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PETER BURKE

O que é história cultural?

Tradução:
Srn.c10 GoEs DE PAULA

��
ZAHAR
Jorge Zahar Editor

Rio de Janeiro
Sumário

Título ongmal:
Wliat Is Cuítural History?
Introdução 7
Tradução autorizada da pnme1ra edição mglesa
publicada em 2004 por Polity Press,
de Cambridge, Inglaterra
1 A GRANDE TRADIÇÃO
Copyright© 2004, Peter Burke
História cultural clássica
Copynght da edição em língua portuguesa© 2005:
Jorge Zahar Editor Ltda. Cultura e sociedade
rua México 31 sobrelo1a A descoberta do povo
20031-144 Rio de Janeiro, RJ
rei e (21) 2108-0808 / fax, (21) 2108-0800
e-mail: Jze@zahar.com.br 2 PROBLEMAS DA HISTÓRIA CULTURAL J2
site: www.zahar.corn.br
Os clássícos revisítados
Todos os direitos reservados. Debates marxistas
A reprodução não-autonzada desta publicação. no todo
ou em parte, constam v10lação de direitos autorais. {Lei 9.610/98) Os paradoxos da tradição
Cultura popular em questão
O que é cultura?
Capa: Sérg10 Campante

3 A VEZ DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA


CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacwnal dos Editores de Livros, Rl. A expansão da cultura
A hora da antropologia histórica
Burke, Peter, 1937-
89730 0 que ê h1stóna cultural ?/Peter Burke; tradução: Sérgio Goes de Paula. Ao m,croscóp10
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2005 Pós-colomalismo e feminismo
Tradução de: What 1s cultural h1story?
Inclui bibliografia 4 UM Novo PARADIGMA? 68
ISBN 978-85-7110-838-7
Quatro teóricos
1. Cultura - Históna. 2. Históna - Metodologia. 3. História - Filosofia. Práticas
L Título.
Representações
CDD 306 Cultura matenal
05-0436 CDU 316.7 A história do corpo
5 DA REPRESENTAÇÃO A CONSTRUÇÃO
A ascensão do construt1v1smo
99
100
Introdução
Novas construções 106
Performances e ocasiões 119
Desconstrução 1.27

6 ALÉM DA VIRADA CULTURAL? 1J1


O retorno de Burckhardt 132
Política, v1olêncra e emoções 1 J4
A vingança da história social 146
A h1stóna cultural, outrora uma Cinderela entre as
Fronteiras e encontros 151
disciplinas, desprezada por suas irmãs mais bem-su­
Narrativa na história cultural 15 7
cedidas, foi redescoberta nos anos 1970, como sugere
Conclusão 162
a lista cronológICa das publicações ao final deste vo­
lume. Desde então vem desfrutando de uma renova-
Notas 165 ção, sobretudo no mundo acadêmico a h1stóna
Publicações selecionadDJ 17 9 apresentada na televisão, pelo menos na Grã-Breta­
Leituras complementares 183 nha, contmua sendo em sua maior parte militar, po­
Agradecimentos 185 lítica e, em menor extensão, social. Para alguém.
indice remissivo 186 como eu. que vem praticando a disciplina há cerca de
40 anos. essa renovação de mteresse é extremamente
gratificante, mas amda exige uma explicação.
O propósito deste livro é exatamente explicar
não apenas a redescoberta, mas também o que é lus­
tóna cultural, ou melhm: o que os h1stonadores cul­
turais fazem. Para isso, dedica-se às diferenças, aos de­
bates e conflitos, mas também aos mteresses e tradições
compartilhados. Assim, tenta-se aqm combmar duas
abordagens opostas, embora complementares: uma
delas mterna, preocupada em resolver os sucessivos
problemas no mtenor da disciplina. e outra externa,
relac10nando o que os historiadores fazem ao tempo
e1n que vivem.

7
INTRODUÇÃO 9
8 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL?

A abordagem interna trata da presente renovação da his­ Essa virada cultural é, ela mesma, parte da históna cultural
tóna cultural como uma reação às tentativas antenores de es­ da última geração. Fora do domínio acadêmico, está ligada a
tudar o passado que deixavam de fora algo ao mesmo tempo uma mudança na percepção manifestada em expressões cada
difícil e importante de se compreender. De acordo com esse vez mais comuns, como ncultura da pobreza"_, "cultura do
ponto de vista, o historiador cultural abarca artes do passado medo", "cultura das armas", 11 cultura dos adolescentes" ou
que outros h1stonadores não conseguem alcançar. A ênfase "cultura corporativa" (ver p.45) e também nas chamadas
em "culturas" inteiras oferece uma saída para a atual frag­ " gu erras de culturas" nos Estados Unidos e no debate sobre o
mentação da disciplina em especialistas de históna de popula­ "multiculturalismo" em muitos países. Diversas pessoas atual­
ção. diplomacia, mulheres. idéias, negóaos. guerra e assim por mente falam de" cultura" a respeito de situações cotidianas que
diante. há 20 ou 30 anos tenam merecido o substantivo "sociedade".
A abordagem externa. ou visão de fora, também tem algo Como sugere a populandade de expressões como essas, é
a oferecer. Em pnmeiro lugar. vmcula a ascensão da história cada vez mais difícil dizer o que não faz parte da "cultura". O
cultural a uma "virada cultural" mais ampla em termos de estudo de históna não é exceção a essa tendência geral. O que é
ciência política, geografia, economia, ps1colog1a. antropologia e h1stóna cultural? A pergunta fm feita publicamente há mais de
"estudos culturais". Houve um deslocamento nessas discipli­ um século, em 1897, por um histonador alemão p10ne1ro e de
nas, pelo menos entre uma mmona de acadêmicos. que passa­ certo modo também um dissidente. Karl Lamprecht. Para o
ram da suposição de uma rac10nalidade imutável (a teona da bem ou para o mal. a questão amda espera uma resposta defirn­
escolha racional em eleições ou em atos de consumo. por exem­ tiva. Nos últimos tempos, foram apresentadas aos leitores his­
ploJ para um mteresse crescente nos valores defendidos por tónas culturais da longevidade. do pêms. do arame farpado e da
grupos particulares em locais e períodos específicos. masturbação. As fronteiras do tema certamente se ampliaram,
Um smal dos tempos é a conversão do cientista político mas está ficando cada vez mais difícil dizer exatamente o que
norte-amencano Samuel P. Huntington à idéia de que, no elas encerram.
mundo de hoje, as distinções culturais são mais importantes que Uma solução para o problema da definição de históna cul­
as políticas e econômicas, de modo que, desde o fim da Guerra tural podena ser deslocar a atenção dos objetos para os métodos
Fna, o que vemos não é tanto um conflito mternac10nal de mte­ de estudo. Aqm também. no entanto, o que encontramos é va­
resses. mas um "choque de civilizações". Outro mdicador do nedade e controvérsia. Alguns histonadores culturais traba­
clima mtelectual é o sucesso mternac10nal dos estudos culturais. lham mtuitivamente. como Jacob Burckhardt declarou fazer.
Na Rússia da década de 1990. por exemplo, a Kul'turologija Poucos tentam usar métodos quantitativos. Alguns descrevem
(como lá se chama) tornou-se disciplina obngatóna nos cursos seu trabalho em termos de uma procura de significado. outros
superiores, particularmente preocupada com a identidade russa focalizam as práticas e as representações. Alguns vêem seu ob­
e muitas vezes mmistrada por ex-professores de marx1smo-le­ jetivo como essencialmente descntrvo, ou acreditam que a his­
mmsmo, que antes tmham uma mterpretação econômica da h1s­ tóna cultural, como a h1stóna política, pode e deve ser apresen­
tóna e se converteram a uma mterpretação cultural.' tada como uma narrativa.
10 Ü QUE Ê J l- !STÓRIA CULTURAL? lNTRoouçAo 11

O terreno comum dos histonadores culturais pode ser des­ logos brítân1cos descrevermn a si 1nes1nos como "sociais", en­
cnto como a preocupação com o simbólico e suas mterpreta­ quanto seus colegas norte-amencanos se denommaram "cultu­
ções. Símbolos, conscientes ou não, podem ser encontrados em rais". No caso da história cultural, foram acima de tudo os
todos os lugares. da arte à vida cotidiana. mas a abordagem do norte-americanos especialmente os descendentes dos 1m1-
passado em termos de simbolismo é apenas uma entre outras. grantes de língua alemã, de Peter Gay a Carl Schorske - que
Uma h1stóna cultural das calças, por exemplo, é diferente de assumiram a tradição alemã. transformando-a durante esse
u111a h1stóna econôm1ca sobre o 1nesmo te1na, assun co1no tuna processo. A ligação entre o interesse amencano pela cultura e a
h1stóna cultural do Parlamento sena diversa de uma h1stóna tradição da 1m1gração parece ser mmto próxima. Se assnn fm; a
política da mesma mstltmção. história cultural na Inglaterra deverá ter um grande futuro.
Nessa situação confusa (segundo aqueles que a desapro­ A tradição francesa é distmta, entre outras cmsas, por evitar
vam) ou de diálogo (para aqueles que a_1ulgam estimulante), o tenno "cultura"- pelo 1nenos até época ben1 recente- e por
o cammho mais sáb10 pode ser adaptar a epigrama de Jean­ dingir o foco. em vez disso. para czvilisatwn. mentalités collect1-
Paul Sartre sobre a humamdade e declarar que. embora a ves e in1ag111mre soczal. Há três ou quatro gerações os h1stona­
h1stóna cultural não tenha essência, ela possm uma h1stóna dores associados à revista Annales vêm fazendo uma séne notá­
própna. As atividades de ler e escrever sobre o passado estão vel de contribmções importantes nesse campo: para a h1stóna
tão presas ao tempo quanto outras. Portanto. este livro fará das mentalidades. sensibilidades ou "representações coletivas"
ocas10nalmente·comentános sobre a história cultural da h1s­ na época de Marc Bloch e Lucien Febvre; para a h1stóna da cul­
tóna cultural, tratando-a como exemplo de uma tradição da tura material ( c1vilisat1011 maténelle), na época de Fernand
cultura cm perpétua transformação, constantemente adap­ Braudel; e para a h1stóna das mentalidades (de novo) e da ima­
tada a novas circunstâncrns. ginação soCial, na época de Jacques Le Goff. Emmanuel Le Roy
Para ser um pouco mais preCiso. o trabalho mdividual dos Ladune e Alaín Corbm. A permanente cnat1v1dade de uma es­
historiadores culturais preCisa ser localizado em uma das dife­ cola de h1stonadores durante três ou quatro gerações é tão notá­
rentes tradições culturais. geralmente defimdas em termos na­ vel que requer uma explicação hístónca. Minha hipótese, se é
cionais. A importância da tradição germâmca. do final do século que ela tem 1mportâncra, é que os líderes eram suficientemente
XVIIJ em diante, ficará evidente nas págmas que se seguem - cansmát1cos para atrair seguidores talentosos, mas também
embora a ausência relativa de uma contribmção alemã de peso abertos o bastante para deixá-los se desenvolver a seu modo.
para esse tipo de h1stóna nos últimos 50 anos constitua um Essa tradição distmta estava associada ao que se pode chamar de
problema a ser tratado por um futuro h1stonador cultural. A "resistência" ao estilo alemão de h1stóna cultural (embora o en­
tradição holandesa pode ser vista como um produto da alemã. tusiasmo de Febvre por Johan Hmzinga mereça ser mencio­
mas contmuou a florescer. No mundo de língua mglesa. ocorre nado). Tal resistência parece estar sendo rompida à proporção
um contraste s1gnificat1vo entre a tradição da Aménca do Norte que a tradição h1stonográfica francesa se torna menos visível.
de mteresse pela h1stóna cultural e a tradição mglesa, de res1s­ Como na h1stóna da cultura em geral, veremos, nas pró,u­
tênCia a ela. De modo semelhante, por muitos anos os antropó- mas págmas. que movimentos ou tendências mmtas vezes che-
12 Ü QUE É 1-!JSTÓRI:\ CULTURAL? INTRODUÇÃO 13

gam a um fím abrupto não por esgotarem seu potencraL mas aparecer o lugar da publicação, este é sempre Londres. As infor­
porque foram suplantados pelos concorrentes. Esses concorren­ mações sobre termos técmcos e pessoas menc10nadas no texto
tes, os "filhos", pode-se dizer, normalmente exageram a dife­ podem ser encontradas no índice.
rença entre sua própna abordagem e a de seus pais e mães, dei­
xando para a geração segumte a tarefa de perceber que seus
avós mtelectuais eram, afinal, capazes de ter alguns ms,ghts.
Como histonador cultural que há anos vem pondo em prá­
tica vánas das diferentes abordagens discutidas nas próximas
páginas - históna socral da cultura elevada e da cultura popu­
lar, antropologia histónca e históna da performance-, gosta­
na de dizer, como Edith Piaf, "je ne regrette nen", e acho que
todas essas abordagens contmuam a produzJT ms1ghts.
Os capítulos que se seguem irão tratar. em ordem cronoló­
gica, de algu mas das principais maneJras pelas quais a lustóna
cultural costumava ser, é, será, pode ou deve ser escrita no fu­
turo. Ao discutJT exemplos concretos, tentei - à medida que
meu conhecrmento parcial de um campo fragmentado permite
- atmgff uma espécie de equilíbrio entre diferentes períodos
históncos, partes do mundo e departamentos acadêmicos, m­
clumdo os de arte, arqmtetura, geografia, literatura, música e
ciência, além do departamento de "históna".
O preço dessa decrsão f01 omitir necessanamente boa parcela
do estimulante trabalho mais atual, grande parte dele realizado
por amigos e colegas meus. No entanto, quero deixar claro desde
logo que há aqm um levantamento de tendêncras ilustradas por
meio de exemplos, e não uma tentativa de listar ou discutJT todos
os melhores trabalhos produzidos pela última geração.
Os estudos citados no texto são apresentados com a data da
publicação onginal.' Quando, nas obras otadas em notas, não

· As obras menoonadas no texto que já se encontram traduzidas para o por­ identificação e consulta. Manteve-se no entanto a data da publicação ong1-
tuguês tiveram seu título atado de acordo com a tradução, para facilitar a nal, tendo em vista a perspecnva cronológica segmda pelo autor. (N.T.}
1
A Grande Tradição

A históna cultural não é uma descoberta ou mvenção


nova. Já era prat,cada na Alemanha com esse nome
(Kulturgescl11chte) há mais de 200 anos. Antes disso
havia histónas separadas da filosofia, pintura, litera­
tura, química, linguagem e assim por diante. A parnr
de 1780, enconn·amos histónas da cultura humana ou de
determmadas regiões ou nações. 1
No século XIX, o termo Culture, ou Kultur, fm
empregado com freqüência cada vez maior na Ingla­
terra e na Alemanha (os franceses prefenam falar em
ovilisat1011). Assim, o poeta Matthew Arnold publi­
cou Culture and Anarchy em 1869, e o antropólogo
Edward Tyloi; Prn111/rne Culture em 1871, enquanto
na Alemanha da década de 1870 um amargo conflito
entre IgreJa e Estado tornou-se conhecido corno "a
luta pela cultura" (Kulturkamp/), ou, como dizemos
hoje, "guerra cultural" , 2
Em um capítulo breve como este há espaço ape­
nas para esboçar a l11stóna da l11stóna cultural, to­
mando algumas das linhas prmcipais e mostrando
corno elas se entrelaçam. A história pode ser dividida
em quatro fases: a fase "clássica,-. a fase da "h1stóna
social da arte", que começou na década de 1930: ades­
coberta da históna da cultura popular, na década de
16 Ü QUE É H!STÓRJA CULTURAL? 1 A GRANDE TRADIÇÃO 17
1.·

1960; e a "nova história culturalº. que será discutida em capítu­ A diferença entre esses acadêmicos e os h1stonadores espe­
los postenores. Entretanto, é bom ter em mente que as divisões cializados em arte ou literatura era que os historiadores cultu­
entre essas fases não eram tão claras, na época, quanto se cos­ rais estavam particularmente preocupados com as conexões
tuma lembrar após o acontecimento. e irá se mostrar uma séne entre as diferentes artes. Eles discutiam essas conexões em ter­
de semelhanças ou contmmdades entre novos e velhos estilos mos da relação entre as diferentes artes e o que muitas vezes
quando for apropriado. era chamado, segumdo Hegel e outros filósofos, o "espínto da
época" ou Zeitgeist.
Dessa forma. alguns h1stonadores alemães consideravam o
História cultural clássica que fazrnm Gezstesgeschtchte, termo que mmtas vezes é tradu­
zido por "história do espírito" ou "históna da mente", mas que
Retratos de uma época também pode ser expresso por "história da cultura". Seus pra­
ticantes "liam" pinturas, poemas etc. espeáficos, como evidên­
O período entre 1800 e 1950 fo1 uma etapa que poderia Cias da cultura e do período em que foram produzidos. Ao fazer
se chamar de história cultural "clássica". Usando a frase isso, ampliavam a idéia de hermenêutica, a arte da interpreta­
cunhada pelo crítico mglês F.R. Leav1s para descrever o ro­ ção. O termo "hennenêutica" se referia originalmente a inter­
mance, podemos falar de uma" grande tradição". Essa tradi­ pretações de textos, especialmente da Bíblia, mas no século XIX
ção mclum clássicos como A cultura do Renascimento na fo1 ampliado para inclmr a mterpretação de artefatos e ações.
Itália, do historiador suíço Jacob Burckhardt, publicado pela Certamente não é por acaso que os maiores histonadores
primeira vez em 1860, e Outono da Idade Média (1919), do culturais do período, Jacob Burckhardt e Johan Huizmga, em­
historiador holandês Johan Hmzmga. d01s livros que conti­ bora acadêmicos profiss10na1s tenham escnto seus livros pnn­
nuam valendo a pena ler. Em ambos está 1mplíc1ta a idéia de Cipalmente para o grande público. Nem é por acaso que a histó­
que o lustoriador pinta o "retrato de uma época", para citar o ria cultural tenha se desenvolvido no mundo de língua alemã
subtítulo de um terceiro clássico, Victonan England (1936), antes da unificação da Alemanha, quando a nação era uma co­
de G.M. Young. munidade cultural, mais do que política. ou que a história cul­
Esse período também podena ser chamado de" clássico" no tural e a h1stóna política tenham sido vistas como alternativas
senndo de que f01 um tempo em que os h1stonadores culturais ou mesmo opostas. Na Prússia. entretanto, a história política
concentravam-se na história dos clássicos, um "cânone" de era dommante. A h1stóna cultural foi descartada pelos seguido­
obras-pnmas da arte, literatura. filosofia, ciência e assim por res de Leopold von Ranke, considerada margmal ou amadorís­
diante. Burckhardt e Hmzmga tanto eram artistas amadores nca, já que não era baseada em documentos ofiCiaís dos arqm­
como amantes da arte, e davam início a seus famosos livros vos e não a;udava na tarefa de construção do Estado.'
para entender certas obras, colocando-as em seu contexto h1s­ Em seu trabalho acadêmico, Burckhardt variava ampla­
tónco: as pmturas dos irmãos van Eyck, no caso de Hmzmga, e mente, começando na Grécia Antiga, passando pelos pnme1ros
as de Rafael. no caso de Burckhardt. 3 séculos cristãos e pelo Renascimento italiano e chegando ao
·18 Ü QUE !': HISTÓRIA CULTURAL? A GRANDE TRAD!ÇÀO 1:9

mundo do pintor flamengo Peter Paul Rubens. Deu relativa­ e sentnnentos característICos de uma época e suas expressões
mente pouca ênfase à históna dos acontecimentos, preferindo ou mcorporações nas obras de literatura e arte. O histonador,
evocar urna cultura passada e salientar o que chamou de seus sugeria ele. descobre esses padrões de cultura estudando
elementos "recorrentes. constantes e típicos". Trabalhava in­ "ten1as"_. "súnbolos", "sentimentos" e "fonnas". As fonnas ou
tmtivamente, mergulhando na arte e na literatura do período as regras culturais eram importantes para Hmzmga tanto na
que estava estudando e produzindo generalizações que ilus­ vida como no trabalho, e ele achava que a "ausência de um sen­
trava com exemplos, anedotas e citações, apresentados em sua tido de forma", como ele chamou, impedia-o de gostar da lite­
prosa vigorosa. ratura norte-mnencana. 5
Em seu livro mais famoso, por exemplo. Burckhardt des­ O livro Outono da Idade Média coloca em prátICa as reco­
creveu o que chamou de individualismo, competitividade. auto­ mendações que ele fazia em seus ensaios programáticos. Estava
consciência e modernidade na arte, literatura, filosofia e até na preocupado com os ideais de vida, como a fidalgu ia. Tratava de
política da Itália renascentista. Em Hístórza cultural da Grécza, temas como o sentido do declínio, o lugar do simbolismo na
publicado postumamente. Burckhardt voltou a esse terna, mar­ arte e no pensamento do final do período medieval e de senti­
cando o I ugar da luta ( ago11) na vida da Grécia Antiga, na mentos como o medo da morte. O livro atribm um lugar cen­
guerra, na polítíca e na 1nús1ca,, assun co1no nas corndas de car­ tral às formas ou padrões de comportamento. Segundo Hm­
ros ou nos Jogos Olímpicos. Enquanto o pnmeiro livro enfati­ zmga, "a mente apaixonada e v,olenta daquele tempo" preCisava
zava o desenvolvnnento do mdivíduo. o últnno salientava a de urna estrutura de formalidade. Como a piedade, o amor e a
tensão entre, de um lado, o que o autor chama de "individua­ guerra eram ntualizados, estetizados e submetidos a regras.
lismo mcorngível" e a paixão pela fama e, de outro, a exigência Nesse período," cada acontecimento e cada ação amda estavam
de que o mdivíduo se subordine à cidade. incorporados a forn1as expressivas e solenes, que os elevavarn à
Hmzmga também pesqmsou extensamente, da Índia an­ digrndade de um ntua!"
tiga ao OCidente, da França no século XII à cultura holandesa no Pode-se dizer que a abordagem de Hmzmga à hrstóna cul­
século XVII e os Estados Umdos de seus dias. Fm ao mesmo tural era essencialmente morfológica. Estava preocupado com o
tempo crítico da interpretação de Burckhardt sobre o Renas­ estilo de toda uma cultura, bem corno com o estilo de pmturas
cnnento -que, segundo ele, a separava muito radicalmente da e poemas mdividuais.
Idade Média- e seguidor de seu método. Em um ensaio publi­ Esse programa para a históna cultural não era tão abstrato
cado em 1915, Hmzmga discutia urna vanedade de ideais de quanto pode parecer quando brevemente resumido. "Que tipo
vida, visões da idade de ouro, por exemplo, o culto do cavalhei­ de idéia podemos formar de uma época".. escreveu certa vez
nsmo ou o ideal clássico, de tão forte apelo para as elites euro­ Hmzmga, "se não vemos pessoa alguma nela? Se só pudermos
péias entre a Renascença e a Revolução Francesa. fazer relatos generalizados, vamos apresentar apenas um de­
Em outro ensa10, publicado em 1929, Hmzmga declarava serto a que chamamos de históna." De fato, Outono da Idade
que o pnnCipal objetivo do histonador cultural era retratar pa­ Média fervilha de indivíduos, do poeta pICaresco Franç01s Villon
drões de cultura, em outras palavras, descrever os pensamentos ao místICo Hemnch Suso, do pregador popular Olivier Maillard
20 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? A GRANDE TRADIÇAO 21.

ao cromsta da corte Georges Chastellain. A prosa é sensual, Apmado na pesqmsa de Hmzinga sobre "a mente apaixo­
atenta a sons, como os dos sinos e dos tambores, e às imagens nada e violenta daquele tempo", Elias dingiu o foco para a his­
visuais. O livro é uma obra-prima literána ao estilo fin-de-sie­ tóna dos modos à mesa, a fim de mostrar o desenvolvimento
cle, além de um clássico de história. gradual do autocontrole ou do controle sobre as emoções nas
cortes da Europa Ocidental, ligando o que ele cliarnou de "pres­
sões sociais pelo autocontrole" entre os séculos XV e XVIII à
Da sociologia à h1stóna da arte centralização do Estado e à submissão ou domesticação de urna
nobreza guerreira.
Algu mas das ma10res contribmções à históna cultural desse pe­ Elias afirmava escrever sobre a "civilização". e não sobre a
ríodo. especialmente na Alemanha, vieram de acadêmicos que cultura, sobre "a superfície da ex,stênCia humana", e não sobre
não trabalhavam nos departamentos de históna. O sociólogo suas profundezas, sobre a históna do garfo e do lenço, e não
Max Weber publicou uma obra famosa. A étzca protestante e o sobre a históna do espínto humano. De qualquer forma, ele
espírzto do capitalismo (1904), em que analisa as raízes cultu­ deu uma importante contribmção para o estudo do que hoie
rais do que chamou de "sistema econômico dominante na pode ser descnto como "a cultura do autocontrole"
Europa Ocidental e na Aménca" O ensaio de Weber podena Uma das figuras mais ongina1s e em última análise mais
igualmente se chamar "Capitalismo e cultura do protestan­ influentes da históna cultural no estilo alemão não segmu
tismo" ou "Protestantismo e cultura do capitalismo"_ qualquer carreira acadêmica. Aby Warburg era um homem de
O ponto central do texto era, essencialmente. apresentar recursos própnos, filho de banqueiro, que deixou sua herança
uma explicação cultural para a mudança econômica. Weber para o irmão mais novo em troca de uma mesada suficiente­
acentuava o papel do ethos ou sistema de valor protestante, es­ mente grande para comprar todos os livros de que preCisasse
peCialmente a idéia de "chamada", na acumulação de capital e - e ele acabou preCisando de mmtos, já que seus interesses ex­
na ascensão do comércio e da mdústna em grande escala. Em tensos incluíam filosofia, psicologia e antropologia, bem corno
outro estudo, Weber argumentou que o ethos do confuc10- história cultural do Ocidente, desde a Grécia antiga até o sé­
msmo, assim como o do catolicismo, era hostil ao capitalismo culo XVII. Seu principal objetivo era contribmr para uma
(ele tena ficado surpreso ao saber da ascensão econômica dos "ciência da cultura" geral (Kulturwzssenschaft), evitando o que
"tigres asiát:1cos"). chamou de "polícia de fronteira" nos limites entre as discipli­
Na geração seguinte, outro sociólogo alemão, Norbert nas acadêmicas.
Elias, um segmdor de Weber em certos aspectos, escreveu Warburg era um grande admirador de Burckhardt e de
um estudo, O processo czvilizador (1939), que é essencial­ suas "certeiras generalizações 1ntuit1vasU, mas seu próprio tra­
mente uma históna cultural. Ele também utilizou Ma/­ balho era mais nco e fragmentado. Convencido de que "Deus
estar na czvilização (1930), de Freud, que argumenta que a está no detalhe", prefenu escrever ensaios sobre aspectos parn­
cultura exige sacrifícios do indivíduo nas esferas do sexo e culares do Renascimento Italiano, e não sobre o que chamou de
da agressividade. "o grande obJenvo de urna síntese da história cultural" 6 War-
., ..., Ü QUE É l-l!STÚRIA CULTUR,\l? A GRANDE TRADJÇ/\O 2)

burg estava partrculannente mteressado na tradição clássica e Dessa forma, ele descreveu a ascensão do naturalismo na antiga
em suas transformações a longo prazo. Ao estudar essa tradi­ arte grega como a "acumulação gradual de correções graças à
ção, dingm o foco para os esquemas ou as fórmulas culturais e observação da realidade".
perceptivas, os gestos que expressam emoções partrcuJares, por As movações culturais são multas vezes obra de pequenos
exemplo, ou a maneira pela qual poetas e pintores representa­ grupos, mais que de indivíduos. A unportâncra de Aby Warburg
vam o vento no cabelo de uma moça. não decorre apenas de seus ensaios. por mais brilhantes que
A idéia do esquema mostrou-se muito estimulante para sejam, mas também de sua posição central em um grupo de es­
hrstonadores culturais e outros. Os psicólogos afirmam que é tudiosos que costumavam se encontrar em sua biblioteca, em
impossível perceber ou lembrar de qualquer c01sa sem esque­ Hamburgo, núcleo do que depois ve10 a ser o Instituto War­
mas. Alguns filósofos concordam. Karl Popper argumentou burg. Entre esses estudiosos, umdos por mero do mteresse pela
que é impossível observar a natureza adequadamente sem históna dos símbolos e pela tradição clássrca, estavam o filósofo
uma hipótese para testai; um prmcíp10 de seleção que permita Ernst Cassrrei; autor de Filosofia das formas szmbólicas (1923-
que o observador veia um padrão, e não uma barafunda. De 9), e os hístonadores da arte Fntz Saxl, Edgar Wind e Erwm
maneira semelhante, Hans-Georg Gadamer afirmava que a m­ Panofsky.
terpretação de textos dependia do que ele chamava de Vo­ Panofsky, por exemplo, escreveu um ensa10 clássico sobre
rurteil, en1 outras palavras,, "p reconceito", ou, mais precisa­ a mterpretação de imagens, uma hermenêutica visual que dis­
mente, "pré-Julgamento" tmgma "iconografia" (a mterpretação do tema da Últzma
Os estudiosos da literatura cammharam em direção seme­ Ceza. por exemplo) de "iconologia", mais ampla, que desveln
füante. Em Literatura européia e Idade Média Latma (1948), a visão de mundo de uma cultura ou grupo socral "conden­
livro dedicado à memóna de Warburg, Ernst-Robert Curtms sada em uma obra" 7 Outro exemplo famoso da abordagem
demonstrou a importância duradoura de topo, retóncos ou lu­ iconológica, escnto mais tarde na carreira de Panofsky, for sua
gares-comuns tais como paisagem ideal, o mundo de cabeça p rovocadora conferência "Arquitetura gótica e escolástica"
para baixo ou a metáfora do "livro da natureza" O estudo de (1951). Essa conferência é exemplar em seu foco explícrto e
William Tindall sobre John Bunyan (discutido no capítulo 5, conscrente sobre as possíveis conexões entre diferentes dorní-
p.117-18) é outro exemplo de um estudo de textos que se con­ 1110s culturais.
centra em esgue111as. Panofsky partia da observação de que a arqmtetura gótICa
Mas certamente for na obra de Ernst Gombnch que a idéia e a filosofia escolástica associada a Tomás de Aqumo haviam
de esquema cultural de forma mais completa se desenvolveu. surgido ao mesmo tempo, nos séculos XII e XIII. e no mesmo
Gombnch, que escreveu a b10grafia mtelectual de Warburg, lugai: em Pans ou seus arredores. Os dois movimentos se de­
também lançou mão da psicologia experimental e da filosofia senvolveram em paralelo. No entanto, o ob3et1vo da conferên­
de Popper. Em Arte e ilusão (1960), o tema central era a relação cia não era sunplesmente traçar uma comparação entre arqui­
entre o que ele chamava, alternativamente, de "verdade e este­ tetura e filosofia. Panofsky também defendia a exrstêncra de
reótipo"_, "fórmula e experiência". ou "esquema e correção" uma conexão entre os dois movunentos.
24 Ü QUE "É HISTÓRJ,\ CULTUIUL?
A GRANDE TRADIÇÃO 25

Ele discutia essa conexão não em termos de "espírito da


Nos Estados Unidos do começo do século XX, a palavra­
época", porém, mais precisamente, em termos da difusão, da fi­
ch ave era ºcivilização", mais que "cultura", como no livro de
losofia para a arqmtetura, do que ele chama de "hábito mental",
Charles e Mary Beard, The Ríse of Amencan Cívilizatwn
um con;unto de suposições sobre a necessidade de orgamzação
(1927). Nessa época começaram os cursos sobre "civilização",
transparente e de reconciliação das contradições. Sabedor de
graças ao movimento conhecido como "nova h1stóna". em que
que podena ser acusado - e f01, na verdade - de mero espe­
os Beards e outros histonadores radicais estavam envolvidos.
culador, Panofsky se agarrou a um "fragmento de prova"- uma
No Columbia College, por exemplo, na década de 1920, havia
observação registrada em um álbum de desenhos sobre dois ar­
um curso obngatóno para alunos do pnme1ro ano sobre civili­
qmtetos que mantiveram uma "disputa", mostrando assim
zação contemporânea. Em meados do século, mmtas umvers1-
"que pelo menos alguns dos arqmtetos franceses do século XIII
dades norte-amencanas exigiam cursos em "civilização ociden­
pensavam e agiam em termos estnta mente escolásticos",
tal". mais ou menos uma história breve do mundo oc1dentaL
dos gregos antigos até o presente,"de Platão à Otan" . 9
No plano da pesquisa, por outro lado, uma tradição norte­
A grande diáspora
americana mais forte, ou pelo menos mais visível que a da his­
tória cultural, era a "história das idéias", exemplificada pelo
Na época em que sua conferência sobre a arqmtetura gótica e
livro de Perry Miller, The New England Mind (1939), e pelo
escolásnca f01 apresentada. Panofsky morava nos Estados
círculo de Arthur Love;oy na Umvers1dade Johns Hopkms,
Umdos havia alguns anos. Quando Hitler chegou ao poder, em
centrado no ]oumal of the History o{ Ideas, fundado em 1940
1933, Aby Warburg havia morrido. mas os outros estudiosos
como um pro;eto mterdisc1plinar para vincular filosofia, litera­
associados a seu Instituto se refugiaram no extenor. O própno
tura e históna.
Instituto. sob ameaça, porque seu fundador era ;udeu, f01 trans­
Na Grã-Bretanha da década de 1930 estava se escrevendo
fendo - ou, pode-se dizer, "traduzido" - para Londres, ;unto
uma h1stóna mtelectual e cultural geralmente fora dos depar­
com Saxl e Wind, enquanto Cassirer, como Panofsky- e Ernst
tamentos de históna. Entre as contribuições mais importantes
Kantorow1cz, outro estudioso preocupado com a históna dos
dadas a essa tradição está o livro de Basil Willey, The Seven­
símbolos -, f01 parar nos Estados Umdos. Para os d01s países
teenth-Century Baclcground (1934), "estudos sobre o pensa­
hospedeiros, para a h1stóna cultural em geral e a história da arte
mento da época". escnto por um professor de mglês e apre­
em particular, essa mudança teve conseqüências mmto impor­
sentado como "panorama" para a literatura; o de E.l'vl.W.
tantes. O episódio é uma parcela essencial da história da grande
Tillyard, The Elizabethan World Picture (1943), outra contn­
diáspora da década de 1930, de residentes da Europa Central, a
buição da Faculdade de Inglês de Cambndge; e o livro de
maior parcela deles Judeus, mdumdo aentistas, escntores, mú­
G.M. Young, Victonan England (1936), obra de um amador
sicos e também acadêmicos.• Além disso, também ilustra um
de mmto talento.
dos temas favoritos de Warburg, o da transmissão e transfor­
As prmcipa1s exceções à ênfase sobre as idéias foram o
mação das tradições culturais.
livro de Christopher Dawson, The Malcing of Europe (1932),
26 Ü QUE É HISTÓRIA CULTUR 1\L? A GRANDE TRADIÇÃO 27

escnto num período em que o autor era "conferencista em l11 s­ CJal da cultura são os Beard, casal que ocupa um importante
tóna da cultura" na Universidade de Exeter: os muitos volumes lugar na história do radicalismo norte-americano. Quando era
de Estudos de história (1934-61), de Arnold Toynbee, focali­ aluno de Oxford, Charles Beard a3udou a fundar o Ruslun Hall,
zando 21 "Civilizações" independentes e escritos pelo diretor do para dar à classe operária acesso à educação superior (multo
Royal Instltute of International Affairs: e o estudo monumen­ apropriadamente essa mstltmção, que na época era conhecida
tal do b10químico Joseph Needham, Scrence and Civilizatwn 111 como Ruskin College. fo1 o berço do movimento History
Chma, planepdo na década de 1930, embora o primeiro vo­ Workshop). De volta aos Estados Unidos, Beard se tornou co­
lume só viesse a aparecer em 1954. Vale a pena observar que nheCJdo por seu controverso estudo An Economrc [nter­
uma das raras contribmções explícitas à história cultural publi­ preta/1011 of the Co11strtut1011 of the Llmted States (1913).
cada na Grã-Bretanha cm meados do século XX foi escnta por Juntamente com a esposa Mary Ritter Beard, importante
um c1ent1sta. sufragista e defensora dos estudos sobre as mulheres, Charles
Como nos Estados Urndos, a grande diáspora fm impor­ Beard escreveu The Rise of Amencan Civilizatio11 (1927), que
tante para a ascensão da h1stóna cultural na Grã-Bretanha, apresentava urna mterpretação econôrnJCa e social para as mu­
assim como da história da arte, da soc10logia e de certos estilos danças culturais. O capítulo final sobre" a Era da Máquina", por
de filosofia. Como exemplo dos efeitos do encontro, pode-se exemplo, discutia o papel do automóvel na difusão dos valores
citar o caso de Frances Yates, uma estudiosa mmto mglesa e ori­ urbanos e dos II estí1nulos 1nentais estereotipados",- o patronato
ginalmente espeoalista em Shakespeare. Um encontro de pntar das artes por milionários, a ênfase prática e popular da ciência
no final da década de 1930 teve como conseqüência sua entrada norte-mnencana e a ascensão do jazz.
no círculo Warburg, num momento em que, corno disse ela O fato é que a chegada de um grupo de acadêrnICos emigra­
mais tarde, "estudiosos mst1gantes e urna biblioteca 111sp1radora dos da Europa Central fez com que os estudiosos bntâmcos e
havrnm acabado de chegar da Alemanha" Yates fm "irncrnda na norte-americanos tomassem uma consciência mais aguda da
técnica warburgurana de usar aspectos visuais co1no evidências relação entre cultura e sooedade. No caso bntâmco, um papel
lustóncas", Seu mteresse por estudos ocultos - neoplatomsmo, crucial fo1 desempenhado por três húngaros: o sociólogo Karl
mágica, cabala - foi outro resultado do encontro,10 Mannhenn, seu amigo Arnold Hauser e o histonador de arte
A diáspora também mclurn um grupo de marxistas preo­ Fredenck AntaL 11 Os três haviam sido membros de um grupo
cupados com a relação entre cultura e soCJedade. de discussão, ou "círculo domimcalª que tinha corno centro o
crítico Georg Lukács e que se encontrava durante a Pnrne1ra
Guerra Mundial. Todos migraram para a Inglaterra na década
Cultura e sociedade de 1930. Mannheirn passou de urna cátedra em Frankfurt para
uma posição de conferencista na London School of EconornICs;
Nos Estados Urndos, como na Grã-Bretanha, mesmo antes da Anta!. de urna cátedra na Europa Central para a função de con­
grande diáspora já era eVIdente um certo mteresse pela relação ferencista no Courtauld Institute, e Hauser tornou-se um escn­
entre cultura e soCJedade. Exemplo p10ne1ro de urna lustóna so- tor sem emprego fixo.
A GRANDE TRr\DlÇÃO 29
28 Ü QUE É 1-!JSTÓRJA CULTURAL?

