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BUESCU , kledone Cuvalhor,|

1. CAMPOS DE INDAGAGAO
COMPARATISTA

LB Porquê e como, então, a lireratura comparada? De que modo


C_trharecof tentar discernir as suas zonas de questionação especifica, mantendo
-a
fronteira? Ou, inversame nte (mas também corre-
como um saber de
facto,
latamente): de que modo pensá-la como tal sem a diluir, s?ipsoE ainda:
Çcee /Fc’r‘ Z00A . em tipos de discurso com que mantém conexões privilegiada
será mesmo necessário conceber a existência da liveratura comparada,
no sentido de que através da sua práticase possam construir objec-
tos de saber especificos, não totalmente coincident es com os de
outras áreas dos estudos literdrios? A minha resposta a esta última
questão é: sem dúvida que sim. Por agora. À minha resposta, mais
Jata ¢ desenvolvida, poderá por hipótese coincidir com a totalidade
dos ensaios que constituem este livro. Não penso, a0 contrário de
nome “velho”
alguns, que “litcratura comparada” seja apenas um
para uma prática “velha” (ou para uma prática “de moda”, que vem
2 ser o mesmo) € cuja resistência represente tão-só uma vontade de
apren-
preservação disciplinar e profissional. Pelo contrario, tenho
dido a necessidade de uma constante reconformagio das questões
que, através do comparatismo, posso equacionar sobre o literdrio
(mas gosto de dizer: também pelo literário e com o literário). Nem
mdasmsquutéa:finarmi»bfl,mmmd»:hspminmdzofl.
é claro. Mas justamente para saber que o ndo são, e em que medida
o que eu
o não são, o comparatismo tem-me permitido aquilo sem
talvez me visse limitada 2 apenas colocá-las fora do meu horizonte
de pensamento e de discurso. Esta atitude, a que voltarei com mais
demora em alguns dos ensaios que se seguem, é uma das razões que,
desde já, me leva a mais uma vez responder como atrás respondi.
Sei que poderia ser de outro modo. Sci que pode ser de outro modo. Sei
entretanto que tampode bém ser assim, e que nesta. palavra, assim, se
jogam especificidades c modos de questionação cuja não-diluição
continuo a achar importantes. Proponho-me pois, neste primeiro
momehto, reflectir de uma forma mais sistemática sobre Em sentido próprio, portanto, e de uma forma mais restrita,
campos em que, dentro da área dos estudos literários, a alguns dos
indagação que é aquela que p:k :lgump:nur a existência de um modo discipli-
COmPparatis ta me parcce trazer respostas e perguntas significatives, nar específico, poderá dizer-se que o “élan” comparatista começa a
Respostas ¢ perguntas. formular-se, no século XVIII, em torno de uma siruação cultural (
Talvez devamos comegar por uma hiptese: a da distingio mesmo politica) que integra dois movimentos específicos e até
entre a atitude comparativa e a disciplina que recebe o nome de correlatos, passe embora à sua aparente oposição: por um lado, o
literatura comparada. Esta distinção hipotética não pretende argu- impulso polia e inter-nacionalista a que o Iluminismo oferece
mentar o faceo de que ambas não setelacionam entre si, bem pelo um suporte filosófico e ideológico, relacionável com uma consciên-
contririo: é evidente que a lieratura comparada pressupõe a existên- cia planetiria do mundo geográfico, histórico ¢ cultural; por ouro
la ¢ à prática de uma aritude comparativa que, no entanto, apre- lado, a prática sócio-cultural (e política) efectiva, que cada vez mais
senra um âmbito e um escopo muito mais amplos ¢ ambiciosos, se repousa sobre a ideia-chave e o conceito de “nação”, constiruindo
bem que metodologicamente menos consistentes. Por outro lado, 1 em tomo deste conceito uma séric de naturalizações cada vez mais
atinude comparativa é (e cada vez mais, como veremos) de consideração opacas... e por isso cada vez mais "naturais”, Da convergência e
basilar para o entendimento do que, com alguma facilidade de mesmo do cruzamento entre estes dois movimentos, na aparência de
expressão (que uma teflexio mínima logo faz reconhecer), se costuma sinal contrário (mas na realidade, como disse, correlatos — nomeada-
designar como “liveraturas nacionais”. Assim, se a atitude compars- menrte porque um não faz sentido sem o outro), nascerá a pouco e
tiva, bem como os pressupastos merodológicos e até culturais que pouco à proposta de uma disciplina que, nos estudos lierários
