encontrado fora da pessoa – e, por outro lado, o
que é representado é como eu próprio estou vivendo isso, ou seja, todas as
características pessoais e todas as características do ambiente estão representadas
na peregivânia (...) Assim, na peregivânia, estamos sempre lidando com uma
unidade invisível de características pessoais e situacionais, que estão representadas
na peregivânia (Vygotsky, 1994, p. 342).

IA = Fica claro que P. é o momento de síntese, de unidade de contrários, de


unidade indivizível. **Lefebvre (1979, pp. 120-121), une ‘momentos’
diferentes e mesmo contraditórios“....a síntese mantém em cada
momento o contato com o todo- Gosto especialmente desta
formulação!As sínteses sempre são realizadas na articulação
dialética com o todo do sujeito, não só com experiências próximas,
ela abarca a totalidade do ser, entendido como singular e histórico.
(...) a influência do ambiente no desenvolvimento da criança, junto com outros tipos de
influências, terá que ser avaliada levando-se em conta o grau de entendimento, percepção e
discernimento do que está acontecendo no ambiente em questão (Vygotsky, 1994, p. 343).

O ambiente exerce esta influência (...) pela peregivânia da criança, ou seja, dependendo de como
a criança conseguiu trabalhar sua atitude interna junto com os diversos aspectos das diferentes
situações que ocorrem no ambiente. Este determina o tipo de desenvolvimento dependendo do
grau de percepção do ambiente que a criança conseguiu alcançar (Ibid, p. 346).

Ambiente social e peregivânia: observações finais

O exemplo de Vygotsky sobre a peregivânia faz com que seja possível dar um passo a
frente quanto à compreensão do conceito do ambiente social como fonte de
desenvolvimento mental bem como foi desenvolvido na teoria histórico-cultural.

Primeiramente, o exemplo acima mostra que na teoria de Vygotskya perezhivanie não é


vista nem como um processo psicológico separado singular**Na verdade acho que
isto não existe!! Nenhum processo psicológico é separado!! , mas é singular e
histórico. Assim, a P. é singular e histórica. Nesta condição é um porcesso realizado
no âmbito do sujeito – claro- histórico., nem como uma função ou estado da
consciência. A perezhivanie não é somente uma experiência emocional, embora inclua
componentes emocionais. De acordo com Vygotsky, a peregivânia é, por um lado, uma
unidade indivisível da personalidade e do ambiente social. (características pessoais e
ambientais) **Esta afirmação é assim, a meu ver, porque não usavam a categoria “
unidade dos contrários”.e, por outro lado, a unidade complexa de processos
psicológicos diferentes, incluindo emoções, compreensão, percepção, discernimento,
pensamento, memórias, atitudes, vícios, conflitos internos e até mesmo medo, etc.

Em segundo lugar, na teoria histórico-cultural, a perezhivanie é vista não como um fato


empírico sobre um dado momento no tempo, é entendida de uma perspectiva
desenvolvimentista. Ao descrever este exemplo em três páginas de seu artigo,
Vygotskymuitas vezes usa e repete palavras e expressões como “desenvolvimento da
criança”, “o desenvolvimento psicológico das crianças”, “rumo futuro de seu
desenvolvimento”, “quadro de desenvolvimento interrompido”, “o curso inteiro de seu
desenvolvimento passou por uma mudança impactante”, “cujo curso de
desenvolvimento normal foi brutamente interrompido”, “a situação exercida em seu
desenvolvimento”, “uma influência do ambiente no curso do desenvolvimento” e assim
por diante.

Ainda assim, não são somente palavras. A peregivânia “é um prisma pelo qual a
influência do ambiente na criança é refratada” e isto não é metáfora pura. Significa que
o caráter da peregivânia define as situações sociais de desenvolvimento e indica o tipo
de interações entre as formas desenvolvida (ideal) e real. Um exemplo mostra que
enquanto as três crianças tinham a mesma situação social, simultaneamente tinham
situações sociaisde desenvolvimento diferentes. A mesma forma (cultural) desenvolvida
(o comportamento social da mãe) influenciou seus filhos de modo diferente porque foi
de encontro a formas reais diferentes (de comportamento) das três crianças. Diferenças
na peregivânia de cada uma das três crianças refletiam as diferenças em suas situações
sociais de desenvolvimento e o caráter das interações entre as formas desenvolvida
(ideal) e real.