!VIannherm, mais um admirador de Marx que marxista em telectuars marxistas britânicos for muito ativo nas décadas de
senndo estrito, nnha particular mteresse na soc10log1a do co­ 1930 e 1940, tanto dentro como fora da academia. Roy Pascal,
nhecimento, que ele abordava de uma f orma h1stónca, estu­ professor de alemão em Birmmgham de 1939 a 1969, escreveu
dando por exemplo a mentalidade dos conservadores alemães. sobre a h1stóna social da literatura, Aeschylus and Athens
Quando morou na Alemanha, teve alguma mfluêncra intelec­ (1941), famoso estudo sobre drama e soCiedade escnto pelo clas­
tual sobre duas figuras Já mencionadas neste capítulo, Norbert s1c1sta George Thomson, for claramente inspirado em Marx.
Elias e Erwm Panofsky, embora este úlnmo tenha abandonado Joseph Needham usou uma estrutura marxista para seu Sczence
a perspectiva socraL and Civilizatzon in China,
Em seus livros e artigos. Anta] tratava a cultura como ex­ F.R. Leavrs, autor de The Great Ii·adition (1948), também
pressão ou mesmo como "reflexo" da soCiedade. Ele encarava a estava profundamente interessado na relação entre a cultura e
arte da Florença renascentista como reflexo da vISão de mundo seu ambiente, Sua ênfase na idéia de que a literatura dependia
da burguesia, e achava William Hogarth mteressante porque de "uma cultura social e de uma arte do viver" deve menos a
"sua arte revela .,, as VlSÕes e os gostos de uma ampla parcela da Marx que à nostalgi a pelas "cornurndades orgârncas" tradicio­
soCiedade", 12 Entre os discípulos britânicos deAntal estão Fran­ nais. No entanto, não é difícil combinar uma abordagem "leaví­
cis Klingender, autor de Art and the Industnal Revolutzon s1ta" com a marxista, como fez Raymond Williams em The
(1947), Anthony Blunt, famoso como historiador da arte mmto Long Revolutzon (1961), livro que discutia a hístóna social do
antes de se tornar um notóno espião, e John Berger, que tam­ teatro e em que, além disso, for cunhada a famosa expressão
bém abordava a arte a partrr de uma perspectiva social.
11
estruturas de sentimento"
Já Arnold Hauser, um marxista mais convenc10naL for
mmto importante na divulgação da abordagem do grupo ao
escrever Históna social da arte (1951), vmculando estreita­ A descoberta do povo
mente a cultura aos conflitos e mudanças sociais e econômi­
cos, e discutmdo, por exemplo, "as lutas de classe na Itália ao A idéia de"cultura popular" ou Vollcslcultur se ongrnou no mes­
final da Idade Média". "o Romannsmo como movimento da mo lugar e momento que a de "história cultural": na Alemanha
classe média", e a relação entre a era do cinema" e a "críse do
11 do final do século XVIII, Canções e contos populares, danças, n­
capitalismo"_ tuars, artes e ofícios foram descobertos pelos mtelectuars de
Klingender, Blunt e Berger devem ser vistos não corno classe média nessa época-" No entanto, a históna da cultura po­
Simples casos de influência húngara, mas sim como "assimila­ pular for deixada aos amantes de antigüidades, folclonstas e an­
ção" ou encontros culturais, Por um lado, havia o problema da tropólogos, Só na década de 1960 um grupo de h1stonadores
resistência cultural, que levou Mannheim a se queIXar da difi­ acadêmicos passou a estudá-la.
culdade de transplantar ou "traduzrr" a soc10logia para a Grã­ Um dos pnme1ros exemplos, publicado em 1959, foi His­
Bretanha, Por outro. alguns círculos mtelectua1s já estavam tória social do 7azz, escnto por "Francis Newton", um dos
preparados para receber suas idéias, Um pequeno grupo de m- pseudômmos de Enc Hobsbawm. Corno sena de se esperar de
JO Ü QUE E HISTÜR!t\ CULTURAL? A GRANDE TRAD!Çt\O J1

um famoso h1stonador econômICo e social. o autor discutia não ver h1stóna (inclusive h1stóna cultural) "a partir de baixoª O
apenas a música, mas também seu público, abordando o 3azz cansmát1co Thompson também msp1rou h1stonadores da cul­
corno negóc10 e forma de protesto político e social. Ele concluía tura popular, desde a Alemanha até a Índia (ver p.136-7),
que o 3azz exemplificava a situação "em que uma música popu­ Por que uma preocupação com a h1stóna da cultura popu­
lar não submerge, mas se mantém no ambiente da moderna Ci­ lar surgm nesse momento? Existem, corno sempre, duas expli­
vilização urbana e mdustnal" Repleto de observações perspICa­ cações principais, a "interna" e a "externa"_ Os que estão den­
zes sobre a h1stóna da cultura popular, esse livro 3amars causou, tro se vêem reagmdo às deficiências de abordagens antenores,
no mundo acadêmICo, o impacto que merecia. especialmente à históna cultural em que as pessoas comuns são
O mais mfluente dos estudos feitos na década de 1960 fo1 deixadas de fora, e à h1stóna política e econôrnICa em que a cul­
A formação da classe operána mglcsa (1963), de Edward tura é deixada de fora. Eles também tendem a se ver, e à sua
Thompson. Nesse livro, Thompson não se limita a analisar o rede, como os úmcos movadores, e raramente percebem as ten­
papel desempenhado pelas mudanças econômicas e políticas na dências paralelas em outras partes da disciplina, quanto mais
formação de classe, mas examma o lugar da cultura popular em outras disciplinas ou no mundo exterior à academia.
nesse processo. Seu livro mclm descnções vigorosas dos rituais Os de fora tendem a ver um quadro mais amplo, a obser­
de miciação de artesãos, do lugar das feiras na "vida cultural dos var que na Grã-Bretanha, por exemplo, a ascensão da h1stóna
pobres". do snnbolismo dos alimentos e da iconografia das agi­ da cultura popular na década de 1960 comc1diu com a ascensão
tações sociais, mdo de bandeiras e pedaços de pão presos a um dos "estudos culturais", segmndo o modelo do Centro de Estu­
pau até o enforcamento de efígies de pessoas odiadas. Foram dos Culturais Contemporâneos, na Urnvers1dade de Birmmg­
analisadas poesias em dialeto, para chegar ao que Thompson ham, ding1do por Stuart Hall. O sucesso mternac1onal do mo­
descreveu - na expressão de Raymond Williams - como "a vimento pró-estudos culturais sugere que ele atendeu a uma
estrutura de sentimento da classe trabalhadora". A religião me­ demanda, correspondeu a uma crítica à ênfase sobre a alta cul­
todista recebia grande atenção, do estilo de pregação laICa às tura tradic10nal dada pelas escolas e universidades, e também
imagens dos hmos, com ênfase especial no deslocamento de satisfez a necessidade de entender o cambiante mundo de mer­
11
11energrns emocionais e espirituais" que eran1 confiscadas a cadorias, publicidade e televisão.
serviço da Igre3a" Como a grande tradição e a abordagem marxista, a h1stóna
A mfluência de Thompson sobre h1stonadores mais 3ovens da cultura popular colocou problemas que foram ficando cada
fm mmto grande. Ela é óbvia no movimento "History Work­ vez mais aparentes ao longo dos anos. Tais problemas serão dis­
shop", fundado na década de 1960 sob a liderança de Raphael cutidos no próximo capítulo.
Samuel, que dava aulas no Ruskm College em Oxford (um
centro para alunos mais velhos, da classe trabalhadora). Ele or­
garnzou muitas conferências, que prefena chamar de work­
shops, fundou urna revista, History 1/\/orlcslwp, e, com seus
inúmeros artigos e se1111nários! inspirou 1ntntas pessoas a escre-
PROBLEMAS DA HISTÓRIA CULTURAL 33

2 de tratar os textos e as imagens de um certo período como es­


pelhos, reflexos não problemáticos de seu tempo.
Em seu livro sobre a Grécia, Burckhardt defendia a confia­
Problemas da história cultural bilidade relativa das conclusões de historiadores culturais. A
históna política da Grécia Antiga, dizia ele, estava cheia de m­
certezas, porque os gregos exageravam ou até mesmo men­
tiam. "Em contraste. a históna cultural tem um grau primário
de certeza, já que consiste, em sua grande parte, em materiais
gerados de modo não intencional, desinteressado ou mesmo in­
Como acontece em tantas atividades humanas, todas voluntáno pelas fontes e monumentos." 1
as soluções para o problema de escrever história cul­ No que se refere à confiabilidade relativa, Burckhardt sem
tural mais cedo ou mais tarde geram questões pró­ dúvida tem uma certa razão. Seu argumento em favor do teste­
pnas. Se deixarmos de ler Burckhardt, vamos sair per­ munho "involuntário" também é convincente: testemunhas do
dendo. Mas sena um erro imitar muito de perto a sua passado podem nos dizer coisas que não sabiam que sabiam. De
obra, e não apenas porque seu cammho é difícil de se­ qualquer forma, não seria correto supor que, digamos, os ro­
gmr e exige um grau de sensibilidade que falta à mances e as pmturas seJam sempre desmteressados, livres de
maior parte de nós. Vistos à distância de mais de um paixão ou de propaganda. Como seus colegas de história polí­
século, seus livros, como também os de Hmzmga e tica ou econômica, os historiadores culturais têm de praticar a
outros clássicos, mostram de modo mmto claro suas crítica das fontes, perguntar por que um dado texto ou rmagem
ve10 a existir, e se, por exemplo, seu propósito era convencer o
fraquezas. As fontes, os métodos e as suposições des­
público a realizar alguma ação.
ses estudos precisam ser quest10nados.
No que se refere ao método, Burckhardt e Huizinga foram
muitas vezes criticados, chamados de impressionistas ou mesmo
anedóticos. Sabe-se muito bem que observamos ou lembramos
Os clássicos revisitados
aquilo que nos mteressa pessoalmente ou que se encaixa no que
já acreditamos, mas nem sempre os historiadores refletiram
Tomemos, por exemplo, a maneira pela qual as evi­
sobre a moral dessa observação. "Trmta anos atrás", confessou
dências são tratadas nos clássicos da históna cultural.
certa vez o histonador econômico John Clapham, "li e sublinhei
Em Outono da Idade Média, em particular, Hmzinga Traveis in France, de Arthur Young, e dei aulas a partir das pas­
lançou mão repetidas vezes de poucas fontes literá­ sagens sublinhadas. Há cinco anos li o livro de novo e descobri
nas. Se recorresse a outros escntores, poderia ter pro­ que eu havia marcado todas as vezes que Young falava de um
duzido um quadro da época mmto diferente. A tenta­ francês mfeliz, mas que multas de suas referências a franceses
ção a que o historiador cultural não deve sucumbir é a felizes ou prósperos ficaram sem sublinhar." Pode-se suspeitar
T
PROULEMAS DA !-!JSTÓR!A CUL URAL 35
34 Ü QUE E 1 l- !STÓRIA CULTURAL?

que Hmzmga fez algo parecido ao ilustrar sua afirmação de que Na década de 1970, um grupo estabeleado em Samt-Cloud que
"em nenhuma outra época as pessoas pensaram tanto na morte se mt1tulava Laboratóno de Lex1cometna e trabalhava com a
quanto nos últimos anos da Idade Média". Revolução Francesa listou os temas mais comuns nos textos de
A h1stóna cÚltural está condenada a ser 1mpress10msta? Rousseau, Robespierre e outros. Observou-se, por exemplo,
Se não, qual é a alternativa? Uma possibilidade é o que os q ue o substantivo mais comum no Contrato soczal de Rousseau
franceses chamam de "história sena!,,. ou seJa, a análise de era lo, ("lei"), enquanto nos textos de Robespierre era peuple
uma séne cronológica de documentos. Na década de 1960 al­ ("povo"), e amda que Robespierre tendia a associar esse termo
guns iustonadores franceses já trabalhavam dessa maneira na a drozts ("direitos") e souverameté ("soberama"). 5
questão da difusão da alfabetização e na "história do livro". Análises de conteúdo desse tipo têm de enfrentar algumas
Eles comparavam. por exemplo, o número de livros publica­ perguntas incômodas. O trabalho do grupo de Samt-Cloud era
dos sobre diferentes assuntos em diferentes décadas na França puramente descnt1vo, e pode-se argumentar que não vale a
do século XVIII.2 A abordagem sena! dos textos é adequada em pena mvestir tanto esforço sem uma hipótese para testar. De
mmtos domímos da h1stóna cultural e Já foi empregada na qualquer forma, a passagem das palavras para os temas é difícil.
análise de testamentos, escrituras, panfletos políticos e assnn A mesma palavra tem significados diferentes em contextos dis­
por diante. As imagens também foram assim analisadas. por tmtos, e os temas podem ser modificados ao se associarem com
exemplo, imagens votivas de uma determmada região - outros. Uma abordagem quantitativa é mecâmca demais, msen­
como a Provence -, que revelam mudanças em atitudes reli­ sível de1naís às variações para ser esclarecedora por s1 mes1na.
giosas ou sociais ao longo dos séculos. 3 No entanto, quando combmada a métodos literári os tradi­
O problema levantado por Clapham acerca das leituras c10nais, a análise de conteúdo pelo menos cornge o tipo de viés
subJet1vas dos textos é bem mais difícil de resolver. Mas há uma descrito por Clapham. Pode-se desenvolver uma argumenta­
alternativa possível a esse tipo de leitura. Ela acabou sendo co­ ção semelhante a respeito da "análise do discurso". uma aná­
nhecida como "análise de conteúdo",. um método usado nas fa­ lise lingüística de textos ma10res que uma frase isolada, abor­
culdades norte-amencanas de Jornalismo no começo do século dagem com muita c01sa em comum com a análise de conteúdo
XX, antes de ser adotado, durante a Segunda Guerra Mundial, que ela suplantou. multo embora dê mais atenção à fala coti­
como um modo de obter mfonnações confiáveis dos boletms de diana, aos esquemas verbais, aos gêneros literários e a formas
notícias alemães. O procedimento é escolher um texto ou cor­ de narrativa. 6
pus de textos, contar a freqüência de referências a um dado Outro tipo de problema, o das suposições, é enfatizado por
tema ou te1nas e analisar sua "co-variânc1a".. ou seja, a associa­ Ernst Gombnch em sua conferência "Em busca da h 1 stóna cul­
ção entre temas. tural". uma crítica a Burckhardt, Hmzmga e também aos mar­
Por exemplo, podem-se analisar dessa maneira os escritos xistas, especialmente Hauser, por construírem sua históna cul­
históricos de Tácito, observando a notável freqüência de pala­ tural sobre "alicerces hegelianos", em outras palavras, a idéia
vras referentes a "medo" (metus, pavor) e tratando-as como do Ze1tge1st, tão popular no mundo de fala alemã nas viradas
mostras da msegurança. consaente ou mconsc1ente, do autor. 4 dos séculos XVIII e XlX. 7 Entretanto, a seguir vou comparar as
36 Ü QUE É Hl5TÓRJA CULTURAL? PROBLEMAS DA HISTÓRIA CULTURAL 37

abordagens burckhardtiana e marxista da cultura, discutmdo pensava nos camponeses alemães da década de 1930 e na empo­
primeiro a crítica marxista dos clássicos e dep01s os problemas breoda classe média de seu tempo, que viviam ambas no pas­
levantados por uma h1stóna marxista da cultura. sado. No entanto, a "contemporaneidade do não-coetâneo",
como chamou ele, é um fenômeno histórico muito mais geral,
que solapa a velha suposição da unidade cultural de uma era.
Debates marxistas Esse ponto pode ser ilustrado pela própna história da
h1stóna cultural. já que a abordagem clássica, a história so­
A prmcipal crítica marxista sobre a abordagem clássica da cul­ cial da cultura e a históna da cultura popular coexistem há
tura é que ela "fica no ar". faltando-lhe contato com qualquer multo tempo.
base econômica ou social. Burckhardt tmha pouco a dizer, como
ele mesmo admitiu postenormente, acerca das fundaçôes eco­
nômicas do Renasomento italiano, enquanto Hmzinga virtual­ Problemas da história marxista
mente ignorou a peste negra em seu relato sobre o sentimento
de mortalidade do final da Idade Média. O ensaio de Panofsky A própna abordagem marxista levanta problemas complicados.
também tmha pouco a dizer acerca dos contatos entre os d01s Ser um h1stonador marx1sta da cultura é viver um paradoxo, se
grupos sociais responsáveis pelas realizações da arqmtetura e da não uma contradição. Por que os manastas deveriam se preocu­
escolástica góticas, os mestres-de-obras e os mestres das artes. par con1 o que Marx descartou, por considerar uma mera "su­
Uma segunda crítica marxista aos h1stonadores clássicos perestrutura"?
da cultura acusa-os de superestimar a homogeneidade cultural Retrospecnvamente, o famoso estudo de Edward Thomp­
e ignorar os conflitos. Uma expressão mmto contundente dessa son. A fonnação da classe operária mglesa (1963), aparece
crítica encontra-se em um ensa10 de Edward Thompson no como um marco na históna cultural bntâmca. Por outro lado,
qual ele chama a cultura de "termo desaJe1tado" que amontoa quando f01 publicado, o livro recebeu críticas de al guns colegas
as coisas, esconde as distinções e tende a "nos empurrar para marxistas pelo que eles chamavam de "culturalismo", ou sep,
noções excessivamente consensuais e holísticas". 8 Sena preciso por colocar ênfase nas experiências e nas idéias, e não nas duras
traçar as distinções entre as culturas das diferentes classes so­ realidades econômicas, sociais e políticas. A reação do autor f01
ciais, as culturas dos homens e das mulheres e as culturas das criticar seus críticos pelo "economic1smo".
diferentes gerações que vivem na mesma sociedade. Essa tensão entre culturalismo e econonnc1smo f01 cnat1va,
Outra distinção útil é a que se faz entre o que pode ser cha­ pelo menos na ocasião. EncoraJou uma crítica interna aos con­
mado de "zonas temporais". Como sugenu o h1stonador mar­ ceitos marxistas centrais de uma fundação econômica e social,
xista alemão Ernst Bloch na década de 1930, "nem todas as pes­ ou "base", e uma "superestrutura" cultural. Para Raymond
soas existem no mesmo Agora. Isso só acontece externamente. Williams, por exemplo, a fórmula de base e superestrutura era
pelo fato de poderem ser vistas hoJe". Na verdade, "elas carre­ "rígida n . e ele prefena estudar o que chamou de "relações entre
gam consigo um elemento antenor; e isso mterfere" .9 Bloch elementos no modo de vida como um todo". Atraía-lhe a idéia
38 Ü QUE f 1-ltSTÓRJA CULTURAL?
PROBLEMAS Ot\ HISTÓRIA CULTURAL 39

de "hegemonia cultural", ou seJa, a sugestão - feita pelo mar­ Os paradoxos da tradição


xista italiano Antonio Gramsc1, entre outros - de que as clas­
ses dominantes exercem poder não apenas diretamente, pela A idéia de cultura implica a idéia de tradição, de certos tipos de
força e a ameaça da força, mas porque suas idéias passam a ser conhecimentos e habilidades legados por urna geração para a
aceitas pelas "classes subalternas" (class1 subalterni), '° seguinte. Como múltiplas tradições podem coexistir facil­
Também para Thompson a idéia de hegemonia cultural mente na mesma sooedade - laica e religiosa, masculina e fe­
apresentava um conceito da relação entre cultura e sociedade minina, da pena e da espada, e assim por diante - trabalhar
1nelhor que o de "superestrutura" Co1no ele escreveu em com a idéia de tradição libera os h1stonadores culturais da su­
VV/11gs and Hunters (1975], com sua retórica característica: posição de unidade ou homogeneidade de uma "era" - a
Idade Média, o período do Iluminismo ou qualquer outra.
A hegemonia da pequena nobreza e da anstocraCla no século XVIII Entre os historiadores menoonados no capítulo antenm; Aby
era expressa, aama de tudo, não na força militar, não nas mistifica­ Warburg e Ernst-Robert Curnus estavam particularmente preo­
ções dos sacerdotes e da imprensa, nen1 mesn10 na coerção econô­ cupados com a tradição, no caso, o desnno da tradição clássica no
mtea, mas nos nttta1s de estudo dos Juízes de paz, nas sessões tn­
mundo pós-clássico.
mestrais dos tribunais de condado, na pompa das sessões dos
A idéia de tradição parece quase auto-evidente, mas essa
tribunais supenores e no teatro das execuções dos cnm1nosos.
noção tradicional de tradição, como podemos chamá-la, é pro­
blemánca. Os dms problemas prmc1pais podem ser descritos
Os problemas continuam. Por um lado, um marxismo que
como os paradoxos gêmeos da tradição.
dispensa as noções complementares de base e superestrutura
Em pnme1ro lugar, uma aparente inovação pode mascarar
corre o nsco de perder suas qualidades distinnvas. Por outro, a a persistência da tradição. A persistência de atitudes religiosas
crítica de Thompson às "noções holísncas" parece tornar im­ sob forma secularizada já fm observada em mmtas culturas,
possível a história cultural, ou, pelo menos. parece reduzi-la a seiam elas católicas, protestantes, Judaicas. hmdus e maometa­
fragmentos. Por mais diferentes que fossem os dois estudiosos, nas. A sobrevivência de certas atitudes e valores puritanos nos
Thompson parecia estar apontando para a mesma direção que Estados Unidos de ho3e é um exemplo óbvio - o sentido da
Gombnch quando este reJe1tava as "fundamentações hegelia­ importância do indivíduo, por exemplo, ou a necessidade de
nas" das sínteses de Burckhardt e Hmzinga. Tais críticas levan­ realização e a preocupação com o auto-exame. Historiadores
tam uma questão fundamental: é possível estudar as culturas das 1nissões costumavam concentrar-se na "conversão" de indi­
como um todo, sem fazer falsas suposições sobre a homogenei­ víduos, grupos ou povos de uma religião' para outra. Atual­
dade cultural? mente, oentes da persistência da tradição, colocam mais ênfase
Foram propostas duas respostas principais a essa pergunta. na mistura consciente ou inconsciente ou na síntese das crenças
Urna é estudar as tradições culturais, e outra é tratar a cultura e valores das duas religiões envolvidas.
erudita e a cultura popular como "subculturas", paroal embora Inversamente, os signos externos da tradição podem mas­
não inte1rainente separadas ou autônomas. carar a movação. O chiste de Marx, ao afirmar que não era mar-
40 Ü QUE É li!STÓRIA CULTURAL?

xísta, é bem conhecido. Ele parecia se referir a um problema re­


r PROBLEMAS DA HISTÓRIA CULTURAL

remos empregando uma categoria residual e, como acontece


41

corrente que pode ser descrito como o problema dos fundado­ muitas vezes em se tratando dessas categorias. corremos o nsco
res e segmdores. A mensagem do fundador bem-sucedido de de supor a homogeneidade dos excluídos.Talvez seJa melhor se­
um movimento. filosofia ou religião raramente é simples. Ela gmr o exemplo de vános historiadores e teóricos recentes e
atrai mmtas pessoas porque tem mmtos aspectos. Alguns se­ pensar as culturas populares no plural, urbana e rural, mascu­
gmdores enfatizam um aspecto, al guns enfatizam outro, se­ lina e femmina, velha e jovem, e assim por diante.
gundo seus própnos interesses ou a situação em que se encon­ No entanto. essa solução gera um novo problema. Existe,
tram. Ainda mais fundamental é o problema do "conflito na mesma sociedade, por exemplo. uma cultura femmma au­
mterior das tradições", a disputa mevitável entre regras umver­ tônoma, distinta da cultura dos homens? Responder "não" é
sais e situações específicas sempre em transforma ção. 11 negar diferenças palpáveis, mas responder "sim" talvez seJa
Em outras palavras, o legado muda - na verdade deve exagerá-las. Pode ser mais esclarecedor pensar em termos de
mudar - no decorrer de sua transmissão para uma nova gera­ culturas ou "subculturas" femininas maís ou menos autôno­
ção. A grande fraqueza do estudo sobre a literatura européia mas ou demarcadas. Serão mais autônomas sempre que as
feito por Curtius é a relutância do autor em reconhecer esse mulheres forem mais segregadas dos homens; por exemplo,
fato, tratando como constantes os lugares-comuns que estudou. nos conventos, no mundo mediterrâneo tradic10nal ou na cul­
Warburg, ao contrário, estava bem aente das modificações pro­ tura islâmica.
duzidas na tradição clássica ao longo dos séculos. Atualmente, os No caso da Grécia Antiga, um classicista mspirado pela an­
historiadores culturais estão ainda mais interessados na questão tropologia cultural, John Winkler, mostrou que, embora as fon­
da "recepção ... como veremos no capítulo 5. tes sobreviventes sejam quase mteiramente resultado do traba­
lho de homens. elas podem ser vistas sob a ótica contrária,
revelando pontos de vista claramente feminmos sobre sexo e
Cultura popular em questão outros assuntos. Ele trata a línca de Safo e o festival feminino
de Adorna como evidências particularmente valiosas de "uma
Uma outra alternativa óbvia para a suposição da homogenei­ consciênaa, por parte das mulheres gregas, no que se refere aos
dade cultural é distinguir entre cultura erudita e cultura popu­ significados de sexo e gênero diferentes dos enunciados por
lar em uma dada sociedade. No entanto, como o conceito de seus maridos e pais" , 13
Zeitgezst e a idéia de superestrutura, a noção de "cultura popu­ Outro problema para os histonadores da cultura popular
lar" tornou-se, ela própna. uma questão em debate - para o é definir se devem ou não incluir as elites, pelo menos em cer­
qual teóricos como Michel de Certeau e Stuart Hall e historia­ tos períodos. O que toma a exclusão problemática é o fato de
dores como Roger Chartier e Jacques Revel deram contribm­ que as pessoas de status elevado, grande riqueza ou poder
ções valiosas. 12 substancial não são necessariamente diferentes, no que diz res­
Para começar, é difícil definir o tema. Quem é "o povo"? peito à cultura, das pessoas comuns. Na França do século XVII

l
Todos, ou apenas quem não é da elite? Neste último caso, esta- os leitores dos livrinhos baratos tradicionalmente descritos
,p Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? PROBLEMAS DA 1-JJSTÓRIA CULTURAL 4J

como exemplos de cultura popular incluíam mulheres nobres centernente, também se ampliou para os lados. O termo cultura
e até mesmo uma duquesa. Isso não é de surpreender, já que na costumava se refenr às artes e às ciências. Depois, fo1 empre­
época as oportumdades educac10nais das mulheres eram multo gado para descrever seus eqmvalentes populares- música fol­
limitadas. clónca, rnedicma popular e assim por diante. Na última geração,
Sendo assim, Roger Chart1er argumentava que era pratica­ a palavra passou a se refenr a urna ampla gama de artefatos
mente impossível rotular obJetos ou práticas culturais como (imagens, ferramentas, casas e assim por diante) e práticas (con­
"populares". Focalizando os grupos sociais, e não os objetos ou versar, ler, 3ogar].
prátJCas. pode-se argumentar que as elites da Europa Ocidental Falando estntarnente, esse novo uso não tem nada de novo,
no começo dos tempos modernos eram "biculturaisª. partici­ Em 1948, em Notas para uma defimção de cultura, T.S. Eliot,
pando do que os histonadores chamam de "cultura popular" e um norte-amencano que observava a Inglaterra com um olhar
também de uma cultura erudita de que as pessoas comuns es­ antropológico, descreveu a cultura mglesa como incluindo,
tavam excluídas. Só depois de meados do século XVII as elites entre outros elementos, "O Dia do Derby, ... o alvo de dardos, ...
deixaram em geral de participar da cultura popular.H repolho cozido e picado, beterraba ao vmagrete. igreJas góticas
Os espeaalistas váriàs vezes sugenram que as muitas mte­ do século XIX e a música de Elgar" O antropólogo Bromslaw
rações entre cultura erudita e popular eram uma razão para Malinows!G já havia defimdo cultura de maneira ampla, em um
abandonar de vez os d01s adjetivos. O problema é que sem eles é artigo que marcou sua colaboração na Encyclopaedia of the
impossível descrever as mterações entre o erudito e o popular. Socwl Sczences, em 1931, abrangendo "as heranças de artefatos.
Talvez a melhor política se3a empregar os dms termos sem tomar bens, processos técmcos, idéias, hábitos e valores".
mmto rígida a oposição bmána, colocando tanto o erudito como Na verdade, em 1871, em seu Pnmztrve Culture, outro an­
o popular em uma estrutura mais ampla. O h1stonador francês tropólogo, Edward Tylor, apresentou uma defimção semelhante
Georges Duby, por exemplo, fez isso em um artigo desbravador de cultura "tomada em seu sentido etnográfico amploª. corno
sobre a difusão dos modelos culturais na sociedade feudal. exami­ "o todo complexo que mclm conhecimento, crença, arte, moral,
nando o movimento para ama e para baJXo dos ob3etos e práticas lei, costume e outras aptidões e hábitos adqumdos pelo homem
sem dividir a cultura em dms compartlmentos. 15 como membro da sociedade" A preocupação antropológica
com o cotidiano e com sociedades em que há relativamente
pouca divisão de trabalho encora1ou o emprego do termo "cul­
O que é cultura? tura" em um sentido amplo.
Os h1stonadores culturais - e outros membros de sua cul­
O termo "cultura" é amda mais problemátJCo que o termo "po­ tura - se apropnararn dessa noção antropológi ca na última ge­
pular". Corno observou Burckhardt em 1882, h1stóna cultural ração, a era da "antropologia histónca" e da "nova h1stóna cul­
é um II conceito vago". E1n geral, é usado para se referir à II alta" tural"_ Esses movimentos gê1neos são o tema dos próximos
cultura. Foi estendido "para baixo". continuando a metáfora, de capítulos.
modo a mdmr a "baixa" cultura. ou cultura popular. Mais re-
A VEZ DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA 45

3 A expansão da cultura

O mteresse por cultura, históna cultural e "estudos culturais"


A vez da antropologia histórica ficou cada vez mais VISÍvel nas décadas de 1980 e 1990. No en­
tanto, essa virada cultural teve efeitos e talvez até mesmo sig­
nificados distintos nas diferentes disciplinas.
No caso da psicologia cultural, por exemplo, ela significa
um distanciamento da idéia de que os seres humanos têm im­
pulsos idênticos, e uma aproxunação da soaologia e da antropo­
Um dos aspectos mais característicos da prática da logia. Na geografia cultural, o desafio é não voltar à idéia tradi­
h1stóna cultural entre as décadas de 1960 e 1990 fo1 aonal de "áreas culturais", que não leva em conta as diferenças
a virada em direção à antropologia. Mas ela não se e os conflitos sociais em uma determinada região. No caso da
limitou à históna cultural: alguns histonadores economia, a atração exercida pela cultura está associada ao cres­
econômicos, por exemplo, estudaram antropologia cente mteresse no consumo e à percepção de que as tendências
econômica. Mesmo nesse caso, a principal lição que não podem ser satisfatonamente explicadas em termos de um
aprenderam foi cultural, acerca da importância dos modelo simples de consumidor rac10nal. Na ciência política, a
valores para explicar a produção, a acumulação e o despeito do domínio do modelo de eleitor raaonaL há uma ten­
consumo da riqueza. dência crescente a ver a política como uma ação simbólica e a
Muitos histonadores aprenderam a usar o termo estudar a comunicação política em diferentes mídias. Até
"cultura" no sentido amplo. tal como discutido no mesmo conservadores, analistas de política mundial como
final do capítulo antenor. Alguns deles, especialmente Samuel P. Huntmgton falam hoJe em "choque de culturas"
na França, nos Estados Umdos e na Grã-Bretanha, (ver p.9).1
freqüentaram semmános de antropologia, tomaram No caso da história, alguns acadêmicos que construíram
de empréstimo alguns conceitos e construíram uma sua reputação escrevendo históna política, como John Elliott
abordagem que ve10 a ser conhecida como "antropo­ em seu Revolt of the Catalans (1963), deram uma virada cultu­
logia h1stónca", mmto embora "h1stóna antropoló­ ral; Elliott, em particular, o fez colaborando com um h1stonador
gica" talvez fosse mais apropnada. Uma das mudan­ da arte, Jonathan Brown, em A Palace for a King (1980), um es­
ças mais significativas que se segum a esse longo tudo sobre a construção e a decoração do palácio Buen Retiro,
momento de encontro entre históna e antropologia perto de Madn. como local de exibição do poder dos Habs­
- encontro que amda não chegou ao fim, embora burgo. HoJe, mais que nas décadas passadas, os historiadores
provavelmente estep menos estreito - fo1 o uso do tendem a usar expressões como "cultura da ímprensa", ucul­
termo "cultura" no plural e em um sentido cada vez tura de corte", ou "cultura do absolutismo". Os exemplos se­
mais amplo. guintes, tirados de títulos de livros publicados na década de

l
44
A VEZ DA ANTROPOLOGIA HJSTÓRICA 47
46 Ü QUE É 1-l!STÓRIA CULTUR,\l?

1990, devem bastar para revelar a tendênoa: "a cultura do rné- que a história cultural. que alcançaram proeminência na Grã­
not "" . a cuJtura do Jogo","a cuItura do
, a cu ltura da empresa "" Bretanha na última geração.
seguro de vida", "a cultura do ainor", "a cultura do punta­
nis1no", "a cultura do absolutis1no" .. "a cultura do protesto"_. "a
cultura do segredo" e" a cultura da polidez". Até mesmo a"cul­ Explicações cu/tura1s
tura da arma" encontrou seu h1storiador. 2 Estamos a carnmho
da lustória cultural de tudo: sonhos, comida, emoções, viagem, A expansão do 1mpéno da cultura mchu uma propensão cada vez
rnernóna, gesto, hurnm; exames e assim por diante. maior a apresentar explicações culturais para fenômenos econô­
A expressão"nova história cultural" teve muito sucesso micos, como o declínio econômico da Grã-Bretanha, por exem­
nos Estados Unidos, reunindo h1stonadores da literatura asso­ plo, ou a nqueza e a pobreza das nações em geral. Em 1961, John
oados ao"novo lustonosrno" (ver p.58), histonadores da arte e Elliott publicou um artigo chamado "The Decline of Spainº: 17
da ciência, bem corno o que podemos chamar de historiadores anos depms, publicou outro artigo na mesma revista, Past and
ºcoinuns" ou "normais" No entanto. o movnnento é 1nterna­ Present, dessa vez sob o título "Self-Perception and Declinem
oonal. Na França, a expressão histoire culturelle demorou a en­ Early Seventeenth-Century Spam" O deslocamento do inte­
trar na linguagem graças a nvais como l'hzstozre des mentalités resse por medidas objetivas para urna preocupação maior com a
e l'hzstoire de l'imaginazre soczal (ver p.84), mas Roger Chartier percepção do declínio é característico de urna geração de historia­
e outros se definem agora como historiadores culturais. O livro dores. De maneira semelhante, cada vez mais as questões cultu­
de Chart1er Les orzgmes culturelles et la Révolution Francaíse rais são apresentadas como explicação para mudanças no mundo
(1990) foi escnto corno resposta ao estudo clássico de D;niel político, como revoluções, formação dos Estados ou mesmo a m­
Mornet, Les ongznes intellectuelles de la Révolutwn Françazse tervenção sueca na Guerra dos Trmta Anos:'
(1933), contrapondo. assim, uma históna cultural mais ampla a Um exemplo marcante de explicação cultural para aconte­
urna lustóna mtelectual mais restnta. cnnentos políticos aparece na obra de um convertido da h1stó­
Na Alemanha e na Holanda, a "nova história cultural" fm na política para a cultural, F.S. Lyons. Em seu último livro,
enxertada na tradição de Burckhardt e Hmzmga, dando maior Cuiture andAnarchy ín freland. 1890-1939 (1979), Lyons des­
ênfase à chamada "históna do cotidiano" Na Grã-Bretanha, creveu o país dividido em quatro culturas, a da Inglaterra, a da
por outro lado, a despeito da existência, desde a década de 1930, Irlanda, a anglo-irlandesa e a dos protestantes de Ulster, quatro
do Warburg lnstítute, em Londres, a históna cultural é efetiva­ comunidades "incapazes de viver Juntas ou separadas". Ele ar­
mente um desenvolvnnento novo. Como observou Keith gumentou que os problemas polÍtlcos eram manifestações rela­
Thomas em 1989: "No Remo Unido não existe esse terna. tivamente superfic1a1s de conflitos culturais subpcentes ou
Existem pouquíssimas aulas ou semmános sobre históna cul­ "colisões", pedindo maior atenção para a lustóna cultural, que,
tural, nenhum departamento dessa disciplina, nenhuma revista segundo ele. na Irlanda "amda está na mfânCia"
ou conferência sobre o assunto."3 Embora essa s1tuacão este1a O contraste entre o uso do termo"cultura" por Lyons e
0

mudando gradualmente, foram os "estudos culturais". m;is por Matthew Arnold, CUJO título ele adaptou, é muito revelador.
48 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? A VEZ DA ANTROPOLOGIA HJSTÓRJCA 49

