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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS - CÂMPUS DE MARÍLIA

DEPARTAMENTO DE DIDÁTICA - CURSO DE PEDAGOGIA

Arielli Yolanda Rodrigues Brejão

ENTRE O IDEAL E A PRÁTICA

Uma Análise Crítica da Implementação da BNCC na Educação Matemática dos


Anos Iniciais do Ensino Fundamental

MARÍLIA

2023
ENTRE O IDEAL E A PRÁTICA: UMA ANÁLISE CRÍTICA DA IMPLEMENTAÇÃO
DA BNCC NA EDUCAÇÃO MATEMÁTICA DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é um documento de caráter


normativo, o qual estabelece um padrão em relação aos conteúdos que devem ser
ensinados nas escolas públicas e privadas do país, sendo referência obrigatória na
formulação dos currículos escolares. Ela é organizada de acordo com as etapas do
ensino básico, anos e áreas do conhecimento. O foco deste texto será a área de
Matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

De um modo geral, a BNCC propõe uma orientação para o trabalho dos


professores, o que torna esse trabalho “mais fácil”, visto que os conteúdos já se
encontram sistematizados para cada ano, bastaria a sua aplicação. Esse
documento, em teoria, também proporcionaria maior igualdade no sistema
educacional, com o objetivo de garantir a aprendizagem plena de todos os
estudantes, formando integralmente um cidadão crítico que constituiria uma
sociedade mais democrática.

Entretanto, a obrigatoriedade de sua utilização para se construir os currículos


acaba engessando a prática do educador e reduzindo a sua autonomia. Além disso,
sabe-se que não basta padronizar o conteúdo a ser ensinado em todo país para
reduzir as desigualdades sociais e econômicas: ainda há o contexto em que
determinada escola está inserida, o contexto de seus alunos e de suas famílias, a
disponibilidade ou não de materiais e recursos didáticos, as diferenças culturais e
regionais que afetam o ensino, a formação dos professores, a cultura escolar etc.
Vale lembrar que existem interesses econômicos por trás desse documento, como
os de empresas que produzem e vendem livros didáticos, por exemplo.

Especificamente em relação à Matemática, a BNCC entende essa área do


saber como aquela em que os conceitos são aprendidos a fim de compreender a
realidade abstrata e a aplicação desses conceitos no mundo real e social, pela
potencialidade que os mesmos apresentam na formação de cidadãos críticos que
interferem na realidade.
Assim, a proposta curricular se estrutura apresentando, a princípio, a
concepção sobre Matemática defendida por ela e que deve ser adquirida pelo aluno.
Em seguida, explicita as competências específicas que precisam ser desenvolvidas
no Ensino Fundamental, e depois define as unidades temáticas do conhecimento
matemático e discorre sobre elas. Por último, coloca os conteúdos e habilidades a
serem aprendidos em cada ano escolar.

É interessante ressaltar que a concepção sobre Matemática defendida pela


BNCC dá importância ao letramento matemático em detrimento da simples aplicação
de fórmulas e realização de cálculos. O letramento matemático engloba as
habilidades de raciocínio, representação, comunicação e argumentação, colocando
a formulação e resolução de problemas como aspecto principal no processo de se
aprender Matemática, sempre relacionando isso com a realidade. Aprender dessa
forma certamente tem mais eficiência do que decorar fórmulas e métodos de
resolução, sem entender de fato a sua origem, aplicação e relevância.

Apesar disso, o texto do documento não traz orientações metodológicas


claras para o professor no desenvolvimento do letramento matemático (o que
confere maior autonomia ao educador, mas pode deixar alguns professores
perdidos), além de não mencionar a importância da avaliação da aprendizagem na
proposta curricular. Essa avaliação não se trata simplesmente de provas,
quantificando o que a criança sabe, mas sim de um processo em que se observa os
avanços e dificuldades de cada aluno.

Outra questão importante trazida pela BNCC é o entendimento da Matemática


como ciência humana e viva, embora só mencione isso brevemente nas
competências específicas para o Ensino Fundamental:

Reconhecer que a Matemática é uma ciência humana, fruto das


necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes
momentos históricos, e é uma ciência viva, que contribui para solucionar
problemas científicos e tecnológicos e para alicerçar descobertas e
construções, inclusive com impactos no mundo do trabalho. (Brasil, 2018, p.
265).

Portanto, deve-se explicar aos alunos a origem daquilo que eles estão
aprendendo, e como esse conhecimento se desenvolveu ao longo dos séculos para
ser da forma que se apresenta atualmente. Isso implica em relacionar a Matemática
com outras áreas do conhecimento, nesse caso, a História é um exemplo. Tal fator
também é reconhecido pela proposta da BNCC, mesmo que descrito de forma
genérica e superficial.

Além disso, quanto às unidades temáticas, o documento se preocupa em


esclarecer que elas não são isoladas e se relacionam entre si, dando alguns
exemplos de como pode-se trabalhar com as diferentes unidades de forma a
interligá-las tanto umas com as outras, quanto a outras matérias.

