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f ISIOPATOLOGIA BÁSICA DA

HIPERTENSÃO lNTRACRANIANA
Cabrera 1

hipertensão intracraniana (HIC) é uma ocor- sinais vitais. Essas experiências ajudaram a entender os

A rência frequente dentro da neurocirurgia e


constitui um motivo de preocupação para o
neurocirurgião desde os primórdios da história de espe-
vários fenômenos clínicos descritos inicialmente por
Lundberg. Somente a partir de 1970 é que maiores ca-
suísticas de pacientes com HIC monitorizada têm sido
cialidade. Ela ocorre no trauma1nos acidentes vasculares registradas. Consequentemente um melhor conheci-
isquêmicos e hemorrágicos1 nos tumores ou em qual- mento dos efeitos da HIC sobre o metabolismo e a cir-
quer processo expansivo intracraniano e representa a culação cerebrais só foi possível a partir de então.
principal causa de morte em pacientes neurocirúrgicos. A PIC é a pressão exercida1 em unidades pressó-
Esforços no sentido de esclarecer os fatores etio- ricas (cmH 2 0 ou mmHg) 1 por unidade de área da su-
lógicos envolvidos no aparecimento da HIC nortea- perfície interna da caixa craniana1pelo conteúdo desse
ram pesquisas clínicas e laboratoriais desde o advento compartimento. Tal conteúdo é constituído de um se-
da neurocirurgia como especialidade. Por outro lado1 tor sólido1 o encéfalo1 e dois setores líquidos1 o liquó-
até recentemente havia pouca informação a respeito rico e o sanguíneo intravascular. Como no indivíduo
. da real incidência1 magnitude e importância clínica adulto o crânio é um compartimento continente inex-
da HIC1 pois muito raramente a pressão era medida tensível1 a variação positiva de volume de um dos três
diretamente na cavidade intracraniana. Naquela épo- setores citados deve ser acompanhada de uma variação
ca, a ênfase foi dada ao diagnóstico clínico e o trata- volumétrica inversamente proporcional e equivalente
mento era baseado na experiência clínica. Nos últimos dos outros dois setores1 caso contrário1 o volume total
2S anos1 graças a novos recursos tecnológicos e a sua do conteúdo craniano aumentará e com ele a pressão
. medida contínua1 as pesquisas se orientam no sentido exercida contra a superfície interna do estojo ósseo1 ou
de melhor entender os efeitos fisiológicos da pressão seja1a pressão intracraniana.
intracraniana (PIC) na função1 no metabolismo e no A HIC evolutiva causará a morte do paciente por
o sanguíneo cerebral. isquemia do encéfalo. Essa isquemia poderá dever-se à
Lundberg, em 19601 estudou a medida contínua compressão mecânica1como consequência das hérnias
. PIC em um número significativo de casos e depois encefálicas internas1 ou dever-se à queda da pressão
:Êcreveu detalhadamente as ondas de pressão que le- da perfusão encefálica (PPE) 1 como consequência da
'1lll seu nome ....Lang.§.~1 também na década de 19601 diminuição do gradiente pressórico normalmente exis-
estudou o efeito de várias lesões intracranianas expe- tente entre a pressão intracraniana e a pressão arterial
.õmentais na PIC1 no fluxo sanguíneo cerebral e nos média. As hérnias encefálicas serão motivo de um capí-
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tulo específico. Neste texto estudaremos as alterações cefálico, parte do continente, tem uma relação de coluna
hemodinâmicas que ocorrem dentro do crânio nessa líquida com o átrio direito e por isso na posição "em pé"
situação e as repercussões isquêmicas. Este será um ca- a pressão intracraniana pode ser negativa. Além disso as
pítulo conceitua! composto de bases demonstradas e variações circulatórias na pressão intratoráxica e na pres-
hipotéticas que regem a clínica diária. são do átrio direito interferem na pressão intracraniana.
A PIC normal é pulsátil em virtude da transmis-
são através das artérias intracranianas dos ciclos cardía-
Anatomia, Fisiologia co e respiratório (Fig. 4-1). Durante muito tempo se
e Fisiopatologia acreditou que o pulso cardíaco era transmitido através
do plexo coroide, mas existem evidências de que as ar-
o e seit térias cerebrais e espinais também o transmitem. Nor-
malmente a amplitude de pulso cardíaco é de 15 mmHg
O crânio é uma esfera rígida, de volume constan- e a amplitude máxima de ambos os pulsos (cardíaco e
te. Possui um forame maior, o forame magno, e vários respiratório) somados é de 45 mmHg. Na medida em
outros menores que servem de entrada e saída para os que a PIC sobe o pulso de pressão também aumenta. A
nervos cranianos e os vasos sanguíneos. É dividido em PIC normal varia entre Oe 10 cm H 2 0, dependendo da
dois compartimentos pela tenda do cerebelo, que se forma de mensuração.
comunicam pela incisura do tentório. A tenda do ce- . A HIC é definida como um aumento persisten-
rebelo possui certa elasticidade e pode ser deslocada te da pressão acima de 20 mmHg ou como a presença
{
para cima ou para baixo, o que resulta em alterações . intermitente de ondas de aumento da pressão. No pas-
recíprocas do volume supratentorial e da fossa poste- sado, pacientes com aumentos leves a moderados da
rior sem repercussão no volume total intracraniano. PIC, e às vezes com pressões de 40 mmHg, eram fre-
Três componentes ocupam o espaço intracraniano: o quentemente observados em tratamento, a não ser que
cérebro, o líquido cefalorraquidiano e o sangue. Os três apresentassem deterioração neurológica. Essa orienta-
têm como característica comum o fato de não serem ção mudou nos últimos anos, pois sabe-se que a HIC,
compressíveis. Esses fatos fundamentam a teoria de mesmo leve, pode afetar um cérebro já comprometido
Monro-Kellie (uma esfera rígida ocupada até a sua ca- nos seus mecanismos de regulação e defesa.
pacidade com um conteúdo não compressível). A elevação da PIC é causada pelo aumento do
Monro e Kellie não levaram em consideração a setor sólido intracraniano, que acontece na presença
existência do líquido cefalorraquidiano. Burrows, mais de tumores, hematomas ou do edema encefálico pro-
de 50 anos depois, concluiu que o volume sanguíneo priamente dito; pelo aumento do setor liquórico, que
cerebral varia e que a variação é sempre acompanha- acontece nas hidrocefalias; e pelo aumento do setor
da de uma mudança recíproca no volume de um dos vascular, que ocorre nas vasodilatações difusas secun-
outros compartimentos (cerebral ou liquórico). Esses dárias ao traumatismo cranioencefálico ou à acidose
fatos foram definfüvamente comprovados por Wedd
em 1929. Na verdade, em relação ao espaço intracra-