De 30 anos para cá, ocorreu um deslocamento gradual no uso maneira, ele explicou as muitas referências à doação de presen­
do termo pelos h1stonadores. Antes empregado para se refenr tes nas sagas islandesas, concluindo que na Escandinávia me­
à alta cultura, ele agora indm também a cultura cotidiana, ou dieval a generosidade não era apenas um dever moral de pes­
seJa, costumes, valores e modo de vida. Em outras palavras, os soas importantes e uma condição de seu status; era também
historiadores se aproximaram da visão de cultura dos antropó­ uma qualidade com propriedades mágicas, produzindo paz e
logos (ver p.42-3). boas colheitas.
Certamente essas conclusões podem ser estendidas para
outras partes da Europa. No caso da Inglaterra anglo-saxômca,
A hora da antropologia histórica os propósitos polítrcos das festas e dos presentes de anéis e
armas descritos de maneira tão viva no poema épico Beowulf
Entre os antropólogos mais cmdadosamente estudados pelos ficam mais claros à luz da teona antropológica. O exemplo dos
histonadores estão Marcel Mauss, sobre o fenômeno do dom, antropólogos encoraiou os h1stonadores a ver godos, vândalos,
Edward Evans-Pritchard, sobre bruxana, Mary Douglas, sobre hunos e outros invasores do Império Romano de maneira mais
pureza, e Clifford Geertz, sobre Bali. Quando Claude Lévi­ positiva, e a tentar reconstrmr o que pode ser chamado de "ci­
Strauss estava no auge da fama, nas décadas de 1960 e 1970, vilização dos bárbaros".
inúmeros histonadores se sentrram atraídos por sua aborda­ A inspiração de Evans-Pntchard é clara na obra de Keith
gem estruturalista, descobrindo, mmtas vezes, que ela resistia à Thomas, um dos p10ne1ros da antropologia histórica na Grã­
apropnação. Bretanha. Por exemplo, os capítulos sobre astrologia e fe1tiçana
Um dos pnmeiros exemplos da virada antropológica vem em seu livro Religião e declímo da magia (1971), um estudo
da URSS, como era então chamada. O medievalista russo sobre os pnmeiros tempos da Inglaterra moderna, têm referên­
Aaron Gurev1ch é um conhecedor da Escandinávia. Especia­ cias abundantes à Áfnca, como. por exemplo, a comparação
lizado em lustória agrária, interessou-se pelas concepções de entre as "pessoas ardilosas" nos períodos Tudor e Stuart e os
propnedade na Noruega e na Islândia medievais. Para entender adivinhos africanos do século XX. A análise de Thomas sobre a
um sistema baseado na transferência constante de bens móveis. função social da crença na feitiçaria como reforço aos "padrões
voltou-se para a antropologia.5 morais aceitos" desenvolve uma sugestão feita primeiramente
Gurevich comparou as festas dos escandinavos com as des­ por Evans-Pritchard, de que a crença na fe1t1çana entre os
crições do potlatch entre os kwakmtl, um povo da Colúmbia Azande (um povo da Áfnca Central) "é um corretivo poderoso
Bntâmca (o potlatch era a ocasião social em que um chefe con­ aos impulsos não caridosos, porque uma demonstração de abor­
vidava seus iguais e seus nvais para testemunhar a destrmção recimento, mesquinharia ou hostilidade pode trazer sénas con­
de bens valiosos). Ele usou a análise de Mauss sobre as regras seqüências" .6
do dom nas sociedades tradicionais, especialmente a obngação Mary Douglas, discípula de Evans-Prítchard, também fez
de receber e de retribmr, seJa na forma de outro presente (num trabalho de campo na Áfnca, mas fo1 seu estudo geral, Pureza e
mtervalo discreto) ou de lealdade e serviços ao doador. Dessa perigo (1966), que atram os histonadores, especialmente suas
)O Ü QUE É !-!ISTÓR!A CULTURAL? A VEZ DA ANTROl'OLOG!A HISTÓRICA 51

notáveis teses de que a su1eira "está nos olhos do observador" e mem e o mundo natural (1983), acompanhou Lév1-Strauss, ao
constitui uma forma de desordem. Graças a esse livro, a longa sugenr que a classificação dos ammais no mício da Inglaterra
h1stóna da preocupação 0C1dental com a pureza ficou multo moderna era uma projeção da estrutura soC1al sobre a natureza.
mais visível em domímos tão diferentes quanto a linguagem Um bom exemplo de estudo h1stónco que utiliza os pontos
e as chamadas "ocupações mfames".. que exiladas nas mar­ de vista do estruturalismo ou da semiótica. num estilo mais
gens das cidades medievais e que iam das fisicamente sups russo que francês, é o ensaio de Jun Lotman sobre o que ele
(tmgir roupas e curtir couros) às moralmente impuras (pros­ chama de "poética do comportamento cotidiano" na Rússia do
titutas e carrascos). 7 século XVIII. Embora não cite antropólogos, o ensaio de Lotrnan
Pureza e pengo f01 o ponto de referênC1a central de um fa­ assume um ponto de vista da antropologia ao afirmar que
moso artigo da histonadora norte-amencana Natalie Davis quanto mais distante uma cultura está de nós, mais facilmente
sobre as revoltas ocorndas na França durante as Guerras Reli­ podemos tratar sua vida cotidiana como obJeto de estudo. A
giosas. ao final do século XVI. Davis analisou as guerras com vantagem de escolher a Rússia do século XVIII como estudo de
um olhar antropológico, "de baixo".. e observou a v10lência co­ caso é que a ocidentalização cultural promovida por Pedro, o
mumtána da época, o linchamento de católicos por protestan­ Grande, e seus sucessores fez com que o cotidiano se tornasse
tes e de protestantes por católicos, mterpretando os tumultos problemático para os nobres russos, que passaram a precisar de
como uma espécie de ntual, "ntos de v10lência", e uma tenta­ um manual de conduta, como o True Mirrar of Youth (1767),
tiva de purificar a comunidade local da nódoa da heresia e da que lhes dissesse corno se comportar segundo a maneira oct­
superstição. 8 dental. "Durante e depois do período de Pedro, o nobre russo
Enquanto uns poucos histonadores anglófonos liam Evans­ era como um estrangeiro em seu própno país".. Já que as pes­
Pntchard e Douglas. alguns de seus colegas franceses desco­ soas comuns viam-no como se estivesse fantasiado. 9
bnam a obra de Claude Lévi-Strauss. Eles não estavam mteres­ Lotman trata o conceito de "poética" da vida cotidiana
sados em seu trabalho mrus empínco com os índios do Brasil, os como excepc10nal, limitado a um certo período da h1stóna
bororo e os nhambiquara, mas em sua teona geral da cultura, russa, mas essa abordagem pode ser, e f01, empregada de ma­
seu assim chamado "estruturalismo" Lévi-Strauss aprendeu neira mais geral. Já em 1860, Jacob Burckhardt defendeu urna
com os lingüistas a estudar as relações entre os elementos de abordagem estética da política e da sociedade do Renascimento,
um sistema cultural ou social, focalizando, em particular, as vendo o Estado e a soC1edade como "obras de arte". Stephen
oposições bmánas - alto e baixo, claro e escuro, cru e cozido, e Greenblat (ver p.58), por sua vez. propõe algo mais geral. uma
assim por diante. "poética da cultura".
Os quatro volumes do estudo de Lév1-Strauss sobre a mi­ O antropólogo que mspirou a ma10na dos h1stonadores
tologia ameríndia foram publicados entre 1964 e 1971, e leva­ culturais da última geração, especialmente nos Estados Urndos,
ram alguns h1stonadores, especialmente Jacques Le Goff e foi Clifford Geertz, cup "teoria mterpretativa da cultura",
Emmanuel Le Roy Ladune, a analisar os mitos europeus de como ele chama, está a quilômetros de distância da teoria de
maneira semelhante. Aqm também Keith Thomas, em O hoc Lév1-Strauss. Criticando a defirnção de Edward Tylor para cu!-
52 Ü QUE É HlSTÓR!�\ CULTURAL? A VEZ Dr\ ANTROPOLOGIA HISTÓRICA 53

tura_, "conhecímento, crença, arter moral, lei, costume" (ver reparação, e, finalmente, "reintegração", ou, alternativamente.
p.148), que, para ele, "oculta mmto mais que revela", Geertz reconheamento do ucisma'', 12
enfatiza o significado e aquilo que ele chamou, em um famoso Em contmuidade a essa abordagem dramática ou drama­
ensa10 com este título, de "descrição densa". Em sua própria de­ túrgica, Geertz escreveu um livro sobre o que chama de
firnção, cultura é "um padrão, historicamente transmitido, de "Estado teatral" em Bali do século XIX. Tratava-se um Estado
significados incorporados em símbolos, um sistema de concep­ em que, segundo o autor, era errado supor, como fazem mmtos
ções herdadas, expressas em formas simbólicas, por me10 das cientistas políticos oadentais, o ritual é um me10 a serviço do
quais os homens se comunicam, perpetuam e desenvolvem seu poder. Para os balineses, da maneira que Geertz os apresenta, é
conhecimento e suas atitudes acerca da vida ª 10 o mverso que é verdade: "o poder serve à pompa, e não a
O significado disto, na prática. fica mais claro quando exa­ pompa, ao poder". O Estado balinês pode ter sido fraco, mas era
mmamos as etnografias de Geertz, especialmente sua muito a­ espetacular. Sua própria raison d'être era o espetáculo_B
tada mterpretação das brigas de galo em Bali, em que trata o es­ O impacto da obra de Geertz sobre os historiadores cultu­
porte como "drama filosófico", uma chave para o entendimento rais pode ser ilustrado pelo livro de Robert Darnton. O grande
massacre dos gatos (1984). Trata-se de uma reunião de ensa10s
da cultura balínesa. Geertz vincula as bngas de galo ao "mundo
resultantes de um seminário sobre história e antropologia em
mais amplo da cultura balinesa", mas não como um ureflexo"
Pnnceton, no qual Darnton e Geertz colaboraram. Seguindo os
dessa cultura. Pelo contrário, trata as brigas como un1 texto.
antropólogos, Darnton definm a tarefa do historiador cultural
"uma leitura balinesa da experiência balinesa, uma história que
como "capturar a alteridade" e, segumdo Geertz em particular.
eles se contam acerca de si mesmos", comparando-as, em nossa
sugeriu que "se pode ler um ntual ou uma cidade, assim como
própria cultura. a Rez Lear ou Os zrmãos Karamazov. Ele des­
se pode ler um conto folclórico ou um texto filosófico". O
creve a prática comum de apostar grandes somas na vitória de
grande massacre dos gatos é uma reunião dessas leituras.
um galo como "uma dramatização das preocupações com o sta­ O ensaio que dá título ao livro trata de um acontecimento
tus". É isso o que torna o Jogo "profundo"ll aparentemente trivial ocorrido em uma tipografia parisiense na
Não é difícil ver o quanto Geertz deve ao teórico da litera­ década de 1730. Aborrecidos com o miado dos gatos do lugar,
tura Kenneth Burke. que na década de 1940 já falava do que que não os deixava dormir, os aprendizes que trabalhavam no
chamou de "abordagem dramática" da cultura. Outro antropó­ estabeleamento orgamzaram uma caçada, seguida por um Jul­
logo que vmha pensando em linhas semelhantes às de Geertz gamento simulado e pela "execução" por enforcamento, para
era Victor Turner. cuJa idéia de "drama social", empregada mm­ delirante satisfação dos orgamzadores. Pelo menos foi assim
tas vezes pelos novos historiadores culturais. decorreu do tra­ que um dos aprendizes se lembrou do mcídente quando, mais
balho de campo na África, onde observou que as perturbações velho, escreveu suas memórias.
na vida social muitas vezes passavam por "uma seqüência mais Darnton começa sua análise com a risada dos aprendizes,
ou menos regular" que podia ser dividida em quatro fases: rup­ sugermdo que "nossa própria incapaadade de perceber a piada é
tura de relações sociais normais, crISe, tentativa de uma ação de uma indicação da distância que nos separa dos trabalhadores da
54 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL! A VEZ DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA 55

Európa pré-mdustnal". Para vencer essa distância, ele coloca o O poder de analogia do drama também a3uda a explicar o
acontecimento em uma séne de contextos, das relações de traba­ crescente mteresse histórico pelos ntuais. A tradição de estu­
lho aos ntuais populares e das atitudes em relação aos gatos às dar ntuais oficiais, tais como as coroações. remonta à década de
visões de v10lênc1a. Assim, não apenas a1uda o leitor a entender 1920 ou mesmo antes, mas nas décadas de 1960 e 1970 histo­
por que os aprendizes fizeram o que fizeram. mas também riadores como Edward Thompson e Natalie Davis descobnram
transforma o incidente em uma porta de entrada para um os ntuais populares, tais como as serenatas bufas (chanvari),
mundo perdido. Pode-se dizer que ele analisa o evento corno um antes de passarem a descrever e analisar " prátícas" e "perfor­
"draina soaal", muito en1bora não siga a seqüência de Turner. mances" amda mais mformais (ver p.78). Paralelamente, o
Essa mterpretação do "massacre dos gatos" foi contestada. acadêmico alemão Richard van Dülrnen estudou as execuções
espeCialrnente por Roger Chartiei; que levanta, em particulai; nos primeiros tempos da modernidade, em seu Teatro de hor­
objeções à concepção de Darnton acerca da "francesia", cha­ ror (1985).
mando a atenção para o paradoxo de enfatizar a distânoa cultu­ Um emprego part,cularmente consistente da analogia do
ral entre os séculos XVIII e XX e realçar a contmmdade de um drama pode ser encontrado no livro de Rhys Isaac, The Trans­
estilo cultural francês. No entanto, Chart1er cita o própno fonnatzon of Virgima (1982), que mostra com particular cla­
Geertz com aprovação. 1·1 reza seu valor para os historiadores culturais. Apresentando-o
Por que a obra de Geertz, e em particular o ensaio sobre como exemplo de "história etnográfica", discutmdo seu mé­
bngas de galo, teve tanto unp_acto? Sua cultura humanista, a todo em um longo capítulo final e tomando as obras de Goff­
prosa elegante e a defesa da interpretação dos significados (em man e Geertz como prmcipais pontos de referência, Isaac su­
oposição à análise das funções sociais dos costumes, prat,cada gere que toda cultura tem um "con1unto dramatúrg1co". ou
por tantos de seus colegas antropólogos nas décadas de 1960 e r·epertóno, específico.
1970) contribuíram para essa recepção calorosa. Sua preocupa­ No caso da Virgíma, a idéia de vida social como uma "séne
ção com a hermenêutica coloca-o na tradição alemã da história de performances" é ilustrada enfatizando-se o "caráter cenmo­
cultural. De qualquer forma, a "analogia do drama", como mal" das refeições na casa-grande, a hora do chá, a hospitali­
chama Geertz, é extremamente poderosa, ligando a antiga dade, os procedimentos cortesãos, as eleições, o alistamento da
preocupação com a alta cultura ao novo mteresse pelo coti­ milícia local, a adoção e a assmatura de resoluções. O "modelo
diano. O poder dessa analogia a1uda a explicar a grande atenção do teatro" é usado até mesmo para interpretar rn1croeventos
despertada não apenas pelas obras de Geertz e Turner, mas tam­ cotidianos, tais como o encontro entre um homem branco e um
bém pelo livro de Ervmg Goffman, A representação do eu na escravo, quando o último devena "dar urna demonstração exa­
vzda cotidiana (1959). Goffman, por exemplo, descreve um gar­ gerada de submissão"
çom que se comportava de certa maneira com os fregueses na No entanto, a preocupação com a antropologia por parte
"área da frente" do restaurante e de maneira completamente dos histonadores, especialmente da Europa Ocidental e dos
diferente com os colegas, na cozinha. espaço que podena ser Estados Unidos entre as d.écadas de 1960 e 1990, f01 bem além
descrito como os "bastidores" do ín tercsse por Geertz ou por dramas sociais. Qual a razão
56 Ü QUE É 1-!JSTÓR!A CULTURAL? A VEZ DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA 57

para a demanda cada vez maior em relação à antropologia nesse O conceito amplo de cultura dos antropólogos era, e conti­
período? nua sendo, um outro atrativo, vinculando o estudo dos símbo­
Encontros entre disciplinas. assim como entre culturas. los que havia sido abandonado pelos historiadores aos espe­
multas vezes seguem os prmcíp10s da congruência e da conver­ cialistas em arte e literatura - à vida cotidiana explorada pelos
gência. O que faz as pessoas de uma cultura sentirem-se atraí­ historiadores sociais. Parte do poder da analogia do drama de­
das por outra é, mmtas vezes. a idéia de uma prática análoga à corre de sua aiuda em estabelecer tal vínculo. A idéia antropo­
sua própna e. assim, familiar e estranha ao mesmo tempo. lógica de "re�as" ou "protocolos" culturais também atraiu os
Segumdo essa atração. as idéias ou práticas das duas culturas historiadores culturais; a idéia de que - como crianças - eles
passam a se parecer mais umas com as outras. No caso que es­ tmham de aprender como as c01sas eram feitas: como pedir
tamos discutmdo, podemos dizer que a teona e a prática da des­ uma bebida. como entrar em uma casa, como ser um rei medie­
crição densa a1udou um grupo de historiadores a avançar amda val ou um santo da Contra-Reforma.
mais em uma direção na qual já estavam segumdo. Como disse Não se deve esquecer que alguns historiadores das velhas
certa vez o historiador Stephen Greenblatt. o encontro com a gerações já haviam estudado o simbolismo na vida cotidiana. O
obra de Geertz ,, deu sentido a algo que eu Já praticava. fazendo mais conhecido certamente é Johan Hmzmga, que, como vimos.
com que mmhas próprias habilidades profissionais ficassem usou a antropologia de sua época para escrever sua obra-prima
mais importantes, mais vitais e ilummadoras do que eu até sobre o final da Idade Média. Num ensaio autob10gráfico,
então percebera" . 15 Hmzmga escreveu que a leitura precoce do livro de Tylor,
Multas dos prmapais historiadores culturais do final do sé­ Pmmtive Culture, "abriu perspectivas que, em certo senndo.
culo XX - por exemplo, Emmanuel Le Roy Ladurie e Daniel vêm me inspirando desde então" ,17 O livro de Hmzinga, Outono
Rache na França, Natalie Davis e Lynn Hunt nos Estados da Idade Média. descreve um homem religioso que costumava
Unidos. Carla Ginzburg na Itália. Hans Medick naAlemanha­ cortar a maçã em três pedaços, em honra da Santíssima Trindade.
origmalmente se defirnam como historiadores soaa1s e admira­ e sugere que as refeições na corte de Carlos. o Audaz, "pareciam
dores de Marx, quando não manastas propriamente. Do final da a encenação de uma peça grandiosa e solene".
década de 1960 em diante, eles voltaram-se para a antropologia Antes de Huízinga. um estudioso dinamarquês. Troeis
em busca de uma maneira alternativa de vmcular cultura e so­ Frederik Troels-Lund, inspirando-se na obra de folcloristas es­
ciedade, uma forma que não reduzisse a primeira a um reflexo candinavos assim como nos historiadores culturais alemães,
da segunda ou a uma superesnutura, como o glacê do bolo. 16 havia discundo o simbolismo cotidiano em uma série de 14 vo­
O aumento do mteresse pela cultura popular tornou a an­ lumes. Daily Life in the North (1879-1901), com capítulos
tropologia amda mais relevante para os historiadores. Os an­ sobre vestuário, comida e festivais. 18
tropólogos já haviam reieitado a suposição condescendente de Em 1953. L.P. Hartley começava seu romance O mensa­
que os povos estudados não entendiam suas próprias culturas. geiro com a seguinte epígrafe: "O passado é um país estrangeiro.
e levavam em conta o conhecimento local ou não-ofiCial de seus Lá eles fazem as c01sas de maneira diferente." No entanto, só na
mformantes. década de 1970 um grupo de historiadores começou a citar
58 Ü QUE É 1-llSTÓR!A CULTURAL? A VEZ DA ANTROPOLOGIA HJSTÓR!C,\ 59

Hartley e a afirmar que a "históna cultural tem mais coerência trai do ensa10 é o que Greenblatt chama de "a transferência da
e faz mais sentrdo quando é vista como uma espéae de etnogra­ possessão e do exorc,smo de uma representação sagrada para
fia retrospectiva" .19 uma profana" Ele trabalha com a "analogia do drama", mas
É um pouco paradoxal que tenha sido por me10 de estudos também contribm para sua h1stóna.
sobre povos remotos como os Azande e os balineses que os l11s­ Alguns estudiosos que costumavam se ver corno histona­
tonadores ocidentais descobnram o simbolismo cotrdiano em dores da arte afirmam hoje trabalhar com "cultura visual".
sua própna vizmhança, por assim dizer, mas, como observaram Dms exemplos marcantes dessa virada para a cultura v1stial
G.K. Chesterton e outros, mmtas vezes é necessáno viajar para vêm da obra de Bernard Smith e Michael Baxandall.
ver mais claramente o que temos em casa. Cem anos atrás, al­ O livro de S1mth. European Viswn and the South Pacific
guns Japoneses passaram a valonzar amda mais sua própna (1959), argumenta que quando os europeus (inclusive os artis­
cultura quando tomaram conhecimento do entusiasmo oc,den­ tas que acompanhavam as viagens de descoberta) entraram na­
tal pelas impressões em blocos de madeira, pelas peças Nô e quela região pela pnrne1ra vez viram os povos do Pacífico de um
pelo som do sam1sen. modo "culturalmente onentado", por mtermédio das lentes da
A virada antropológica também está visível na h1stóna da tradição clássica ou de estereónpos como os do nobre selvagem.
literatura, da arte e da ciência. Stephen Greenblatt, por exem­ Os ta1nanos, por exemplo, eram vistos como povos que viviam
plo. passou da h1stóna da literatura para o que ele chama de na Idade de Ouro, e os aborígmes australianos, como espartanos
" poética da cultura". Como outros 111s tonadores literános do ou cmenses. As ilhas Antípodas eram percebidas corno o mverso
grupo associado ao "novo histo1icismo". movimento que pre­ da Europa, uma espécie de mundo de cabeça para baixo.
tendia recolocar a literatura em seu contexto histónco ou cul­ O livro de Baxandall, Pamtmg and Expenence 111 Fif­
tural, a obra de Greenblatt fo1 desenvolvida a partir da tradição teenth-Century Italy (1972), discute o que o autor chama de
marxista de "literatura e sociedade" mas voltou-se contra ela. "olhar do período", em outras palavras, a relação entre a per­
Em seu Shalcespearean Negotiations (1988), ele reJelta a tradi­ cepção das pmturas e as experiências do dia-a-dia, vanando da
cional visão marXIsta da arte como reflexo da soc,edade. Em vez dança à cubagem dos barns. A preocupação de Baxandall com
dissor concentra-se no que chamou de "trocas" ou "negocia­ "um estoque de padrões" lembra Aby Warburg (ver p.21), mas
ções" entre os dois domínios. sua abordagem culturalmente relativista lembra também a an­
Em um ensaio desse livro, mntulado "Shakespeare and the tropologia, particularmente a antropologia mterpretanva de
Exorc1sts", Greenblatt discute a relação entre dois textos mmto Geertz, que, por sua vez, discutm o livro de Baxandall em um
diferentes, Re1 Lear e Declaratwn of Egregwus Pop1sh Impos­ de seus ensa10s.
tures. Este úlnmo, do mmistro protestante Samuel Harsnett, Há h1stonadores da ciência que vêm se movendo em
era um ataque à prática do exorcismo e fo1 publicado pouco uma direção semelhante, redefinmdo-se corno h1stonadores
antes da peça de Shakespeare. O pnnc,pal argumento de Harsnett culturais, como Nicholas Jardine e seus colegas em um livro
contra os exorc,stas era que eles estavam na verdade atuando mt1tulado Cultures of Natural History (1996). O estudo re­
numa peça, mas escondiam da audiência esse fato. O tema cen- cente sobre a carreira de Galileu Galilei na corte dos Médic1,
60 Ü QUE É J-IJSTÓR!A CULTURAL?
A VEZ DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA 61

em Florença, feito no livro de Mano Biagíoli , Galileo Cour­ na econômica, empregando métodos quantitativos e descre­
tter (1993 ), pode ser descnto como exemplo de antropologia vendo tendências gerais, sem atribmr muita importância à va­
h1stónca. nedade ou à especificidade das culturas locais. Em segundo. a
Biag10li lança mão de Mauss e Malinowsla para analisar os m1cro-históna fo1 uma reação ao encontro com a antropologia.
vínculos entre Galileu e seu patrono, e usa Geerrz e Goffman Os antropólogos ofereciam um modelo alternativo, a ampliação
para expli car as pressões sofndas pelo aennsta para apresentar do estudo de caso onde havia espaço para a cultura, para a liber­
a si mesmo e suas descobertas de maneira dramática. Por exem­ dade em relação ao determinismo social e econômico. e para os
pl o, Galileu nnha de responder a perguntas feitas "de maneira mdivíduos. rostos na multidão. O m1croscóp10 era uma alterna­
ardilosa, seguindo os códigos da cultura cortesã". Ele era obri­ tiva atraente para o telescóp10, perrrutmdo que as experiências
gado a entrar em disputas. algumas vezes à mesa, após o Jantar, . ,
concretas, individuais ou locais, reingressassem na histona. 'º
-
como forma de entretenimento culto de seu patrono, o grão­ Em terceiro lugar, a micro-h1stóna era uma reação à cres­
duque. No ambiente da corre do século XVII, "o espetáculo m­ cente desilusão com a chamada "narrativa grandiosa" do pro­
teressava mais que o produto final" gresso. da ascensão da moderna CJVilização ocidental, pela
Deve ter ficado claro que alguns dos clássicos da antropo­ Grécia e Roma antigas, a Cristandade, Renascença, Reforma,
logia mostraram-se de grande valia para o pensamento dos his­ Revolução Científica, Ilumimsmo, Revolução Francesa e In­
toriadores e ofereceram soluções para al guns de seus proble­ dustrial. Essa históna triunfalista passava por cima das realiza­
mas. De qualquer forma, sena muito limitado explicar a ascensão ções e contribmções de munas outras culturas, para não falar
do mteresse pela antropologia apenas em termos da históna m­ dos grupos sociais do Ocidente que não haviam participado dos
terna da escnta h1stónca. Os h1stonadores reagiram, de ma­ movimentos acima mencionados. Há um paralelo óbvio entre a
neira consciente ou mconsciente às mudanças no mundo como crítica a essa grande narrativa na história e a crínca ao chamado
um todo. mclusive à perda de fé no progresso e à ascensão do "cânone" dos grandes escritores da literatura mglesa, ou dos
anticolonialismo e do femmismo. grandes pmtores na históna da arte OCJdental. Por trás delas,
pode-se ver uma reação contra a globalização, enfatizando os
valores das culturas regionais e dos conhecimentos locais.
Ao microscópio Dois livros publicados em meados da década de 1970 colo­
caram a m1cro-h1stóna no mapa: Montaillou, de Emmanuel Le
A década de 1970 testemunhou a ascensão, ou pelo menos a de­
Roy Ladune (1975), e O queijo e os vermes (1976), de Cario
finição, de um novo gênero h1stónco, a "micro-h1stóna", asso­ Ginzburg, ambos combmando sucesso acadêmico e apelo a um
CJado a um pequeno grupo de h1stonadores italianos, como
público mais amplo.
Cario Ginzburg, Giovanni Levi e Edoardo Grendi. Esse aconte­
Montail/ou faz um retrato histórico de uma pequena al­
cimento pode ser visto pelo menos de três maneiras.
deia francesa nos Pireneus e seus cerca de 200 habitantes, no
Em primeiro luga1; a mícro-h1stóna f01 uma reação contra
começo do século XIV, retrato possível pela sobrevivência dos
um certo estilo de h1stóna social que seguia o modelo da histó-
registros da Inquisição, inclusive os interrogatórios de 25 al-
62 Ü QUE É HJSTÓRI,\ CULTURAL?
A VEZ DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA 6.3

deões suspeitos de heresia. O livro tem a forma geral de um es­ Outros estudos hrstóncos, msprrados mais pela geografia e
tudo de comurndade do tlpo multas vezes realizado por socrólo­ pelo folclore que pela antropo logia, exammaram umdades lo­
gos, mas cada capítulo levanta questões debandas pelos hísto­ cais mais amplas. regiões e não aldeias ou famílias. Charles
nadores franceses na época, acerca da mfâncra, por exempl o , de Phythian-Adams, por exemplo, tentou identificar o que cha­
sexualidade, do sentrdo local de tempo e de espaço, ou da casa mou de "províncias culturais" da Inglaterra, 14 no total. ma10-
camponesa como representação dos valores familiares. Mon­ res que condados porém menores que as habituais divisões em
taillou for uma co ntribmção à história cultural, no sentido Nordeste, Centro, Sudoeste e assnn por diante. Por sua vez,
amplo de que mcluía cultura material e mentalidades. David Underdown concentrou-se nas vanações da cultura p o­
O queiio e os vermes também se baseava nos registros da pular no começo do período moderno. relacionando formas cul­
Inqmsrção. dessa vez na região do Fnuli do século XVL no nor­ turais à economia local e mesmo a padrões de ocupação da
deste da Itália, e tem seu foco na personalidade de um mdivíduo terra. Ele sugere, por exemplo, que o futebol era especialmente
mterrogado sob suspeita de heresia, o moleiro Domernco popular nas "terras baixas de Wiltshíre e Dorset. com suas al­
Scandella, conhecido como "Menocchío". Para surpresa dos m­ deias ordenadas em núcleos e suas economias baseadas na cna­
qwsidores, Menocch10 respondeu às perguntas de maneira deta­ ção de ovelhas e no cultrvo de trigo" .21
lhada, expondo sua visão do cosmos. O título do livro deve-se à Do outro lado do Atlântico, o discutrdo livro de David
explicação de Menocchio de que no pnnópío tudo era o caos, e os Fischei; Albwn Seed (1989), definia sete regiões culturais nos
elementos formavam uma massa "exatamente como o queijo faz Estados Unidos de hoje e quatro na América colonial. cada
com o le1te, e naquela massa apareceram alguns vermes. que uma delas formada pela rmgração de uma região mglesa, de
eram os an1os" .Ao longo de seu mterrogatóno, Menocchio tam­ East Anglia para Massachussetts, do sul da Inglaterra para
bém falou longamente sobre os livros que havia lido e sobre a Virgíma. de North Midlands para Delaware e, finalmente, no
maneira como os mterpretava. Dessa forma, o estudo de Ginz­ século XVIII, de North Britam para o "intenor"_. a oeste da
burg contribum para a nova "história da leitura" (ver p.82). Pensilvâma. Fischer argumentava que o que chamava de "mo­
O queiio e os vermes pode ser descnto como uma" história dos populares" traços culturais que vão da linguagem a
de baix o ", porque se concentra na visão de mundo de um mem­ tipos de hab i tação - de cada uma das quatro regiões foram
bro d o que o marxista italiano Ant o rno Gramscr chamava de formados pelas tradições regionais bntâmcas. As casas revesti­
"classes subalternas". O herói do livro, Meno cchro, po de ser das de tábuas encaixadas da Nova Inglaterra. por exemplo, re­
descrito como urn "extraordináno homern comum", e o autor produziam as casas de East Anglia. e a pronúncia e o vocabulá­
explora suas idéias sob diferentes ângulos, tratando-o algu mas no dos vrrgmranos denvavam dos dialetos de Sussex e Wessex,
vezes corno um mdivíduo excêntrico que deixava seus mterro­ e assim sucessivamente.
gadores desconcertados po rque não se encaixava no estereót:1po. Da década de 1970 em diante, foram publicados centenas
de herege. e em outras ocasiões como porta-voz da cultura cam­ de estudos micro-hrstóncos. focalizando aldeias e mdivíduos,
ponesa, tradic10nal e oral. Nem sempre a argumentação é con­ famílias e conventos, badernas, assassmatos e suicídios. A varie­
sistente, 1nas necessanamente instiga o pensamento. dade é 1mpress10nante, mas é provável que tais estudos este1am
64 Ü QUE É HISTÓHIA CULTURAL?
A VEZ DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA 65

sujeitos à ler de rendimentos mtelectuars decrescentes. O gran­ do final do século XVIII em diante, o onentalismo, de maneira
de problema - enfrentado diretamente por Ginzburg, mas não manifesta ou latente, estava comprometido com o colomalismo,
por todos os seus imitadores - é analisar a relação entre a co­ tornando-se "um estilo ocidental de dommar, reestruturar e ter
munidade e o mundo externo a ela. Em seu estudo da aldeia autoridade sobre o Onente".
suábia de Laichmgen, por exemplo, o micro-historiador alemão Orientalismo analisava os vános esquemas pelos quais o
Hans Medick pôs especral ênfase na relação entre o local e o Oriente Médio f01 percebido por viapntes romancistas e acadê­
global. 22 micos ocid entais. e estereótipos como II atraso 11 11 degeneração",
,

despo tismo", 11 fatalismo", "luxo ", " passividade" e II sensuali­


11

dade". Trata-se de um livro enraivecido, um apelo apaixonado


Pós-colonialismo e feminismo para que os estrangeiros vepm as culturas do Onente Médio
sem os antolhos da hostilidade ou da condescendêncra. Inspirou
Como se sugenu na seção anterior, uma das pnnc1pa1s razões mmtos estudos semelhantes, não apenas sobre a Ásia, a Áfnca ou
para a reação contra a grande narrativa da civilização ocidental as Américas, mas também sobre a Europa. Os pontos de vista m­
consistiu na consciência cada vez ma10r daquilo que ela havia gleses sobre a Irlanda foram rotulados de "celtismo", enquanto,
deixado de fora ou tornado mvisível. A luta pela mdependênc1a num mteressante movimento contráno, os estereótipos relativos
no Terceiro Mundo e o debate sobre a continuação da explora­ ao "Oad ente" foram designados como II ocidentalis1n o " _2-1-
ção econômica por parte dos países mais ncos chamaram a 0utra luta pela independência, o femm1smo, teve implica­
atenção para a força dos preconceitos coloniais e também para ções igualmente amplas para a históna cultural. pms estava
sua persistência em épocas "pós-coloniais". Esse foi o contexto preocupada tanto em desmascarar os preconceitos masculinos
cultural para a ascensão de uma teoria do pós-colonialismo - como em enfatizar a contribmção femmina para a cultura, pra­
ou, mais exatamente, de teonas concorrentes entre sr - que, ticamente invisível na grande narrativa tradicional. Para um le­
mais tarde, assumiram a forma institucional de "estudos pós­ vantamento do que foi feito nesse campo em rápida expansão,
coloniais", um grupo de tópicos mterdisc1plinares que mcluía podem-se exammar os cmco volumes de Históna das mulheres
um pouco de história cultural.23 no Ocidente (1990-2), organizados pelos h1stonadores france­
Um dos livros que mais contribuíram para revelar a força ses Georges Duby e Michelle Perrot. A obra mclm mmtos en­
do preconceito ocrdental f01 Orientalismo (1978), de Edward sa10s sobre h istória cultural - a educação das mulheres, por
Sa1d. Esse estudo provocador chamava atenção para a impor­ exemplo, as v isões masculinas a respeito das mulheres, a pie­
tância da oposição binána entre Oriente e Ocidente no pensa­ dade femmma, mulheres escritoras, livros sobre mulheres e
mento ocrdental - descrevendo-a em termos que certamente assim por diante.
devem alguma corsa ao exemplo de Lévi-Strauss - e argu­ Para um estudo de caso dos efeitos das preocupações fem1-
mentava que essa distinção entre II eles" e "nós" e ra perpetuada nmas sobre a prática h1stónca, podemos utilizar histórias re­
pelos especialistas acadêmicos que tmham por obrigação re­ centes do Renascimento. Embora as estudiosas venham há
duzi-la, os orientalistas profiss10nars. Sard sugeriu também que, muito pesqmsando as mulheres importantes desse período -
66 Ü QUE É !-l!STÚRIA CULTURAL? A VEZ Dt\ ANTROl'OLOG!t\ HISTÓRICA 67

o livro de Julia Cartwnght sobre Isabella d'Este for publicado s1va e dominante nas vidas e nos escntos das mulheres religio­
em 1903 -, o artigo-manifesto de Joan Kelly, mtitulado "Did sas" Por exemplo, as mulheres "pensavam em Deus como ali­
women have a Renaissance ?"_. tornou-se um marco nessa área, mento" e eram partICularmente devotas à Eucanstia. Nesse es­
ao colocar o problema em termos gerais. 25 E1n sua esteira veio tudo, msp1rado por debates atuais sobre a anorexia, mas que
uma longa séne de estudos sobre mulheres do Renascunento, to111a multo cuidado e1n não pro3etar as atitudes conte111porâneas
Um desses grupos concentra-se em mulheres artistas do pe­ sobre o passado, Bynum argumenta que o 3qum femmmo não
ríodo e os obstáculos que encontraram ao longo de suas carrei­ era patológICo, mas cheio de significados. Não se tratava apenas
ras, Outro grupo com uma perspectiva semelhante preocupa-se de uma forma de autocontrole, mas também de "urna maneira de
com as mulheres humarnstas, observando como era difícil para cnt1car e controlar os que detmham autondade"
elas serem levadas a séno por seus colegas homens, ou mesmo Pode ser esclarecedor comparar e contrastar esse livro com
encontrar algum tempo para estudar, quer casassem ou entras­ os capítulos sobre religião do estudo de Hmzmga sobre o final
sem para um convento, da Idade Média. Bynurn põe mais ênfase na prática e nas mu­
Passo a passo, as contribmções das mulheres ao campo de lheres. Ela também expressa urna atitude mais pos1t1va quanto
estudo que conhecemos como Renascença levou à sua transfor­ à proliferação do sunbolismo, que Hmzmga toma como smal de
mação, ou, como Kelly colocou, sua"redefinição" decadêncta. Nesses aspectos, o livro de Bynum é um ótimo
Por exemplo, estudos recentes falam em "escrita fem1- exemplo da chamada "nova h1stóna cultural", assunto do pró­
nma" na Renascença, e não em "literatura" O ponto de distm­ xuno capítulo.
ção é a necessidade de olhar para além dos gêneros líterános
convencionais nos quais as mulheres não estão bem represen­
tadas. A ênfase agora está no que pode ser chamado de" formas
mformais" de escnta, tais como cartas pessoais. Além disso,
como as mulheres - Isabella d'Este. por exemplo - eram mais
proeminentes como patronas da arte renascentista que como
artistasr o interesse por sua lustóna encoraJOU a mudança geral
de foco, que passou da produção para o consumo (ver p.91). 26
Para um estudo de caso da hrstóna cultural das mulheres se­
gundo o novo estilo, temos o livro de Caroline Bynum, Holy
Feast and Holy Fast (1987), um estudo sobre o sunbolismo dos
alimentos no finaJ da Idade Média, especialmente seu "ingresso
no sm1bolismo religioso". A autora usa mtensamente as obras de
antropólogos como Mary Douglas, Jack Goody e Victor Turner:
Ela argumenta que o alimento era um símbolo mms importante
para as mulheres que para os homens, "uma preocupação obses-
UM NOVO PARADIGMA? 69

4 A palavra "nova" serve para disnnguir a NHC - como a


nouvelle hzstoíre francesa da década de 1970, com a qual tem
mmto em comum - das formas mais antigas já discutidas an­
Um novo paradigma? teriormente. A palavra "cultural" distmgue-a da história inte­
lectual, sugermdo uma ênfase em mentalidades, suposições e
sentimentos e não em idéias ou sistemas de pensamento. A di­
ferença entre as duas abordagens pode ser verificada em termos
do famoso contraste de Jane Austen entre "razão e sensibili­
dade". A irmã mais velha, a história mtelectual, é mais séna e
O capítulo antenor sugere que o encontro entre histo­ precisa, enquanto a caçula é mais vaga. contudo também mais
riadores e antropólogos mspirou algumas das mova­ 1magmativa.
ções mais significativas da história cultural nas décadas A palavra "cultural" também serve para distmguir a NHC
de 1970 e 1980. As marcas derxadas_pela antropologia de outra de suas irmãs, a história soaal. Um domímo em que o
em geral e por Geertz em particular ainda são v,síve1s, deslocamento na abordagem é em particular VISÍvel é a história
1nas a chamada "nova história cultural" tem mais de das cidades. A históna política das cidades, a "históna mumc1-
uma fonte de mspiração. Ela é mais eclénca, tanto no pal", como se pode chamar, vem sendo praticada desde o século
plano coletivo como no mdiv,dual. XVIII. talvez antes. A históna econômica e social das cidades
A expressão "nova história cultural" (daqm por tomou impulso nas décadas de 1950 e 1960. A históna cultural
diante NHC) entrou em uso no final da década de das cidades é amda mais recente, uma terceira onda que se tor­
1980. Em 1989. a histonadora norte-americana Lynn nou visível com o livro Viena, fin de siecle (1979), de Carl
Hunt publicou um livro com esse nome que se tor­ Schorske, e com estudos postenores. Schorske focaliza a alta
nou multo conhecido, mas os ensa10s ali reunidos cultura, mas coloca-a em um contexto urbano. Outros histona­
dores culturais estão mais preocupados com as subculturas ur­
foram ongmalmente apresentados em um semmáno
banas, em particular com a cidade grande como palco que ofe­
realizado em 1987 na Umvers1dade da Califórma, em
rece multas oportumdades para a apresentação ou mesmo a
Berkeley, sobre "Históna francesa: textos e cultura"
remvenção do eu. 0
A NHC é a forma dominante de h1stóna cultural -
O novo estilo de históna cultural deve ser visto como uma
alguns até mesmo dinam a forma dominante de his­
resposta aos desafios já descntos (ver capítulo 3), à expansão do
tória - praticada hoJe, Ela segue um novo "para­
domímo da "cultura" e à ascensão do que passou a ser conhe­
digma", no sentido do termo usado na obra de Thomas
Cido como "teona cultural" Por exemplo, o livro de Caroline
Kuhn sobre a estrutura das "revoluções" científicas,
Bynum discutido ao final do capítulo antenor é mspirado pela
ou sep, um modelo para a prática "normal" da qual
obra de femmistas como Julía Kristeva e Luce Irigaray, que ana­
decorre uma tradição de pesqmsa. 1
lisaram as diferenças entre o discurso masculino e o femimno.
68
70 Ü QUE É !-l!STÚ!{11\ CULTURA!.? Urvl NOVO l'AR,\DIG!vtA? 71