A fim de estabelecer certa posição formal e genérica, seria certo dizer que o ambiente determina
o desenvolvimento da criança através da experiência do ambiente; (...) a criança e uma parte a
situação social, e a relação da criança com o ambiente e do ambiente com a criança ocorre pela
experiência (...) da própria criança; as forças do ambiente adquirem um significado controlador
uma vez que as crianças as experimentam (Vygotsky, 1998, p. 294).

Por isso, sem o conceito da peregivânia é praticamente impossível entender o conteúdo


psicológico dos conceitos de “situação social de desenvolvimento” e “a interação entre
as formas real e ideal”. Por outro lado, é quase impossível compreender o conceito da
peregivânia somente em termos de suas relações com a “situação social de
desenvolvimento” e a “interação entre uma forma real e ideal” tomadas separadamente.
Apenas ao serem considerados juntos estes três conceitos criam o conteúdo psicológico
completo da ideia do ambiente social como fonte de desenvolvimento mental em sua
totalidade.

O desenvolvimento cultural da mente humana é impossível sem (1) o ambiente social


(situação social de desenvolvimento) e (2) a interação entre formas desenvolvidas
(ideais) e presentes (reais). Uma vez que a peregivânia é um “prisma” no qual a esta
interação de formas ideais e reais existe, e que define a situação social de
desenvolvimento, segue-se que o desenvolvimento da mente humana não é possível sem
a peregivânia. Desta perspectiva, a questão das relações da peregivânia com a lei
genética geral do desenvolvimento cultural das funções mentais superiores se torna
importante. Vamos dar uma olhada nesta questão.

3. Lei geral da genética do desenvolvimento cultural e peregivânia


De acordo com a teoria histórico-cultural, todas as funções mentais superiores se
desenvolvem de acordo com a lei genética geral de desenvolvimento cultural. A lei
genética geral do desenvolvimento cultural das funções superiores é a lei fundamental e
básica na teoria histórico-cultural. Entretanto, há algo que espero poder trazer nova
perspectiva a este tópico.

Lei genética geral de desenvolvimento cultural e drama

A lei genética geral de desenvolvimento cultural diz:

(...) toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece num estágio duas vezes, em dois
planos, primeiro o social, depois o psicológico, primeiro entre as pessoas como uma categoria
intermental, depois dentro da criança como uma categoria intramental (...). Geneticamente,
relações sociais, relações reais de pessoas, estão atrás de todas as funções mentais superiores e
suas relações (Vygotsky, 1997ª, p. 106).

De acordo com esta lei, toda função aparece primeiramente num plano social, entre
pessoas. Contudo, as relações sociais não são a “área”, não o campo, e não o “nível” em
que as funções mentais aparecem. As relações sociais por si próprias tornam-se as
funções individuais:

(...) toda função mental superior era externa, porque foi social antes de se tornar uma função
mental estritamente interna; foi anteriormente uma rrelação social entre duas pessoas (Vygotsky,
1997ª, p.105).

Mas, se toda função mental superior é uma relação social entre duas pessoas, isso quer
dizer que toda relação social se torna uma função mental? A resposta na THC é não. A
THC tem uma noção clara de quais tipos específicos de relações sociais podem se tornar
uma função mental. Em uma palavra, essas são relações sociais “dramáticas”. Estou
me referindo ao termo “categoria”. O termo “categoria” se refere a uma colisão, uma
contradição, um evento dramático. **Assim, não posso entender como algo externo,
mas como algo que só é possível num encontro/colisão...abaixo aparece diferente–
primeiramente aparece como uma relação social na forma de colisão dramática
externa experimentada emocionalmente (categoria). Assim, a relação social
intermental não é uma relação social comum entre dois indivíduos. Esta é uma relação
social que surge como uma categoria, isto é, como uma colisão social colorida e vivida
emocionalmente, a contradição entre duas pessoas, um evento dramático, um drama
entre dois indivíduos. Ser vivida mental e emocionalmente como um drama social (no
plano social) ela mais tarde se torna a categoria intra-psicológica individual. *Acho
interessante a idéia, mas como saber quando isto ocorre? Ou talvez só pelas
significações expressas pelo sujeito sendo que para se hipotetisar que ocorreu,
provavelmente deverá haver a interpretação do outro?? OU uma auto análise do sujeito.
Acho que é isto que buscamos quando falamos de mudança!!