ela implica, pode dizer-se remonta a períodos e momentos histór;- (mas, de uma forma mais vasta, a "vontade comparatisa” parece
cos muito distantes, já no que respeira à história da discipling, e coincidir com o seccionamento do saber em árcas disciplinares
sua progressiva institucionalização, os marcos temporais são bemda “modernas”, exercendo-se em intúmeros campos de reflexão, desde a
mais restritos e próximos. Na verdade, bastará lembrar como ¢ história à religião, 3 biologia ou mesmo à geografia, passando naru-
atitude comparativa foi central por exemplo para que a literatura e ralmente pela filologia), represente a formalização e sistematização
a cultura latinas se pensassem nas suas relações e especificidades face de uma metodologia comparativa: aquela que não só recorre
A literatura e cultuta gregas: ou na forma como a Idade Média inte- pontualmente ao confronto entre dois (e depois cada vez mais de
grou ¢ reformulou essa herança clássica, diversificando-a através das dois) fenémenos literários mas, sobretudo, pensa o lntdnu_amé:
específicas direcções que viriam a constítuir as várias literacuras do procedimento comparativo, ou seja, considera tal procedimento
macionais; ou ainda no modo como o problema dos antigos « como fundador de uma drea da reflexão.
modernos ciclicamente reaparece, sob formulações diferenciadas O conceito de Welliteramur, proposto no início do século XMx
mas parentes, no Renascimento, n início do Iluminismo e mesmo por Goethe, corresponde assim a este intuito que pretende evitar
no interior do pensamento modernista, no início do século XX um isolacionismo literário, sublinhando aindaa continuidade rela-
Convirá pois reconhecer este conjunto de situações, para que se não tivamente a0 modelo anterior de uma “república das letras”, no
proceda à generalização apressada de fazer temontar a disciplina da interior da qual os pressupostos nacionalistas eram relativamente
literatura comparada à todos estes “gestos” que, pressupondo efec- pouco actuantes. Nele encontramos já, todavia, o conceito de
fivamente uma comparação, não a integram no entanto como. “fireranra”; aliás associad & dimensão planctária
que potencialmente
fundamentação epistemológica sistermárica, assume, e que surge claramente como uma hipótese de resposta para
0 seccionamento nacional/ista do fenómeno literário (e que aliás fenómeno liverário, das suas fundamentações teóricas e dus suas
será o paradigma dominante dos estudos literários até hoje, pace implicações. Falarse-d mais tande de “cusocencrismo”, ¢ ele é
diversos esforços teóricos e comparatistas). Não espanta, por isso, evidente.Tal eurocentrisma radica, todavia, no facto de que o saber
que no contexto a literatira comparada se desenvolva e sistematize compantisia tem uma determinação histórica que temos de
adentro deste “paradigma nacionalíst", o que explica que ela seja conhecer e aceitar (56 dessa aceitação, que é conhecimento, decorre
considerada, frequentemente, (veja-se a este respeito Baldensperger, a possibilidade de operar). Hoje continuará a poder fazer-se um
1921), como uma disciplina pela qual os gestos ¢ as vontades de secciommento semelhante, mas sem dúvida não com a mesma
entendimento internacionalista ençontram um canal quase exclu- “tranquilidade de espírito” que levava a que as fronteiras da Europa
sivo, É que para o seu interior ¢ para as suas práticas convergiram (mais ou menos maledveis, apesar de tudo) tivessem a dimensão do
de modo quase total os tipos de trabalho que de algum modo
escapavam à subsunção do literário por uma nação (a querer-se mumo paradigma comparatisia assim progressivamente consti-
estável e setrospectivamente quase “cterna” — ou pelo menos tuído, que se prolongará como dominante até aos anos cinquenta
sancionada por uma transcendência histórica que pudesse levá-la a do século XX, poderd assim ser brevemente caracterizado como de
ser entendida como uma “cultura natural”), inspiração nacionalista (embora tal possa parecer paradoxal, an
É por isso, então, que ao longo do século XIX se assistirá &
progressiva implantação institucional da área disciplinar do mos que o não ) ¢ sublinhando, enquanto orientação merodológica,
comparatismo, quer através de cursos universitários que dele se duas grandes áreas de investigação: a historicista e a tematológica.