As teonas podem ser vistas como reação a problemas e também como foram utilizadas. Bakhnn f01 um teónco da linguagem e
como reconceitualização deles. Certas teonas culturais fizeram da literatura cups idéias também se tornaram relevantes para a
com que os h1stonadores tomassem consciência de problemas cultura v1s1iaL enquanto os outros três foram teóncos sociais
novos ou até então ignorados, e, ao 1nes1no tempo, cnasse1n por que trabalharam em uma época na qual as barreiras entre so­
sua vez novos problemas que lhes são próprios. ciedade e cultura pareciam estar se dissolvendo (ver p.42-3). A
A preocupação com a teona é uma das característ,cas dis­ razão para discutirmos aqui os teóricos não é convencer os lei­
tmtJvas da NHC. Por exemplo, as idéias do filósofo-sociólogo tores a aceitarem suas idéias e simplesmente aplicá-las ao pas­
alemão Jürgen Habermas sobre a ascensão da "esfera pública" sado, mas encorajá-los a testar as teonas e, ao fazê-lo, mvesn­
burguesa na França e na Inglaterra do século XVIII produziram gar novos temas h1stóncos ou reconce1tualizar antigos.
uma batelada de estudos cnt,cando-as e qualificando-as e tam­
bém ampliando-as para outros períodos, outros países, novos
grupos sociais (mulheres, por exemplo) e novos campos de ati­ As vozes de Mikhail Bakhtin
vidade, tais como pintura ou música. A h1stóna dos Jornais, em
particular, desenvolveu-se em resposta às teses de Habermas.-1 Mikhail Bakhtm. um dos teóricos culturais mais ongmms do
Também a idéia de Jacques Dernda de "suplemento,,. o século XX, fo1 descoberto pelos historiadores, pelo menos fora
papel da margem na formatação do centro, fo1 empregada pelos da Rússia, após a tradução para o francês e o mglês de seu livro
historiadores em diferentes contextos. A estudiosa norte-a1ne­ Cultura popular nn Idade Midia e 110 Re11asrnne11to (1965).
ncana Joan Scott usou o termo para descrever a ascensão da Na Rússia, ele fm uma das inspirações para a chamada "escola
h1stóna das mulheres. em que "as mulheres tanto foram acres­ Tartu" de semiótica, de que fazia parte Jun Lotman (ver p.51 ).
centadas à históna" como "ocasíonaram sua reescnta" (a exen1- Os conceitos básicos empregados no livro sobre Rabelais -
plo das mulheres do Renascimento discutidas no capítulo 3). De 11
carnavalização"_- "destronar" r "linguagem do 1nercado" e
1naneira semelhante, um estudo sobre a fe1t1çana européia ar­ "realismo grotescoº por exemplo - foram usados tantas vezes
gumenta que, no míCJo da idade moderna, quando mmtas pes­ na NHC que hoJe é difícil lembrar corno conseguíamos traba­
soas se sentiam ameaçadas pelas fe1t1ce1ras, o sistema de cren­ lhar sem eles.
ças dependia prec,samente do elemento que se tentava exclmr:' Por exemplo, cm urna nova e esclarecedora abordagem da
h1stóna da Reforma alemã e seus efeitos sobre a cultura popu­
lar da época, Bob Scribner utilizou a obra de Bakhtm sobre o
Quatro teóricos carnaval e sobre os ntuais de dessacralização, argumentando
que as falsas procissões, por exemplo, eram usadas pelos refor­
Esta seção focaliza quatro teóncos cup obra fo1 particularmente madores como um modo dramático de mostrar às pessoas co­
nnportante para os prat,cantes da NHC. Mikhail Bakhtm, muns que as 1111agens e relíquias católicas eram mefíc,entes.
Norbert Elias, Michel Foucault e Pierre Bourdieu. Vou resumir Da França do século XVI, essas idéias migraram para a
algumas de suas idéias prmc1pais e, depois. analisar as maneiras Inglaterra do século XVIII, e da h1stóna da literatura, para a his-
72 Ü QUE É !-IJSTÓRJA CULTURAL? UM NOVO PARADIGMA? 73

tóna da arte (para estudos sobre Brueghel, por exemplo. ou sobre Entre os conceitos centrais desse estudo está o de "fron­
Goya). Já a visão de Bakhtm sobre a importância da subversão e teira da vergonha" (Schamgrenze) e "fronteira da repugnân­
a penetração da "alta" cultura pela "baixa". especialmente por cia" (Pemlichlceitschwelle). Segundo Elias. essas fronteiras
meio do nso popular, corre - ou, pelo menos. corna - o nsco de foram gradualmente se estreitando nos séculos XVII e XVIII, ex­
se transformar em nova ortodoxia, aceita sem crít1ca.5 clumdo assim da sociedade educada um número cada vez
Em contraste, as idéias igualmente mteressantes de Bakh­ maior de formas de comportamento. Outro conceito básico é o
tm sobre gêneros de fala e sobre as diferentes vozes que podem de "pressão social pelo autocontrole" (Sozzale Zwang nach
ser ouvidas em um texto - o que ele chama de "polifoniaª. Selbstzwang). Um círculo mais amplo de conceitos mclm
"poliglossia" ou "heteroglossia" - atraíram pouca atenção, em "competiçãoª. "habitus" - termo que mais tarde Bourdieu
termos relativos. fora do mundo literáno. É uma pena, porque tornou famoso (ver p.76-8) - e "figuração", o padrão sem­
sem dúvida alguma elas podem aJudar a entender o carnaval. pre mutante de relações entre as pessoas, que Elias comparou
por exemplo, como a expressão de rnmtas vozes diferentes -
a urna dança.
Jocosas e agressivas, altas e baixas, masculinas e fernmmas -,
Publicado pela pnrneira vez na Suíça, em alemão. no ano
em vez de reduzi-lo a urna simples expressão da subversão
de 1939, O processo czvilizador despertou pouco interesse na
popular.
época, mas da década de 1960 em diante teve mfluência cada
Mais urna vez, em urna época na qual a idéia de um eu só­
vez rna10r sobre antropólogos h1stóncos corno Anton Blok, h1s­
lido ou unitáno é contestada, a noção da heteroglossia é de re­
tonadores culturais corno Roger Charner e mesmo sobre
levância óbvia para o estudo do que al guns h1stonadores cha­
histonadores da arte e da ciênCJa. O uso crescente do termo "ci­
mam de" documentos-ego". em outras palavras, textos escntos
vilidade" na obra de h1stonadores de fala mglesa é um mdica­
em pnrneira pessoa. Um diáno mclumdo notícias de Jornal ou
um relato de viagem que mcorpore trechos de guias turísticos dor da importância cada vez rna10r de Elias, mesmo que o co­
são exemplos óbv10s de coexistência ou mesmo de diálogo nhecimento de sua obra estep praticamente restrito a seus
entre vozes diferentes. estudos sobre a corte e sobre a mesa de pntar, deixando de lado
os trabalhos sobre esportes. o tempo ou o contraste entre as
pessoas estabelecidas e as que estão excluídas.
A ovi!ízação de Norbert Elias O processo czvilízador f01 também alvo de inúmeras críti­
cas, por virtualmente deixar de lado a Idade Média, por exem­
Norbert Elias f01 um sociólogo que sempre se mteressou por plo, por não falar muito da Itália e de sexo, e por superestimar a
h1stóna e se preocupou com a "cultura" (literatura. música, fi­ mfluênc1a das cortes e subestimar a das Cidades. A explícita su­
losofia e assim por diante) e com a "civilização" (a arre da vida posição do autor de que "civilização" é um fenômeno funda­
cotidiana). O processo civilizador (1939), discutido no capítulo mentalmente ocidental também acabou por parecer mmto es­
1, fo1 urna contribmção tanto para a teona social quanto para a tranha. Pode-se resumir a reação dos historiadores culturais às
históna. idéias de Elias dizendo que muitas vezes eles criticam sua inter-
74 Ü QUE Ê HISTÚR!A CULTU[UL? UM NOVO l'AltADIGMA? 75

pretação da históna, mas acham que sua teona social e cultural dade", como expressões de uma dada cultura e, ao mesmo
é mmto boa como ferramenta de pesqmsa, tempo, forças que lhe dão forma. Ele se definia como "arqueó­
logo", porque achava a obra dos h1stonadores superficial, sendo
necessáno cavar mais fundo para chegar às estruturas mtelec­
O regime de Michel Foucault tuais ou, como prefena chamai; "redes" (réseaux) e "grades"
(grilles). A idéia de "grades".. como a de "filtro" mtelectual, era
Se Elias enfatizava o autocontrole, Foucault chamava a atenção sugenr que as estruturas admitiam algumas mformações e ex­
para o controle sobre o eu, especialmente o controle sobre os cluíam as demais.
corpos exercido pelas autoridades, Foucault - que pnmeiro fm Na aula maugural A ordem do discurso (1971), após sua
filósofo e se tornou histonador, depms histonador das idéias mdicação para uma cadeira sobre "a históna dos sistemas de
que se tornou histonador social fez sua reputação com uma pensamento" no College de France, Foucault definrn seu ob3e­
séne ele livros sobre a lustóna da loucura, da clímca, dos siste­ t1vo como o estudo do controle do pensamento, mclumdo os
mas mtelectuais, ela vigilância e da sexualiclacle6 No que se re­ modos como certas idéias ou temas são excluídos de um sis­
fere à NHC três de suas idéias tiveram especial mfluência, tema mtclectual. De seus quatro estudos mais substantivos,
Em pnmeiro lugar, Foucault foi um crítico severo das in­ três estão preocupados com a exclusão de certos gi·upos (loucos,
terpretações teleológicas da lustóna em termos de progresso, crnntnosos e desviantes sexuais) das ordens intelectuais e so­
evolução ou crescunento ela liberdade e do mclividualismo, ciais que se viam por eles ameaçadas.
apresentadas por Hegel e por outros filósofos do século XIX e Em contraste, A ordem das coisas (1966) trata das catego­
que muitas vezes, na prática cotidiana dos histonaclores, eram nas e dos pnncíp1os subpcentes e orgamzadores de tudo o que
adotadas sem quest10namento. Sua abordagem em termos de possa ser pensado, dito ou escnto em um dado período, no caso,
"genealogia,,, um termo que ele tomou de Nietzsche, destaca os os séculos XVII e XVIII; em outras palavras, os "discursos" do
efeitos dos "aodentes" em lugar de traçar a evolução das idéias período. Nessa obra, Foucault sugenu que tais discursos coleti­
ou as ongens do atual sistema. vos, mais que os escntores mdiv1dualmente, são o obieto ade­
Foucault também chamou atenção para as descontmmdades quado de estudo, o que chocou alguns leitores, mas msp1rou
culturais, ou "rupturas", por exernplo a n1udança na relação outros. Seu conceito de discurso fo1 uma das pnnc1pais msp1ra­
entre as palavras e as cmsas em meados do século XVII, a "inven­ ções para o Orientalismo de Said (ver p.64-5). O problema para
ção" da loucura também nesse século e da sexualidade no século os possíveis segmdores de Foucault é que essa noção central de
XIX. Em todos esses casos, o que Kuhn chamana de novo "para­ discurso, como a noção de paradigma para Kuhn, ou a noção
digma" substiturn com relativa rapidez um outro antenor. A ên­ de classe para Marx, é ambígua. Para colocar as c01sas de ma­
fase das recentes contribuições à NHC sobre a construção cultu­ neira crua, quantos discursos havia na França do século XVIII?
ral, que será discutida mais adiante, deve mmto a Foucault. Três, trmta ou trezentos?
Em segundo lugar, Foucault encarava os sistemas de class1- Em terceiro lugar, Foucault escreveu uma históna mtelec­
fícação, chamados por ele de "epistemes" ou "regimes de ver- tual que incluía tanto práticas como teonas, tanto corpos como
76 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? UM NOVO PARADIGMA? 77

mentes. Seu conceito de práncas está ligado a uma ênfase no culturais. Até agora a idéia de campo cultural não atraiu muitos
que ele chamava de "microfísica" do poder, ou se3a, de políncas histonadores, mas especialistas em literatura francesa e estu­
no nível micro. As "práticas discursivas", afirmava ele, cons­ diosos da ascensão dos intelectuais consideraram o conceito
troem ou constituem os ob3etos de que se fala, e, em última mmto esclarecedor.
análise, a cultura ou a soCiedade como um todo, enquanto "o Uma teona de Bourdíeu que teve maior influência foi o
olhar" (/e regard) era uma expressão da" sociedade disciplinar" que ele chama de "reprodução cultural", processo pelo qual um
moderna. grupo. como por exemplo a burguesia francesa, mantém sua
Em Vigiar e punir (1975), o autor apresentava uma séne de posição na sociedade por me10 de um sistema educacional que
paralelos entre pnsões, escolas, fábncas, hospitais e quartéis parece ser autônomo e imparcial. embora na verdade seleoone
como msntmções produtoras de"corpos dóceis". A organização para a educação supenor alunos com as qualidades que lhes são
espacial das salas de aula, por exemplo, assim como a dos pános mculcadas desde o nascimento naquele grupo social.
dos quartéis e das fábricas, facilitava o controle pela vigilância. Outra contribmção importante de Bourdieu é sua "teoria
Numa passagem famosa, ele descreveu o "panópt1co", plano de da prática", especialmente o conceito de "habitus". Reagmdo
uma prisão ideal preparado pelo reformador do século XIX contra o que ele considerava uma ngidez da idéia de regras cul­
Jeremy Bentham, concebido de tal modo que as autondades po­ turais na obra de estruturalistas como Lévi-Strauss, Bourdieu
díam ver tudo. mantendo-se elas própnas mv1síve1s. exammou a prática cotidiana em termos de improvisação sus­
tentada numa estrutura de esquemas mculcados pela cultura
tanto na mente como no corpo (entre as expressões que ele
Os usos de Pierre Bourdieu usava estão schéma corporel e scheme de pensée). O termo
"habitus" f01 tomado do historiador de arte Erwm Panofsky
Diferentemente de Elias e Foucault, Bourdieu, filósofo que se (que, por sua vez. o havia tomado dos filósofos escolásncos)
transformou em antropólogo e sociólogo, não escreveu h1stó­ para designar essa capaCidade de 1mprov1sação.8 Na França, por
na, embora tivesse um bom conhecimento do assunto e fizesse exemplo, segundo Bourdieu, o habitus burguês é coerente com
rnmtas observações perspicazes sobre a França do século XIX. as qualidades valorizadas e pnvilegiadas pelo sistema de educa­
No entanto, os conceítos e teorias que produziu em seus estu­ ção supenor. Por essa razão, os filhos da burguesia são bem-su­
dos. primeiro sobre os berberes e depois sobre os franceses, são cedidos nos exames, parecendo fazê-lo multo "naturalmenteº
de grande relevância para os h1stonadores culturais. Incluem o Bourdieu usou bastante uma metáfora abrangente tirada
conceito de "campo", a teona da prática, a idéia de reprodução da economia e analisou a cultura em termos de bens. produção,
cultural e a noção de "dístmção" 7 mercado, capital e investimento. Suas expressões" capital cultu­
O conceito de "campo" (champ) - literário, lingüísnco. ral" e "capital simbólico" entraram na linguagem condíana de
artísnco. mtelectual ou científico refere-se a um domínio sooólogos. antropólogos e de pelo menos alguns histonadores.
autônomo que, em dado momento, annge a mdependência em Bourdieu também empregou a metáfora militar de "estra­
uma determmada cultura e produz suas próprias convenções tégia", Ilão apenas em sua análise dos casamentos camponeses
78 Ü QUE ( HISTURl1\ CULTUR,\L? UM NOVO PARt\O!GMA? 79

mas também nos estudos sobre a cultura. Quando a burguesia Paradoxalmente, a h1stóna das práticas é uma das áreas dos
não mveste seu capital cultural de maneira que lhe dê mais escritos h1stóncos recentes mais afetadas pela teona soC1al e
vantagens. ela emprega estratégias de distmção, usando a mú­ cultural. Na perspectiva das práticas, Norbert Elias, CUJO mte­
sica de Bach ou Stravmsky, por exemplo, como forma de se di­ resse pela h1stóna das maneiras à mesa parecia excêntnco há
ferenciar de grupos que considera "ínfenores" Como coloca pouco tempo, agora está solidamente msendo na corrente prm­
Bourdíeu: "A identidade social está na diferença, e a diferença é C!pal das idéias. O trabalho de Bourdieu sobre a distinção msp1-
afirmada contra aquilo que está mais perto, que representa a rou mmtos estudos a respeito da h1stóna do consumo, en­
111mor an1eaça." quanto a idéia de Foucault sobre uma soC1edade disciplinar em
Coino no caso de Elias. não foram as teonas relauvmnente que eram adotadas novas práncas para reforçar a obediência fo1
adaptada para estudar outras partes do mundo.
abstratas do campo ou da reprodução que atraíram os h1stona­
Em Colomsmg Egypt (1988), por exemplo, Timothy Mitchell
dores culturais, mas sim as contundentes observações sobre os
usa tanto Foucault como Dernda em sua discussão sobre as
estilos burgueses de vida, especialmente a busca ou a batalha
conseqüências culturais do colonialismo do século XIX. Com
pela" distmção". A teona geral, porém. também tem algo a ofe­
Foucault, Mitchell aprendeu a discutir o "olhar" europeu e a
recer aos h1stonadores que deseJem não apenas descrevei; mas
buscar paralelos entre o desenvolvnnento de diferentes domí­
sun analisar. Ainda que cnticada co1no inu1to determinista ou
nios, con10 o exército e a educação. coin foco, en1 mnbos os
reduc1on1sta, ela nos obnga a reexain1nar nossas suposições casos, na importância da disciplina. De Dernda vem a idéia do
tanto sobre a tradição como sobre a mudança cultural. significado como "jogo da diferença", central em um capítulo
Tuntos. esses quatro teóncos levaram os h1stonadores cul­ que trata do efeito da imprensa. mtroduz1da por volta do ano de
turais a se preocuparen1 coin as representações e as prátICas, os 1800, sobre a prática da escnta.
dois aspectos característicos da NHC segundo um de seus líde­ A históna da linguagem, mais especialmente a h1stóna da
res, Roger Chart1er. fala, é outro campo que a h1stóna cultural das práticas está co­
meçando a colomzar, ou, mais exatamente, a partilhar com os
soc10lingüistas que têm sentido a necessidade de dar uma di­
Práticas mensão histórica aos estudos da linguagem. A polidez é um do­
mímo da fala que atrarn os hístonadores culturais, enquanto
"Práticas" é um dos paradigmas da NHC: a h1stóna das práticas o msulto os atraiu ainda mais. 9
religiosas e não da teologrn, a h1stóna da fala e não da lingüís­ A pránca relig10sa há multo vem sendo uma preocupação
tica, a h1stóna do expernnento e não da teoria científica. Graças dos h1stonadores da religião, mas o crescente volume de traba­
a essa virada em direção às práticas, a lustóna do esporte, que lhos sobre meditação e peregrmação (hmdu, budista, cnstã ou
antes era tema de amadores. tornou-se profiss10nalizada, um muçulmana) sugere uma mudança de ênfase. Ruth Harns, por
campo com suas própnas revistas, como Internat1011al Journal exemplo, vê a peregrmação a Lourdes em seu contexto político,
for the History of Sport. como um movimento nac10nal de pemtência que começou na
80 Ü QUE t HISTÓRIA CULTURAL? UM NOVO PAR,\DJGMA? 81

década de 1870 como reação à derrota da França na guerra apareceu naquela década. O foco pnnCipal está no que foi des­
franco-prussrnna. Sob a mfluência de antropólogos como Victor crito como a "cultura da coleção". Os acadêmicos vêm estu­
Turner (ver p.52-3), as peregnnações têm sido estudadas como dando o que era colecionado (moedas, conchas e assim por
ntuais de miaação e como fenômenos liminares. Os part1c1pan­ diante), a filosofia ou psicologia do ato de colec10nar, a organi­
tes são vistos corno se estivessem suspensos entre seu inundo co­ zação das coleções, suas categonas básicas (a teona subpcente à
tidiano e o mundo em que dese1am entrai; abandonando seus pa­ prática) e, finalmente, o acesso às coleções. em geral de proprie­
péis socims normms e fundindo-se na comunidade peregnna_lO dade pnvada antes da Revolução Francesa, mas que desde então
A h1stóna da viagem é amda outro exemplo do estudo de se tornaram cada vez mais públicas.12
uma prática que está passando por uma espécie de boom, mar­ Como estudo de caso nesse campo, pode ser esclarecedor
cado pela fundação de revistas especrnlizadas, como o ]oumal of deixar o Ocidente e ir para a China do período Ming, descnta
Ti·avel Research, e pela publicação de um número cada vez por Craig Clunas em seu livro Superfluous Thmgs (1991). O ti­
ma10r de livros monográficos ou coletivos. Al guns desses tra­ tulo vem de T,·eatise on Super/luous Thmgs. escnto no começo
balhos estão especrnlmente preocupados com a arte ou o mé­ do século XVII pelo nobre e estudioso Wen Zhenheng. O ponto
todo da vrngem, as regras do Jogo. Tratados sob esse aspecto central é que a preocupação com o supérfluo constitui o smal de
vêm sendo publicados na Europa desde o final do século XVI, que a pessoa pode se dar ao luxo de não se preocupar com o ne­
aconselhando seus leitores a coprnr epitáfios em igreps e cemi­ cessáno, em outras palavras, de que pertence a uma elite, a uma
ténos, por exemplo, ou a pesqmsar as formas de governo e as "classe ociosa".
maneiras e costumes dos lugares v1s1tados.11 O tratado de Wen faz parte de uma tradição chmesa de li­
A históna das práticas vem tendo impacto sobre campos vros sobre o conhecimento do bom gosto que discutem temas
relativamente tradic10nais da lustóna cultural, como o estudo como o modo de distmguir as antigüidades genuínas das falsas,
do Renascimento. O humanismo, por exemplo, costumava ser - ou como evitar a vulgaridade (o exemplo úp1co são as mesas or­
definido em termos de suas idéias-chave, como a crença na namentadas com dragões de madeira). Utilizando Bourdieu,
"dignidade do homem" Hoje, é mais provável que sep defi­ Clunas argumenta que "a constante afirmação da diferença
nido em termos de um con1unto de atividades, como a cópia entre as c01sas no Treatise é nada mais nada menos que uma
de mscnções, a tentativa de escrever e falar no estilo de Cí­ afirmação da diferença entre as pessoas como consumidores de
cero, o esforço para elimmar de textos clássicos as corrupções c01sas", particularmente da diferença entre os nobres dedicados
mtroduz1das por gerações de copistas e o hábito de colec10nar ao estudo e os novos-ncos.
moedas antigas. A gumada para a história das práticas cotidianas é amda
As coleções são um tema da históna das práticas que atrai mais óbvia na história da ciêncrn. Antes vista como uma forma
os h1stonadores da arte e da ciênCia e as eqmpes de galenas e de história intelectual, agora está mais preocupada com o sig­
museus. The Joumal o/ the History o/ Collectzons f01 fundado nificado de atividades como a expenmentação. A atenção vem
em 1989. e um grande número de estudos importantes sobre os sendo deslocada dos mdivíduos heróicos e suas grandes idéias
"gabmetes de cunosidades,-, museus e galenas de arte também para as mudanças nos métodos do que Thomas Kuhn chamou
82 Ü QUE E 1-l!STÓRIA CULTURAL?

de''ciência nonnal" encontrando lugar para incluir as contri­ gurnentou que a ascensão, no século XVIII, da hrstóna das ma­
buições dos artesãos que fizeram os instrumentos científicos e neiras e dos costumes e da "lustóna da sooedade", mclusrve a
dos assistentes de laboratório que, na verdade, realizaram os hrstóna das mulheres, em detrimento da história polítrca e mi­
cxpernnen tos. 1-' litar, for em parte urna reação à crescente fernmização do pú­
blico leitor.
No Ocrdente, os tópicos correntes de interesse e debate na
A história da leitura história da leitura mcluern três mudanças ou deslocamentos
aparentes: da leitura em voz alta para a lertura silenc10sa; da lei­
Uma das formas mms populares da históna das práticas é a hrstó­ tura em público para a leitura pnvada; e da leitura lenta ou m­
na da leitura, definida, por um lado. em contraste com a his­ tens1va para a leitura rápida ou "extensiva" ,. a chamada "revo­
tóna da escrita, e, por outro, com a precedente "história do lução da leitura" do século XVIII.
livro" (o cornérc10 de livros, a censura e assnn por diante). A Argumenta-se que. como o crescente número de livros
teoria cultural de Míchel de Certeau (discutida adiante, às tornou impossível para qualquer mdivíduo ler mais que urna
p.102-4) enfatiza o novo foco sobre o papel do leitor; sobre mu­ fração do total, os leitores reagira1n inventando novas táticas,
danças nas práticas de leitura e nos "usos culturais" da nnprensa. co1no selecionar, pular partes ou consultar o sumáno ou índice
Histonadores da leitura corno Roger Chartler ongmalrnente para obter mfonnações de um livro sem ter de lê-lo do começo
avançaram em linhas paralelas à crÍtlca literána preocupada com ao fim. A ênfase sobre urna mudança súbita talvez se;a exage­
a "recepção" das obras de literatura, mas após alguns anos os dois rada, e é mais provável que os leitores usassem mais de um des­
grupos tomaram conhecrmento um do outro. 1•1 ses diferentes estilos de leitura, segundo o livro ou a ocasião. 15
As reações dos leitores aos textos. estudadas por me10 de No entanto, os anos em tomo de 1800 foram um divisor de
suas anotações à margem e de seus sublinhados, ou. no caso do águas na hrstóna da leitura, pelo menos na Alemanha. É o que
!Ylenocch10, de Cario Ginzburg, discutido anteriormente (ver argumenta um estudo bastante ongmal que examma - entre
p.62), pelos mterrogatónos da lnqmsrção, tornaram-se um tó­ outros aspectos - as mudanças na ilummação, na mobília e na
pico popular de pesqmsa. Por exemplo. as mmtas cartas escritas orgarnzação do dia (dividido mais claramente que antes em
pelos leitores para Jean-Jacques Rousseau após a publicação de horas de trabalho e horas de lazer), bem corno a ascensão de um
seu romance A nova Heloísa foram estudadas por Robert Darn­ modo mais enfático de lertura, especialmente no caso das obras
ton. Esse antigo exemplo de cartas de fãs está cheio de referên­ de ficção. 16
cias às lágnrnas provocadas pelo romance. Histonadores do Leste da Ásia e do século XX também
Há também um corpo de trabalhos sobre as leitoras e seus estão se voltando para a hrstóna da leitura, adaptando a meto­
gostos literários. John Brewer analisou o diáno que se es­ dologia para estudar os sistemas de escnta e os gêneros literá­
tende por 17 volumes - de urna mglesa do século XVIII, Anna rios Japoneses, por exemplo, ou o impacto da ascensão do
Margaretta Larpent. observando "sua predileção por autoras mercado no sistema russo de produção de livros na década de
mulheres e por obras com protagonistas fernmmos" Já se ar- 1990."
84 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? UM NOVO PARADIGMA? 85

Representações das" (ver p.109-10), Uma expressão mais comum é the /11sto1-y
of representatzons ("a h1stóna das representações").
Certa vez, Michel Foucault cnt1cou os h1stonadores pelo que Tantas formas de representação - seJarn elas literánas, vi­
chamou de sua "idéia empobrecida do real", que não deixava suais ou mentais - foram estudadas nas últimas duas ou três
lugar para o que é imaginado. Desde então, murtos importantes décadas que mesmo urna simples lista transforrnana esta seção
h1stonadores franceses reagiram a essa provocação. Exemplo em capítulo. Há h1stónas das representações da natureza, como
famoso desse tipo de h1stóna é o livro As três ordens (1978), do Man and the Natural World (1983), de Keith Thomas, que ma­
h1stonador francês Georges Duby, um estudo sobre as arcuns­ peia as mudanças nas atitudes mglesas entre 1500 e 1800, enfa­
tânc1as que cercam a construção da famosa imagem medieval tizando a "revolução" que tirou os seres humanos do centro do
da sociedade corno composta por "três estados" os que rezam, mundo natural e a ascensão do amor pelos amma1s e pela natu­
os que lutam e os que trabalham (ou lavram) - em outras pa­ reza selvagem.
lavras, o clero, a nobreza e o "terceiro estado". Duby apresenta Além disso, existem histónas das representações da estru­
essa imagem não corno Sirnples reflexo da estrutura soCia! me­ tura social, corno a dos três estados, de Duby; representações
dieval, mas corno uma representação, com o poder de modificar do trabalho, mclumdo as mulheres trabalhadoras; representa­
ções das mulheres como deusas, prostitutas, mães ou feít1ce1-
a realidade que parece refletir.
ras; e representações do "outro" (dos Judeus pelos gent10s, dos
Outra contriburção para história do que os franceses cha­
brancos pelos negros e assim por diante). Imagens literánas e
mam de /'imagznazre soczal (o 1magmáno soCiaL isto é, qualquer
visuais dos santos tornaram-se um importante foco de mte­
cmsa que sqa 1magmada, mais do que o puramente ímagmáno)
resse na históna do catolicismo na década de 1980. Corno ob­
é o livro de Jacques Le Goff O nasczmento do purgatóno (1981).
servou um dos pnrneiros estudiosos do assunto, "a santidade,
Le Goff explica a ascensão da idéia de purgatóno na Idade Média
talvez mais que qualquer outra cmsa na vida soCiaL está no
relacionando-a às mudanças nas concepções de espaço e tempo.
olhar do observador" . 20
Le Goff também foi um dos estudiosos que lançaram a história Representatzons é o título de urna revista mterdiscíplinar
dos sonhos, no começo da década de 1970, msp1rados pelos estudos fundada em Berkeley em 1983, Entre as pnrneiras contribur­
sobre os sonhos realizados por antropólogos e socíólogos. 18 Os ções que recebeu estão artigos do crítico literáno Stephen
trabalhos sobre visões e fantasmas também foram encorapdos Greenblatt sobre imagens dos camponeses alemães do século
pela nova preocupação com o papel ativo da irnagmação, enfati­ XVI, da lustonadora da arte Svetlana Alpers sobre a leitura
zando as combmações cnat1vas de elementos onundos de pmtu­ que Foucault faz de um quadro de Velázquez, e dos historia­
ras, contos populares e ntuais. 19 dores Peter Brown (sobre santos), Thomas Laqueur (sobre fu­
Em mglês, pelo contráno, a expressão the hzstory of zma­ nerais) e Lynn Hunt (sobre a "crise de representações" na
gmatzon ("h1stóna da imagmação") amda não está plenamente Revolução Francesa).
estabelecida, apesar do sucesso do estudo de Benedict An­ No campo literáno, Orientalismo, de Said, está preocupado
derson, em 1983, sobre as nações como" comumdades irnagma- essencialmente com representações do chamado "outro", em
86 Ü QU[ [ !-!!STÓRI,\ CULTURAL? UM NOVO PARADIGMA? 87

part1Cular m1agens do "Onente" no Ocrdente. Como já foi dito, Os h 1stonadores da arte reagiram ao livro de Smd na dé­
os estudos sobre a históna das viagens mmtas vezes focalizam cada de 1980, e os lustonadores da mús1Ca, na década de 1990.
as maneiras estereotipadas pela qual uma cultura não familiar O própno Saíd, apesar de seu entusiasmo por ópera, esperou
é percebida e descrlta e o "olhar" do viaJante, diferenciando o até 1993 para dar sua própna contribmção a essa área: uma dis­
olhar impenaL o femmmo, o pitoresco e outros tipos. Pode-se cussão sobre Aída, de Verdi, em que sugere que a obra confirma
mostrar que alguns via1antes haviam lido sobre o país antes de a imagem ocrdental do Onente como "um lugar essencial­
nele porem os pés, e, ao chegai; viram o que haviam aprendido mente exótico, distante e antigo, onde os europeus podem os­
a esperar. tentar certo poder" , 21
Os relatos sobre a Itália feitos por via1antes estrangeiros Dois estudos recentes aprofundam amda mais esse tema,
nos séculos XVII e XVIII são exemplos marcantes de estereoti­ apontando para suas complexidades. O trabalho de Ralph Locke
prn, repetmdo lugares-comuns sobre. por exemplo, os lazzaron, sobre Sansão e Dalila, de Samt-Saens, observa que o mundo da
de Nápoles, homens pobres que se deitavam ao sol sem aparen­ Bíblia f01 identificado com o Oriente Médio do século XIX, per­
temente fazer nada. O topo do mundo virado de cabeça para mitmdo ao compos1tor dar à sua ópera alguma cor local, ou,
baixo tem atraído os viaJantes desde os clias de Heródoto, como 1nms exatan1ente, un1 so1n local. Smnt-Saêns apresenta o outro
- especialmente o outro feminmo, Dalila - de maneira con­
uma maneira de orgarnzar suas observações. Por exemplo, o
vencional, como assustadora e sedutora, mas lhe dá também
puntano escocês Gilbert Burnet, bispo de Salisbury, vm a Itália,
un1a grande ána ro1nânt1ca, subvertendo assim "o b1nans1no
por onde viaJOU na década de 1680, como uma terra de supers­
caractenstrcamente onentalista do enredo dessa ópera" 22
tição, ttranrn, oc1os1dade e pap1smo! e1n outras palavras, exata­
O estudo de Richard Taruskm sobre o onentalismo musical
mente o oposto do Ilumuusmo, liberdade, diligência e protes­
na Rússia do século XIX revela um paradoxo. Evocações de mú­
tantismo que ele atribuía à Grã-Bretanha.
sicas exót1Cas como "Nas estepes da Ásia Central", de Borodin.
ou as l{Danças das Jovens escravas persas", de Mussorgsky, su­
põem uma oposição bmána entre o russo e o onental (homem e
Onentalismo na música
mulhe1; senhor e escravo). No entanto, quando Diaghilev levou
essa música a Pans. o público francês achou que tais sons onen­
Para um estudo de caso na históna das representações, pode­ tms fossen1 t1pican1ente russos.2..1
mos abordar sobre a musicologia, outra discrplina em que al­
guns praticantes agora se definem como lustonadores cultu­
rais. A maneira pela qual alguns musicólogos reagiram ao A htstóna da memóna
One11talis1110, de Said- estudo escnto por um crít1Co literáno
e msp1rado por um filósofo- oferece uma ilustração clara dos Outra forma de NHC que atualmente passa por um surto de ex­
contatos mterdisciplinares, ou "negociaçõesª que ocorrem sob pansão é a lustóna da memóna, algumas vezes descnta como
o amplo guarda-chuva da lustória cultural. lf 1nc1nóna social" ou "1ne1nóna cultural" O interesse acadê-
88 Ü QUE É !iJSTÓR!J\ CULTUR,\L?
UM NOVO PARADIGMA? 89

mico pelo tema fo1 revelado e encorapdo pelo lançamento, impregnada pelas escnturas, as memónas da perseguição da co­
entre 1984 e 1993, dos sete volumes publicados pelo editor-aca­ munidade protestante pelos católicos foram contaminadas ou
dêmico Pierre Nora com o título Les Lzeux de mémozre, dedica­ mesmo moldadas por histónas bíblicas de persegmção ao povo
dos à "memória nacional" na França_, tal corno mantida ou re­ escolhido, chegando mesmo às marcas feitas na porta das casas
formulada por livros como a enadopédia Larousse, por edificações CUJOS habitantes deveriam ser massacrados. Lendo o relato de
como o Panthéon, por práticas como a comemoração anual da to­ Joutard é difícil não pensar no Holocausto, acontecimento trau­
mada da Bastilha no dia 14 de julho, e assim por diante. 2·1 Em con­ mático também lembrado em uma estrutura bíblica, já que o
traste, até hoJe foram mmto menos numerosas as pesqmsas sobre termo "holocausto" sígnifica " queimar a oferenda" .25
a amnésia social ou cultural, um aspecto mrus esqmvo, porém não Da mesma forma, as memórias bntânicas dos sofnmentos
menos nnportante. nas trincheiras da Pnmeira Guerra Mundial foram moldadas
Projetos coletivos e de mmtos volumes, parec,dos com o de por lembranças de O peregrino, de John Bunyam, um livro
Nora, foram desde então publicados na Itália, Alemanha e ou­ ainda mmto lido na época. Como disse o crítico amencano Paul
tros lugares. Mais que os livros, filmes e programas de televisão Fussell, "as experiências do front pareciam estar disponíveis
mostram. há um forte mteresse popular pelas memónas h1stó­ para a interpretação quando se percebeu que partes delas se pa­
ncas. Esse mteresse cada vez rna10r provavelmente é urna rea­ reciam muito com a ação de O peregrmo, assim como a lama
ção à aceleração das mudanças sociais e culturais que ameaçam das trmcheiras se assemelhava ao Lodaçal do Desespero. Por
as identidades, ao separar o que somos daquilo que fornos. Em sua vez, as memórias da Segunda Guerra Mundial foram con­
um nível mais específico, o crescente mteresse por mernónas do dic10nadas pelo conhec,mento da Primeira Guerra.26
Holocausto e da Segunda Guerra Mundial ocorre em um Esses exemplos do efeito dos livros -provavelmente lidos
tempo em que esses acontecimentos traumáticos estão dei­ em voz alta e em grupo - sobre os processos de mernóna são
xando de fazer parte da mernóna viva. notáveis, mas é claro que esta não é transmitida ou moldada
Como a h1stóna da viagem, a históna da rnemóna é um apenas pela leitura. A Irlanda de hoie, do Norte e do Sul, é fa­
campo que revela com rara clareza a importância dos esquemas mosa -alguns dinam mesmo notória - pelo poder das me­
ou estereótipos. já destacada pelo psicólogo Fredenck Bartlett mónas de acontecimentos passados, reforçados pelo trauma da
em seu livro Remembermg (1932). À medida que os aconteci­ guerra civil, evocados por lugares corno Drogheda e Derry e
mentos retrocedem no tempo, perdem algo de sua especifici­ reencenados nas paradas anuais das ligas de Orange e da Antiga
dade. Eles são elaborados, normalmente de forma mconsc1ente. Ordem dos Hibérmcos. Nos muros de Belfast, pixações exor­
e assim passam a se enquadrar nos esquemas gerais correntes tam o passante: "Lembre-se de 1690."
na cultura. Esses esquemas aJudam a perpetuar as memónas, Nesse contexto irlandês, a famosa observação de Geertz
sob custo, porém, de sua distorção. sobre a "h1stóna que eles se contam sobre si mesmos" parece
Tomemos o caso dos protestantes do sul da França, por problemática (ver p.52). Católicos e protestantes não contam as
exemplo, estudados por um h1stonador que faz parte dessa co­ mesmas h1stónas para s1 mesmos. Um lado erige estátuas, o
munidade, Philippe Joutard. Ele mostra como, em uma cultura outro as derruba, seguindo o que já fo1 descnto como uma "bem
90 Ü QUE É H!STÚRIA CULTURAL? Uti.! NOVO PARADIGMA? 91

estabelecida tradição de descomemoração explosiva". As me­ peoalistas em históna do vestuário e do mobiliáno, que há
mónas de conflitos também são conflitos de memóna. 27 muito vinham trabalhando nessa área. Os histonadores da re­
No interior de cada comunidade religrnsa, a observação de ligião, por exemplo, têm dado maior atenção às mudanças no
Geertz ainda pode ser válida, mas é necessáno fazer a grande mobiliáno das igreps como indicadores de transformação nas
pergunta social: "De que memóna estamos falando?" Homens atitudes religrnsas. Na década de 1960, o histonador social bn­
e mulheres, ou a velha e a nova geração, podem não se lembrar tânico Asa Bnggs escreveu livros como Victonan People e
do passado da mesma maneira. Em uma dada cultura, as me­ Victonan Cit1es. Em 1988, sua virada cultural foi revelada pela
mónas de um grupo podem ser dominantes, e as de outros, su­ publicação de Victona11 Tl1111gs. embora o livro estivesse plane­
bordinadas, como no caso de vencedores e derrotados em uma jado mmto tempo antes.
guerra Civil- na Finlândia de 1918. por exemplo. ou na Espa­ Mesmo os histonadores da literatura voltaram-se para
nha de 1936-9. essa direção, estudando pichações ou comparando sonetos a mi­
niaturas, tomando ambos como demonstrações privadas de
amor. O neozelandês Don McKenzie, que redefiniu a bibliogra­
Cultura material fia como forma de históna cultural em seu Bibliography and
the Soc1ology ofTexts (1986), chamou atenção para a necessi­
Tradicrnnalmente, os histonadores culturais atribuíram menos dade de estudar as "forn1as 1natena1s dos livros" 1 "os detalhes
atenção à cultura matenal que às idéias. deixando aquele cmnpo sutis de tipografia e diagramação". argumentando que elemen­
aos h1stonadores econômicos. As páginas que Norbert Elias de­ tos não-verbais. entre eles "a própna disposição do espaço",
dicou à históna do garfo e do lenço em seu livro sobre o pro­ eram portadores de significado. Na linguagem do teatro, outro
cesso c1ví1izatóno erain incomuns naquele te1npo. Por sua vez, tema de interesse para McKenz1e, pode-se dizer que a aparên­
os histonadores econômicos costumavam deixar de lado os as­ cia física da página impressa funcrnna como uma séne de deixas
pectos simbólicos de alimentos. roupas e habitações, exami­ para os leitores, encoraiando-os a interpretar o texto de uma
nando em vez disso os níveis de nutnção e a parcela da renda maneira e não de outra.
individual destmada a diferentes bens. Até mesmo o famoso es­ A maiona dos estudos sobre cultura matenal enfatiza o
tudo de Fernand Braudel sobre o começo do mundo moderno, clássico tno de temas - alimentos. vestuáno e hab1tação - e
Civilização matenal, economia e cap1talís1110 (1979) - ou, mmtas vezes focaliza a história do consumo e o lugar da nnagi­
para usar suas próprias palavras, civílisat1011 maténelle-pode nação, explorado pela publicidade, no estímulo ao deseio por
ser criticado - e o f01 - por essa mesma razão. apesar de sua bens. A relação entre a "cultura do consumidor" de hoJe e o in­
importância corno análise comparativa do movimento de ob3e­ teresse pelo consumo passado é óbvia, mas os histonadores
tos entre diferentes áreas de cultura. desse campo geralmente estão bem consoentes dos perigos do
Nas décadas de 1980 e 1990, porém, alguns lustonadores anacronismo.
culturais voltaram-se para o estudo da cultura rnatenaL e assim Uma contribmção exemplar à h1stóna dos alimentos f01
se viram próximos dos arqueólogos, curadores de museus e es- feita pelo antropólogo amencano Sidney Mintz cm Sweetness
92 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? UM NOVO PARADIGMA? 93

and Power: the Place of Sugar m Modem History (1985). A século XIX, e argumentava que a mudança aconteceu porque a
h1stóna de Mintz é social e cultural. É soCial na preocupação casa "se tornou o palco em que a família ostentava sua nqueza
com o consumidor e com a transformação do açúcar. de artigo e exibia sua posição social". O mobiliáno e a decoração, espe­
de luxo para os ncos em artigo básico de consumo cotidiano cialmente da sala de visitas, apoiava a auto-apresentação da fa­
para as pessoas comuns, usado no café ou no chá. Por outro mília para os visitantes. Os leitores que se lembram da imagem
lado, Sweetness and Power é cultural em sua abordagem do as­ da casa da família Ekdahl em Upsala por volta de 1900, repre­
pecto simbólico do açúcar, Esse poder simbólico era maior sentada no filme de Ingmar Bergman Fanny e Alexander (1982),
quando o açúcar constituía um luxo que disnngma seus consu­ não terão problemas para visualizar essas formas de exibição
midores da massa da população, mas à medida que a mercado­ opulenta que tem paralelos na Grã-Bretanha, França. Europa
na descia na escala soCia! eram-lhe dados novos significados, e Central e em outros lugares nessa época.
ela era incorporada em novos ntuais sociais. No entanto, a casa burguesa naquele que os suecos cha­
Em La culture des habíts (1989), o h1stonador francês Da­ mam de "período Oscar" (1880-1910) não era apenas um palco,
me! Rache voltou-se para a l11stóna das roupas, por achar que mas também um "santuário", um refúgio contra a sociedade
"elas nos dizem mmto sobre as civilizações". Códigos de ves­ extenor, cada vez mais impessoal. Daí a crescente importância
tuáno revelam códigos culturais. "Por trás do vestuário", ob­ dos aposentos particulares, tais como os quartos de dormir e os
serva Rache. "é possível encontrar estruturas mentais." Na quartos de criança, e a distinção cada vez mais clara entre espa­
França do século XVIII, por exemplo, conformar-se a um deter­ ços públicos e pnvados no interior da casa.
mmado código de vestuáno era uma maneira de identificar-se Vale a pena chamar a atenção para a referência aos espaços
como nobre, ou de tentar passar por um. Escolher uma roupa da casa. Pode parecer paradoxal mciwr o espaço na" cultura ma­
era escolher um papel naquilo que o h1stonador chama de "tea­ tenal", mas os historiadores culturais, como os da arqmtetura e
tro mdumentáno" da época. Rache chega a fazer uma conexão os geógrafos h1stonadores antes deles, chegam a ler o "texto"
entre a "revolução das roupas" e a Revolução Francesa! vísta de uma cidade ou de uma casa nas entrelinhas. A h1stóna das ci­
como a ascensão da "liberdade, igualdade e fnvolidade". Ele dades sena mcompleta sem os estudos dos mercados e das pra­
leva a fnvolidade a séno, porque o cmdado com a roupa na im­ ças, assim como a históna das casas seria mcompleta sem os es­
prensa femmina do final do século XVIII significava que a moda tudos do uso de seus espaços intenores.
"já não era exdus1v1dade dos pnvilegiados". 28 Alguns dos teóncos discutidos antenormente neste capí­
Como estudo de caso da históna da habitação, pode-se tulo - de Habermas, sobre os cafés como locais de discussão
tomar a históna do antropólogo sueco Orvar Liifgren sobre a política, a Foucault, sobre o desenho das escolas e pnsões como
casa burguesa na Suécia do século XIX, em Culture Builders auxiliar da disciplina - aiudaram a chamar a atenção dos his­
(1979). O livro combma a etnografia sueca tradicional em que tonadores para a importância do espaço: sagrado e profano, pú­
Liifgren e o co-autor Jonas Frylanan foram formados com blico e pnvado, masculino e feminino, e assim por diante.
idéias tiradas de Elias e Foucault. Culture Builders observava o Os historiadores da ciência agora se preocupam com os es­
deslocamento da "austendade" para a "opulência", no final do paços nos laboratórios ou nos anfiteatros de anatomia, enquan-
94 Ü QU[ É HISTC)!.UA CULTUR,\l? UM NOVO PARADíGMA? 95