Provavelmente o melhor exemplo que possa ilustrar a questão é o caso de um debate


entre duas pessoas. Imagine (ou simplesmente se lembre) que um dia você encontrou
um amigo e houve um debate que expressasse posições contrárias. Uma colisão
dramática em um debate, vivida por ambos os participantes, pode levar a um tipo de
autorreflexão. Ao longo do tempo, como, por exemplo, na manhã seguinte, um dos
participantes se lembra do evento e pensa a respeito do que disse. Poderia dizer a si
próprio “Eu estava errado ao dize aquilo, cometi um erro... Não deveria ter dito palavras
tão fortes... Fui tão agressivo e não prestei atenção suficiente ao que ele tentou dizer...
Que grosso eu fui ontem...”. Vemos aqui que o indivíduo experimenta a “categoria”
original em um segundo plano intramental. Neste tipo de “categoria” internalizada,
todas as funções mentais superiores do indivíduo estão envolvidas (memória – “Eu
disse algo duro”, emoções – “O quão rude foi meu comportamento, que vergonha”,
pensamento – “Tenho que pensar mais sobre isso e nunca repetir tais coisas ruins”,
vontade – “Devo para com isso. Devo ser mais paciente... e pedir desculpas pelo meu
comportamento de ontem”).

Lei genética geral de desenvolvimento cultural, drama e peregivânia

A “categoria”, ou seja, uma colisão emocionalmente vivida, trás mudanças radicais à


mente do indivíduo, ele se eleva mais alto e acima de seu próprio comportamento. Sem
um drama interno, uma categoria interna, tais tipos de mudanças mentais são
pouco possíveis.**Me lembra muito o que Heller fala- só uma emoção mais forte pode
derrubar uma antiga...Deste modo, o termo “categoria” é uma palavra-chave aqui. A
segunda chave é perezhivanie. Como não há uma categoria (colisão dramática) sem
peregivânia, não há desenvolvimento sem perezhivanie.

Drama (colisão social, a categoria) e peregivânia são essenciais para compreendermos


como a lei genética geral do desenvolvimento funciona.

Voltando ao exemplo de Vygotsky com as três crianças e sua mãe, podemos ver que o
conceito de evento dramático (categoria) é muito importante: na mesma situação social,
três crianças tiveram três peregivânia diferentes e, portanto, experimentaram três dramas
diferentes. Isso significa que as formas intermentais iniciais de suas relações eram
essencialmente diferentes na mesma situação social. Consequentemente, uma vez que as
formas intermentais iniciais eram diferentes, as situações de desenvolvimento social das
crianças e suas trajetórias de desenvolvimento individual se tornaram diferentes.

Resumindo esta parte do artigo, podemos formular o ponto principal em uma forma
condensada. De acordo com a lei genética geral de desenvolvimento cultural, toda
função mental superior aparece duas vezes – primeiramente aparece como uma relação
social na forma de colisão dramática externa experimentada
emocionalmente (categoria). E então dentro de uma colisão dramática interna
experimentada emocionalmente. Portanto, a peregivânia não é somente um tipo de
prisma que refrata a interação das formas real e ideal. O conceito de peregivânia
determina a própria essência de tal interação.A peregivânia é o modo pessoal de
experimentar um evento dramático – a categoria. É uma forma em que este evento
dramático é refletido e experimentado por um indivíduo. Aqui eu concordo!!!

Desta conclusão, segue-se: o desenvolvimento é um processo dramático e não há


desenvolvimento sem a categoria (drama). A forma cultural de individualmente
experimentar este drama é a peregivânia.* *Diria de outra maneira = a forma de
experimentar este drama é histórica e dialética, portanto, individual e social
contraditóriamente A categoria (evento dramático) não existe sem a peregivânia e,
logo, não há desenvolvimento cultural sem peregivânia.

Ainda assim, poder-se-ia dizer que a peregivânia é principalmente uma formação


emocional, incerta e muito amorfa para ser considerada como a base sólida para a
construção científica. A consciência humana não consiste exclusivamente de uma
experiência emocional. Isto é completamente verdade com respeito à estrutura da
consciência humana. Contudo, na teoria de Vygotsky, a peregivânia é apresentada como
uma unidade da consciência humana. Vamos dar uma olhada neste (terceiro) aspecto do
problema da peregivânia e do desenvolvimento cultural como está apresentado na teoria
histórico-cultural.