reclamam quer através da publicação de obras que integram já esta Vejamos, pois, como estes aspectos manifestam, até meados do
designagio quer ainda através da publicação de revistas em que a século XX, a conformação da disciplina. Por um lado, a metodolo-
“literatura comparada” surge como propdsito fundador. Entre os gia expressamente convocada insiste nas “relações literárias interna-
cionais”, Esta designação servirá muiras vezes, na realidade (c na
nomes que, um pouco por toda a Europa (França, Irália, Inglaterra, prátical, para constítuir um cânone não-expresso (mas nem por isso
Alemanha, Hungria), contribuem para tal desenvolvimento, menos poderoso, bem pelo conteário) no interior das litetanuras da
surgem os de Villemain, Jean-Jacques Ampére, Sainte-Beuve, De Europa central e ocidental, jogando-se na distinção implícita entre
Sanctis, Aruro Graf, Hutcheson M. Posnett. Mas é na última “liverauras maiores' e “lieraturas menores" — sendo as primeiras as
década do século XIX que podemos formalmente reconhecer a que, por via de uma maior força quantitatíva e qualiativa
implantação institucional e académica da disciplina, com os nomes (hipostasiada), funcionariam como vcrd::.l:nfn modelos ou
de Louis Paul Betz e Joseph Texte, que lançarão as bases daquilo que “fontes” para as segundas, que assim se limitariam a um papel
Baldensperger, em 1921, considerará ser, de forma paradigmática, a
disciplina do futuro dentro dos estudos literários. Estes alguns
secuncário, periféico e epigonal, de integragio ¢ repeição de
elementos sobre a história da disciplin (¢ reconhecer essa historici- influências provenientes dos modelos. Esta tendência é entrerante
dade justamente permite-nos afinar algumas das reflexões sobre o mirigada por aqueles estudiosos que, como Baldensperger, defen-
dem o comparatismo como lugar de uma possível relaivizagiode
âmbito comparatista) levam-nos desde já a anorar, embora de uma hierarquia pré-determinada, no sentido em que permitirie
passagem, algo cuja importincia só mais tarde poderá ser reconhecida: contrariar um nacionalismo à eutrance, considerado como perni-
a origem europeia da disciplina da literarura comparada, que está cioso e, poderíamos nós acrescentar, muitas vezes redundando nº
na base da sua atenção dominante a uma concepção ocidental do confirnação da hipórese prévia: a de que as distinções entre “naçõe:

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fortes” e “nações fracas” se jogariam da mesma forma no campo
líterário, e nele com iguais — e estíveis — “vencedores Por outro kdo, a famosa distinção, proposta Sf’”’},"'"“‘“
As características mais visíveis desta fase da disciplinae “vencido s”).