to os histonadores do nnpéno estudam a distribmção do espaço símbolo. nos corpos desmembrados. anoréxicos. atléticos, disse­
nos quartéis e barracas. Os historiadores da arte exammam as cados e nos corpos dos santos e dos pecadores. A revista Body
galerias de arte e 1nuseus não só co1no 1nstítu1ções, n1as co1no nnd Socrety, fundada em 1995, é um fórum para h1stonadores
espaços; os histonadores do teatro estudam as casas de espetá­ e sociólogos. Já se dedicaram livros à históna da limpeza dos
culo; os h1stonadores da música exammam o desenho das casas corpos, da dança, dos exercícios, da tatuagem, do gesto. A h1stó­
de ópera e de concerto; enquanto os h1stonadores da leitura na do corpo desenvolveu-se a partir da hístóna da medicma,
prestam atenção à orgamzação física das bibliotecas. mas os h1stonadores da arte e da literatura, assim como os an­
tropólogos e soCiólogos, se envolveram no que podena ser cha­
mado de "virada corporal" - como se já não houvesse tantas
A história do corpo viradas que os leitores correm o nsco de ficar tontos.
Alguns dos novos estudos podem ser mais bem descritos
Se ex,ste um domíruo da NHC que ho3e é mmto próspero, mas que como tentativa de reivindicar outros terntónos para o histona­
parecena quase mconcebível urna geração atrás - em 1970, di­ dor. A h1stóna do gesto é um exemplo óbv10. O medievalista
gamos-. este é a h1stóna do corpo. 29 As poucas contribmções francês Jacques Le Goff maugurou o campo; um grupo mterna­
fe1tas nesse campo em décadas anteriores eram pouco conheCI­ c10nal de acadêrnICos. de classicistas a historiadores da arte, con­
das ou consideradas margmms. tribum também, enquanto um ex-aluno de Le Goff, Jean-Clau­
Da década de 1930 em diante, por exemplo, o soC1ólogo­ de Schmitt. dedicou um trabalho importante ao gesto na Idade
h1stonador brasileiro Gilberto Freyre estudou a aparênCia física Média. Schmitt percebeu o crescente mteresse pelo tema no sé­
dos escravos tal como registrada em anÚnCios de fugitivos pu­ culo XIL que deixou um corpus de textos e imagens que lhe
blicados nos Jornais do século XIX. Observou as referênCias às perm1tm reconst1tmr gestos relig10sos, como rezai; e gestos
marcas tribais que revelavam de que parte da Áfnca os escravos feudais, como armar um cavaleiro ou prestar homenagem a um
provmham, às Cicatnzes dos repetidos aç01tamentos e aos smais li senhor. Ele argumenta, por exemplo, que rezar com as mãos
específicos do trabalho, tais corno a perda de cabelo em homens postas (e não com os braços abertos) e também se ªJoelhar para
que levavam cargas mmto pesadas na cabeça. Da mesma forma, rezar eram transferênCias para o domíruo religioso do gesto
um estudo publicado em 1972 por Emrnanuel Le Roy Ladune feudal de homenagem, aJoelhar-se diante do senhor e colocar as
e d01s <:olaboradores usou os registros militares para estudar o mãos entre as dele, 31
físico dos recrutas franceses no século XIX, observando, por Um exemplo vmdo da l11stóna russa mostra como é impor­
exemplo, que eles eram mais altos no Norte e mais baixos no tante prestar atenção h1stónca a diferenças aparentemente pe­
Sul, diferença de altura que quase certamente se deve a diferen­ quenas. Em 1667. a Igrep Ortodoxa Russa cmdíu-se em duas.
ças de nutrição:"' quando um conselho reumdo em Moscou apoiou movações re­
Em compensação, do míc10 da década de 1980 em diante. centes e excomungou os defensores da tradição, mais tarde co­
uma corrente cada vez maior de estudos concentrou-se nos cor­ nhecidos como "velhos crentes" Uma das questões em debate
pos n1ascu1ino e fe1n1n1no, no corpo co1no experiência e co1no era se o gesto de abençoar deveria ser feito com dois dedos ou
96 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? UM NOVO PARADIGMA? 97

três. Não é difícil imaginar como os histonadores rac10nalistas romperam com a tradição filosófica que remontava a Descartes
de épocas postenores descreveram tais debates, encarando-os e separava o corpo da mente, a idéia do "fantasma na máquina",
como típicos da mentalidade religiosa ou supersticiosa, distante como descreveu galhofeirarnente o filósofo mglês Gilbert Ryle.
da vida real e incapaz de distingmr o significante do insignifi­ O conceito de habitus, de Bourdieu. foi expressamente desig­
cante. No entanto, aquele gesto mínimo implicava uma escolha nado para cobrir o mtervalo ou para eVItar a oposição simples
importante. Três dedos significavam segmr os gregos, dms dedos entre mentes e corpos.
significavam manter as tradições russas. Citando mais uma vez
Bourdieu, "a identidade social está na diferençaª
Outros estudos sobre a hístóna do corpo também desafiam Revolução na história cultural?
suposições tradicionais. Por exemplo, o livro de Peter Brown
The Body and Society (1988) a1udou a solapar a visão conven­ Neste capítulo, tentei dar aos leitores uma idéia da vanedade de
c10nal do ódio cnstão ao corpo. O mesmo fo1 feito por Holy abordagens praticadas sob a rubnca NHC. A realização coletiva
Feast and Holy Fast (1987), de Caroline Bynum, discutido an­ das duas ou três últimas décadas é considerável, e o movimento
tenormente (ver p.66-7) como exemplo de históna das mulhe­ torna-se amda mais impress10nante quando visto como um
res, mas igualmente importante por sua discussão sobre o corpo todo. Se ocorreram poucas inovações de método. no sentido es­
e o alimento como me10 de comunicação. tnto do termo, muitos novos ternas foram descobertos e explo­
Como observou Roy Porter, um dos pioneiros do campo, a rados com a a3uda de novos conceitos.
rápida ascensão do interesse pelo assunto sem dúvida alguma De qualquer forma, as continuidades com relação a estudos
foi encora1ada pela disseminação da Aids, que chamou atenção anteriores não devem ser esquecidas. A NHC desenvolveu-se a
para "a vulnerabilidade do corpo moderno" O aumento dom­ parnr da antropologia histónca discutida no capítulo 3, e algu­
teresse pela h1stóna do corpo segue paralelo ao mteresse pela mas de suas principais figuras, de Natalie Davis a Jacques Le
história do gênero (ver p.65). No entanto, as referências ao corpo Goff ou Keíth Thomas, pertencem a ambos os movimentos.
presentes nas obras dos teóricos discutidos no começo deste ca­ O arquiteto suíço Sigfned Giedion escreveu um estudo p10-
pítulo sugerem uma explicação mais profunda para uma ten­ neiro sobre cultura matenaL Mechamsatzon takes Command
dênCJa mais gradual.A discussão de Mikhail Bakhtm sobre cul­ (1948), em que argumenta que, "para o historiadm; não existem
tura popular na Idade lYlédia, por exemplo, tem mmto a dizer coISas banais", já que "instrumentos e ob3etos são decorrências de
sobre corpos grotescos e especialmente sobre o que o autor des­ atitudes fundamentais perante o mundo".A expressão "represen­
creveu como "o estrato corporal mfenor" Na h 1stóna de tações coletivas" foi usada há mais de um século pelo sociólogo
Norbert Elias sobre o autocontrole, estava implícita. se não ex­ Emile Durkherm, e depms, em 1920, por Marc Bloch. Omteresse
plícita, uma preocupação com o corpo. em n esquemas" a que nos referimos várias vezes neste capítulo
Na obra de Michel Foucault e Pierre Bourdieu, os suportes remonta a Aby Warburg e Ernst-Robert Cumus (ver p.21-3).
filosóficos do estudo sobre o corpo tornam-se visíveis. Como o As similandades entre certas tendências recentes e partes
filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, Foucault e Bourdieu da obra de Burckhardt e Huizmga também merecem destaque.
98 Ü QUE É !-JISTÓRI,\ CULTUR,\Ll

Warburg e Hmzmga já percebiam a relevância de estudos an­


tropológicos sobre os chamados povos "pnm1tivos" para a h1s­ 5
tóna da Antigüidade clássica e da Idade Média. Clifford Geertz
é um adm!fador de Burckhardt e freqüentemente faz referên­
cia à sua obra. enquanto Darnton, segundo ele mesmo nos
Da representação à construção
conta, em seu tempo de repórter policial leu o livro de Burck­
hardt, A cultura do Re11asczme11to na Itália, escondido entre as
páginas da Playboy na redação do Jornal: "E ainda acho que é o
maior livro de lnstóna que já li." 32
A despeito dessas contmmdades palpáveis, seria difícil ne­ Já se mencionou antes que as soluções para os proble­
gar que, na última geração, aconteceu um deslocamento ou mas às vezes geram novos problemas. Tome-se a idéia
uma virada coletiva na teona e na prática da h1stóna cultural. O de "representação", por exemplo. um conceito central
deslocamento pode ser visto como uma mudança de ênfase,
da NHC. Ela parece significar que imagens e textos
mais que a ascensão de alguma coisa nova, uma reforma da tra­
simplesmente refletem ou 1m1tam a realidade soCJal.
dição, mais que uma revolução, mas, afinal, a ma10r parte das
No entanto, vános praticantes da NHC há mmto se
inovações culturais acontecem dessa 1naneira.
sentem desconfortáveis com essa nnplicação. Em de­
A NHC não se desenvolveu sem contestações. A teona que
corrência, tornou-se con1un1 pensar e falar e1n / cons­
lhe é sub1acente muitas vezes fo1 cnticada e re1e1tada, não ape­

trução" ou "produção" da realidade (de conheCJmento,


nas por empinc1sras tradicionais como também por histonado­
res mvent1vos, como Edward Thompson, em uma diatribe mt1- terntónos, classes sociais, doenças, tempo, 1dent1dade e
tulada "A pobreza da teona", publicada pela pnmeira vez em assim por diante) por meio de representações. O valor
1978. O tradic10nal conceito antropológJCo de cultura como e as limitações dessa idéia de construção cultural me­
"um mundo concreto e delimitado de crenças e práticas" fm cn­ recem ser discutidos em detalhe.
ncado com base na afirmação de que culturas são locais de con­ Em uma epigrama bem conhecida, Reger Char­
flitos, e "integradas de maneira frouxa" 3 3 tler falou de um recente deslocamento "da h1stóna
Uma teona amda mais controversa que subpz a grande social da cultura para a h1stóna cultural da soCie­
parte da NHC é a teona da construção cultural da realidade, que dade". Ele apresenta essa fórmula corno descnção de
será discutida no próximo capítulo. certos "deslocamentos" de mteresse por parte de lns­
tonadores na década de 1980, espeCialrnente o distan­
C1arnento com relação à h1stóna soCia! no sentido
ºduro", do estudo de estruturas corno as classes so­
ciais. A idéia da "h1stóna cultural da soCiedade" re­
vela a mfluênc1a, sobre a NHC, do rnov1111ento do

99
100 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL?
DA REPRESENTAÇÃO A CONSTRUÇÃO 101

"construt1v1smo" na filosofia e em outras disciplinas, da socio­ Iromcamente, não é difícil apontar explicações sociais para
logia à históna da ciência. 1 a virada para o"construnv,smo" do final do século XX. A ascen­
são da "históna a partir de baixo", por exemplo, como no caso
do livro de Edward Thompson A formação da classe operária
A ascensão do construtivismo mglesa (ver p.30), envolveu uma tentativa de apresentar o pas­
sado do ponto de vista das pessoas comuns. O mesmo aconte­
Foram os filósofos e cientistas que começaram a desafiar as opi­ ceu com a ascensão da h1stóna dos colonizados na Ásia, Áfnca
niões recebidas sobre o conhecimento objetivo, Albert Eínstem, e Aménca, que emergm junto com os estudos pós-colomars e
por exemplo, declarou que é a nossa teona que deade o que po­ que mmtas vezes dingm seu foco para "a visão dos derrotados".
demos observar, com o que concordou Karl Popper (ver p.22). ou para o ponto de vista das "classes subalternasu3 De maneira
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer já havia argu­ semelhante, h1stonadoras femimstas tentaram não apenas tor­
mentado que "o mundo é mmha representação" (Die Welt zst nar as mulheres v1síveís" na históna, mas també1n escrever
11

meme Vorstellung), enquanto Fnedrich Nietzsche afirmava acerca do passado sob um ponto de vista femmmo. Dessa
que a verdade é cnada, e não descoberta. Nietzsche também forma, os h1stonadores tornaram-se cada vez mais conscrentes
descreveu a linguagem como uma pnsão, enquanto Ludwig de que pessoas diferentes podem ver o "mesmo" evento ou es­
Wittgenstem afirmava que" os limites de minha linguagem são trutura a partir de perspectivas mmto diversas,
os limites de meu mundo". O movimento filosófico norte­ É nesse contexto que os h1stonadores culturais, Jtmta­
americano conhecido corno ragn1at1smo" moveu-se em dire­
11
p mente com sociólogos, antropólogos e outros estudiosos, envol­
ção semelhante, John Dewey, por exemplo, afirmou que nós veram-se no que costumava ser visto como um debate pura­
cnamos a realidade, que cada indivíduo constrtm seu mundo a mente filosófico ou científico. A questão de se - ou melhor, da
partir do encontro entre o eu e o ambiente. William James ar­ extensão em que, ou das maneiras pelas quais - os acadêmicos
gumentou que "interesses mentais ... aJudam a fazer a verdade constroem seus objetos de estudo se transformou, ela própna,
que eles declaram".2 em importante obJeto de estudo. É um caso especial do que al­
Se houve um momento em que era possível, e até mesmo guns filósofos e sociólogos chamam de "construção social da
normal, que os lustonadores ignorassem Nietzsche ou Wittgens­ realidade".
tem, ficou cada vez mais difícil fugir às discussões sobre a rela­ Os psicólogos, por exemplo, cada vez mais apresentam a
ção problemática entre a linguagem e o mundo externo que ela percepção como um processo ativo, e não como um reflexo do
antes supostamente "refletia" O espelho for quebrado. Lançou­ que é percebido, Os lingüistas escrevem menos sobre a lingua­
se dúvida sobre a suposição de que uma representação "corres­ gem como reflexo da realidade socral e mais sobre" atos" da fala
ponde" ao objeto representado. A suposição de transparência, e seus efeitos. Os sociólogos, antropólogos e historiadores
cara aos acadêmicos tradic10nais, f01 posta em questão. As fontes falam cada vez mais da "invenção" ou "const1tu1ção" da etma,
históncas agora parecem ser mais opacas que o que costumáva­ por exemplo, da classe, do gênero ou mesmo da própria socie­
mos pensar. dade. Em lugar do sentimento anterior, de restnções, de deter-
102 Ü QUE 'É l-l!STÓRIA CULTURAL! DA REPRESENTAÇÃO,\ CONSTRUÇ/\0 103

111m1s1110 social, de um mundo de estruturas soc,ais "duras", No entanto, no que se refere à NHC, o estudo mais impor­
mmtos estudiosos agora expressam um sentimento quase me­ tante de de Certeati não é uma de suas obras históricas, mas um
bnante de liberdade, de poder da 1magmação, de um mundo de livro sobre a vida cotidiana na França da década de 1970, que ele
forn1.as soCioculturais macias", 1naleáve1s, fh.udas ou frágeis.
II e alguns colaboradores publicaram em 1980. 6 Enquanto os so­
Daí o título de um livro recente do soc,ólogo Zygmunt Bauman, c,ólogos que o precederam estudavam o que era chamado em
Modenudade líqmda (2000). geral de "comportamento" dos consumidores, eleitores e ou­
tros grupos, de Certeau preferiu falar em "práticas". pratiques.
As práticas que analisou eram as das pessoas comuns; práticas
Reutilização de Miche/ de Certeau cotidianas, corno fazer compras, cammhar pela vizinhança, ar­
rumar a mobília ou ver televisão. Urna razão para ele se refenr
Urna formulação de bastante efeito sobre a posição "construt1- às "p ráttcas rr .. e não ao ºcomportmnento"l era fazer com que
v1sta" fo1 apresentada por Michel Foucault em Arqueologia do seus leitores levassem as pessoas sobre as quais ele escrevia tão
saber (1969), quando definm os "discursos" corno prát,cas que a séno quanto elas mereciam.
"s1sternat1carnente constroem (forment) os ob3etos de que fa­ Enquanto os sociólogos precedentes consideravam as pes­
lam". Essa defimção ilustra a tendência que_iá vmha sendo des­ soas comuns consumidoras passivas de artigos produzidos em
crita, na década de 1960, corno "virada lingüísticaº. embora des­ massa e espectadoras passivas de programas de televisão, de
de então o ten11.o tenha se tornado 1nu1to n1.a1s co1nu111.. No Certeau, ao contrário, enfatizava sua cnatividade, sua inventi­
entanto. os construt1v1stas têm urna dívida amda ma10r com a vidade, Descreveu o consumo como urna forma de produção.
teona cultural de Michel de Certeau, formulada alguns anos Enfanzou as escolhas que os mdivíduos faziam, ao selec10nar
dep01s:' entre os artigos produzidos em massa e expostos nas loJaS, e a
Michel de Certeau era um homem de múltiplas facetas, liberdade com que mterpretavarn o que liam ou o que viam na
que poderia adequadamente ser descnto como teólogo, filósofo, televisão. Sua preocupação com a criatividade é destacada pelo
psicanalista, antropólogo e soc,ólogo. Ele se identificava pnrna­ título ongmaL em francês, de seu livro: A mvenção do cot1-
namente como h1stonador, e deu contribuições importantes dia110 (L'Inventwn du quotidien).
para a históna do místJc,srno, da histonografia e da linguagem. ]\r[ais precisamente, ao identificar um tipo particular de m­
Seu estudo de um famoso caso do século XVII, sobre a posses­ venção. de Certeau escreveu sobre os ªusos", a "apropnação", e
são de um grupo de freiras por dernôn10s na pequena cidade especialmente a "utilização" (re-emp/oi). Em outras palavras,
francesa de Loudun, usou extensamente a "analogia do drama" nos termos em que ele pensava, as pessoas comuns faziam se­
discutida no capítulo 3, descrevendo o acontecimento como "es­ leções a partir de um repertóno, criando novas combmações
petáculo",. como "teatro dos possessos" Seu livro sobre as po­ entre o que selecionavam e, igualmente importante, colocando
líticas lingüísticas da Revolução Francesa tratou de um tema em novos contextos aquilo de que haviam se apropnado. Essa
que os histonadores até então haviam deixado de lado, e de­ construção do cotidiano por rne10 de práticas de reutilização é
monstrou sua nnportância política e cultural. 5 parte do que de Certeau chama de "tática". Os dominados, su-
104 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? DA REPRESENTAÇÃO A CONSTRUÇÃO 105

gere ele, empregam táticas, mais que estratégias, porque sua li­ final da Idade Média e no iníc10 dos tempos modernos. A me­
berdade de manobra é restnta, opera dentro de limites estabele­ ditação sobre a Paixão de Cristo, um dos tópicos favontos das
cidos por outros. Eles têm. por exemplo, liberdade para "surru­ obras devoc10na1s da época, foi auxiliada por pinturas como
piar", famosa metáfora de de Certeau para as formas cnat1vas Crucificação, de Mathias Grünewald. ou pelas muitas xilogra­
de leitura que transformam os significados oficiais em outros, vuras baratas que circularam do século XV em diante. Freed­
subversivos. berg também estuda a ,conoclastia (em Bizâncio, nos Países
Existem semelhanças óbvias entre as idéias de Michel de Baixos em 1566, na França em 1792 e assim por diante) como
Certeau e as de alguns de seus contemporâneos. especialmente forma de violência que revela os valores dos perpetradores,
Foucault e Bourdieu, com quem dialogou. Ele mverteu Fou­ especialmente uma crença, consciente ou não, no poder das
cault. substitumdo seu conceito de disciplina pelo de "anndisc1- imagens.
plina". Sua noção de "tática", expressando uma visão a partir de
baixo. f01 proposta em deliberada oposição à "estratégrn" de
Bourdieu. que enfatizava a visão a partir de c,ma. A idéia cen­ A invenção da invenção
tral de de Certeau, "prática". tem multo em comum com a de
Bourdieu. mas ele cnticou a noção de hab1tus. que envolvena a Se Foucault e de Certeau estão corretos acerca da importância
idéia de que as pessoas comuns não têm consciênc,a do que da construção cultural, então toda história é h1stóna cultural.
fazem. Urna lista de todos os estudos h1stóncos publicados desde 1980
com as palavras "invenção", 11 construção" ou imaginação" em
11

seus títulos certamente seria longa e variada. Inclmna estudos


A recepção de literatura e arte sobre a mvenção do eu, de Atenas, dos bárbaros, da tradição. da
economia, dos intelectuais, da Revolução Francesa. da sociedade
Michel de Certeau é uma figura destacada, embora não se;a a primitiva. do 3ornaL da mulher renascentista, do restaurante,
úmca. de um importante deslocamento nos estudos da arte, li­ das Cruzadas, da pornografia, do Louvre. das pessoas e de George
teratura e música ocorndo na última geração, que vai de uma Washmgton.
concentração sobre os artistas, escntores e compositores para Tome-se o caso da doença. por exemplo. A nova históna
uma preocupação também com o público. com suas reações e a cultural do corpo se distmgue da h1stóna da medicma, mais tra­
"recepção" das obras vistas, 0t1V1das ou lidas. dic10naL por sua ênfase na construção cultural da doença, mais
Esse deslocamento já f01 ilustrado na história da leitura especialmente da "loucura". Michel Foucault mtroduziu essa
(ver capítulo 4). Também na história da arte há um fluxo perspectiva na obra que fez sua reputação, Históna da loucura
constante de monografias escritas sob esse ponto de vista. Por (1961). Na Grã-Bretanha, o livro de Roy Porter, Mind-Forged
exemplo. o livro fundamental de David Freedberg, The Power Manacles (1990), f01 um marco, criticando o psiquiatra Thomas
of Images (1989), concentra-se nas reações relig10sas, ligando Szasz por ter sugerido que a "produção da loucura" era uma es­
certos tipos de imagem à ascensão de práticas meditativas no pécie de conspiração, e propondo, em vez disso, que em diferen-
·.106 Ü QUE 1: HISTÓRIA CULTURAL?
0,\ REPRESENTAÇÃO t\ CONSTRUÇÃO 107

tes períodos ex1stirarn diferentes"culturas da loucura". percep­ ficação nnportante: "Quando o esquema de um historiador al­
ções da anormalidade e estereótipos de pessoas loucas, tais corno cança certo ponto de abrangência", escreveu ele, "torna-se mí­
os idiotas e os melancólicos. tico na forma." Frye amda sugere que Edward Gibbon e Os­
Um número s1gnificanvo de estudos recentes desse tipo fo­ wald Spengler eram exemplos de historiadores CUJOS enredos
caliza a mvenção das nações, corno, por exemplo, Argentma, eram trágicos, p01s estavam preocupados com o declínio do
Etiópia, França, Irlanda, Israel, Japão, Espanha e Escócia ( em­ Império Romano e do Ocidente.
bora, até onde cu saiba, não hap nenhum sobre a Inglaterra), Pode-se dizer que White começou onde Frye parou, ate­
Existem também estudos sobre a construção cultural de regiões nuando o contraste anstotélico entre poesia e história e esten­
- Áfnca, Bálcãs, Europa, Europa Onental, Norte da Europa dendo a idéia de enredo para obras históricas em geral. Ele fica
(Escandinávia) e o Nordeste do Brasil (Pernambuco, Bahia e es­ no limite entre duas posições, ou proposições: a visão conven­
tados vizmhos). Cional de que os historiadores constroem seus textos e suas 111-
terpretações, e a visão não convencional de que constroem o
própno passado.
Novas construções O livro de White e os outros ensmos em que desenvolve sua
posição tiveram 1nu1ta nnportância. Sua expressão construir o
II

O própno passado é visto por alguns estudiosos corno uma enredo" entrou no discurso de muitos histonadores, sep quando
construção, especialmente pelo norte-arnencano Hayden Whi­ o obJeto de estudo é um detennmado historiador, sei a quando eles
te. Em Meta-lnstóna (1973), o objetivo de White é apresentar se voltam para visões contemporâneas do conflito polínco.
o que chama de análise "formalista" dos textos históricos, con­
centrando-se em clássicos do século XIX como .Tules Michelet,
Leopold Von Ranke, Alexis de Tocqueville e Jacob Burckhardt. A construção de classe e de gênero
O autor afirma que cada um dos quatro grandes historiadores
do século XIX modelou sua narrativa ou enredo segundo um As categorias sociais, antes tratadas como se fossem firmes e
gênero literáno relevante. Assim, Michelet escreveu, ou, para fixas, agora parecem ser flexíveis e flmdas. Os historiadores e
usar a própna expressão de White, "constnnu o enredo" de antropólogos que desenvolvem seus trabalhos sobre a Índia já
suas histórias na forma de romance, Ranke na de comédia, não consideram a catcgona "casta" como algo dado. Pelo con­
Tocqueville na de tragédia e Burckhardt na de sátira. tráno, tratam-na como um constructo cultural com uma histó­
White desenvolveu algumas idéias sobre o enredo na es­ na, uma história política ligada à do impenalismo. Algo seme­
cnta lustónca que foram origmalmente apresentadas pelo crí­ lhante ocorreu com o conceito de "tribo", que os hístonadores
tico canadense Northrop Frye. Em um ensa10 de 1960 no qual e antropólogos dedicados ao estudo da Áfnca relutam cada vez
tainbén1 usa o termo "1neta-h1stóna". Frye to1nou co1no ponto 1na1s e1n usar nos seus trabalhos.8 "Etnia", termo de uso mui­
de partida a famosa reflexão de Aristóteles sobre a diferença to mais geral hoJe que uma geração atrás, é uma categoria so­
entre poesia e história. 7 No entanto, ele mtroduzm uma quali- cial munas vezes vista como flexível ou mesmo negociável.
DA REPRESENTAÇAO A CONSTRUÇÃO 109
108 Ü QUE E HISTÓRIA CULTUR,\L?

"Classe"_. que antes era também tratada por marxistas e pio, quando comparado aos franceses e" orientais" efemmados.
não-rnanastas - por mais que discordassem em sua definição Outro ponto enfat1zado nos trabalhos recentes é a interdepen­
- corno urna categona social obJetlva, é atualmente vista cada dência dos modelos de masculinidade e feminilidade em urna
vez mais corno um constructo cultural. histórico ou discursivo. dada cultura. Cada modelo é definido em relação ao outro, ou
O livro de Edward Thompson, A fonnação da classe operária mesmo em oposição ao outro.
mglesa, por exemplo, fm criticado por supor que a experiência Este aspecto surge claramente em um estudo de Patrícia
se traduz em consciência sem a mediação da linguagem. Corno Ebrey, The Inner Quarters (1993), voltado para a Chma da di­
afirma Gareth Stedrnan Jones: "A consciência só pode se reia­ nastia Tang (960-1279). Nesse período, ela identifica "um des­
aonar à experiênaa por mtermédio de urna linguagem particu­ locamento geral dos ideais de masculinidade", afastando-se do
lar que organiza a compreensão da experiência", urna lingua­ guerreiro e aproximando-se do sábio. A caça fm subsntuíàa pela
gem que ele se dispôs a analisar no caso dos cartlstas mgleses.9 coleção àe antigüidades como at1v1dade na moda para homens
As fenumstas vêm encora3ando h1stonadores e outros profis­ de alto status. Pierre Bourdieu, cups idéias sobre "distinção" já
s1onms a tratar o " gênero" da mesma maneira. Como observamos foram discut1das (ver p.76-8), teria apreciado a possibilidade de
no capítulo 2 (p.41), é preciso dist1ngmr entre visões masculinas que esse deslocamento para os estudos tivesse corno razão o de­
de fernmilidade (vividas pelas mulheres corno pressões para que se30 dos chineses de se distmguirern de seus vizmhos aguerri­
se comportem de deterrnmadas maneiras. "recatadarnente", por dos, como os turcos e os mongóis.
exemplo) e visões fem1n1nas correntes na mesma época e no Mais ou menos na mesma época, os ideais de fernmilidade
mesmo nível soaal. As visões fernmmas eram o tempo todo ence­ também mudaram. As mulheres eram cada vez mais apreciadas
nadas na vida cotidiana, no processo de" construção do gênero" corno belas, passivas, delicadas e frágeis, corno as flores com as
Em outras palavras, e voltando ao modelo drarnatúrg1co, quais os poetas as comparavam. O mesmo período ass1st1u à as­
masculinidade e fernmilidade são cada vez mais estudadas censão da prática de enrolar os pés das rnenmas com panos. para
corno papéis sociais, com roteiros distmtos em diferentes cultu­ que ficassem dirnmutos. Patrícia Ebrey sugere que todas essas
ras ou subculturas, roteiros ongmalrnente aprendidos no colo mudanças estavam ligadas. Mais especificamente,"corno o ideal
da mãe - ou do pai - mesmo que mais tarde possam ser mo­ masculino de classe superior, nos tempos de Sung, era urna fi­
dificados por mfluência dos grupos, dos livros e de urna grande gura relativamente moderada e requmtada, o homem pareceria
vanedade de mst1tmções, mclumdo escolas, cortes e fábncas. efeminado, a não ser que as mulheres se tornassem amda mais
Tais roteiros mcluern posição, gestos, linguagem e roupas, para delicadas, reticentes e paralisadas".
não rnencwnar formas de comportamento sexual. Na Itália re­
nascentista, por exemplo, os homens podiam fazer gestos dra­
mát1cos1 mas as mulheres respeitáveis não. Muitos n1ovimen­ A construção de comunidades
tos de mão sugenarn que a mulher era uma cortesã.
Os modelos de masculinidade e fernmilidade são multas O ano de 1983 pode ser tornado corno urna data simbólica na
vezes definidos por contraste - o mglês é másculo, por exem- criação da teoria const1utívista, pelo menos no mundo de fala m-
110 Ü QUE f !-!ISTÚR!t\ CULTURAL? ÜA REPRESENTAÇt\O A CONSTRUÇt\O 111

glesa, já que foi o ano de publicação de d01s livros de extrema m­ uma idéia de Enc Hobsbawm sobre a importância espeoal do
fluênaa, um deles escnto por Benedict Anderson e o outro urna período de 1870-1914 na produção de novas tradições. O vo­
obra coletiva orgamzada por Enc Hobsbawm e Terence Ranger. lume mdm uma séne de estudos de caso mmto esclarecedores
lmagmed Commumt1es, de Anderson, é a obra de um es­ sobre Inglaterra, País de Gales, Escócia e Império Bntâmco na
pecialista no sudeste da Ásia com interesses e visão globais. O Índia e na Áfnca, tratando da ascensão do lcilt, do alho porró· e
livro deu uma contribmção nnportante à farta literatura sobre especialmente das novas formas de ntual real ou imperial. A
a históna do nac10nalismo moderno e se destaca em pelo menos mtrodução, de autona de Hobsbawm, aumentou o impacto de
três aspectos. Em pnme1ro lugai; por sua perspectiva, Já que o tais estudos ao apresentar o argun1ento geral - na época, sub­
autor olha a Europa a parnr de fora e dedica grande parte do versivo - de que as tradições "que parecem ou se apresentam
livro à históna da Ásia e das Améncas. Em segundo lugar, f01 co1no antigas são multas vezes bastante recentes en1 suas ori­
urna obra mcornurn para a época, por sua abordagem cultural gens, e algumas vezes são mventadas"
da política. O autor identificou as raízes do que chamou de A 1nvençiio da tradição a3udou a renovar uma das mais
"cultura do nac10nalismo" não na teona polítICa, mas em atitu­ tradic10nms formas de h1stóna cultural, a históna da própna
des mconsc1entes ou semiconscientes a respeito da religião, do tradição, mas sua recepção parece ter surpreendido a todos. O
tempo e assim por diante. volume teve um sucesso multo maior do que os orgamzadores
Uma terce1ra característica do ensa10 de Anderson é a ên­ e editores (Cambndge Umversity Press) esperavam. O valor da
fase na históna da imaginação, resumida em sua feliz e bem­ lupótese de Hobsbawm sobre o final do século XIX fo1 enfati­
sucedida expressão "comunidades imaginadas". Ele deu 1nu1ta zado por autores de mmtas outras partes do mundo, do Japão ao
unportâncra ao veículo das publicações, especialmente os Jornais, Brasil. No entanto, ao longo dessa calorosa recepção, a mensa­
na construção das novas comunidades nnag1nadas, con10 a gem do livro for remterpretada. Tomou-se sua idéia orgamza­
nação, e1n lugar de outras n1ais antigas, con10 o cristianisn10. dora como se significasse que todas as tradições são mventadas,
Anderson não parece ter ndo conhecimento da virada para I-loJe, as observações mtrodutónas de Hobsbawm, acima ora­
l'/11storre de l'ímagmall"e sacra/ por parte dos histonadores fran­ das, parecem mais conservadoras que subversivas, dado o uso
ceses um pouco antes, embora se mova em direção semelhante. do s qualificativos n1uítas vezes", "al gu1nas vezes", e sua ad­
11

Ele se parece com tais histonadores por admitrr o poder da una­ vertênCia de que "a força e adaptabilidade da tradição genuína"
gmação coletiva, ou das imagens partilhadas, para fazer com que não deviam ser confundidas com a mvenção.
as coisas aconteça1n. E1nbora não use o tenno "construt1vismo", De outra maneira, no entanto, Hobsbawm foi um profeta
Anderson levou em conta a importância desse processo. acurado, pois observou a relevância espeoal do conceito de "in­
A idéia de construção, ao contráno, é central para Hobs­ venção da tradição" para as nações e o nac1onalis1no. ºNação" é
bawm e Ranger em A mvenção da tradição, o reexame provo­ hoje vista como um caso paradigmátICo de construção; basta ver
cador de um dos conceitos centrais na lustóna cultural. Esse vo­
lume de ensa10s nasceu de uma conferência organizada pela
Past and Present Society, e a conferência, por sua vez, nasceu de · O alho porró é o símbolo nacional de Gales. (N.T. l
DA REPRESENTAÇÃO A CONSTRUÇÃO 113
112 Q QUE É HISTÓRJA CULTURAL?