4. Peregivânia como unidade dinâmica da consciência humana

O terceiro aspecto, no qual a peregivânia é apresentada na teoria histórico-cultural, é a


ideia da análise da complexa totalidade viva por unidades. Entretanto, antes de chegar a
este ponto, é necessário explica a diferença entre os termos, a saber “Unidade”,
“unidade” e “elemento”, a fim de evitar mal-entendidos.

Unidade e parte

A peregivânia nos textos de Vygotsky é apresentada, por um lado, como uma Unidade
(de personalidade e ambiente) e, por outro lado, como uma unidade (da consciência).
Portanto, é importante deixar clara a distinção entre “Unidade” e “unidade” de forma
precisa. Há dois termos em russo que correspondem a esses termos – “Unidade”
(единство) e “unidade” (единица). O primeiro, é usado quando falamos de um todo
complexo, um sistema complexo que consiste de um número de partes, componentes,
elementos etc.

Um dos significados do segundo termo pode ser usado quando falamos de uma parte,
um componente ou um elemento de certo todo complexo. Em outras palavras,
“Unidade” é usado em relação ao todo, enquanto que “unidade” é com frequência
relacionado às partes do todo. Em modo geral, poderíamos dizer que todo certo sistema
(o todo completo) em sua Unidade consiste de certas unidades.

Como demonstrei anteriormente neste artigo, a peregivânia na teoria de Vygotsky é


abordada a partir de uma perspectiva desenvolvimentista. Por um lado, a perezhivanie
representa (refrata) a Unidade ou o todo complexo de certas características de um
indivíduo e certas características do ambiente social que estão envolvidas na situação
social de desenvolvimento. **A forma de colocar parece que dicotomisa!! Do mesmo
modo que não entendo muito bem esta afirmação que esta no final = “ ....o caráter
dramático do desenvolvimento como colisões inter-psicológicas e intra-psicológicas
(categoria).** É uma separação didática? Porque no momento da colisão – externo-
interno a P. só se constitui no inter psicológico, é uma colisão só! O
desdobramento, a colisão em si, é a P. . Por outro lado, em outros artigos e livros de
Vygotsky (Vygotsky, 1998, Vygotsky, 2001) a peregivânia é tratada como uma unidade
(ou uma parte) da consciência humana. Em quais contextos os termos Unidade e
unidade são usados? Para esclarecer este aspecto, vamos nos voltar para a distinção de
Vygotsky.

Análise do todo complexo por elementos x análise por unidades

Vygotsky claramente distinguia dois tipos principais de analises na psicologia que


sustentam duas abordagens principais quanto à investigação das formações mentais
(Vygotsky, 1987) A primeira destas abordagens é a decomposição do todo mental
complexo em seus elementos. Este tipo de análise pode ser comparado com uma análise
química da água em que a água é decomposta em hidrogênio e oxigênio. A
característica essencial desta forma de análise é que seus produtos são de natureza
diferente daquela do todo do qual derivaram. Os elementos não possuem características
inerentes ao todo e possuem propriedades que o todo não possui (Vygotsky, 1987, p.
45).Quando a abordagem do pesquisador quanto ao todo complexo mental está
decompondo o todo em seus elementos,

(...) ele adota a estratégia do homem que se vale da decomposição da água em hidrogênio e
oxigênio em sua pesquisa para uma explicação científica das características da água. Sua
capacidade de extinguir o fogo ou sua adequação à lei de Arquimedes, por exemplo. Este home
irá descobrir, para sua decepção, que o hidrogênio queima e o oxigênio abastece a combustão.
Nunca terá sucesso em explicar as características do todo ao analisar as características de seus
elementos (Vygotsky, 1987, p. 45). Só ao analisar a

Vygotsky explica que uma psicologia que decomponha o todo complexo mental em
seus elementos numa tentativa de tentar explicar suas características pesquisará em vão
pela unidade que é a característica do todo. Estas características são inerentes no
fenômeno somente como um todo unificado. “Quando o todo é analisado em seus
elementos, estas características evaporam. Em sua tentativa para reconstruir estas
características, ao Investigador não resta alternativa senão a pesquisa por formas
mecânicas e externas de interação entre os elementos” (Ibid).

Uma forma de análise inteiramente diferente é a partição do todo complexo em


unidades. Em contraste ao elemento, a unidade (1) possui todas as características
básicas do todo, e (2) é uma “parte vital e indivisível do todo” (Vygotsky, 1982, p. 16).