serão o seu
neés Paul Van T m (1931), entre “literatura. e lizeratura
europeismo (que, como vimos, mais tárde, e já de uma perspectiva fc:np.u:d.l" (zqu:?::o.d.ndn problemas de índole mais genérica
critica, será correcta mente cunhado como eurocentrismo), € de síntese relativos 20 mesmo tempo a várias literaturas nacionais,
a sua
Preocupação em definir o seu objecto a partir das relações interna- esta residindo sobetudo numa conformação binária do problema)
cionais factualmente estabelecidas, a sua dependência face a uma pode ser entendida como manifestação de que, por volta desse
história lierária ainda concebids de acordo com um paradigma mesmo período, se manifesta um certo esgotamento dos principios
positivísta e a insisténcia correlata no chamado cstudo que até aí tinham sido considerados como básicos para a investi-
influências, a que se junta a chamada “imagologis”, ou deestudo
fontes e gação comparatisa, embora a resposta que Van Tieghem oferece
imagens culturais que um determinado povo (nacional) provoca das em
para o problema s situe, nas suas grandes linhas, em torno de uma
uma diferente lieratura nacional. restrição “especialzada” do domínio comparatista — que o futuro
A subordinação 4 área da história literária (como vimos de demonstrará não corresponderao conjunto de interrogações onde a
fundamentação facrológica e positivista) associa-se, ainda, a um reflexio produziria efeitos mais estimulantes,
Sutro campo, que surge como preferencialmente escolhido para Os “ventos da história' já não sopravam, na realidade, por
uma investigação de base compararística: trata-se da tematologia aí. O problema 3 que Van Tieghem aludia, e 30 qual precendia
(Stfgeschichte), que se apresenta de algum modo como responder, provinha sobretudo de uma cada vez mais clara insatis-
conteudistica a um comparatismo de conformação históricalternati va fação com 0 modelo historicista ¢ textológico que entre si parecia
(por exemplo, as relações remporalmente transversais entre o-factua l
textos e
divídir o campo dos estudos literários, aparentemente levando a
autores encontr am agui possibilidade de equacion tma opção entre crientações que privilegiassem os “factos” literários
tematologia os estudos lirerários abremese progresação), Através da (de conformação histórica) e aquelas que incidissem sobre os
sivamente 4 uma
reflexão que encara os fenómenos literários não tanto (ou não “objectos” literdrios (os textos "pmpl:llzmemr ditos”). o;:d no(íu:
apenas) a partir de dados históricos factualmente estabelecidos anos 40 surgia, nos Estados Unidos, um livro cujo ti ulo (i
sobretudo, a partir dos temas e mosives que os constitumas, em,
:eu::du?) E T R Ok o, Rk Wellek c Austin
Tratando-se de uma área cuja importância no momento se deveu Warren, designavam assim uma área que, se não pode considerar-se
Precisamente a tais razões (que podemos aliás consider como nascendo n preciso momento em que tal formulação surge
ração paralela às orientações rextológicas por exemploar dedo inspi- publicamente atestada, representard o paradigma dominante que
Criticim), o certo é que a sua implantação trouxe para o seioNew oricntard a reflevão literária na segunda metade do século XX.
disciplina outro tipo de problemas metodológicos, sobrerud da A “resposta teórica”, essa sim, encontrard profundo eco na recon-
cionados com a indefinição epistemológica e teorérica doso fenó- rela- formagao do campo de especulação comparatista, e um dos seus
menos literários assim constituidos,Tal indefinicio explica, mareos de viragem fica a dever-se ao próprio Vellek que, em 1958, no
lado, que a tematologia tenha sido alvo, desde os anos 50 e por um 2 Congresso da Association Invernationale de Linérature Comparde,
até por
volta dos anos 80, de um progressivo descrédito, para parecer, polemicamente irtítula a sua conferência “The crisis of compara-
posteriormente, ressurgir a partir de uma reconsideração que não tive liverature” (Wellek, 1959)
exclui, já, uma reflexão de índole teórica (cf. Trommler, 1995) A “crise” diagnosticada e analisada por Wellek, que ele faz
radicar na fundamentação historícista e positivista do modelo
compararista tradicional — e sobre a qual terei ocasião de, mais à 4 meu ver) o conceito de internacionalidade, surgirão como inte-
Ffrente, reflectir -, levatá u que, progressivamente, se assista a uma gradores de ambos os pélos (nacional e supranacional), sublinhando