a quantidade de livros aqm citados que mcluem a palavra "in­ A construção da monarquia
venção" em seus títulos.
De que maneira se dão essa invenção e essa construção? Três estudos publicados na década de 1990 na Rússia, no Japão
Vános estudos recentes chamaram atenção para o papel das e na França servem como ilustração do deslocamento da idéia
fest1v1dades políticas na construção da comunidade, das coroa­ de representação para a de construção no campo político.
ções medievais aos desfiles das ligas de Orange da Irlanda do Scenarzos of Power (1995), de Richard Wortman, estuda o
Norte, no dia 12 de 3ulho. Essas ações colenvas não apenas ex­ lugar do mito e da cenmôma na construção da monarqma
pressam, mas também reforçam o sentido de 1dent1dade cole­ russa. O autor lança mão da teona cultural, de Geertz a -Bakh­
tiva dos parnc1pantes. nn e, embora não ate Goffman, revela uma sensibilidade"goff­
Mais mcomum é o relato de Simon Schama sobre "a cria­ manesca" diante da ubiqüidade do drama, pelo menos na corte
ção da nacronalidade holandesa" no século XVII, em O descon­ e em seus arredores. O livro está centrado na idéia de"cenáno",
forto da rzqueza (1987). Os holandeses eram uma nação nova incluindo a encenação de conquista, a domesticidade, dinastia,
que passou a existir durante a revolta contra Felipe da Espanha. ilum1msmo, amizade, felicidade, humildade, amor, nac10nali­
Constituíam um grupo em busca de uma identidade coletiva. dade e reforma. Coroações, casamentos, funerais, procissões re­
Encontraram ou construíram o que estavam buscando. em ligiosas e paradas militares são vistos como confirmações de
parte identificando-se com os anngos batavos, que lutaram poder ou demonstrações de unidade nacional.
contra o Impéno Romano tal como os holandeses lutavam con­ O livro de Takashi Fujitam, Splendid Monarchy: Power
tra o espanhol, em parte com os israelitas, que haviam decla­ and Pageantry m Modem ]apan (1996), trata da invenção da
rado mdependência em relação ao Egito faraônico.
tradição no Japão após a restauração imperial de 1868. O autor
A esses aspectos, que já haviam sido levantados pelos his­
sugere que naquela época as "elites governantes do Japão in­
tonadores holandeses, Schama acrescentou uma questão pró­
ventaram, reviveram, manipularam e encorajaram os ntuais
pna. Inspirado pelo trabalho de Mary Douglas sobre a pureza,
nacionais com vigor sem precedentes", como parte de uma po­
discutido no capítulo 3, ele interpretou a obsessão holandesa
lítica de envolvimento das pessoas comuns na "cultura da co­
pela limpeza, no século XVII - observada por mm tos viapntes
munidade nacional", tornando-as conscientes de que eram ob­
estra ngeirosr nem sempre de maneira elogiosa - como " uma
jeto do olhar imperial. Os cortejos cívicos e procissões por
afirmação de separação". Na linguagem de Freud, a limpeza dos
holandeses ilustra o "narcisismo das pequenas diferenças", o ocasião das sucessões, casamentos, funerais e marchas pelas
fato de que "são preasamente as pequenas diferenças em pes­ províncias eram particularmente importantes. Fujitani argu­
soas de resto semelhantes que formam a base dos sentimentos menta que tais marchas "produziam poder simplesmente por
de estranhamento ou de hostilidade entre elas". Na linguagem de sua pompa e brilho, e não porque comunicassem qualquer mito
Pierre Bourdieu, é um exemplo da busca de "distmção". Na lin­ ou ideologia parttcular" Como no caso da Rússia, o uso de ele­
guagem do antropólogo bntâmco Anthony Cohen, revela a mentos estrangeiros exóncos, como os coches ingleses, aumen­
"construção simbólica da comunidade" rn tava o efeito. Inspirado por Foucault, Fujitani discute o "olhar
1.14 Ü QUE É HISTÓR!t\ CULTURAL? ÜA lU:.f'RESENTAÇÀO A CONSTRUÇAO 115

nnpenal", observando que as pessoas tmharn medo de encarar se diferente de ação. 11 Afinal, observadores contemporâneos
o 11nperado1: mas estavam conscientes de que ele as observava. afirmavam que até mesmo os menores gestos do rei eram
Nem sempre é clara a posição de cada h1stonador a respeito ensaiados.
da questão da construção discursiva da realidade soaal. Por essa Na análise da vida cotidiana em Versalhes. o trabalho de
razão, decidi discutir um de meus própnos livros. A fabricação Goffman (ver p.54) mostra rnms urna vez seu valor. O rei es­
do rei (1992). Como no caso dos czares. no caso de Luís XIV tava sempre no palco quando comparecia às "regiões da frente"
vemos a ntualização ou mesmo a teatralização de boa parte de do palácio. No entanto, pode-se dizer que o gabmete real, ou ca­
sua vida cotidiana. Os atos de levantar da cama ou de se deitar b111et, se situava nos "bastidores". Ali o rei ficava sozmho com
- o lever e o coucher - eram organizados como uma espécie madame de l'vlamtenon, ímcialmente sua amante e depois sua
de balé (gênero que Luís apreciava e que algumas vezes prati­ esposa (todos sabiam, mas nmguém ousava menc10nar em pú­
cava). As refeições rems de diferentes graus de formalidade blico). Uma boa descnção contemporânea de corno se adrn1111s­
também podem ser vistas como espetáculos para uma audiên­ trava a passagem dos bastidores para a região da frente sobre­
cia seleta. Eram "encenações" no sentido de Richard Wortman. viveu. registrando como Luís se arrumava e tentava parecer
Tomemos o caso da mst1tmção conhecida como "os aparta­ maJestoso ao atravessar os umbrais que separavam a esfera pn­
mentos" (ies appartements). Após sua mudança para Versalhes vada da esfera pública. Dessa forma, o rei contribuía para a cna­
em 1682, Luís XIV abna três vezes por semana alguns de seus ção de uma unagcm ,<leal de s1 mesmo que a3udava a manter o
aposentos do palácio à nobreza. para Jogos de bilhar ou de car­ poder da monarqma.
tas, conversas e refeições leves. Uma das razões para a movação Além de representar a s1 mesmo dessa maneira, Luís XIV
era mtroduz1r um certo grau de mformalidade em Versalhes. fm representado assun em multas esculturas, pmturas e gravu­
De qualquer modo. não é forçar demais o termo descrever essas ras, bem como em poemas. anedotas e penódicos ( entre eles o
ocasiões como "rituais", Já que elas tmham o propósito de co­ Jornal oficial, Gazette). Esses textos e outros ob3etos permitem
mumcar uma mensagem. Eram me10s de afirmar a possibili­ que os hístonadores escrevam sobre o que se chamava "ima­
dade de acesso do rei a seus súditos (um acesso que era também gem" pública do rei, terna que vem mteressando os estudiosos
marcado pela cunhagem de moedas). Na prática. Luís logo dei­ desde que a ascensão da propaganda no final do século XIX nos
xou de aparecei� mas o teatro do acesso continuou a ser ence­ tornou conscientes do poder da nnagem.
nado por multo tempo. Prefen me refenr à fabncação do rei, e não à fabncação de
É difícil saber quanto da vida cotidiana do rei pode ser m­ sua imagem, não apenas porque a expressão reduzida é mais
cluído sob a rubnca de "ntual". Por essa razão. o exame da dramática, corno também para deixar claro que o rei era conti­
vida de Luís XIV é uma oportumdade de refletir tanto sobre o nuamente cnado ou recnado por me10 das performances em
valor corno sobre as limltações desse conceito. Aqm, corno em que desempenhava seu papel - o "grande papel". como disse
outras partes, pode ser mais esclarecedor refenr-se às at1v1da­ um h1stonador sueco em um estudo sobre o rei Gustavo III da
des como mms ou menos ntuahzadas (mais ou menos este­ Suécia. 12 As performances e as suas mmtas representações -
reotipadas, simbólicas) que descrever o ntual como uma elas- representações de representações - tornaram Luís XIV visível
:n6 Ô QUE É HISTÓRIA CULTURAL?
DA REPRESENTAÇÃO A CONSTRUÇÃO 117

a diferentes audiências: seus nobres, seu povo, as cortes estran­ Há uma preocupação cada vez ma10r com a retórica de tais
geiras e mesmo a posteridade. Essas representações tornavam­ documentos, a "retórica da identidade". As correspondências,
se realidade, no sentido de que afetavam a situação política. Mas por exemplo, eram escritas segundo convenções que variavam
não eram a única realidade. Al gu ns contemporâneos deixaram de acordo com a época, a posição social do escritor e também o
registrada a percepção das discrepâncias entre a imagem pública tipo de carta escrita (a carta familiar entre iguais, a carta supli­
do rei como guerreiro, por exemplo, e o comportamento efetivo cante de um infenor para um superior e assrm por diante).
de Luís, que prefena manter distância do campo de batalha. Em seu livro Fictzon in the Arcluves (1987), por exemplo,
No contexto do construt1v1smo, pode ser mteressante ob­ Natalie Davis estudou o que chamou de "contos de perdão e
servar as reações antagônicas a meu livro. Al guns lustonadores seus contadores na França do século XVI" Nessas h1stónas de
tradic10na1s se surpreenderam por eu ter levado tão a séno a homicídio a" sangue quente". de autodefesa e assim por diante,
imagem de Luís XIV. a ponto de escrever um livro mteiramente e nos pedidos de perdão escritos para o rei - provavelmente
dedicado a esse tema, em vez de discutir as políticas do re1. Por por advogados em nome de seus clientes - o que interessa a
outro lado, alguns leitores pós-modernos não ficaram sat1sfe1- Davis é o que ela chama de aspectos "ficc10nais" desses docu­
tos com a sugestão de que havia algo fora do texto, um mdiví­ mentos. Como explica: "Por 'ficaonal' não quero dizer elemen­
duo real por trás das representações. Nos dias de hoJe, os h1sto­ tos fingidos, mas, em vez d.isso, usando um outro e mais amplo
nadores da cultura têm de andar na corda bamba. sentido da raiz /ingere, seus elementos formadores e moldado­
res: a tessitura de uma narrativa.''
Como no caso dos contos de perdão, a classificação trad.ic10-
A construção de identidades mdiv1dums nal das autob10grafias como verdadeiras ou mentirosas f01 gra­
dualmente sendo substituída por uma abordagem mais sutil.
A preocupação com a construção da identidade é uma carac­ que leva em conta as convenções ou regras de auto-apresenta­
terística importante da NHC, o que não é de surpreender: ção em uma dada cultura, a percepção do "eu" em termos de
numa época em que a "política de 1dent1dade" se tornou certos papéis (o nobre honrado, a esposa virtuosa ou o artista
questão de grande relevância em muitos países. Há um mte­ msp1rado ), e a percepção das vidas em termos de certos enredos
resse cada vez ma10r em documentos pessoais ou, como di­ (a ascensão da m1séna à nqueza, por exemplo, ou o arrependi­
zem os holandeses. "documentos-ego" Estes são textos es­ mento do pecador convertido j.
cntos na primeira pessoa, sob a forma de cartas ou narrativas Um dos primeiros exemplos dessa abordagem é dado por
de viagens. tal como discutido anteriormente (ver p.80), ou d.iá­ William TindalL em John Bunyan, Mechamclc Preacher (1934).
nos e autob10grafias. mclumdo autobiografias de artesãos e Tindall tratou o livro de Bunyan (Grace Abounding to the
trabalhadores manuais, por exemplo, alfaiates, sapateiros, car­ Cluef of Sinners) ao estilo da década de 1930, como um produto
pmteiros, ou o vidreiro Jacques-Loms Ménétra, de Pans, CUJO típico em tudo, exceto na habilidade literána da classe de
notável relato de vida durante a Revolução Francesa f01 desco­ Bunyan, os artesãos ou "mecânicos". No entanto, Tindall tam­
berto por Dame! Roche_B bém colocou Grace Abounding em um gênero literáno particu-
:1:1S Ü QUE É !!ISTORIA CULTURAL? D,\ REPRESENTAÇÀO A CONSTRUÇÃO 1:19

lar, a uautobiografia entusíástica" ou narrativa de conversão, s1 mesmo". Um estudo antenor, de Richard Ellmann, já havia
que surgm na Inglaterra em meados do século XVII e estava as­ destacado o que o autor eh mnou de "poses" e " mascaras� "d e
sociada a seitas protestantes radicais. tais corno os batistas ou Yeats. ·
11

quacres. Os histonadores vêm mostrando mteresse cada vez ma10r


Obras desse gênero segmam os modelos das Confissões de em captar as pessoas no ato de constrmr ou tentar construir di­
santo Agostmho e da vida de são Paulo. tal como contada nos ferentes 1dent1dades para s1 mesmas. "passando" pelo que não
Atos dos apóstolos, pnme1ro chamando a atenção para uma vida são - passando por branco. por homem, por membro das clas­
m1cial de pecados e dep01s contando a l11stóna de uma dramática ses superiores e assim por diante. Alguns casos bem conhecidos
transformação. Tindall discute o que chama de "convenções" do de mulheres que se vestiram de homem e serv1ram ao exército
gênero, os "padrões de seleção, ênfase e organização" e a "fór­ ou à marinha assumiram um novo significado no contexto das
mula rígida de regeneração", observando que essas regras sobre preocupações correntes com a identidade e a plasticidade, bem
a escnta ongmavam-se em um ambiente oral.. a reunião. con10 con1 a história feininina. 15
De maneira semelhante, algumas biografias acadêmJCas fo­ Uma figura menor que se tornou foco da atenção acadê­
calizaram a auto-apresentação ou auto-adaptação de seus su3e1- mJCa dessa maneira é George Psalmanazac um francês que ten­
tos. É o que Stephen Greenblatt fez em Sir Walter Rale1gh: The tou vánas carreiras antes de li' para a Inglaterra e tentar passar
Re1101ssa11cc !V!an a11d h1s Roles (1973), segmdo por seu estudo por nativo de Formosa. Ele publicou uma descnção detalhada
mais conhecido. Re1101ssa11ce Self-Fashio11111g from !Vlore to da ilha em 1704, antes de ser desmascarado como impostor.
Sha/cespeare (1980). Cnstóvão Colombo (1991), de Felipe Fer­ Como enfatiza um estudo recente, Psalmanazar "desempenhou
nandez-Annesto, difere das biografias precedentes do grande muitos papéis.... Foi Japonês. forrnosmo, francês, holandês,
descobndor por enfatizar sua preocupação. ao longo de toda a Judeu. estudante, tratante, refugiado. soldado. convertido, pole­
vida, com a autoprornoção. Descreve Colombo como um "exi­ mista, falsário, sábio, mercenáno. ernpreendedo1; penitente.
bic10nista" mesmo em suas demonstrações de humildade. e exemplar e idoso.'' 16
afirma que ele desempenhava um papel "extraordinanamente
be1n escríto"
Da mesma forma. uma recente b10grafia de William Performances e ocasiões
Butler Yeats escnta pelo historiador irlandês Roy Foster dá
mmto destaque à auto-apresentação do poeta: suas roupas, Psahnanazar pode ser visto co1no urn artista exÍin10, e o inte­
por exemplo ( especialmente o casaco e o chapéu de abas lar­ resse recente por sua carreira é um smtoma do que pode ser
gas, ambos pretos), os gestos teatrais. a maneira de falar, ou chamado de "virada performat1va" na história cultural. Já se
melhor, de reCitar seus poemas em público, a preocupação com chamou a atenção para a nnportâncm do modelo dramatúrgico
os retratos nos front1spíc10s de seus livros. suas autob10grafias na década de 1950 e 1960 (ver p.53). No entanto, da década de
e. finalmente. o que um contemporâneo descreveu em 1915 1970 em diante ocorreu um deslocamento gradual, sutil e cole­
co1no sua preocupação em II construir uma lenda em torno de nvo na maneira corno esse modelo era usado.
120 Ü QUE E I-IISTÓIUA CULTURAL?
DA REPRESENTAÇÃO A CONSTRUÇÃO 121

Desempenho na história cultural


mo ações. como textos que precisam ser discutidos em termos
de suas estratégias, táticas, encenação (mise-en-scêne), recepção
Os histonadores. corno seus colegas de outras disciplinas. vêm
e eficácia.
passando da noção de "roteiro" social para a de "p erformance"
As festividades públicas são obviamente mai s fáceis de
social. termo levado ao pnmeíro plano teónco na década de
analisar em termos de performance, e de fato foram estuda­
1970 por antropólogos que trabalhavam com o tema da fofoca
das dessa maneira. É o caso da co roação da rainha Elizabeth
e do ntual. Pouco depois. também um antropólogo, Marshall ll, mterpretada como uma "performance de c onsenso". o u
Sahlins. lançou a idéia mais geral de cultura corno urna séne de dos festivais populares na Venezuela, vistos como performan­
receitas para realizar atos "performativos", termo tornado
ces de nac10nalismo . As comemorações já foram descritas como
de empréstimo ao filósofo mglês JohnAusnn, que estudou atos de
performances de históna ou memóna. A h1stóna da dança, que
fala tais como "batizo este navio" ou - no contexto do casa­
antes pertencia à seara dos especialistas, agora é levada a séno
mento - "aceito ". elocuções que. mais que descrever situações.
por histonadores culturais e discuuda em s ua relação com a po­
as ocasionam. 17
lítica e a sociedade.19
A história das idéias políticas foi reescnta sob esse ponto de
Ess e conceito também é usado em análises da vida coti­
VIsta. em especial por Quentin Skmner, em As fundações do pen­
diana, em termos de performance de etnia, por exemplo, ou de
samento político moderno (1978), preocupado com a segumte
gênero, honra, cortesama. nobreza e escravidão. Assim, a etno­
questão: o que fazíam, ao escrever seus livros, os autores que ele
grafia de Michael Herzfeld de uma aldeia em Creta apresentou
discutia? Qual o foco central de seus argumentos. o que Austm
o bar-café como palco para a performance da masculinidade por
chamava de"força elocutóna"? Ao dingir o foco para as palavras
meio da agressão ntualizada - Jogos de cartas, po r exemplo,
como ações em um contexto político, social e mtelectual. Slanner
em que "quase todos os movimentos são feitos c om gestos
deu urna contribmção para o que chamou de "históna .da teona
agressivos, especialmente bater com os nós dos dedos na mesa
política com um caráter genumamente histórico". 18
quando a carta e'baixa a .-
. d"'º
Outro exemplo, pouco conhecido fora da França, é Jv!aza­
Exibições de submissão aos senhores por parte dos escra­
nnades (1985), de Christian Jouhaud, um estudo dos cerca de
vos têm sido mte rpretadas como performances, c omo "simula­
cmco mil panfletos dingidos contra o regime do cardeal Maza­
ção ", exagero (ver p.55). A deferência da classe trabalhadora fo1
rmo em meados do século XVII. J ouhaud reJeito u a abordagem
mterpretada em termos semelhantes. Inversamente, como co­
estatística desses panfletos feita por algu ns de seus predecesso­
loca o antropólogo James Scott. "se a subordinaçã o exige um
res (ver p.34), da mesma forma que re3e1to u a abordagem des­
desempenho verossímil de humildade e deferência, da mesma
sas mazannades como "reflexos" passivos da opmião pública
forma a dornmação parece exigir um desempenho verossímil
da época. A" flmdez" de seu discurso, corno disse ele. torna im­
de a1t1vez
· · dade '".- 1
e supenon
possível aproximar-se desses textos escorregadi os da maneira
Os lingüistas também vêm falando de"atos de identidade"
tradic10nal. Em vez disso , o autor pergunta, com o Austin e
para enfatizar o fato de que a ling uagem não só expressa como
Skmner, "o que essa escnta faz?". e apresenta os panfletos co-
cria, ou ajuda a cnar, identidades. Há um mteresse cada vez
122 Ü QUE f: HISTÓRIA CULTURAL? DA REl'RESENTM;Ao A CONSTRUÇAO 123

rnmor pela performance da metáfora. O ato de varrer o chão, ne1ra distinta em ocasiões diferentes. aumentando-a, dimmum­
por exemplo, pode func10nar corno um símbolo de organização do-a ou adaptando-a. Em suma, os poetas nnprov,savam.
interna. A limpeza étnica pode ser vista co1no a encenação de Eram possíveis 11nprov1sações por horas segmdas graças a
urna metáfora de pureza.22 uma estrutura do que Parry e Lord chamaram de "fórmulas" e
O termo "performance" já f01 aplicado até mesmo à arqm­ "temas", Encontrmnos de novo a ênfase e1n esquemas cultu­
tetura, desenvolvendo urna antiga idéia de edificações ou praças rais, dessa vez em d01s níveis diferentes. Uma fórmula é um
como palcos. No tempo do papa Alexandre VIL que encomen­ verso ou dístico recorrente, tal como "ao longo da lisa planície",
dou a construção da praça São Pedro, em Roma, o lugar era des­ our no caso de Ho1nero, 1nar escuro co1no o vinho" Un1 ten1a
11

crito corno "teatro". A arqmtetura é uma arte coletiva, na qual é uma fórmula por extenso, um episódio recorrente, corno o
o pro_Jeto pode ser visto como uma espécie de roteiro em que há envio de urna carta ou o aprestamento do herói, um episódio
lugar para 1mprov1sação por parte dos profiss10nais.2' com uma estrutura básJCa que penn1te a elaboração ou o uso de
Qual o significado da ascensão do conceito de performan­ "ornainentos", de acordo com a perícia do cantor ou co1n a oca­
ce? É importante observar o que fo1 reJeitado. Sam a noção de sião em que ele se apresenta.
uma regra cultural fixa, substituída pela idéia de 11nprov1sação. Agora que a oralidade )Untou-se à literalidade e à numera­
Pierre Bourdieu, um dos prmapais iniciadores da mudança de liclade corno tópico de pesqmsa histónca, os h1stonadores estão
abordagem - embora raramente use o termo "performance" descobrmdo multas fórmulas e temas desse tipo. e também pas­
-, mtroduzm seu concerto de "hab1tus" (o prmcíp10 da impro­ saran1 a prestar n1ais atenção aos boatos, baladas e contos popu­
visação regulada) contra a noção estruturalista de cultura como lares.25 De qualquer forma, as análises apresentadas em The
sistema de regras, idéia que ele considerava rígida demais. Singer ofTalcs cont1numn se1n igual.
A improvisação no sentido literal fo1 extensamente anali­ Na década ele 1980, a idéia ele performance assumm um
sada em uma séne de estudos sobre a cultura oral. Um dos mais significado rnms amplo. Muitos estudos mais antigos de rituais
nnportantes deles, que tem sido pouco discutido pelos h1stona­ e fest1v1dacles supunham que eles segmarn os textos ele perto, já
dores culturais, é um livro que, devo confessar. me causou que relatos impressos das festas eram freqüentemente publica­
grande impacto quando apareceu: The Singer ofTales (1960), de dos nos séculos XVI e XVII, algumas vezes antes mesmo do
Albert Lord.24 Lord acompanhou Milman Parry à Iugoslávia, acontecimento. Geralmente os textos eram ilustrados, e alguns
como então se chamava, na década de 1930. Parry, professor de pesqmsadores achavam que a iconografia cios festivais podena
Class1crsmo em Harvard, acreditava que a Ilíada e a Odisséia ser analisada da mesma maneira que Panofsky e outros haviam
eram composições orais que haviam sido escntas a partir das analisado a iconografia elas pmturas.
declamações. Os estudos mais recentes sobre festas, por outro lado, en­
Para testar essa hipótese, Parry e Lord foram à Bósrna, onde fat1zan1 que a performance nunca é u1na n1era interpretação"
11

cantores ou poetas épicos ainda estavmn ativos en1 tavernas e ou expressão, mas tem um papel mais ativo. de vez que a cada
cafés. Eles gravaram e analisaram centenas de épicos, observando ocasião o significado é recnaclo. Os estudiosos tendem agora a
que o mesmo poeta desempenhava a "mesma" h1stóna de ma- destacar a mulnplic1dade e o conflito de significados de urna
DA REPRESENTAÇÃO A CONSTRUÇÃO 125
1. 24 Ü QUE É lilSTÓRIA CULTURAL?

dada festa, como as festas relig10sas na Aménca do Sul, por o que deveria fazer, "o papa sornu e disse que quena as cmsas
exemplo, que para alguns participantes estão associadas ao ca­ com simplicidade, à sua própna maneira"."
toliasmo. enquanto para outros são associadas a religiões afri­
canas tradic10nais.
Os h1stonadores especialistas na Europa da Idade Média e A ascensão do ocasJOnalismo
do começo da Idade Moderna mmtas vezes trataram das pro­
cissões, que desempenhavam um papel multo 11nportante Os estudos sobre a performance - ou sobre a vida como per­
tanto nas festas relig10sas como nas seculares: o de representa­ formance - discutidos na seção antenor sugerem que estamos
ção ou reafirmação da estrutura social da comunidade. Ao fa­ testemunhando uma revolução silenc10sa na prática acadêmica
zer isso. no entanto, é necessário levar em conta que o consen­ da área de humanidades, em um domínio ou disciplina após o
so estava longe de ser completo, e que as pessoas às vezes chegavam outro. Ao batizar essa tendência de "ocas10nalismo", proponho
a trocar socos nas ocasiões n1ais solenes porque unham visões adaptar às necessidades dos historiadores culturaIS um termo
mcompatíve1s sobre seu própno lugar na comunidade, e cada filosófico onginalmente usado por Kant para se refenr aos car­
um estava certo de que ele ou ela tinha direito de precedência tesianos tardios, como Malebranche.
sobre o outro. Como vimos, tun mesmo ritual ou uma mes1na h1stóna
Daí a nova ênfase sobre o que acontecia de errado, sobre as varram em diferentes ocasiões, e que a expressão de deferência
fugas do roteiro. Um estudo sobre execuções feito por Thomas por parte do escravo só se dá enquanto o senhor está olhando.
Laquem: por exemplo, que cnnca Foucault e outros pela ênfase Generalizando a partir de exemplos como esses, podemos dizer
no que ele chama de "dramaturgia Judicial", concentra-se nas que, em diferentes ocasiões (momentos, locais] ou em diferen­
reações da multidão e nas "mudanças mesperadas" que produ­
tes situações, na presença de diferentes pessoas, o mesmo mdi­
ziam "um teatro de fluidez muito maior" ,26
víduo comporta-se de modo diverso.
Na Roma do Renascimento, a sobrevivência dos diános do
O que chamo de" ocasionalismo", se não é exatamente um
mestre-de-cenmônias papal, Pans de Grassis. nos permite ter
deslocamento do determmismo social para a liberdade indivi­
uma idéia do que realmente acontecia nos ntuais relativos ao
dual, é, pelo menos, um movimento que se distancia da idéia de
papa, bem como do que devena ter acontecido. Por exemplo,
reações fixas, segundo regras, e que cammha em direção à
Grass1s tmha de levar em conta que, para os cardeais mais ido­
sos, era difícil ficar de pé ou ajoelhar-se por muito tempo, noção de respostas flexíveis, de acordo com a "lógica" ou a" de­
quanto mais cammhar numa procissão. Para piorar. o papa finição da situação" - expressão tornada famosa por William I.
nessa época era Júlio II, que sofna de gota e nem sempre podia Thomas, sociólogo de Chicago. A obra sobre a auto-apresenta­
f azer a genuflexão quando a liturgia eXIgia. Ele não gostava dos ção de Erving Goffman, outro sociólogo de Chicago (ver p.54),
paramentos, e às vezes aparecia sem a estola, quando a etiqueta é um dos melhores exemplos dessa tendência. Na década de
prescrevia seu uso. Além disso, era 11npac1ente com o protocolo. 1950, essa abordagem ocasionalista ia contra as formas domi­
Em certa ocasião. quando o mestre-de-cenmônias lhe mformou nantes de análise social e histórica. Nos últimos anos, ao con-
DA REPRESENTAÇÃO A CONSTRUÇÃO 127

tráno, ela parece estar em todo o lugai; nos mais variados con­ pareciam achar que seu alto status social exigia não mostrar di­
textos ou do1nín1os. vertin1ento com piadas " grosseiras", sempre que pessoas de ou­
No caso da linguagem, por exemplo, os h1stonadores estão tros grupos pudessem vê-las e ouVI-las. No salão de fumar, por
aprendendo com os soc10lingüistas a estudar as ocasiões em que outro lado, longe das senhoras, os cavalheiros v1tonanos conti­
pessoas bilíngües passam de uma língua para outra, enquanto nuavam a apreciar tais piadas. As senhoras deviam fazer o
outras pratrca in tuna "digloss1a",-· usando uma variedad e ª al ta " mesmo na ausência dos homens.
de linguagem para discutir política, por exemplo, e uma varie­
dade "baixa" para falar de futebol.
O bilingüismo é exemplo de um fenômeno mais geral que Desconstrução
pode ser chamado de "biculturalismo" Tendemos a pensar que a
caligrafia é urna expressão da personalidade mdividual. No en­ Não se deve exagerar o que agora parece, para alguns estudio­
tanto, na França do século XVI, por exemplo, a escnta de urna sos, o realismo mgênuo das gerações mais antigas de histona­
mesma pessoa podia multo bem vanar de estilo, de acordo com dores. Alguns deles estavam perfeitamente conscientes de seu
a ocasião. Estilos particulares de caligrafia - letra da corte, letra papel ativo na construção das categorias sociais. Na década de
de secretána, letra de mercador e assnn por diante - estavam 1880, Fredenck William Maitland, por exemplo, observou: "se,
assooados a funções part1cularesr tais co1no a contabilidad e ou em um exame, fosse perguntado quem mtroduzm o sistema
as cartas para amigos. Na Hungria do começo da era moderna feudal na Inglaterra, uma resposta mmto boa. se apresentada
já se encontravain exemplos de que u1n indivíduo assinava o adequadamente, sena Henry Spelman" (um estudioso do sé­
nome ern certa ocasião e fazia uma cruz en1 outra. culo XVII mteressado na históna das leis medievais). 29
Também os histonadores da arte passaram a pensar no es­ Da mesma forma, o historiador francês Lucien Febvre es-
tilo em relação a ocasiões, e não só em relação a períodos ou 111- creveu: ,, nossos pais inventaram sua R enascença "d , a 1nesma
divíduos. Estudiosos do Renascimento, por exemplo, observa­ forma que "cada época constrói mentalmente para s1 sua repre­
ram as mudanças do gótico para o clássico - e vice-versa na sentação do passado histórico" (chaque époque se fabnque
obra de pmtores e escultores como Pisanello ou Veit Stoss, se­ me11taleme11t sa représentatwn du passé h,stonque). 30 De ma­
gundo as demandas do gênero ou do patrono. 28 neira semelhante, os histonadores vêm usando a expressão "o
O mesmo se pode dizer a respeito do processo civilizador, mito do Renascimento" para registrar sua noção de que o ter­
apresentado no estudo clássico de Norbert Elias, de 1939 (ver mo não é exatamente uma descnção obJetiva, mas sim uma
p.20). No caso da h1stóna do humor, por exemplo, o problema projeção de valores sobre o passado.
da tese de Elias é que, embora ao longo dos séculos XVII e XVIII Outros estudiosos estavam bem cientes da relação entre
as classes altas tenham deixado de nr de certos tipos de piada h1stóna e mito. Thucydides Mytlustoncus (1907), de Francis
quando estavam em público ou em companhias mistas. parece Cornfold, uma análise do "mito" na história escrita por Tu­
que continuaram a nr das mesmas anedotas em outros l ocais . cídides e das analogias entre sua obra e a tragédia grega, apare­
Membros das classes supenores, particulannente as senhoras, ceu cerca de 70 anos antes do livro de Hayden White, Meta-/11s-
128 Ü QUE É !-IISTÓRJA CULTURAL? DA REPRESENTAÇÃO A CONSTRUÇt\.O 129

tórza (ver p.106), e de outros estudos sobre o que já fm descrito "Quem inventou a Irlanda?", perguntou Declan Kiberd no
como "míto-hístóna" começo de seu livro Invenhng Ireland (1996), observando que
De toda forma, nem sempre as nações foram consideradas os irlandeses exilados deram uma desproporaonal contríbmção
imutáveis. A pnmeira frase do famoso livro de Américo Castro, à idéia da nação irlandesa, e que os ingleses também "ajuda­
Aspectos dei vzvzr fúspamco (1948), é: "Um país não é uma en­ ram (/ nessa construção.No caso do l/Onente", já é bem óbvio o
tidade fixa." E. como explica o autor, "a Espanha, como qualquer papel do Ocidente ao construí-lo como seu oposto, mas conti­
outra nação, tem sido um 'tema' problemático que teve de se 111- nua em aberto o probiema da importância relativa de diferen­
ventar e se manter ao longo de sua existênaa". La inventión de tes tipos de ocidentais - viajante, estudioso, m1Ssionáno, buro­
l'Amerzca, do hístonador mexicano Edmundo O'Gorman, fm crata e assim por diante. O mesmo acontece com a questão da
publicado em 1958. Na época soou estranho seu argumento de importância relativa da invenção individual e da coletiva, e das
que a descoberta foi menos importante que a idéia de um quarto maneiras como funciona a cnativ1dade coletiva - por me10 de
continente. e agora isto é quase um lugar-comum. recepção crianva. por exemplo.
Mas a idéia de constnição fm ho3e levada multo mais adian­ Um segundo problema se refere às possíveis resmções cul­
te. Em seu estudo sobre identidade na África, Mestizo Logzc turais ou sociais no processo de construção. Certamente nem
(1990), o antropólogo francês Jean-Loup Amselle argumenta tudo é imaginável a qualquer momento; é claro. por exemplo,
que os fulam ou os bambara devem ser vistos não como tribos que um dado grupo de hispano-arnencanos não tmha liberdade
ou mesmo grupos étnicos_. mas como partes de un1 "sistema de para mventar qualquer npo de Argentina que qmsesse após a in­
transformações" Para ele. não há fronteiras culturais claras dependência da Espanha. A idéia de construção cultural se de­
entre esses grupos, e os indivíduos têm identidades flmdas ou senvolveu como parte de uma reação saudável contra o determi­
múltiplas, disnnguindo-se de diferentes "outros" de acordo msmo soaal e econômico, mas é necessário evitar o excesso de
com as circunstâncias. A identidade é continuamente recons­ reação. Os historiadores preasam explorar os limites da plasti­
truída ou negociada. cidade cultural. limites que, embora passíveis de modificação -
É muito salutar essa reação construt1v1sta contra uma até certo ponto-. algumas vezes são estabelecidos por fatores
visão simplificada, que considera as culturas ou grupos sociais econômicos, fatores políticos ou, ainda, por tradições culturais.
como homogêneos e claramente separados do mundo externo. Um terceiro problema se refere aos materiais da constru­
A crítica ao" essencialismo" feita por Amselle e outros pode ser ção cultural. Sem dúvida. seria errado vê-Ia como um processo
aplicada com proveito não apenas a culturas. como os fulam. ou de cnação ex nihilo. Na verdade, Enc Hobsbawm já havia cha­
a classes, como a burguesia, mas também a movimentos ou pe­ mado atenção para "o uso de materiais antigos". em sua mtro­
ríodos, como o Renascimento ou a Reforma, o Romantismo ou dução em A znvenção das tradições. Indo um pouco mais longe
o Impress10msmo. De qualquer forma, a idéia de construção nessa direção, e tomando de empréstimo um termo dos cosmó­
cultural levanta problemas CUJa solução ainda está longe, parti­ logos. gostana de sugerir que o que tradicionalmente foi des­
cularmente três: quem está fazendo a construção? Sob que res­ crito como transmissão de uma tradição (ou, como chamou
tnções? A partir de quê? Bourdieu. "reprodução cultural") é mais um processo de "cria-
1 JO Ü QUE É HISTORIA CULTUR,\L?

ção contínua"_ O que quer que os supostos transmissores pen­


sem que esteJam fazendo, passar adiante uma cultura para uma
6
nova geração é necessariamente um processo de reconstrução,
o que LéV1-Strauss chamou de bncolage, e de Cerreau, de "reu­
tilização" (ver p.102),
Além da virada cultural?
O processo é impulsionado, em parte, pela necessidade de
adaptar velhas idéias a novas circunstânCJas, em parte por ten­
sões entre formas tradicíona1s e novas mensagens, e em parte
pelo que f01 chamado de" conflito mterno da tradição" - o con­
flito entre a tentativa de encontrar soluções umversais para os A expressão NHC pareCJa uma boa idéia quando f01
problemas humanos e as necessidades ou a lógica da situação, cunhada no final da década de 1980, como fo1 também
No caso de movunentos religiosos ou políticos, as diferenças o caso de "nova lustóna", nos Estados Umdos da dé­
mev1táve1s entre fundadores e seguidores levam a polaridades cada de 1910. Infelizmente, a novidade é um trunfo
culturais, A mensagem do fundador muitas vezes é ambígua, Na que se esgota rapidamente, Essa "nova" h1stóna cul­
verdade, pode-se dizer que os fundadores têm ê>uto preCJsa­ tural tem mais de 20 anos, Na verdade, um exame da
mente porque significam mmtas coisas para mmtas pessoas, lista cronológica de publicações apresentada ao final
Quando os segmdores tentam mterpretar a mensagem do fun­ deste volun1e sugere que ela já tcn1 n1ais de 30 anos,
dador' as contradicões
, latentes se tornam manifestas.31 unia vez que o rompnnento real ocorreu no 1níc10 da
Investigar mais profundamente esse processo é tarefa para
década de 1970, uma década antes da mvenção do
o futuro, O problema do futuro da h1stóna cultural será tratado
nome, A mesma lista sugere que, enquanto a produ­
no próximo capítulo,
ção de matenal movador permaneceu alta na década
de 1980 - basta olhar a vanedade e qualidade dos li­
vros lançados em 1988, por exemplo-, ela declina
gradualmente na década de 1990. O míc10 do século
XXI parece ser um tempo de reconhecunento, em ter­
mos de volume e consolidação, em que o presente
livro tem seu lugar. No entanto, é preciso dizer que
este tipo de mventáno geralmente se segue à fase
n1a1s cnativa de um movimento cultural.
Acrescente-se a isso o fato de que a NHC tem sido
obJeto de críticas sénas, e é impossível fugir à se­
gmnte questão: chegou o tempo de uma fase amda
131
1J2 Ü QUE É HISTÓRJA CULTURAL? ALÉM DA VIRADA CULTURAL? "1 JJ

mais nova? Ou. essa fase já começou? Podemos também nos Anthony Grafton é um exemplo bem conhecido de histo­
perguntar se o que vem pela frente será um movimento amda nador cultural CUJO trabalho acadêmico enfoca a tradição clás­
mais radical, ou se, pelo contráno, teremos uma reaproximação sica no Renascimento e no período postenor, embora também
de formas mais tradicionais de históna. tenha contribuído para a história da leitura e produzido uma
Como sempre. é necessáno fazer distmções. Temos de distm­ históna das notas de rodapé e sua relação com as práticas técni­
gmr entre o que queremos que aconteça e aquilo que supomos cas e a ideologia da profissão histórica, em The Footnote (1997).
que acontecerá, bem como separar as tendêncras de curto e de Uma das mais conhecidas obras de história cultural pu­
longo prazo. No que se refere a previsões, é difícil fazer mais que blicadas nesse período em língua mglesa é Viena, fin de sie­
extrapolar as tendências de longo prazo, embora estepmos cien­ cle (1979), de Carl Schorske, um estudo sobre escntores como
tes, pela experiência passada, de que o futuro será mais que uma Arthur Schnitzler e Hugo Von Hoffrnannsthal, artistas co­
simples contmuação de tais tendências. Devemos levar em conta mo Gustav Klimt e Oskar Kokoschka, e também Sigmund
as possíveis reações a elas, as tentativas de voltar no tempo, em­ Freud e Arnold Schoenberg, Schorske apresenta seu trabalho
bora saibamos ser impossível um simples retorno ao passado. como um estudo da modernidade, definida em comparação
Neste ponto. provavelmente o mais útil a fazer é discutir ao hístoncismo do século XIX. Sua história do que ele chama
cenános alternativos. Uma das possibilidades é o que se pode de "cultura a-l11stórica" apresenta uma mterpretação essen­
descrever como o "retorno de Burckhardt", usando o nome cialmente política desse movimento, ligando-o aos "tremores
como uma espécie de síntese, um símbolo para o renascer da da desmtegração soCial e política" e ao declínio do liberalismo
históna cultural tradic10naL Uma segunda possibilidade é a ex­ no sentido de um compromisso com a rac10nalidade, o rea­
pansão contínua da nova históna cultural para outros domí­ lismo e o progresso, Eram esses os valores contra os quais
nios. Uma terceira é a reação contra a redução construtivista da seus protagonistas se rebelaram, cada um à sua maneira -
socredade em termos de cultura, o que pode ser chamado de "a Freud, ao chamar a atenção para as forças 1rrac10nais da psi­
vmgança da históna sacra!". que, por exemplo: Klimt ao romper com o realismo e ofender
deliberadamente a moralidade burguesa, e assim por diante.
Um futuro possível para a históna cultural - pelo menos
O retorno de Burckhardt no futuro próximo - é a renovação da ênfase na históna da
alta cultura. Afinal, a alta cultura é uma ausência conspícua dos
Em certo sentido, não podemos falar do retorno de Burck­ "estudos culturais" tal como ensmados e estudados em muitos
hardt porque, para começo de conversa. ele nunca f01 embora lugares ho3e. Se essa renovação ou retorno ocorrei; é imprová­
de fato. Ou se3a, a históna da alta cultura, do Renascimento, vel que a l11stóna da cultura popular definhe, mesmo que o con­
por exemplo, ou do Iluminismo, nunca foi abandonada, mes­ ceito de "cultura popular" já esteja sendo questionado. Os d01s
mo na era do entusiasmo pela cultura popular, nas décadas de tipos de história cultural provavelmente vão coexistir, Junta­
1970 e 1980 - embora sofresse a competição pelos recursos mente com um interesse crescente em suas mterações. Na ver­
acadêmicos. dade, a alta cultura pode ser reestruturada ou mesmo descen-
1 34 Ü QUE É J-l!STÚR!t\ CULTURAL? ALEfv! DA VIRADA CULTURAL? 135

trada, chamando-se a atenção, por exemplo, tanto na h1stóna política da cultura, mdo da publicidade dada às coleções dos go­
das mentalidades como na h1stóna da filosofia, para a recepção vernantes, como smal de sua magnificência e bom gosto, às ra­
do Ilum1111smo por parte de diferentes grupos sociais ou para a zões naoonms ou nacionalistas para a fundação de galerias, mu­
domesticação do Renascimento, no sentido de seu impacto seus e teatros no século XIX.
sobre a vida cotidiana - sobre o desenho de cadeiras e pratos, Uma preocupação com o que algumas vezes é chamado de
digamos, ass11n como sobre as pmturas e os palác10s. Na ver­ "admm1stração cultural" é particularmente visível nos sécu­
dade, esse deslocamento de ênfase já está acontecendo. 1 los XIX e XX. No Brasil, o regime do presidente Getúlio
Alguns exemplos nnportantes de NHC podem ser relidos Vargas, especialmente entre 1930 e 1945, preocupou-se mmto
sob esse ponto de vista; O queiío e os vermes (1976), de Ginz­ com a cultura nac10nal, embora, como sugere um estudo re­
burg, por exemplo. Esse vigoroso retrato de um mdivíduo e seu cente, tenha sido também um tempo de "guerras culturais"
cosmos atram multa gente sem mteresse espeoal pela Itália do em nome da representação da 1dent1dade da nação, no sentido
século XVI. No entanto, ele também pode ser lido como urna de competição entre mm1sténos, por exemplo, ou entre estilos
contribuição à h1stóna de um 11nportante mov11nento cultural, arquitetônrcos. 2
a Contra-Reforma, do ângulo de sua recepção. da mteração com No entanto, é a cultura da política que merece mais atenção
a cultura popular tradic10nal. Em suma, como acontece mmtas aqm. Seria um equívoco sugerir que os lustonadores culturms
vezes na lustóna cultural, uma tentativa de voltar ao passado tenham sempre ignorado a política, ou que os h1stonadores po­
produzirá al go novo. Al gumas tentatlvas recentes de reviver - líticos tenham deixado a cultura completamente de lado. Havia
mas também de redefimr - a idéia de tradição apontam na lugar para a polítJCa na história cultural tradicional, mclus1ve na
mesma direção. obra de Burckhardt sobre o Estado renascentista como obra de
arte, na de Marc Bloch sobre os poderes curadores atribuídos
aos reis da França e da Inglaterra, e nos trabalhos de mmtos es­
Política, violência e emoções tudiosos do simbolismo da monarqma - insígnias reais, coroa­
ções, funerais ou entradas formais nas cidades.
Um segundo cenáno prevê a extensão da nova h1stóna cultural Nos estudos políticos, al gumas figuras nnportantes, como
de modo a mclmr dornín10s anteriormente deixados de lado, Murray Edelman, autor de Polit1cs as Symbolic Act1011 (1971),
entre eles a política, a v10lência e as emoções. deram sua "V1rada cultural" há uma geração, ao exammar os n­
tums ou quase-rituais políticos e outros aspectos s1111bólicos do
comportamento político no presente e no passado. A explicação
A histór,a cultural da política cultural ofereCJda por ES. Lyons para a conturbada h1stóna polí­
tica da Irlanda já fo1 discutida em um capítulo anterior (ver p.47).
Política e cultura estão ligados de mms de um modo. Um con­ De qualquer forma, quando novos termos técmcos entram
Jtmto de conexões possíveis fo1 explorado por Schorske em em uso, normalmente isso é smaJ de um deslocamento de inte­
Viena, fin de siécle. Outra abordagem pode ser descnta como a resse ou de abordagem. O conceito de "cultura política" é uma
1J6 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? ALÉM DA VIRADA CULTURAL? 1 J7