Um ponto que vale ser comentado é a grande ênfase que o texto dá na


utilidade e aplicação do conhecimento matemático no mundo material
contemporâneo, o que é sim importante, mas a principal finalidade do aprendizado
de Matemática (e que parece ser deixada um pouco de lado pela BNCC, apesar de
citada) é a construção da capacidade de abstração e generalização. Dessa maneira,
a relação dos conceitos matemáticos com o concreto se trata de um ponto de partida
para a elaboração de um conhecimento abstrato, imaginário, sendo ainda a
contextualização importante para que os alunos entendam a relação desse
conhecimento com a realidade e como ele se expressa na vida cotidiana, mas essa
contextualização não é o objetivo final do aprendizado matemático.

Ainda, a proposta curricular (Brasil, 2018, p. 273) salienta que:

[...] os critérios de organização das habilidades na BNCC (com a


explicitação dos objetos de conhecimento aos quais se relacionam e do
agrupamento desses objetos em unidades temáticas) expressam um arranjo
possível (dentre outros). Portanto, os agrupamentos propostos não devem
ser tomados como modelo obrigatório para o desenho dos currículos. Essa
divisão em unidades temáticas serve tão somente para facilitar a
compreensão dos conjuntos de habilidades e de como eles se inter-
relacionam. Na elaboração dos currículos e das propostas pedagógicas,
devem ser enfatizadas as articulações das habilidades com as de outras
áreas do conhecimento, entre as unidades temáticas e no interior de cada
uma delas.

Mesmo destacando que se trata de uma organização possível para o trabalho


do professor, observamos que não é isso o que acontece nas escolas. Muitos
professores acabam cumprindo à risca o que o documento ou o material didático
propõe, sem refletir sobre a própria prática e representando o papel de alguém que
basicamente “dá aulas”, mas não daquele que ajuda os alunos a construírem o
conhecimento e se apropriarem dos conceitos entendendo, de fato, o que eles
representam, como se relacionam entre si e como aparecem nas mais variadas
coisas do dia a dia.

Outra passagem importante trazida no texto da BNCC, mas que também se


verifica que ocorre de maneira diferente nas relações de ensino e aprendizagem, é a
seguinte:

Na Matemática escolar, o processo de aprender uma noção em um


contexto, abstrair e depois aplicá-la em outro contexto envolve capacidades
essenciais, como formular, empregar, interpretar e avaliar – criar, enfim –, e
não somente a resolução de enunciados típicos que são, muitas vezes,
meros exercícios e apenas simulam alguma aprendizagem. Assim, algumas
das habilidades formuladas começam por: “resolver e elaborar problemas
envolvendo...”. Nessa enunciação está implícito que se pretende não
apenas a resolução do problema, mas também que os alunos reflitam e
questionem o que ocorreria se algum dado do problema fosse alterado ou
se alguma condição fosse acrescida ou retirada. Nessa perspectiva,
pretende-se que os alunos também formulem problemas em outros
contextos. (Brasil, 2018, p. 275).

Embora haja crítica ao processo mecânico de resolução de exercícios, o que


vemos com muita frequência nas salas de aula é exatamente isso, e apenas o uso
de um documento padronizado em todo país não dá conta de resolver esse
problema. Quando o estudante decora uma fórmula ou um método e o usa para
resolver um exercício de modo automático, sem consciência do que foi ensinado,
não se trata de uma situação de resolução de problemas, como defende o
letramento matemático, mas sim da simulação de aprendizagem.

É muito comum alunos relatarem que sentem dificuldade em Matemática, ou


que odeiam essa matéria. A dificuldade em entendê-la é resultada de um conjunto
de fatores, e não da incapacidade do aluno ou do professor. Primeiramente, é fato
que a cultura escolar que temos hoje e o ensino de Matemática devem ser mudados.
Por mais que a BNCC traga a importância de correlacionar os assuntos ao mundo
concreto, os estudantes ainda saem do Ensino Médio com pensamentos como
“Matemática não serve para nada e só irei utilizá-la para passar no vestibular”.

O jeito como os conceitos básicos são ensinados nos anos iniciais influenciam
diretamente na falta de compreensão dos conteúdos mais avançados a partir do 6º
ano. O que acontece, majoritariamente, é que o professor ensina as operações
básicas e um método de resolvê-las, antes de desafiar as crianças e propor um
problema inicial. Assim, elas acabam aplicando mecanicamente essa resolução para
conseguirem notas altas nas provas, e/ou não compreendem o porquê da existência
desse método, não veem de que forma ele se aplica a outras situações porque não
utilizaram o raciocínio lógico para pensar sobre o problema.

Além do mais, muitas das pessoas que escolhem fazer o curso de Pedagogia
informam que têm dificuldade em exatas, e fazem esse curso justamente por ser
ligado às ciências humanas. Se o ensino e o aprendizado de Matemática não forem
devidamente tratados ao longo do curso, forma-se um ciclo, em que o professor é
“mal formado”, e forma “maus alunos”. Mas isso não é culpa dos indivíduos, e sim da
cultura escolar e do sistema de ensino que se volta para “o aprendizado para passar
no vestibular”.

Logo, adotar cegamente um documento como a BNCC na elaboração dos


currículos, de forma a tornar o ensino brasileiro mais igualitário, é irreal.

REFERÊNCIA

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília,


2018.

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