clara renovação dos objectos ¢ métodos da disciplina, proragonizada aquilo a que Guillén (1985) chamará “dialécricas”, ou “consciência
pela crescente impottância da teoria lierária nos estudos literários incessante de um problema”: o de que as fronteiras de uma nação
em geral e na literarura comparada em particular. Este esforço de não rasuram nem conseguem esbater as passagens culturais e mais
tenovação — que Guillén (1985) acertadamente faz coincidir com a especificamente literárias que estão na base de qualquer dira
passagem da esfera de domindncia francesa para a de dominância “literatura nacicnal” (¢ mesmo, radicalmente, a fundam). Por seu
americana — leva efectivamente 2 uma «ecquacionação das áreas lado, esta iniludível fundamentação reórica levará, progressiva-
privilegiadas no domínio da lireratura comparada, que surge cada mente, à uma renovação dos estudos relacionados com a história
vez mais como lugar de cruzamento preferencial entre reflexões literária— e até com a história cultural e das mentalidades —, sobre-
provenientes de diversíssimos debates teóricos cuja conformação só tudo a partir das perspectivas anti-positívistas que os estudos de
muito dificilmente poderia ser, na realidade, considerada como recepção lhes farão abrir. Na verdade, a plena integração do leitor
especificamente (ou exclusivamente) nacional, como parceiro actuante no interior do sistema licerdrio, com o
É enrão neste quadro genérico que, de uma perspectiva actual, concomitante reconhecimento dos seus “dircitos de cidade”, permi-
e poderá fazer um breve ponto da situagao sobre o estado da disci- tirá uma diferente conformação histórica dos problemas compara-
plina e dos campos especifi de reflexão
cos sobre que preferencialmente tistas, entendidos aqui a partir de um ponto de vista de recepção
incide — e isto reconhecendo, entretanto, o cardcter provisório de sécio-cultural de um determinado fenómeno literário. Não será
qualquer ponto da situação (aquilo a que Michel Serres, se referia, possível, por ouro lado, confundir a área dos estudos de recepção,
20 dizer que “aquilo a que se chama o estado de uma ciência, num ou com eles relacionáveis, com o “velho” estudode fontes e influên-
momento dado, não existe senão por escolha”) (Serres, 1975:30). cias: não só porque a tónica não é já a da produção (o autor), mas
Em primeiro lugar, deverá reconhecer-se o cardcter fundador das sim a da recepção (0 leitor e suas diversas configurações), mas sobre-
telações estabelecidas com a teoria da literanura, sobre que me tudo porque se passa a insistir quer no carácter dinâmico da história
debruçarei mais demoradamente em capímulo posterior (carácter linerária quer nas relações culturais que o literário pressupõe, Mas a
fundador esse visível por exemplo no facto de, em muitas renovação da perspectiva histórica tem outras impli para o
Universidades, ambas davem origem a um departamento auténomo); comparatismo, sublinhando 4 pertinéncia científica de secciona-
este aspecto sublinha, por outro lado, que é no dominio compara- mentos temporsis que vão desde o corte só aparentemente sincrónico.
tista que pode ser formulada uma verdadeira consciência 1o mesmo (“o ano de...” dará conta, não de uma sincronia estável mas, pelo
tempo supranacional ¢ trans-histórica do fenómeno literário. No contrário, da diversissima multiconformação potencialmente auto-
entanto, ral não deve ser confundido nem com a recusa da existên- contraditória do tempo histórico) aré 20 corte transversal (que
nacionais para certos problemas nem com a seguirá as evoluções, involuções e até interrupções na exisência
apriorísticos do literário. Colocar o problema histórica de um objecto literdrio), passando pela consciência da
ias deste tipo só 0 leva à recuar até um estado de diversidade dos “objectos” literários cles mesmos ¢, portanto, da
conformação antirética que uma consciência do carácter relativo e efectiva diferenciação das histórias liverárias entre si.
histórico do fenómeno cultural e literário em particular só pode Relacionados de modo muito forte com esta área, os estudos
entender como eriando “resistências à reflexão”, Por isso, conceitos de tradução afimam-se progressivamente como zona cujo crescente
ccomo o de supranacionalidade, que substirui (com inegável vantagem, impacto e fundamentação teórica têm inclusivamente levado à sua
defesa como átea compararista privilegiada (Bassncte (1992); Bassnere por uma indagação mais radicalmente interdisciplinar e até mesmo.