expressão da necessidade de ligar os d01s domímos, focalizando obra de Edward Thompson - CUJO pai trabalhou na Índia e
as atitudes ou noções políticas de diferentes grupos e as manei­ simpatizava com o movimento de mdependência - f01 uma
ras pelas quais essas antudes são mstiladas. Empregada pelos inspiração. 3
crentistas políticos na década de 1960, a expressão parece ter en­ A obra publicada pelo Grupo de Estudos Subalternos é
trado no discurso dos historiadores ao final da década de 1980, também diferenciada por sua preocupação com a cultura polí­
a Julgar pelos títulos de livros como The Polihcal Culture of the tica, especialmente com a cultura que mforma "a condição su­
Old Regime (1987), de Ke1th Baker, sep ela usada para tratar de balterna". Tanto obras de literatura como documentos oficiais
um país mteiro, ou de um grupo. como o das mulheres. foram empregados como fontes da "mentalidade da subalterm­
O estudo sobre a Revolução Francesa por Lynn Hunt, uma dade". Também aqm Edward Thompson serviu de modelo, em­
figura importante na NHC. preocupou-se pnnc1palmente com a bora, diferentemente dele, o grupo sempre tenha ndo grande
cultura política. Politics, Culture and Class m the French Revo­ interesse pela teona cultural, mclumdo a obra de Lévi-Strauss,
lutwn (1984) focalizou as mudanças das "regras do comporta­ Foucault e Dernda.
mento político", e mais esp ecialmente as novas " p ráticas sim­ Para um exemplo concreto da abordagem do grupo. pode­
bólicas". estudadas à maneira de Foucault. Tais práncas iam da mos tomar o estudo de Shahid Amm sobre a imagem de Gandi
coreografia das festas públicas ao uso do cocar tncolor ou do na "consciência camponesa". que enfatiza a maneira pela qual
barrete vermelho da liberdade. ou à generalização da forma de "padrões pré-eXIstentes de crença popular" formaram essa
tratamento familiar tu ou citoyen(ne) para simbolizar igual­ imagem (aqm, mais uma vez, vemos o mteresse pelos esque­
dade e fratermdade e contribuir, por meio de pequenos gestos, mas). Circulavam h1stónas descrevendo os poderes ocultos de
para a realização desses ideais. Um livro que começou como h1s­ Gandi, e o culto ao líder era uma versão leiga da devoção (bhalc­
tóna socral da política, confessa a autora, transformou-se em ti) a Krishna e outros deuses. O estudo lança luz sobre algumas
lustóna cultural, embora a histonadora social se revele na cm­ das questões sobre transmissão da tradição levantadas no capí­
dadosa distinção entre as maneiras como mulheres e homens, tulo 5. Por um lado, podemos dizer que as tradições relig10sas
por exemplo, parnciparam dessa nova cultura política. estavam sendo seculanzadas. Por outro, é claro que as atitudes
Outro exemplo recente do entrelaçamento entre h1stóna e práncas políticas eram profundamente influenciadas pelas
política e cultural é a obra colenva do Grupo de Estudos Su­ crenças relig10sas. "Hibndização cultural", mais que "moderni­
balternos (Subaltern Studies Group), baseado na Índia e lide­ zação da tradição" parece ser a melhor descrição do processo
rado por Ranajit Guha. O projeto do grupo, que provocou um analisado por Amm:1
amplo debate, é nada menos que reescrever a história da Índia, Ajudado pelo crescimento do mteresse mternac10nal em
espeCialmente a h1stóna do movimento pela independência estudos pós-coloniais, o movimento atram uma atenção cada
antes de 1947. O obJenvo é dar aos diferentes grupos domma­ vez maior fora da Índia. Foi fundado um grupo de Estudos
dos (as "classes subalternas". como chamava Gramsci) seu Subalternos Latmo-Americanos, e um artigo escrito em 1996
lugar adequado Junto às elites, de cups anvidades estão cheias exarnma a influência da "abordagem subalterna" nas h1stónas
as histónas da mdependênoa antenores. Sob esse aspecto, a da Irlanda. 5 A recepção dos trabalhos do Grupo de Estudos Su-
-iJS Ü QUE É HlSTÚR\1\ CULTURAL! ALÉM OA VH\r\01\ CULTURAL? 1J9

balternos é um bom exemplo da globalização dos escritos h1s­ formação da geração de 1914, por exemplo, ou seus efeitos cul­
tóncos que ocorre atualmente, e também serve de ilustração turais, mdumdo a relação entre guerra e modermdade."
para os vínculos entre cultura e política, tanto no presente Historiadores especializados em castelos estão agora se
como no passado. Além disso, mostra como as idéias são sub­ voltando para a cultura, re3e1tando o determm1smo militar -
metidas a testes no processo de tentar empregá-las fora do con­ ou sep, a construção do castelo explicada puramente em termos
texto para o qual foram ongmalmente desenvolvidas. de defesa - e enfatizando, cm vez disso, a nnportância da ex1-
Não obstante esses estudos de cultura política, um grande b1ção de nqueza, poder e hospitalidade - em outras palavras, o
número de temas importantes amda espera por seus historia­ castelo como teatro. Até mesmo a h1stóna naval está come­
dores culturais. Os vínculos entre política e mídia mal começam çando a ser abordada desse ponto de vista, como mostra, por
a ser explorados, com estudos sobre a "cultura da notícia" - exemplo, um recente estudo sobre o mar do Norte como "tea­
como, por exemplo, o papel dos boletins de notícias na guerra tro marítnno" para espetáculos navais montados pela Grã-Bre­
civil mglesa ou a política dos escândalos de corte." As oportum­ tanha e pela Alemanha cm torno de 1900, o aspecto cultural de
dades são particularmente óbvias em relação aos séculos XIX e sua cornda pelas armas_lO
XX, já que a NHC vem sendo dommada por especialistas em É mrnto fácil ver por que o tópico da v10lênaa hoje, mais do
Idade Média e começo do período moderno. Até agora. nm­ que nunca, atrai os h1stonadores culturais. A sugestão de que a
guém, que eu saiba, tentou escrever a antropologia h1stónca v10lência tem uma h1stóna cultural pode parecer surpreendente,
dos parlamentos ou do corpo diplomático moderno e seus n­ já que ela rnuítas vezes é vista co1no a erupção de um vulcão, a
tua1s - embora tenham-se feito estudos sobre as fest1v1dades expressão de nnpulsos humanos que nada têm a ver com a cul­
políticas na era do nac10nalismo.7 tura. O argumento de que é uma espécie de teatro pode até pa­
recer escandaloso, já que se derrama sangue de verdade.
No entanto, a analogia do teatro não pretende negar o der­
A históna cultural da violência ramamento de sangue. O antropólogo holandês Anton Blok
apontou o problema principal ao chamar atenção para a 1mpor­
Embora não eXJsta uma antropologia h1stónca do exército mo­ tânC1a de se lerem as mensagens enviadas pelos v10lentos, isto
derno, há pelo menos um estudo sobre a Pnme1ra Guerra é, os elementos simbólicos de ação (mesmo que os agentes não
Mundial da perspectiva da lustóna do corpo. O h1stonador mi­ estqam, eles própnos, conscientes do simbolismo). A proposta
litar John Keegan, bem conheado por sua h1stóna soaal das ba­ da abordagem cultural é revelar o significado da v10lência apa­
talhas, defende agora a posição de que a guerra é um fenômeno rentemente /;sen1 significado", as regras que governam seu
cultural. Um recente livro de ensa10s sobre um tema tradicional emprego. Como observou Keith Baker: "A ação de um amoti­
da h1stóna política e militar, a Guerra dos Tnnta Anos, trata-a nado ao pegar uma pedra já não pode ser entendida fora do
sob a perspectiva da vida cotidiana de pessoas comuns. 8 A campo snnbólico que lhe dá significado, da mesma forma que a
Pnme1ra Guerra Mundial, em particular, vem sendo discutida ação de um padre ao elevar o cálice sacramental." Assim, h1sto­
do ponto de vista cultural, focalizando-se a ameaça de guerra na nadores msp1rados na obra dos antropólogos Mary Douglas e
140 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? ALÉM DA VIRADA CULTURAL? 141

Victor Turner estudaram o linchamento de um sul-amencano A história cultural das emoções


no século XIX como "um roteiro moral", e os tumultos de Ná­
poles em 1647 como um "drama social". 11 A v10lênaa discutida na seção anterior era a expressão de emo­
A v10lência das multidões nas guerras religiosas francesas ções fortes. As emoções têm uma história? Nietzsche achava
do final do século XVI atram parncular atenção dos h1stonado­ que sim. Em A gaia ciência (1882) ele se queixava de que "até
res. A p10ne1ra, aqm como em outras partes, f01 Natalie Davis. agora tudo o que dá cor à existência amda não tem uma histó­
Pensar no Holocausto e na v10lênaa política da década de 1960 ria ... onde se pode encontrar uma história do amor, da avareza,
levou-a a ver o século XVI sob nova luz. Vános histonadores da mvep, da consciência, da piedade, ou da crueldade?"
franceses, especialmente Denis Crouzet. segmram metodologia Alguns dos historiadores discutidos nos capítulos anteno­
semelhante.12 res concordariam com isso, a começar por Jacob Burckhardt,
Esses h1stonadores diferem entre si em diversos pontos, cups referências a inveJa, raiva e amor na Itália renascentista
mas também têm muito em comum, particularmente Davis e Nietzsche de algum modo não viu, embora conhecesse pessoal­
Crouzet. Observam o papel importante dos Jovens, e mesmo mente o autor. 15 Em seu Outono da Idade Média, Johan Hm­
dos menmos, nos atos de v10lência, sep isso explicado pela li­ zmga discutiu o que chamou de" alma apaixonada e v10lenta da
cença festiva, sep pela associação tradicional entre cnança e época" - a oscilação emocional e a falta de autocontrole carac­
mocência. Reconstroem o repertóno cultural de ações disponí­ terísticas dos mdivíduos do período. Vinte anos mais tarde,
veis para os participantes, um repertóno tomado em parte da li­ Norbert Elias usou o estudo de Hmzmga como base para sua
turgia, em parte dos ntuais da lei e em parte das peças de mis­ própna h1stóna cultural das emoções, mais especialmente das
téno da época. Discutem os aspectos lúdicos ou carnavalescos tentativas de controlar as emoções como parte do "processo c1-
dos tumultos, lançando mão das idéias de Mikhaíl Bakhtm so­ vilizatóno" (ver p.72).
bre violência festiva. Apesar desses exemplos, f01 há relativamente pouco tempo
Eles também consideram os significados religiosos dos que a mmona dos historiadores começou a levar as emoções a
acontecimentos. Crouzet compara os amotinados às pessoas séno. Uma h1stóna das lágnmas, por-exemplo, sena quase incon­
"possuídas" por deuses ou espíntos nos ntuais religiosos. Davis cebível antes da década de 1980, pelo menos fora de certos círcu­
sugere que devemos ler os tumultos como ntuais de purifica­ los na França, mas hoJe elas são vistas como parte da históna, mais
ção, tentativas de limpar a comunidade da perversão. Voltando espeaalmente da hístóna da "revolução afetiva" do final do século
à discussão sobre performance. do capítulo 5, podemos dizer XVlll, o contexto dos lacnmeJantes leitores de Rousseau. 16
que os amotmados encenavam a metáfora da purificação, e No mundo de fala mglesa, o mteresse pela história das
também sugenr que suas ações ajudaram a constnur a comuni­ emoções é particularmente associado a Peter Gay, Theodore
dade, dramatizando a exclusão dos que estão de fora_13 Zeldin e Peter e Carol Stearns. Zeldin passou da polínca de
É razoável esperar por futuros estudos sobre limpeza ét­ Napoleão IIl para o que ele chama (segumdo os irmãos
nica e por aquilo que pode ser chamado de "história cultural do Goncourt ), de a "hrstóna íntima" da ambição, do amor, da preo­
terronsmo" H cupação e de outras emoções na França do século XIX; e Peter
142 Ü QUE E J l!STÚR!1\
- CULTURi\l? Au�_Jl.-1 DA VIRADA CULTURAL 7 14}

Gay, segumdo sua formação em psicanálise, passou da históna metidos a mudanças fundamentais ao longo do tempo. Ou am­
mtelectual da Idade da Razão para a psico-história dos amores da, eles permanecem essencialmente os mesmos em diferentes
e ódios da burguesia do século XIX." períodos.
Carol e Peter Stearns publicaram em conJunto um mani­ Os estudiosos que escolheram o lado "mmnnalista" do di­
festo em prol da "emocionologia histórica", monografias sobre lema são forçados a se limitar ao estudo das atitudes consCien­
a raiva e o ciúme e um estudo mais geral sobre as mudanças de tes com respeito às emoções. Escrevem uma história mtelectual
"estilo" emoCional nos Estados Umdos do começo do século sólida, mas não se trata realmente de históna das própnas emo­
XX, mtitulado Amenca11 Coo/ (1994). Argumentam que houve ções. Por outro lado, aqueles que preferem a opção "maxima­
três tipos de mudanças: na ênfase dada às emoções de modo lista" são mais movadores. O preço que pagam é que suas con­
geral; na importânCia relativa de sentimentos específicos; e no clusões são multo mms difíceis de sustentar. Em documentos
controle ou "ad1nin1stração" das en1oções. antigos, é fácil encontrar evidências de atitudes conscientes a
Uma estrutura alternativa foi proposta recentemente por respeito de raiva, 1nedo, atnor e ass11n por diante, n1as as con­
William Reddy em The Nav1gatzo11 of Feelín.g (2001). Lan­ clusões sobre mudanças fundamentais a longo prazo são neces­
çando mão tanto da antropologia e da psicologia das emoções. sana1nente n1uito 1nms especulativas.
Reddy apresenta um coniunto de conceitos rnterconectados. Em um famoso estudo, o classicista Eric Dodds, tomando
Como Carol e Peter Stearns, chama a atenção para a "adminis­ de empréstimo uma frase de seu amigo, o poeta W.H. Auden,
tração" emocional, ou, como diz ele, a "navegação", tanto em descreveu o final do período clássico como uma "era de ansie­
nível mdividual como social. Ligada a essa noção está sua idéia dade". Paga11 a11d Christian 111 an Age of A11x1ety (1965) é um
de "regime emocional". No entanto, sua abordagem é também livro com pontos de v,sta perspICazes que focalizam a experiên­
exemplo da recente "virada performativa" (ver p.119). Reddy cia relig10sa, mas também discute os sonhos e as atitudes do
discute a linguagem das emoções em termos de "elocuções pcr­ corpo. No entanto, o título do livro cria um problema que o
formanvas". Uma declaração de amoi; por exemplo, não é, ou autor pouco faz para resolver. As pessoas são maís ansiosas e1n
não é apenas, urna expressão dos sentimentos. É u1na estratégia um período hístónco que em outro ou sofrem de ansiedades di­
de encoraiarnento, amplificação ou mesmo transformação dos ferentes? Mesmo se fosse este o caso, como um h1stonador po­
sentimentos do ser amado. dena encontrar evidências para estabelecer tal fato?
Distanciando-nos dessas sugestões, cups implicações amda
terão de ser trabalhadas, pode-se sugerir que os histonadores
das emoções enfrentam um dilema básICo. Eles precisam deci­ A história cultural da percepção
dir se são maximalistas ou mm1malistas, em outras palavras. se
acreditam na historicidade ou na não-historicidade essencial O mteresse crescente pela históna dos sentidos corre paralelo
das emoções. Das duas. uma: ou as emoções específicas, ou o pa­ ao mtercsse pelas emoções. Há uma tradição de estudos sobre a
cote mte1ro de emoções em urna dada cultura (a "cultura de visão (o livro de Smith, por exemplo, European Visíon and the
emoções" local. como chamam Carol e Peter Stearns] são sub- South Pacific (1959), e o de Baxandall, Paí11t111g a11d Expenence
144 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL? ALÉM DA VIRADA CULTURAL? 145

111 Fifteenth-Century Italy (1972)), bem como trabalhos sobre "os odores estão mvestidos de valores culturais", da mesma
o olhar, msp1rados em Foucault. Foram feitas referências oca­ forma como o cheiro é histórico, porque suas associações mu­
s10nais ao som do passado por Johan Hmzmga e Gilberto dam com o tempo.
Freyre, que descreveu o rumor das saías nas escadas da casa­ No rastro de Corbin, e de romances como O perfume
grande no Brasil colonial. Freyre, além disso. descreveu o odor (1985), de Patnck Süsk:md, situado na França do século XVIII e
dos quartos de dormir no Brasil do século XIX, uma combinação que conta a históna de um homem obcecado pelo cheiro, o
de cheiros de pés, mofo, urma e sêmen. HoJe, no entanto. en­ tema tem atraído novos h1stonadores. Até agora eles vêm se
contramos tentativas ambic10sas de escrever sobre todos os concentrando na enorme distância entre a "cultura do cheiro"
sentidos em detalhes. - mais ou menos - desodorizada do século XX e a de épocas
Em Rembrandt's Eyes (1999), por exemplo, Simon Schama antenores. À medida que as pesqmsas avancem, é de se esperar
tenta. com sua audácia característica, apresentar a cidade de que SUIJam outras distinções ímportantes.18
Amsterdã no século XVII tal como ela se apresentava aos cmco Do cheiro, Corbm passou para a h1stóna do som, em
sentidos. Evoca seus cheiros, especialmente os de sal, madeira Vil/age Bells (1994), preocupado com o que chama de história
podre e fezes humanas, e, em certos lugares. de ervas e especia­ da "paisagem sonora" (le paysage sonore) e com "a cultura
nas. Descreve seus sons, os carrilhões de muitos relóg10s, "o ma­ sensível" (culture sensible). É apropnado que um histonador
rulhar das águas dos canais batendo nas pontes". o serrar das francês tenha aberto esse campo, já que Lucien Febvre sugenu,
madeiras e, no que ele chama de "zona clangorosa", onde se fa­ na década de 1940, que o século XVI era a ídade do ouvido. O
ziam armas, o som do martelo sobre o metal. Os leitores podem debate sobre a primazia de diferentes sentidos em diversos pe­
estar se perguntando quais podenam ter sido as fontes para tal ríodos parece agora bastante estéril, mas Corbín mostra que a
relato evocativo, de modo que vale a pena lembrar o valor. neste h1stóna do som pode ser escrita de outra maneira. Ele afirma,
aspecto, dos diános de viagem, já que os via1antes são lupersen­ por exemplo, que os smos eram ouvidos de forma diferente no
síve1s a sensações a que não estão acostumados. passado porque estavam associados à piedade e ao paroqma­
Cheiro e som são os domínios sobre os quais mais se es­ lismo em francês, I'espnt de clocher, espírito de campanáno.
creveu nos últimos anos, com destaque para o historiador À medida que essas associações foram ficando mais fracas, a
francês Alam Corbin. Em Saberes e odores (1986), um estudo fronteira de tolerância tornou-se mais estreita, e as pessoas co­
sobre o que o autor chama de "imagmação social francesa", meçaram a expressar obJeções à mvasão de seus ouvidos pelo
Corbm destaca modos de percepção, sensibilidades, o simbo­ som dos smos. Como no caso do cheiro, Corbin estava um
lismo dos cheiros e as práticas higiênicas. Em uma criativa adap­ pouco à frente de seu tempo, mas hoie existe um conJunto sig­
tação de uma idéia de Norbert Elias. Corbm liga essas práticas nificativo de estudos históricos sobre o som.19
a u1n estreítamento da "fronteira" de tolerância con1 relação A ma10na das histónas do som concentra-se no que cha­
aos maus cheiros no míc10 do século XIX, época de repulsa bur­ mam de "ruído", mas a h1stóna da música também pode ser
guesa pelo que era percebido como o "fedor dos pobres". Co­ abordada nessa direção, como uma forma da históna da percep­
mo diz outro estudioso, "cheiro é cultural", no sentido de que ção. Em Listening in Pans (1995), James Johnson apresenta
146 Ü QUE É HISTÚRIA CULTURAL?

uma históna cultural da percepção da música nos séculos XVIII çao de acadêmicos se definn- contra um grupo mais antigo e
e XIX. usando como evidências, por mais paradoxal que isso tomar seu lugar ao sol.
possa parecei; tanto 1111agens como textos, e argumenta em prol De qualquer forma. é honesto admitir que a reação tam­
de uma "nova mane1ra de m1vlf" ao final do Anc1en Régime. bém decorre de fraquezas no programa da NHC, problemas que
Segundo Johnson, a revolução no modo de ouv1r cons1stm, em o te1npo-1untamente com certas críticas - foram aos poucos
pnme1ro lugar, em prestar atenção à mús1Ca, em vez de coch1- expondo. Além dos limites do construt1v1smo, discutidos no ca­
cl1ar ou olhar para outros membros da audiência; em segundo pítulo anten01; há três problemas especialmente sénos: a defi­
lugar, no envolvunento en1ociona1 crescente co1n o som, n1ais rnção de cultura, os métodos a serem segmdos na NHC e o pe­
que com as palavras - nesse ponto, o livro é um exemplo da ngo da fragmentação.
virada para a história da recepção discutida antes (ver p.82, 104). Outrora exclusiva demais. a dcfimção de cultura se tor­
Como os leitores da época. especialmente os leitores de Rous­ nou agora muito mclus1va (ver p.42). HoJe é parttcularmente
sem1, as audiências pans1enses ao final do século XVIII derrama­ problemática a relação entre h1stóna social e h1stóna cultu­
vam nos de lágrimas na ópera e nas salas de concertos. A moral ral. A expressão "h1stóna soc10cultural" tornou-se moeda
desse exemplo é a importância de se escrever uma h1stóna geral corrente. Na Grã-Bretanha, a Sociedade de História Social
dos sentidos, mais que uma h1stóna dividida em visão, audição, redcfimu seus 111teresses há pouco tempo, 111clu111do a cul­
olfato e assnn por diante. tura. Não importa como descrevamos o que está aconte­
cendo, se é a h1stóna social engolindo a h1stóna cultural ou o
contráno, estan1os ass1st1ndo ao aparecnnento de um gênero
A vingança da história social híbndo. O gênero pode ser praticado de diversas maneiras, e
alguns h1stonadores colocam a ênfase mais na parcela cultu­
Um cenáno alternativo à expansão da NHC é o de uma reação ral. enquanto outros, no aspecto soC1al. Os h1stonadores da
contra ela. uma sensação cada vez mais forte de que seu 1mpé­ leitura, por exemplo, podem focalizar textos específicos, sem
no f01 longe demais, de que mmtos terntónos políticos ou so­ esquecer a variedade de seus leitores, ou podem concentrai�
ciais foram perdidos para a "cultura". A idéia de um desloca­ se em diferentes grupos de leitores, sem exdmr o conteúdo
mento "da h1stóna soaal da cultura para a h1stóna cultural da do que estava sendo lido.
sooedade" (ver p.99-100) não agradou a todos. A idéia da cons­ No 1no1nento, os tern1os "social" e "cultural" parece1n
trução cultural é al gumas vezes mterpretada com um exemplo estar sendo usados de mane1ra quase 111tercambiável. para des­
de "ep1stemologrn subiet1v1sta". um recuo da verificação, uma crever a h1stóna dos sonhos, por exemplo, da linguagem. do
crença de que " qualq uer coisa serve" 20 humor, da memóna ou do tempo. As distinções podem ser
A reação contra a NHC- ou, pelo menos, contra alguns de úteis. Minha inclinação sena reservar o tern10 "cultural" para a
seus aspectos - e as defesas que dela se fazem - podena ser h1stóna de fenô1nenos que parece1n "naturaisU. como os so­
explicada em termos das oscilações pendulares que acontecem nhos, a rnemóna e o tempo. Por outro lado, como a linguagem
tantas vezes na h1stóna, ou pela necessidade de uma nova gera- e o hun1or são obviamente artefatos culturais, parece ser mais
148 Ü QUE E HISTÓRIA CULTURAL? ALÊM DA VIRADA CULTURAL? 149

apropnado empregar o termo "social" para se refenr a uma ficção às imagens - foram obngados a entrar em ação. Mas
abordagem parncular de sua h1stóna. novas fontes exigem suas próprias formas de críticas. e as re­
Qualquer que sep a forma que usemos os dois termos, a gras para ler quadros corno evidências históncas, para dar ape­
relação entre "cultura" e "sociedade" permanece problernática. nas um exemplo, ainda não são claras. 22
Há uma geração, em seu ensaio "Thick Descript10n" (Descnção A idéia de cultura corno um texto que antropólogos ou his­
densa) (ver p.51-2), um dos prmcipa1s mcentivadores da Vlrada toriadores possam ler é muito tentadora, mas também bastante
cultural. Clifford Geertz. já havia observado que o pengo da problemática. De qualquer forma, vale a pena observar que an­
análise cultural era "perder contato com as superfícies duras da tropólogos e historiadores não usam a metáfora da leitura da
vida", como as estruturas políticas e econômicas. Sem dúvida mesma forma. Corno aponta Roger Chartier. Geertz estudou as
eie estava certo em sua previsão. e devemos esperar que. no que bngas de galo em Bali observando bngas específicas e conver­
se pode chamar de "idade pós-pósmoderna". as conexões sepm sando com os participantes. enquanto Darnton analisou o mas­
restabelecidas. sacre dos gatos com base em um texto do século XVIII que des­
Por mais valioso que se3a o projeto construtiv1sta para a creV1a o acontecimento (ver capítulo 3).
"h1stóna cultural da soaedade". ele não substituí a h1stóna soaal Um problema fundamental com a metáfora da leitura é
da cultura. mclus1ve a h1stóna do própno construnV1smo. Pode que ela parece permitir a mtuição. Quem está em posição de
mmto bem ter chegado o tempo de ir além da virada cultural. arbitrar quando d01s leitores mtuitivos discordam? É possível
Como sugenram Victona Bonnell e Lynn Hunt. a idéia do soaal formular regras de leitura. ou. pelo menos. identificar leituras
não deve ser alijada, mas reconfigurada.21 Os histonadores espe­ incorretas?
CJalizados em leitura, por exemplo. preCJsam estudar"comunida­ No caso dos ntuais. o debate está apenas começando. Um
des de mterpretação"; os h1stonadores da religião," comunidades crítico recente tentou eliminar esse conceito do vocabulário de
de crençaº: os historiadores da prática, "comunidades de prática", historiadores do começo da Idade Média, argumentando que
h1stonadores da linguagem. "comunidades de falaª. e assim por havia urna deficiência de articulação entre os modelos antropo­
diante. Na verdade, os estudos sobre a recepção de textos e nna­ lógicos e os textos dos séculos IX e X. A advertência é correta, no
gens discutidos antenormente (ver p.82. 104) em geral fazem a sentido de que, se vamos descrever certos acontecimentos corno
grande pergunta soCJal: "quem?". Em outras palavras. que tipos 11
rituais", precisamos ter clareza a respeito dos cntérios para
de pessoas estavam olhando para esses ob3etos em particular em fazê-lo. Se. por outro lado, corno sugerimos acima. pensamos
um determinado espaço e tempo? em termos de práticas mais ou menos ritualizadas. o problema
Controvérsias sobre a definição estão ligadas a controvér­ desaparece."
sias sobre o método. Como a nouvelle hzsto,re francesa da dé­ De qualquer forma, examinar o terna por meio de um
cada de 1970, a NHC ampliou o terntóno do historiador, m­ úrnco método empobrece a lnstória cultural. Problemas dife­
dumdo novos ob3etos de estudo. como cheiro e ruído, leituras e rentes exigem métodos diferentes. Abandonados por rnmtos
coleções, espaços e corpos. As fontes tradic10nms não foram su­ estudiosos ao longo da virada cultural. os métodos quantitati­
ficientes para tais propósitos. e npos relativamente novos - da vos mostraram sua utilidade na história cultural tanto quanto
1.50 Ü QUE É H!STÚRIA CULTURAL? ALEM DA VIRADA CULTURAL? 15:1.

na h1stóna soCJal tradicional. Na obra do histonador francês detalhe e o todo mms amplo, Como o própno Geertz afirmou em
Darnel Roche, por exemplo, esteja ele estudando a h1stóna das "Thick Descnpt10n». o problema é "como obter, de uma coleção
academias, dos livros ou dos vestuános (ver p.92), acontece de mmiaturas etnográficas, ... as paisagens culturais da nação, da
uma mistura feliz de métodos quantitativos e qualitativos. época, do contmente ou da civilização". Seu estudo sobre bngas
Em terceiro lugac há o problema da fragmentação. Como de galo mmtas vezes fala dos "balineses". mas o leitor pode se
vimos no capítulo 1, os pnme1ros lustonadores culturais ti­ perguntar se as atitudes discutidas são partilhadas por todos em
nham ambições holíst1cas. Gostavam de fazer conexões. Mais Bali, ou apenas pelos homens, ou amda pelos homens de certos
recentemente, alguns unportantes h1stonadores culturais, par­ grupos soCiais, possivelmente exclumdo a elite.
ticularmente nos Estados Umdos, defenderam a abordagem De mane1ra semelhante, como vimos, algumas críticas ao
cultural como remédio para a fragmentação, "uma base possí­ "massacre de gatos" de Darnton centravam-se na questão de
vel para a reintegração da h1stonografia norte-mnericana" 2·1 saber se é perm1t1do ao histonador tirar conclusões sobre carac­
O problema é que a cultura multas vezes parece agll' terísticas nacionais a partir de um único mc1dente menor. O es­
como uma força que encora_Ja a fragmentação, seJa nos Esta­ tudo levanta a questão de Geertz de forma amda mais acurada, já
dos Urndos, na Irlanda ou nos Bálcãs. Tá discutimos a contn­ que o antropólogo usou um estudo sobre uma aldeia para chegar
bmção das diferenças culturais para os conflitos políncos na a conclusões sobre uma pequena ilha, enquanto o h1stonador
Irlanda (ver p.47).Argumento semelhante sobre Thc Disumt-zng teve de fazer uma ponte para cobnr a separação entre um grupo
o/ Amenca (1992) f01 apresentado por outro h1stonador, de aprendizes e a população da França do século XVIII. Para
Arthur !VI. Schlesmger Jum01; que chama atenção para o que quem, pode-se perguntar, o massacre dos gatos era engraçado?
se perdeu com a atual proemmência das identidades étnicas Em suma, não faltam problemas aos histonadores cultu­
nos Estados Unidos, rais, A scgmr, discunre1 algumas obras recentes sobre frontei­
Em um nível muito diferente, a ascensão da tendênCJa m­ ras, encontros e narratívas para ver se apresentatn soluções a
telectual descrita antenormente como "ocasionalismo" (ver ca­ pelo menos alguns dos problemas acima levantados.
pítulo 5) nnplica uma visão fragmentada dos grupos sociais ou
mesmo do mdivíduo. Trata-se de uma visão caractenstlcamente
"pós-moderna». no sentido de ver o mundo como um lugar Fronteiras e encontros
mms flmdo, flexível e imprevisível do que parecia sei: nas déca­
das de 1950 e 1960, para sociólogos, antropólogos sociais e lus­ Em 1949, Fernand Braudel já discutia, em seu famoso livro Os
tonadores sociais. A ascensão da m1Cro-h1stóna certamente é /iome11s e a herança 110 Mediterrâneo, a unportânCJa das "fron­
parte dessa tendênCJa, embora Natalie Davis, digamos, Emma­ teiras culturais" tais como o Reno e o Danúb10, desde a Roma
nuel Le Roy Ladune ou Cario Ginzburg neguem veemente­ Antiga até a Reforma. Mas só há relativamente pouco tempo a
mente quaisquer mtenções pós-moderrnstas. 05 expressão passou a ser de uso freqüente em diferentes lingua­
Como os etnógrafos, os m1cro-l11stonadores enfrentam o gens, talvez porque ofereça aos h1stonadores culturais um
problema da relação entre os pequenos grupos que estudam em modo de enfrentar a fragmentação.
152 Ü QUE É 1-!lSTÓR!A CULTURAL? ALÉM DA VIRADA CULTURAL? 153

A idéia de fronteira cultural é atraente. Pode-se até mesmo pearnentos. De qualquer forma, os historiadores não podem se
dizer que é atraente demais, porque encorap os usuários a es­ dar ao luxo de esquecer sua existência.
corregar, sem perceber, dos usos literais aos usos metafóricos da Outra distinção útil se refere às funções das fronteiras cul­
expressão, deixando de distmgmr entre fronteiras geográficas e turais. Historiadores e geógrafos costumavam vê-las basica­
fronteiras de classes sociais, por exemplo, entre o sagrado e o mente corno barreiras. Hoje, por outro lado, a ênfase tende a
profano, o séno e o cômico, a história e a ficção. O que se ana­ cair nas fronteiras corno lugares de encontro ou "zonas de con­
lisa a seguir concentra-se nos limites entre culturas. tato". Ambas as concepções têm seus usos. 26
Aqm também é necessário fazer distinções, por exemplo, Muros e arame farpado não podem impedir o trânsito de
entre as visões de fora e as visões de dentro de urna dada cul­ idéias, mas daí não decorre que inexistam barreiras culturais.
tura. De fora, rnmtas vezes as fronteiras parecem ser objetivas Há pelo menos alguns obstáculos físicos, políticos e culturais,
e até mesmo mapeáveis. Quem estuda a história da alfabetiza­ inclusive a língua e a religião, que diminuem a velocidade dos
ção na França, particularmente entre os séculos XVIJ e XIX, co­ movimentos culturais ou que os desviam para canais diferen­
nhece a famosa linha diagonal de St.-Malo a Genebra, que se­ tes. Braudel estava particularmente interessado em zonas de re­
para a zona nordeste de maior alfabetização da zona sudoeste, sistência a tendências culturais, na "recusa a tomar empres­
onde menos pessoas sabiam ler. Outros mapas culturais mos­ tado", corno disse ele, associando essa recusa à resistência das
tram a distribmção de mosteiros, universidades e tipografias em civilizações, seu poder de sobrevivência. Os exemplos incluem
diferentes partes da Europa, ou a distribmção dos segmdores de a longa resistência Japonesa à cadeira e à mesa e a "reje1ção 11 à
diversas religiões na Índia. Reforma no mundo rnediterrâneo.27
Mapas desse tipo são urna forma efetiva de comunicação. Outro exemplo famoso de rejeição é a resistência à nn­
muitas vezes mais rápida e mais fácil de lembrar que urna pará­ prensa no mundo islâmico, que durou até o final do século
frase em palavras. De qualquer forma, corno as palavras e os XVIJL Na verdade, o mundo do islã tem sido visto corno urna
números. os mapas podem enganar. Eles parecem implicar urna barreira separando as duas zonas em que se irnprirnimn livros.
homogeneidade no intenor de urna dada "área de cultura" e a Ásia Oriental e a Europa. Os chamados "impérios da pólvora"
urna distmção clara entre os diferentes espaços. O contínuo (otomano, persa e rnughal) não eram hostis às inovações tecno­
entre Alemanha e Holanda (digamos) é transformado em urna lógicas, mas se mantiveram corno irnpénos manuscritos ou
linha contínua, enquanto pequenos grupos de hinduístas em "Estados caligráficos" até o ano de 1800, mais ou menos.
urna área predominantemente muçulmana ficam invisíveis. Um mcidente ocorndo em Istambul no começo do século
A V1são de fora precisa ser suplementada por outra, de den­ XVIII revela o poder dessas forças de resistência. Um húngaro
tro. destacando a experiência de cruzar as fronteuas entre "nós" convertido ao islã (que antes era pastor protestante) enV1ou um
e "eles", e encontrar a Alteridade com "a" maiúsculo (e lem­ memorando ao sultão defendendo a importância da imprensa,
bremo-nos de que os franceses foram os primeiros a produzir e em 1726 obteve permissão para irnpnrnir livros leigos. No en­
urna teoria de l'Autre). Tratamos aqm dos limites simbólicos tanto. líderes religiosos se opuseram a esse empreendimento.
entre comunidades imaginadas, limites que resistem aos ma- Ele irnpnrniu apenas alguns livros, e a tentativa não durou mm-
154 Ü QUE É H!STÚR!t\ CULTURAL?
ALÉ!'vl DA VIRADA CULTURAL! 15 5

to tempo. Só no século XIX o islã e a imprensa estabeleceram a partir de 1992, com as comemorações dos 500 anos do desem­
tuna aliança. 28 barque de Colombo nas Améncas. Ela está associada a novas
A segunda função de uma fronte1ra cultural é oposta à pn­ perspectivas na históna, dando atenção tanto à "visão dos ven­
me1ra: um lugar de encontro ou zona de contato. As fronteiras cidos" como chamou o histonador mexicano Miguel León­
mmtas vezes são regiões com uma cultura própna. claramente Portilla, como à visão dos vencedores. 29 Os histonadores tenta­
híbnda. No míc10 dos Bálcãs modernos, por exemplo, alguns ram reconstrmr as maneiras como os habitantes do Caribe
cnstãos tmham o hábito de adorar em santuános muçulmanos, perceberam Colombo, os astecas perceberam Cortez, ou os ha­
enquanto alguns muçulmanos, por sua vez, freqüentavam san­ vaianos, o capitão Cook (o plural "maneiras" enfanza o fato de
tuános cnstãos. Da mesma forma, ao longo das guerras contra que diferentes havaianos -por exemplo, homens e mulheres,
os turcos nos séculos XVI e XVII, poloneses e húngaros adota­ ou chefes e povo - podem ter percebido o encontro de modo
ram modos turcos de hum; tais como o uso da cimitarra, e diferente).
foram eles que apresentaram ao resto da Europa o estilo oto­ A preocupação com o mal-entendido está se tornando cada
mano de cavalana ligeira, na forma de regimentos de lanceiros vez mais central em estudos desse tipo. embora o conceito de
e hussardos. " 1na l-entendido"; implicando un1a alternativa correta, muitas
O épico e a balada são gêneros que floresceram especial­ vezes sep contestado. Em vez disso, pode-se empregar a ex­
mente nas fronte1ras, entre cnstãos e muçulmanos na Espanha pressão "tradução cultural". A idéia de que o entendimento de
e no Leste da Europa, por exemplo, ou entre mgleses e escoce­ uma cultura estrangeira é análogo ao trabalho de tradução se
ses. As mesmas histónas de conflito muitas vezes foram canta­ tornou corrente em meados do século XX entre os antropólogos
das em ambos os lados da fronteira, com os mesmos protago­ do círculo de Edward Evans-Pntchard. Hoje os historiadores
mstas (Rolando, Johnme Armstrong ou Marko Kraljevic), culturais estão cada vez n1ais interessados na idéia.
embora os heróis e vilões algumas vezes mudassem de lugar. Uma situação em que se torna particularmente esclarece­
Em suma, as fronteiras são, freqüentemente, palcos de encon­ dor pensar nesses termos é a h1stóna das missões. Quando os
tros culturais. 1nissionános europeus tentavam converter para o cnstian1s1no
os hab itantes de outros contmentes, muitas vezes buscavam
apresentar sua mensagem de modo a produzn- a aparência de
Interpretação dos encontros culturais que estavam em harmoma com a cultura local. Em outras pala­
vras, acreditavam que era possível traduz1r o cnstiamsmo, e
Uma das razões pelas quais é improvável que a históna cultural tentavam encontrar eqmvalentes locais para idéias como "sal­
desapareça, apesar das possíveis reações contra ela, é a importân­ vador ", 11 tnndade", "mãe de Deus" e assim por diante.
cia dos encontros culturais em nossa época, gerando uma neces­ Tanto quem recebia como quem transmitia se enga1ava no
sidade cada vez mais urgente de compreendê-los no passado. processo de tradução. Indivíduos e grupos nativos da Chma.
A expressão II encontros culturais" passou a ser usada e1n Japão, México, Peru. Áfnca e outros lugares. ao sentirem-se
subst1tu1ção à palavra etnocêntrica II descoberta". especialmente atraídos por aspectos particulares da cultura ocidental-do rc-
ALEM DA VIRADA CULTURAL? 15 7
156 Ü QUE É HJSTÓRU CULTUlü\L?