Vygotsky dá esse exemplo:

A chave para a explicação das características da água reside não na investigação de sua fórmula
química, senão na investigação de sua molécula e seus movimentos moleculares. Precisamente
no mesmo sentido, a célula viva é a unidade real da análise biológica porque preserva as
características básicas da vida que são inerentes ao organismo vivo (Vygotsky, 1987, p. 46).

O que isto significa para a psicologia e a análise psicológica? A conclusão a que chegou
Vygotsky é a de que a psicologia voltada ao estudo do todo complexo deve compreender
a necessidade de análise por unidades, não por elementos. Deve substituir o método de
decomposição do todo em seus elementos com aquele da partição do todo em suas
unidades. Em outras palavras, a psicologia deve identificar aquelas unidades nas quais
as características do todo estão presentes (Vygotsky, 1987, p. 47). Esta alegação não foi
somente teórica; o método de análise de todos complexos psicológicos por unidades foi
aplicado a dois problemas. Primeiro, foi aplicado ao problema do pensamento e
discurso. Em Pensamento e Linguagem, Vygotsky conclui que significação da palavra
é tal unidade (Vygotsky, 1987, p. 47-49). Mais tarde, a mesma abordagem foi usada em
sua análise da consciência humana como um sistema psicológico humano.

É aqui que retornamos à peregivânia. Esta foi introduzida por Vygotsky como uma
unidade de consciência humana. Infelizmente, uma posição-chave no artigo de
Vygotsky pertencente a esta questão foi traduzida com erros óbvios. Eu cito esta
passagem com comentários de correção em negrito.

Uma experiência/peregivânia é introduzida como uma Unidade/unidade de consciência, ou


seja, uma Unidade/unidade em que as propriedades básicas da consciência são tidas como tais,
enquanto em atenção e em pensamento, a conexão de consciência não é dada. Atenção não é
uma Unidade/unidade de consciência, senão um elemento de consciência em que não há séries
de outros elementos, enquanto a Unidade de consciência como tal desaparece, e a
experiência/peregivânia é a dinâmica real da unidade de consciência/a consciência consiste de
peregivânia(Vygotsky, 1998, p. 294).

Podemos ver que, na tradução em inglês, o significado desta passagem foi


completamente modificado; a tradução apresenta a peregivânia (1) não como uma
unidade, como pretendido originalmente, senão como uma Unidade e (2) não como uma
unidade dinâmica de consciência, senão “a dinâmica real da consciência”. É incrível que
desde 1998 na literatura ocidental não tenha existido um único artigo ou nota de rodapé
que corrija este óbvio erro de tradução. Como resultado, a ideia de Vygotsky da
peregivânia como uma unidade (não Unidade) de consciência permaneceu confusa para
pesquisadores falantes de inglês.

5. Observações finais

Todos os conceitos da THC são partes de um sistema de instrumentos para a análise


teórica do processo de desenvolvimento cultural da mente humana. O conceito de
peregivânia é uma parte importante deste sistema. Seu lugar no sistema pode ser
identificado pela análise de suas relações com três outros conceitos: (1) o mundo social
como fonte de desenvolvimento humano; (2) a interação de formas ideais
(desenvolvidas) e reais (presentes) como característica específica do desenvolvimento
mental em contraste a outros tipos de desenvolvimento; (3) a lei genética geral do
desenvolvimento cultural que descreve o caráter dramático do desenvolvimento como
colisões inter-psicológicas e intra-psicológicas (categoria).

Primeiramente, a peregivânia é um prisma que refrata a combinação única de


características sociais e individuais em um processo de desenvolvimento e, portanto,
define a situação social única de desenvolvimento. Em segundo lugar, a peregivânia é a
forma cultural de pessoalmente experimentar relações sociais intermentais, uma colisão
dramática, e assim define atitudes pessoais únicas de uma criança em relação à situação
social de desenvolvimento. A transição da função intermental para a intramental não é
possível sem a peregivânia. E, por fim, a peregivânia como uma unidade dinâmica de
consciência humana contém todas as suas propriedades e, portanto, todas as alterações
de desenvolvimento da mente humana que passam por mudanças na peregivânia.

Estes três aspectos apresentam o conteúdo teórico do conceito da peregivânia como uma
ferramenta teórica para a análise do processo de desenvolvimento cultural da mente
humana. Nem a tradução nem a descrição abre este conteúdo (desenvolvimentista!)
teórico do conceito de peregivânia. A chave para abrir a porta para a teoria deve ser, ela
mesma, teórica.

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