e Lefevere 1990)]. Na realidade, o fenómeno da tradução parece intersemiótica, acompanhando uma alteração paralela no dominio
poder equacionar alguns dos elementos quer poético-retóricos quer das pesquisas realizadas no âmbito de cada uma das disciplinas arcis-
sócio-históricos quer mesmo institucionais considerados como ticas. A tónica volt portanto a ser colocada, não tanto naquilo que
caracterizando a vida literária, pelo que oferece um campo de inda- as separa (embota as especificidades técnicas e discursivas não
gação muito fecundo para a análise das relações e seus efeitos entre devam ser rasuradas, evidentemente, do escopo desta reflexão), mas
diversas liveraruras nacionais. Por outro lado, esta área reflecte ainda nas diferentes c específicas conformações que, de algum modo, pare-
um outro movimento epistemológico cuja visibilidade, no interior cem corresponder a uma indagação comum que lhes seria subja-
dos estudos comparados, me parece particularmente significativa. cente. Neste contexto, à perspectiva comparatista oferece um
Trata-seda gradual afirmação de um paradigma culturológico que, campo particularmente fecundo para a prossecução de tais trabalhos,
não podendo todavia dizer-se estar em vias de substituição tótal e permitindo a relacionação entre diversas manifestações da prática
definitiva da orientação textoldgica fembora em certas versões simplis- artística, como por exemplo as virias artes visuais, a música, a dança,
tas do problema tal pareça ser efectivamente o caso. ..), não obstante 0 teatro ou o cinema, para lá evidentemente da prática literária
se cruza com cla na definição mais ampla de problemas atinentes ao propriamente dita ¢ das osmoses a que se encontra também ligada,
fenómeno literário. Por ele se acentuam as zonas de fronteira¢ de
coma por exemplo a questão da ekphrasis, a poesia experimental ou
passagem (zonas mistas por excelência ¢, por essa mesma razão, 2 poesia concreta. y
comparatistas por excelência) entre discursos e problemas de Convirá ainda sublinhar uma outra drea que poderá consti-
origem diversificada, sublinhando-se o modo como o “Texto-em-si”, tuir, em anos futuros, uma confirmação de uma outra especifici-
em tempos considetado como objecto único da investigação dade comparatista, c que a designação mais comum, “Estudos
literária, é na realidade um objecto hipostasiado enquanto objecto Leste-Ocste” (Eust-West Seudie)), ralvez também não permita recobrir
absoluto. Se considerarmos que é a relação (sistemática e funda- nem descrever no seu escopo mais amplo. Trata-se da formalização
cional) que caracteriza a pesquisa comparatista, não será difícil da tendência anti-curocêntrica, já atris referida, e cujo desenvolvi-
perceber como a orientação culturológica oferece 20s compatatistas
campos de indagação frutosa ¢ promissora — mesmo se compor- mento se tem asticulado sobretudo com a progressiva integração das
tando perigos (mas quem os não corre? culturas não-ocidentais nas preocupações comparatstas. Com efeito,
Na mesma linha, deveremos sublinhar uma outra áres que, 2 deslocação do centro de gravidade de uma "liderança” europeia
embora com raízes no entendimento tradicional do compatatismo, para um predomínio americano, no seio dos estudos comparados,
tem também adquirido uma projecção e uma amplitude cada vez não levou automaticamente ao esbatimento da formulação eurocên-
mais sgnificativas: refiro-me aos estudos intcrartes, designação que trica do paradigma comparatísta, até porque a cultura norte-ameri-
será talvez preferível à (mais tradicional) “literatura e arte” ou cana rasurou de forma muito transparente, e durante muito tempo,
"literatura e outras artes”. Com efeito, em ambas estas designações 2s suas raízes não-curopeias. No entanto, nas últimas décadas, e em
se partiado presenposta de uma radical distinção entee “literatura” parte por analogia com a progressiva afirmação das culturas ditas
* *arte”, no que aré poderia, de forma enganadora, levar a pensar “minoritárias”, assstiu-se à emergência e 3 institucionalização dos
que a “lieratura" não era uma “ane”; por eutro lado, as aproxi- estudos que tém como objectivo prioritirio uma reflexão sobre
mações binárias, que (também aqui) foram predominantes até há conformações estético-literárias não especificamente europeias.