lógw mecânico à arte da perspectiva - realizavam uma ação de Brahma Vishnu e Sh1va corno urna representação da Trin­
que já fo1 descrita como uma "tradução", no sentido de que nos dade. Aplicavam um esquema perceptual de sua própna cultura
adaptavam à sua própna cultura, tirando esses elementos de para mterpretar o que viam, sem perceber o que estavam fa­
um contexto e 1nsenndo-os em outro. Como normaln1ente es­ zendo. Podemos falar de tradução inconsciente?
tavarn interessados em itens específicos, e não nas estruturas O termo "hibndez". por outro lado, abre espaço para esses
em que eles ongmalmente se msenam, os grupos nativos pra­ processos mconsaentes e as conseqüênaas não mtencionais. A
ticavam uma espéae de bricolage, sep literal, no caso de artigos fraqueza dessa metáfora botânica é o contrário da de sua nval:
da cultura material, se3a metafónca, no caso das idéias. A noção ela dá facilmente a impressão de um processo tranqüilo e "na-·
de Michel de Certeau de "reutilização" (ver p.103-4) parece aqm rural", omitindo completamente o agenciamento humano.
particularmente relevante. Um terceiro modelo de mudança cultural vem da lingüís­
Um exemplo dentre os mmtos possíveis vem da Áfnca do tica. Nesta era de encontros culturais, os lingüistas estão cada
século XIX, tal como descrito no livro do historiador bntâmco vez n1ais interessados no processo que descrevem corno n cnou­
Gwyn Prms, The Hidden Hippopotamus (1980). Pnns trata de lização", ou seja, a convergência de duas línguas para cnar uma
um encontro ocorndo em 1886 entre o rn1ss10náno protestante terceira, multas vezes tornando a rnaiona da gramática de urna e
francês François Coillard e o rei Lewanika de Buloz1. Coillard, a maioria do vocabuláno de outra. Os h1stonadores culturais
fundador da missão Zarnbez1, acreditava estar convertendo os estão passando a achar essa idéia rnmto útil para analisar as con­
"pagãos" e introduzindo um novo sistema de crenças. No en­ seqüências de encontros nos campos de religião, música, culiná­
tanto, a cammho do encontro com o rei, fo1-lhe pedido um pre­ na, vestuáno ou até mesmo das subculturas da m1crofís1ca. 30
sente, um metro de chita, e ele concordou, sem perceber que
isso sena visto corno a oferenda de um sacrifício ao túmulo real.
Essa ação transformou-o de rnJSsionáno em chefe, e abnu a Narrativa na história cultural
possibilidade de Lewanika atribmr-lhe um lugar no sistema po­
lítico local. Um encontro é um acontearnento, e assrm nos leva a conside­
Um conceito alternativo, de mmto sucesso nas duas últi­ rar o possível lugar, na história cultural, das narrativas de acon­
mas décadas, é o da hibridez cultural. Os termos nvais têm suas tecimentos, antes associadas à história política tradicional. Urna
vantagens e desvantagens. geração atrás, o h1stonador social Lawrence Stone observou
,, . ,, N en-
"Tradução" tem a vantagem de enfat12ar o trabalho que com pesar o que chamou de renovaçao - da narrativ . o
a
deve ser feito por mdivíduos e grupos para domesticar o estran­ tanto, a tendência que ele identificou podena ser descnta com
geiro, assim corno as estratégias e as táticas empregadas. O pro­ mais precisão corno uma busca de novas formas de narrativa
para lidar com a história soaal e culrural.3
1
blema é que esse trabalho de domesticação nem sempre é cons­
ciente. Quando o explorador português Vasco da Gama e seus Essa é urna questão paradoxal. Os historiadores sociais ra­
homens entraram em um templo hindu pela primeira vez, dicais re3e1tavarn a narrativa porque a associavam a urna ênfase
acreditaram estar em uma 1greJa, e "v1ram'1 a escultura indiana excessiva sobre os grandes feitos de grandes homens, à impor-
158 Ü QUE É !-l!STÓRI,\ CULTURAL? ALÉM DA VIRADA CULTURAL? 159

tânCia dos indivíduos na históna e especialmente à supervalon­ revolucionános, o enredo da transição do velho regime para a
zação da unportância dos líderes políticos e militares em detn­ nova ordem. seJa como comédia seJa como romance.
rnento dos homens - e mulheres - comuns. Mas a narrativa Estudos recentes sobre o ant1-semmsmo na Idade Média,
retornou, Junto com urna preocupação cada vez rna10r com as realizados por Ronme Hsia e Min Rubin, concentraram-se nos
pessoas comuns e as maneiras pelas quais elas dão sentido às rumores recorrentes acusando os 3udeus de violarem a hóstia e
suas experiênciasr suas vidas. seus inundas. do assassinato ntual de cnanças, rumores que foram gradual­
No caso da medicma, por exemplo. os médicos têm ho_1e mente se consolidando em uma narrativa, discurso ou mito cul­
mais interesse que antes nas histónas contadas pelos pacientes tural. As h1stónas a3udaram a defimr uma identidade cnstã,
a respeito de suas doenças e suas curas. No caso do direito, o 1nas ta1nbém constituíram um II ataque narrativo" aos Judeus,
que é conhecido como "legal storytelli11g moveme11t" (movi­ uma forma de v10lência simbólica que levou à v10lênCia real, a
mento legal em prol das histónas) desenvolveu-se na década expurgos. 33 Histórias sobre fe1t1ceiras e seus pactos com o de­
de 1980 nos Estados Umdos. O movunento está ligado a uma mômo podenam ser analisadas em termos semelhantes.
preocupação com grupos tradicionalmente subordinados, em Trabalhando com um período postenor, Judith Walkowltz
especial minonas étmcas e mulheres. porque as h1stónas con­ também está preocupada com o que chama de "desafios narra­
tadas pelos membros desses grupos desafiam um sistema legal tivos gerados pela nova agenda da h1stóna cultural". Seu City
cnado por advogados brancos e do sexo masculino que nem of Dreadful Oelight (1992) examinou a Londres do final do pe­
sempre tiveram em mente as necessidades e interesses de ou­ ríodo vitoriano com lentes das narrativas contemporâneas, de
tros grupos. denúncias sobre prostltmção mfantil em artigos corno "O tri­
De maneira semelhante, o atual mteresse histórico pela buto das moças na Babilôma moderna" ao relato dos assassma­
narrativa é, em parte, um interesse pelas práticas narrativas ca­ tos comendas por "Jack o Estripador" Tais "narrativas de nsco
racterísticas de uma cultura em particular, as histórias que as sexual" aiudaram a produzir uma imagem de Londres como
pessoas naquela cultura II contam a s1 mesmas sobre si 1nesmas" um "labi rmto escuro, poderoso e sedutor". As h1stónas lança­
(ver p.52). Tais "narrativas culturais", como foram chamadas, vam mão de um repertóno cultural, mas, por sua vez, alteravam
oferecem pistas importantes para o mundo em que foram con­ a percepção de seus leitores.
tadas. Um exemplo cunoso e perturbador vem da Rússia, onde Da mesma forma, em Ilhas de históna (1985) o antropó­
o mito da morte v10lenta do filho do czar fo1 encenado quatro logo Marshall Sahlins escreveu sobre o "papel característico do
vezes no começo do período moderno, com a "imolação de Ivan signo em ação", adaptando a idéia de Kuhn de um paradigma
pelo pai, Ivan o Terrível, de Dimltn por Bons Godunov, de científico desafiado por novas descobertas (ver p.68) a uma
Aléx1s por Pedro o Grande, de Ivan por Catanna II" 32 ordem cultural ameaçada por um encontro, nesse caso a che­
Também há um interesse cada vez ma10r pela narrativa gada do capitão Cook e seus homens ao Havaí. Ele mostra os
como uma força h1stónca por direito própno. O estudo de Lynn havaianos na tentativa de enquadrar Cook em suas narrativas
Hunt sobre a Revolução Francesa, discutido antenormente, tradicionais sobre o surgimento anual de seu deus Lono e de
exain1nou as "estruturas narrativas" subJ acentes à retórica dos tratar as discrepâncias por me10 de aiustes na narrativa.
1
hl/
Ü QUE 1: HISTÓRIA CULTURAL?
'i 160 ALÉM DA VIRADA CULTURAL? 161

Uma das conseqüências importantes do ensa10 de Sahlins ria". Leon Trotsky, por exemplo, estava preocupado com a "fala
f01 mostrar que é possível escrever a própna históna cultural de refinada". e fez algu mas tentativas de eliminar os palavrões e
uma forma narrativa. mmto diferente dos "retratos" relativa­ persuadir os oficiais do exército a usarem formas de trata­
mente estáticos de épocas mte1ras, como os que foram pmtados mento mais educadas (Vy, como o vous francês. em vez de Ty,
por Burckhardt e Hmzinga. O desafio é fazer isso sem dar à his­ como tu) quando falavam com seus subordinados. Trens espe­
tóna um enredo tnunfalista - como se faz nos tradicionais li­ ciais de propaganda levavam filmes. textos e canções revolu­
vros-texto da"civilização ocidental" como uma h1stóna do pro­ cionános às pessoas comuns de toda a Rússia. 31
gresso - ou um enredo trágico. nostálgico. como uma históna Uma históna cultural das revoluções não deve supor que
das perdas. esses aconteomentos renovam tudo. Corno já se observou an­
As guerras c1v1s, por exemplo, na Grã-Bretanha do século tenormente, a aparente movação pode mascarar a persistência
XVII ou nos Estados Unidos do século XIX, podem ser estuda­ da tradição. Deve haver um lugar para as sobrevivências cultu­
das como conflitos culturais. Desse ponto de vista. sena possí­ rais ou mesmo para o que pode ser chamado de"retomo do re­
vel escrever uma h1stóna narrativa fascinante sobre a Guerra pnmido". como se viu na Inglaterra em 1660, quando a monar­
Civil Espanhola. apresentando-a como uma séne de colisões quia f01 restaurada e os teatros reabertos. Também deve haver
entre culturas reg10na1s e culturas de classe. assim como um um lugar para as reencenações. Os líderes de uma revolução
conflito entre idéias políticas opostas. Narrativas complexas. muitas vezes se viam reencenando uma revolução antenor. Os
expressando uma mult1plic1dade de pontos de vista, são uma bolcheviques tinham os olhos na Revolução Francesa. por
maneira de tornar mteligíve1s os conflitos. bem como de resis­ exemplo, os revolucionános franceses se viam como se reence­
tir à tendência à fragmentação anteriormente descrita. nassem a Revolução Inglesa, e os mgleses, por sua vez, viam os
O exemplo da Chma na década de 1960 encora1ou alguns acontecimentos de sua época como uma reencenação das guer­
historiadores a pensar sobre"revoluções culturais" do passado, ras religiosas francesas do século XVI. As narrativas escritas
espeoalrnente no caso da França em 1789, com sua nova política pelos h1stonadores culturais precisam incorporar tais visões.
cultural (ver p.136) e a tentativa do regime de impor urna unifor­ sem, é claro, repeti-las acríticamente.
midade 1gualitána no vestuáno. subst1tumdo os códigos h1erár­ As reencenações não estão confinadas a revoluções. Na cul­
qmcos da velha ordem. De maneira semelhante, na esfera da lin­ tura cnstã, os mdívíduos algumas vezes se viram reencenando
guagem havia um plano de substituir o patois local, ou dialeto, a Paixão de Cnsto, de Thomas Becker nos dias antenores a seu
pelo francês. "para fundir os odadãos em uma massa nacional". assassinato na catedral de Canterbury a Patrick Pearse orgam­
Vale a pena exarnmar outras revoluções sob esse ponto de zando a resistência aos bntânicos na agênoa dos corre10s de
vista. Ao longo da Revolução Puntana, por exemplo. os teatros Dublin em 1916.
foram fechados e em alguns lugares adotaram-se novas práti­ Da mesma forma. na Sn Lanka de nossos dias, alguns si­
cas de denommação. com designações como "Louvor a Deus" nhaleses · se vêm reencenando uma das narrativas relig10sas
para simbolizar a adesão aos novos ideais religiosos. Da mesma
forma. a Revolução Russa inclum uma "campanha civilizató- · Sinhaleses: gn1po étmco dominante de Sri Lanka (Ceilão). (N.T.)
162 Ü QUE E HISTÓRIA CULTURAL? ALÉtv! DA VIRADA CULTURAL? 163

centrais à sua cultura, e colocam os tamir no papel de demô­ Na última geração, a h1stónn cultural nos diferentes
nios. O que Hayden White chama de "constrmr o enredo" (ver sentidos da expressão discutidos neste livro - fo1 a arena em
p.106) pode ser encontrado não apenas na obra de lustonado­ que se desenvolveram al gumas das discussões mais estimulan­
res, mas também nas tentativas que pessoas comuns fazem tes e esclarecedoras sobre o método histónco. Ao mesmo tem­
para dar sentido a seu mundo. Mais uma vez, é clara a impor­ po. os histonadores culturais e também os h1stonadores sociais
tância de esquemas culturais ou perceptivos. mas nesse caso os vêm ampliando o territóno da profissão. além de tornar o as­
.
esquemas 111 formam uma narrativa, um li ataque narrativo lt sunto 1nais acessível para um público n1a1s mnplo.
como aquele feito contra os Judeus. de conseqüências destruti­ No entanto. não defendi aqm e, na verdade. não acredito
vas. Uma história de Sn Lanka. seia ela cultural ou política, -que a h1stóna cultural sep a melhor forma de h1stóna. É sim­
preC1sa encontrar um lugar para tal narrativa, e também, é plesmente uma parte necessária do empreendimento h1stónco
claro, para a contranarrat1va tamil. Em uma era de conflitos ét­ coletivo. Como suas v1zmhas-h1stóna econômica, política, m­
nicos. é mais que provável que vepmos outros casos desse tipo telectual, soC1al e assim por diante-, essa abordagem ao pas­
de lustóna. sado dá uma contribmção mdispensável à nossa visão da h1stó­
na con10 un1 todo, "históría total", con10 dize1n os franceses.
A recente preferência pela h1stóna cultural vem sendo
Conclusão urna experiência gratificante para praticantes con10 eu, n1ns sa­
bemos que as modas culturais não duram mmto. Mais cedo ou
No sentido preciso do termo, qualquer "conclusão" deste livro 1nais tarde acontecerá uma reação contra a II cuitura", Quando
estaria fora de lugar. A NHC pode estar chegando ao fim de seu ocorrer, teremos de fazer todo o possível para garantir que não
ciclo de vida, mas a traJetória mais ampla da história cultural se percam os ganhos recentes da percepção h1stónca resul­
amda está em progresso. Alguns campos. como o da h1stóna tantes da virada cultural. Os historiadores, especialmente os
cultural da linguagem, estão apenas agora se abrindo para a emp1nc1stas ou "pos1t1v1stas", costumavam sofrer de uma
pesqmsa lustónca. Problemas correntes contmuam sem solu­ doença caracterizada por levar tudo ao pé da letra. Vános não
ção- pelo menos ainda sem solução que satisfaça a todos- e erain sufioenternente sensíveis ao s11nbo1isn10. Muitos trata­
novos problemas deverão surgir. O que temos aqm, assim, não vam os documentos históricos como transparentes, dando pou­
é uma conclusão formal, mas simplesmente a expressão de al­ ca ou nenhu1na atenção à sua retónca. Muitos descartavam cer­
gumas opmiões pessoais, provavelmente- mas não necessa­ tas ações humanas. tais como abençoar com d01s ou três dedos
namente - partilhadas por outros colegas. (ver p.95-6), como "mero" ntual, "meros" símbolos. assuntos
sem importância. 35 Na úlnma geração, os historiadores cultu­
rais e também os antropólogos culturais demonstraram as fra­
quezas dessa abordagem pos1t1v1sta. Qualquer que seJa o futuro
· Tami1: grupo étmco mmontríno de Sn Lanka, que se considera uma nação dos estudos h1stóncos, não deve haver um retorno a esse tipo de
distmta. (N.T.) compreensão literal.
Notas

INTRODUÇÃO

1. Samuel P. Huntmgton, The Clash of Civilizatwns and the Remalang


of World Order (Nova York, 1996); Jutta Scherrer, "Kul'turologijan.
Budapest Review of Boolcs, 12: 1-2, 2003, p.6-11.

1 A GRANDE TRADIÇÃO

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2. O relato clássico da parte inglesa da h1stóna contmua sendo o
livro de Raymond Williams. Culture and Society, 1958. Sobre a Kul­
turlrnmpf (termo cunhado por RudolfVirchow, um estudioso precoce de
antropologia), ver Chnstopher Clark e Wolfram Kaiser (orgs.), Culture
Wars: Secular-Catho/ic Conflíct 111 Nineteenth-Century Europe. Cam­
bndge, 2003.
3. Francis Haskell, HistonJ and zts Images. New Haven, 1993,
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Ideas, Nova York, 1952, p.77-96 e p.17-76: Amenca. Nova York, 1972,
p.192 (escnto em 1918).
6. Os ensaios de Aby Warburg foram finalmente traduzidos para o
mglês com o título de Renewal of Pagan Ant1q111ty, Los Angeles, 1999.
7. Publicado ongmalmente na Alemanha em 1932. e. em uma ver­
são revista, em inglês em 1939, este ensaio é mais acessível 1n Erwin
Panofsky, Meamng m the Visual Arts, Nova York, 1957, p.26-54.
·166 Ü QUE É H!STÓHl1\ CULTURAL!

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3 A VEZ DA ANTROPOLOGIA HISTÓRICA


2 PROBLEMAS DE HISTÓRIA CULTURAL

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6. Keith Thomas, Relig1011 and the Decline of Mag1c, 1971, espe­ 21. Charle Pythian-Adams, "An Agenda for English Local His­
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1973, p.3-30: a definição está na p.89. [Trad, bras,, A mterpretaçiio das
25. Ver Joan Kelly, Women, History and TheonJ, Chicago, 1984. O
c11/turas, São Paulo, LTC, 1989.]
artigo f01 publicado pela pnmeua vez em 1977
11. Ibid,, p.412-53.
12. Victor Turne1� Sclnsnr mui Cuntinmty m Afrzcan Soczety, 26. Entre os exemplos das tendências discutidas aarna, estão
Manchester, 1957, p.91-3, 230-2. Patrícia Labalme (org.), Beyond thezr Sex: Leamed Women of the
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p,95-111,
15. Stephen Greenblatt, Shakespeanan Negohat1011s, Oxford, 1988.
16. Cf, Natalie Davis e Mana Lúcia Palhares-Burke (orgs,}, The 4 UM NOVO PARADIGMA?
New History: Confesswns and Conversatzons, Carnbndge, 2002,
l, Thomas Kuhn, The Structure of Sc1entific Revolutwns (Chicago,
p,50-79.
1962), p,10,
17 Johan Hu12mga, "My Path to Hist01y", em Dutch Civi/isa/1011
2. Thomas Bender e Carl E, Schorske (orgs.), Budapest and New
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(orgs.J, 1968. Yorlc: Studies 111 Metropolítan Transfomrntion, Nova York, 1994; Robert
18. Infelizmente a obra de Troels-Lund não está disponível em in­ B. St. George (org.), Possible Pasts: Becommg Colonial in Early Ame­
glês, mas é discunda em Bjarne Stoklund, Folklife Research between nca, Ithaca, 2000.
History and AnthropoiogtJ, Cardiff, 1983. 3. Para este debate, ver Craig Calhoun (org.J, Habemrns and the Public
19. Thomas, "Cultural History", p.74, Sphere, Cambndge, MA, 1992. Cf. Joan Landes, Women and the Pu­
20. Entre os relatos mais penetrantes, podemos citar "Micro-lus­ blic Sphere m the Age of the French Revoluhon, Ithaca, 1988; Thomas E
tory", de Giovann1 Lev1, 1n Peter Burke (org.), New Perspectives 011 Crow;. Pamters and Public Life m Eighteen-CentunJ Paris, Pnncenton,
170 Ü QUE í� H!STÚRJA CULTURAL! NOTAS 171

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as conseqüências culturais da expansão das fronteiras européias.
1996 Fujitani, Spcndid Mo11arcl1y
Hans Beltmg, Lilce11ess and Presence: A History of the Image Before thc
1997 Brewer, Pleasures of the Imagmatzon
Era of A,·t. 1990; trad. para o mglês. Clucago, 1994. Um h1stonador
1999 Hunt e Bonnel (orgs.), Beyond the Cultural Turn
da arte foz a h1stóna da noção de arte.
1999 Rubm, Gentile Tales
John Brewei� The Pleasurcs of I111ag111.at1011: English Culture m the
2000 Belles1sles, Annmg Amenca
Eighteenth Century, Londres, 1997. Perspicaz lustóna social da cul­
2000 . Burke, Social History of Knowledge [História soCial do conhe­
tura mglesa nos pnn1órdios da comerc1alização da cultura.
cimento, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2003]
Peter Brown, The Body a11d Society: l\!Icn, Wome11 and Sexual Remm­
2000 St. George (org.), Possible Pasts
czatron m Early Chnstramty, 1988. Estudo 1nmto ongmal feito por um
2001 Reddy, Nav1gat1011 of Feeling
dos mais notáveis estudiosos sobre o final da Antigüidade.
2003 Clark (org.), Culture Wars
Roger Chart1er, C11lturni History between Practzces a11d Rcpresen­
tat1011s, Cambridge, 1.988. Oito ensa10s sobre a const1tu1ção da
França moderna que pretendem ilustrar os pnnc1pa1s problemas
da h1stóna cultural.
184 Ü QUE É HISTÓRIA CULTURAL?

Alam Corbm, The Foui and the Fragrant: Odor and the French Social
Imagznatwn, 1982; trad. mglesa, Learnmgton Spa, 1986. Estudo que Agradecimentos
colocou o cheiro no mapa da h1stóna.
Thomas Crow, Paznters and Public Life 111 Eighteenth-Centllry Pans,
Pnnceton, 1985. História política da pintura, usando Habern1as e a
idéia de esfera pública.
Cario Ginzburg, !vlyths. Emblems, Clues, 1986; trad. mglesa 1990. Co­
letânea de ensa10s que incluem o famoso texto sobre a evidência h1s­ Há tantos anos venho dando aulas sobre história cultural que é
tónca como uma séne de pistas. (Trad. bras., Mitos, e1nblemas, smms, difícil lembrar quem fez os comentários que me aiudaram, ou
São Paulo, Companhia das Letras, 1989.) quem formulou perguntas mstigantes, mas sei que aprendi
Carol Cluck, Japan 's Modem !vlyths: Ideolog,J m the Late !vleiíi Penod, muito com as conversas e os escritos de vános dos h1stonadores
Pnnceton, 1985. Estudo exemplar sobre as conseqüênaas culturais discutidos neste livro, entre eles Keith Thomas, em Oxford;
da ocidentalização e da modernização. Dame! Roche, Roger Charner e Dems Crouzet, em Pans; Nata­
Serge Gruzmski, Conquest of !vlexico: The Incorpora/1011 of Indian lie Davis e Robert Darnton, em Pnncenton; e um círculo de his­
Soc,etzes mio the Westem Wor/d, 1988; trad. mglesa, Cambndge, tonadores holandeses que mclui Anton Blok, ]an Bremmer,
1993. Um bom estudo sobre encontros culturais e 1magmação soaal. Rudolf Dekker, Florike Egmond e Herman Roodenburg. Sobre a
Gábor Klamczay, The Uses of Supematllml Power, Cambridge, 1990. h1stóna da memóna em particular, aprendi mmto com Aleida e
Dez ensaios sobre a h1stóna da Europa Central, vanando de santos a
Jan Assmann e Jay Winter. As discussões com Patrik Chabal,
xamãs e das barbas ao riso. quando ele escrevia seu livro sobre a abord�gem cultural �a po­
Steven Shapm. A Social History of T,·uth: Civility and Sc1e11ce zn lítica, Culture Troubles, me aiudaram a defmir mmhas propnas
Seve11tee11th-Ce11tury England, Chicago, 1994. Combinação convin­ idéias e a conhecer melhor uma disciplina correlata. Aproveitei
cente de abordagem cultural e soaal da históna da ciênaa.
igualmente os comentános feitos por leitores anônimos do
Jay Winter, Sites of !vlemory, Sites of !vloumzng: The Great War m texto ongmal e da penúltima versão do livro.
European Cultural History1 Cambndge, 1995. Mostra como a expe­ Tenho uma dívida especial com mmha mulher, outra histo­
riência da guerra pode ser integrada à h1stóna da cultura. nadora da cultura, Maria Lúcia Palhares-Burke, Encontrei-a pela
pnmeira vez quando me convidou para falar s�bre "a chama�a
nova história" na Universidade de São Paulo. Discutimos lusto­
na cultural múmeras vezes, especialmente quando estava orga­
nizando seu livro de entrevistas The New History: Confesswns
and Conversatwns, Ela também leu o manuscrito e, como sem­
pre, deu sugestões mdispensáveis para melhorá-lo. Este livro é
para ela.

l
ÍNDICE REMISSIVO :187

lndice remissivo Burckhardt, Jacob (1818-97),


h1sronador suíço. 9, 16-18, 21,
cultunns, regimes. 74-5, 142
culturais. regras, 57-8, 117, 122
33, 36. 38. ,12, 51, 97-8, 106, culturais, revoluções. 160-1
132. 141 cultural, campo, 76-7
Bynum, Caroline W.. h1stonadora cultural, capital, 77-8
norte-amencana, 66-7, 69, 96 cultural. choque. 8-9. 45
cultural, construção, 105-6, 110-
Cassrrer, Ernst (1874-1945), 11. 112-13
filósofo alemão. 23-4 cultural, geografia, 45-6
Áfnca, 49, 107. 128. 155-6 Baxandall, Michael (n.1933), casta, 107 cultural, hibndismo, 156-7
alimento, 66-7, 91-2 h1stonador da arte mglês, 59 Certeau. Michel de (1925-86), cultural, memóna, 87-90
Amm, Shah1d, h1stonador mdiano, Beard, Charles A. (1874-1948), teónco da cultura francês, 40. cultural, repertório, 103-4
137 h1stonador norte-amenca�o, 82. 102-4. 130. 156 cultural, reprodução (transmissão
Amselle, fean-Loup, antropólogo 25-7 Chart1e1� Roger (n.1945), de tradições), 76-7, 129-30
francês, 128 Beard, Mary Ritter (1876-1958), h1stonador francês, 40-2, �16. cultural, tradução, 155-7
Anderson, Bcnedict (n.1936), l11stonadora norte-amcncana, 54. 73. 78, 82. 99. 149 cultural, virada (ou gmnada ), 8,
c1cnt1sta político bntâmco, 25-7 Cluna, 20. 26. 81. 109 45-8. 90-1. 101
84-5. 110 Berger, Tohn (n.1926), crítico de ciência, h1stórw. da, 59, 68. 81-2 Curtms. Ernst-Robert (1886-
Amiales, escola de hrstonadores, arte mglês, 28 civilização. 8. 11. 15_. 21, 25. 72-3 1956), h1stonador da literatura
11 Biag101i, Mano, h1stonador da classe social, 108 alemão, 22, 39-40. 97
Anta!, Fredenck (1887-1954), ciência norte-amencano, 60 Clunas. Cra1g, lustonador da arte
h1stonador da arte húngaro. biculturalidade (capacidade de se bntâmco, 81
Darnton, Robert (n.1939),
27-8 mover entre duas culturas}, 42, coleções. h1stõna das, 80-1 h1stonador norte-americano.
antropologia, 42-67 construt1v1smo (idéia de
126 53-4. 82. 98,149.151
apropnação (empréstimo cultural), "construção cultural" da
Bloch, Ernst (1885-1977), filósofo Davis. Natalie z. (n.1929),
103 soc1ednde), 106-7. 110-11,
alemão. 36 histonadora norte-amencana,
Arnold, Matthew (1822-88), poeta 113-14
Bloch, Marc (1886-1944). 50.55-6. 97. 117. 140. 150
e crítico mglês, 15 contei.ido_. análise de (metodo
h1stonador francês. 11. 97, 135 Dawson. Chnstopher (1889-1970),
arqueologia (para Foucault, o quantttattvo para o estudo de
Blok, Anton, antropólogo h1stonador mglês, 25-6
textos}, 34
estudo de tendências holandês. 73. 139 densa_. descrição (descnção mais
Corbm, Alam, h1stonador francês,
profundas), 75 Blunt. Anthony (1907-83), mterpretação), 52, 147
arte, h1stóna da, 59 11. 144-6
h1stonador da arte bntâmco. 28 Derndn, lacques (1930-2004),
corpo. história do. 94-8, 105
Austm. fohn (1911-60), filósofo Bourdieu_. Pierre (1930-2002), filósofo francês, 70, 79
cotidiano, 81-2, 103
inglês, 120 antropólogo/sociólogo francês, disciplina, 75-6
Crouzet, Dems (n.1953),
autocontrole (Selbstzwang, 73. 76-8. 81. 96-7. 104, 109. v�r tambdm autocontrole
h1stonador francês, 140
Affelctbeizc1TscfwngJ, 73 112, 122 discurso. práticas discursivas, 75-6
cultura, poetm.1 da, 51-2
Braudel, Fernand (1902-85), ver também culturais_. regras distinção, 78, 81
Baker Keith M. (n.1938), h1stonador francês. 11, 90, 151_. Dodds. Enc R. (1893-1979),
culturais. encontros, 154-7
h1stonador nortc-amencano, 153 culturais, estudos, 8, 31, 45-6. 133 dasstcrsta irlandês, 143
136. 139 Brewer, John (n.1947l, l-nstonador culturais, formas. 19 Douglas, Mary (n. 1921).
Bakhtm. Mikhail M. (1895-1975), mglês, 82 culturais, fronteiras, 151-4 antropóloga mglesa_, 48-50, 66,
teónco cultural russo. 70-2, 96, Bnggs, Asa (n.1921 ), h1stonador culturais, narrativas (htstónas 112. 139-40
140 mglês, 91 características de determmadas dramatúrg:ica, abordagem cu1tural, 52-
Bartlett. Fredenc C. (1887-1969), Brown, Peter (n.1935), h1stonador culturas}, 157-8 3. 57-9. 102-3. 113.119-20. 124
psicólogo inglês, 88 irlandês, 85, 96 culturais. prrit1cas, 75-82, 103, 136 ver também performance
188 Ü QUE É J-IISTÓRIA CULTURAL? ÍNDICE REMISSIVO 189

Duby,Georges (1919-96), fórmula, 22 Greenblatt, Stephen (n.1943), Johnson, James. h1stonador norte­
h1stonador francês, 42. 65. 8•1-, ver também esquema h1 stonador da literatura norte­ amencano. 145-6
85 Foster:. Roy (n.1949), lustonador amencano. 51, 56, 58-9, 85. 118 Jones, Gareth Stedman (n.1942),
irlandês, 118 Guha, Ranajít (n.1923), htstonador bntâmco. 108
Ebrcy, Patncia, h1stonadora norte­ Foucau!t, Michel (1926-84), h1stonador indiano. 138 Jouhaud, Chnstlan (n.1951),
amencana, 109 filósofo francês, 70, 74-6. 79. Gurev1ch, Aaron Y (n.1924), h1stonador francês, 120
Edelman, Murrny (n.19 19), 84, 92, 93, 96, 104, 105. 113, h1stonador russo, 48 foutard, Philippe, h1stonador
cientista polínco norte­ 124 francês. 88-9
amencano. 135 Freedberg, David, h1stonador da Habermas,Jürgen (n.1929),
"ego-documentos" (textos na arte, 104 filósofo alemão, 70, 93 Kantorow1cz, Ernst (1895-1963),
pnme1ra pessoa), 116-17 Freyre, Gilberto (19 00-87), habttus (prmcíp10 de 1mprov1sação h1stonador alemão, 24
Elias. Norbert (1897-19 90), sociólogo e h1stonador regulada), 73, 77. 97, 122 Kelly, Joan (1928-82), h1stonadora
sociólogo alemão, 20-1. 28. 70, brasileiro. 94, 144 Hall, Stuart (n.1932), teórico da norte-amencana, 66
72-4, 76. 79, 92, 96, 126, 141, Frye, Northrop (19 12-81), critico cultura bntâmco. 31, 40 Kiberd, Dedan, escritor
144 canadense. 106-7 Harns, Ruth. h1stonadora mglesa, irlandês.129
Eliot, Thomas S. (1888-1965), Fujiram, Takash1, historiador 79 Klingender, Francis (1907-55),
crínco e poeta anglo­ pponês, 113 I-Iauser, Arnold (1892-1978), h 1stonador da arte mglês. 28
amencano, 43 fundadores e segt.udores,40 historiador da arte húngaro, Kuhn, Thomas S. (19 22-96),
Elliot,John H. (n.1930), 27-8,35 h1stonador da ciência norte­
h1stonador mglês, 45-7 Gadamer, Hans-Georg {1900- hermenêutica (arte da amencano. 68, 74, 75, 81-2
emoc1onologia (o estudo das 2002), filósofo alemão, 22 mterpretação), 17
emoções), 141-2 Gay, Peter (n.1927), lusronador heteroglossia (diferentes vozes em Lamprecht, Karl (1865-19 15),
enredo (a orgamzação de uma norte-americano. 11, 141 um texto), 72 h1storrndor alemao. 9
narrativa), 106-7. 162 Geertz, Clifford (n.1926), History Workshop, 30 Laquer, Thomas W.. h1stonador
ep1sreme (categorias antropólogo norte-amencano_. Hobsbawn, Enc (1917- 2004), norte-amencano. 85-124
fundamentais), 74-5 48, 51-4, 55-6, 59-60, 68, 89- h1stonador bntâmco. 2 9,110-
Le Goff. Jacques (n.1924),
esquema, 22-3, 59, 65, 77, 88, 9 7- 90,98, 148-9, 151 11, 129
h1stonador francês, 11, 50, 56,
8. 123 Hmzmga, Johan (1879-1945),
Ge1stesgesci11chte (h1stóna do 84, 95
estratégia_. 77-8, 79, 108 h1smnador holandês. 11. 16-21.
espínto, mente ou cultura}, 17 Le Roy Ladune, Emmanuel
erhos (sistema de valor}, 20 32-3,38.46,57, 67,141
gênero, 41, 108 (n.1929),h1stonador francês,
Evans-Pntchard, Edward E. (1902- Hunt, Lynn, h1storrndora norte­
Giedion, Sigfned (1888-1968), 11,50, 61, 94,150
amencana,56, 68, 85, 136, 148,
73), antropólogo bntâmco,48- arquiteto suiço. 97 LeavIS, Frank R. (1895-1978),
158
9, 155 Ginzgurg, Cario (n.1939), crítico mglês. 16, 29
Huntmgton, Samuel P.. c1ent1sta
htstonador italiano, 56, 60-2, político norte-amencano. 8, 45 leitura, h1stóna da, 62-3. 82-4, 148
Febvre. Luc1en (1878-1956), 134, 150 León-Portilla, Miguel, h1stonador
h1stonador francês, 11. 127 Goffman, Ervmg (1922-82), mexicano. 155
,denndade,78, 110-12, 116-17.
femmmas, culturas. fem1msmo. sociólogo norte-amencano, Levt, Giovanni (n.1939),
119, 128, 159
41-2, 64-7, 69-70, 82-3,101, 54 -5, 60, 113-15. 125 1magmação. 1magmado. 11. 46-7. h1stonador italiano_. 60
108-9 Gombnch, Ernst (1909-2002), 84-5, 144-5 Lév1-Strauss. Claude (n.1908),
Fernandez-Armesto. Felipe, lustonador da arte austriaco, mternalismo, 7-8, 31, 60 antropólogo francês, 48. 50. 64,
h1stonador bntâmco. 118 22,35,38 invenção. 105-6. 110-11, 113 130
figuração (na relação entre grupos Goody, Jack (n.1919), antropólogo Isaac, Rhys. h1stonador sul- linguagem, 79, 108, 120, 126,
SOC!alS ), 73 bntâmco, 66 160-1
afncano, 55
Fischer, Duv1d, I-L (n.1935), Gramsct, Antonio (1891-1937), Lõfgren, Orvar (n.1943),
h1stonador norte-americano. 63 teórico italiano. 38,62 Japão, 58, 83, 113 antropólogo sueco. 92
ÍNDICE REMISSIVO 19:r
190 Ü QUE É l-115TÓR!,\ CULTUH1\l?

Samuel, Raphacl, h1stonador tribo. 107


Lord, Albert B., eslavista nortc­ ocasiões, 125-7 Troels-Lund, Trocls Frederik
mglês, 30
amertcano, 122-3 oe1dentahsmo, 65
Schama, Simon (n.1945), (1840-1921), lustonador
Lotman, Jun M. (n.1922), olhar, 79, 113
h1stonador mglês, 112, 144 dinamarquês. 57
semióiogo russo, 51. 71 oralidade, 123
Schorskc, Carl E .. h1stonador Turner, Victor (1920-83),
loucura, h1stcina da, 105-6 onentalismo, 64-5. 86-7
nortc-amencano, 11. 69, 133 antropólogo inglês, 52-4_. 66.
Lyons, F.S. Leland (1923-83),
Scott, James C. (n.1936), cientista 80. 140
htstonador irlandês, 47. 135 Panofsky, Erwm (1892-1968), político amencano. 121 Tylor, Edward B. (1832-1917),
h1stonador da arte alemão, 23- Scott_. Joan W.. h1stonadora
Malinowsk1, Bron1slaw (1884- antropólogo mglês, 15, 43, 51,
4, 28, 36, 77 amcncana_. 70
1942), antropólogo poionês. 43, Parry, Milman (1900-1935), 57
Scribncr, R.W. ("Bob", 1941-98),
60 classtc1sta amencano, 122-3 iustonador australiano, 71
Mannhe1m, Karl (1893-1947), Pascal, Roy (1904-80), h1stonador vergonha, limiar de, tolerância
sentidos. !nstôna dos, 143-5 (padrões reveladores da
socíólogo húngaro, 27-8 de literatura bntâmco. 29 scnal, h1stóna, 34,
marxismo, 28-31, 36-8. 56-8 performance_. 119-25, 142 civilização), 73
stmbólico. cap1tal (traços culturais
masculirndade, 41-2, 108-9 va também dramattirgica, viagens_. h1stóna das, 86
que dão status), 77-8
matenal, culturn, 90-4 abordagem cultural v10lência, 138-43
símbolos, 10, 19, 52, 57, 66, 135-6
Mauss. Marcel (1872-1950), política, 47. 110, 13,J-8 Skmner, Qucntm (n.1940), viradas (gumadasJ: antropológica,
antropólogo francês, 48, 60 Popper, Karl (1902-94), filósofo lustonador mglês, 120 43-67,
McKenz1e, Donald F., bibliógrafo austríaco. 22, 100 Smith, Bernard (n.1916), construt1vista, 105-6;
neozelandês. 91 popular, cuitura, 29-31. 40-2 h 1stonador da arte norte­ cultural, 8;
Medick, Hans, h1stonador alemão. Portcr, Roy (1946-2002), amcncano. 59 pcrformat1va, 119-24;
56, 64 htstonador mglês, 96, 105 social, h1stóna, 69, 146-51 visual, 59
memóna, 87-90 pôs-colonialismo, 64-5 sonhos, 84
mentalidades coletivas (atitudes Prms, Gwyn, hrstonador bntânco, subalternas, classes, 62-3, 136 Walkow1tz, Judith R.. histonadora
partilhadas}, h1stôna das. 11, 156 suplemento. 70 norte-americana, 159
46-7 Warburg, Aby (1866-1929),
Medcau-Ponty, Ivlaunce (1908- Ranke, Leopold von (1795-1886), triticas, 103-4 acadêmico alemão, 21, 24, 26,
61), filósofo francês. 96-7 h1stonador alemão, 17. 106 Thomas, Ke1th V, (n.1933), 39-40, 59, 97
1mcro-h1stóna, 60-4 recepção, 82, 104-5 h1stonador bntânico, 46, 49-50, White, Hayden (n.1928), meta­
Mintz, Sidney W. (n.1922), 91-2 Reddy, William, h1stonador norte- 85, 97 l11stor1ador norte-amcncano,
Mitchdl, Timothy (n.1955), 79 amencano. 1•!2 Thompson, Edward P. (1924-93), 106-7, 127-8
mito.127-8 reencenação, 161 h1 stonador mglês, 30, 36-S. 55, Wílliams, Raymond (1921-88),
morfologia, 19 representações. 84-7 - 115 98. 101. 108, 137 crítico bntâmco, 29-30, 37-8
mt.is1ca, 29-30, 86-7, 145-6 Rcvcl, Jacques (n.1942), T hompson, George (1903-87), Winklcr, John L.. dass1c1sta norte­
htstonador francês, 40 class1c1sta mglês. 29
amencano, 41
narrativas, 61, 106-7. 128, 157-62 ntual, ntualização. 113-15, 149 TindalL \,Villiam, crítico norte­
Wortman, Richard, h1stonador
Needham, Joseph (1900-95), Rache, Daniel (n.1935), h1stonador amencano, 22, 117
topo1 (lugares-comuns}, 22
norte-amencano, 113
h1stonador da ciência. 26, 29 francês, 56, 92. 117. 150
Nora, Pierre, h1stonador francês, ver também esquema
Toynbcc, Arnold J. (1889-1975), Yates, Frances (1899-1981),
88 Sahlíns, Marshall D. (n.1930),
h1stonador mglês. 26 historiador mglês, 26
novo h1stonc1smo, 58 antropólogo nortc-amencano.
tradições, 10-11, 16, 39, 111-13, Young, George Makolm (1882-
ver também Greenblatt 120,159
130 1959), h1stonador mglês, 16, 25
Sa1d, Edward (1935-2003), critico
O'Gorman, Eduardo (1906-95), palestmo-amcncano, 6 :!-S, 75,
1

h1stonador mexicano, 128 85-6

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