algumas décadas atrás, foram sendo progressivamente substinuídas É neste âmbito que as culturas e as literaturas orientais (efectivamente
recobertas pela designação Leste-Oeste) tém víndo a afirmar uma i
pensado no interior do comparatismo s
i por viaia da radicação interdis-
especificidade comparatista que não coincide, na realidade, com o cussiva que, em sentida laro, podemos dizer define este saber disci-
fundo comum europeu que a tradição comparatista já reconhecia, plinar.
Masse pensarmos em outras áreas, veremos que tal designação não
abrange, obviamente, todas as possibilidades de contacto: certas
direas culturais até 30 momento pouco activas no âmbiro da compara- REFERENCIAS
tística, do ponto de vista institucional, como por exemplo, e no que
direcamente diz respeiro à literatura e cultura portuguesas, a área BALDENSPERGIA, Ferdinand, 1921, “Livérature comparée: le mor et la dhose”,
da lusofonia, poderão e deverio ter um papel progressivamente Reme de Listêram Comparée, (1) pp. 5-29.
mais importante para uma re-definição deste anti-eurocentrismo. BASSETT, Susan, 1992, Companstive Lirenstie, An Introduition, Oxfoid,
Em síntese, à lireratura comparada parece poder surgir Blackwell.
como espaço reflexivo privilegiado para a romada de consciência do
carácter histórico, teórico « cultural do fenómeno licerário, quer BASSNETT, Susan e André LEFIVERE (eds), 1990, Transdasion, Hisiory und
insistindo em aproximações caracterizadas por fenómenos transtem- “Cideure, London, Vinter.
porais ¢ supranacionais quer acentuando uma dimensão especifica- GUILLEN, Claudio, 1985, Entre b Uno y o Divena. Introducción a la Liseravra
mente cultural, visivel por exeniplo emim áreas como os estudos de Comparada, Barcelonaa, ed. Critica.
tradução ou os estudos intersemióticos, Daqui decorrem crês rendên-
cias, que julgo centrais para o entendimento das perspectivas actuais SRS, ichel, 1975, Fene e Signasosde Brume — Zola, Paris, Grasset.
do comparatismo: uma tendência multidisciplinar (¢ mesmo even-
tualmente interdisciplinar); uma rendéncia interdiscursiva, visivel TROMMLER, Frank (ed), 1995, Thematio: Reconsdered, Amsterdam, Atlanta.
no desenvolvimento das relações com áreas como a história, a VAN TIEGHEM, Paul, 1931 (1951), La Litértue Comparés, Paris, Colin.
filosofia, a sociologia ¢ a antropologia; finalmente, uma tendência
intersemiórica, que tenta colocar o fenómeno literário no quadro WELLEK, René, 1959, “The crisisof compararive liverature”, in 1963, Concepes of
mais laro das manifestações artísticas humanas, De rodas elas Crvicivm, Yale U.P.
ressalta um aspecto comum: o de que a literatura comparada se
situa na área particularmente sensível da “fronteira” entre nações,
linguas, discursos, práricas artísticas, problemas e conformações
cultursis. E esta situação faz dela um campo de indagações parti-
cularmente fértil para a colocação de problemas que, se tomados em
absoluto, dificilmente poderão encontrar uma formulação episte-
moldgica significativa. Será então sobre 1 “situação fronteiriga” da
literatura comparada que a seguir me debruçarei, bem como sobre
as condições e as implicações de tal posição reflexiva. Tentarei
demonstrar como o conceito de “fronteira" de saber tem de ser

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