~~--------------·
niano e seu conteúdo, pode-se dizer que a teoria de
Monro-Kellie aproxima~se do modo real, pois o espaço PIC
mmHg
intradural é "praticamente" constante e seu conteúdo
"quase" não compressível.
Pulso Pulso
~íaco
Pressao intracraniana
nonnal e patolôgica t
Linha de base
A PIC normal em um crânio fechado é ditada pela _j_ o
relação continente/ conteúdo intracraniana e não de- Fig. 4-1. Formato normal da onda de pressão e seus componentes.
pende da pressão atmosférica. O volume sanguíneo en-
Fisiopatologia Básica da Hipertensão lntracraniana

consequente à hipoxia hipóxica, hipoxia isquêmica ou Evolução da HIC aguda ou


por hipercapnia. Introduzimos aqui o conceito de que a em fase de agudização
hipoxia isquêmica, que também é causada pela própria
HIC, gera acidose, vasodilatação e elevação adicional A HIC aguda evolui em quatro fases. Na primei-
da PIC, piorando tardiamente o quadro de sofrimento ra o aumento do volume da massa é compensado pela
J

encefálico isquêmico. extrusão do líquido cefalorraquidiano e do sangue do


Os principais mecanismos de adaptação ou com- crânio, proporcional ao volume adicionado, e não há
pensação contra o aumento da PIC dependem da ex- elevação da PIC. Essa fase corresponde ao segmento
trusão de líquido de dentro do crânio, para compensar horizontal da curva de Langfitt (Fig. 4-2). Na segunda
o aumento de volume de massa. Quando o volume fase, esgotam-se os mecanismos de adaptação, pois ovo-
acrescido ultrapassar o extruído ocorrerá HIC. Esses lume adicionado se equivale ao extruído. Nesse período
mecanismos de adaptação têm seu melhor funciona- surgem surtos transitórios e intermitentes de aumento
mento na presença de massas de crescimento lento, da PIC, traduzidos clinicamente pelo surgimento das
que podem atingir volumes maiores sem causar HIC. "ondas pressóricas patológicas", que aparecem nos tra-
Ao contrário, massas de crescimento rápido elevam a çados contínuos de monitorização da PIC. Essas ondas
PIC com volumes menores. surgem e desaparecem espontaneamente, porém evo-
Normalmente, a PIC é igual à pressão venosa en- lutivamente tornam-se mais amplas, frequentes e dura-
cefálica; a pressão carotídea é de 90 mmHg, a pressão douras. Na terceira fase, a PIC aproxima-se da PAM e a
arteriolar é de 60 mmHg, e a pressão jugular é de 3 PPE e o fluxo sanguíneo encefálico (FSE) diminuem.
mmHg. A PPE é a diferença entre a pressão carotídea Há então uma hipoxia isquêrnica que provoca vasodila-
e a PIC, e a intensidade de sua queda é diretamente tação adicional e agrava a PIC pelo aumento do volume
proporcional à velocidade do crescimento das massas sanguíneo encefálico (VSE). Nessa fase o acréscimo
expansivas, conforme exposto no tabela 4-1. de um pequeno volume causa um grande aumento da
PIC, que se eleva em uma curva exponencial. Portanto,
na evolução da descompensação cerebrovascular, o tô-
nus vasoconstritor diminui, e o aumento do VSE eleva
a PIC. Na quarta fase existe uma paralisia vasomotora
complacência completa, o VSE é o máximo e a PIC é equivalente à
CMRO consumo de O 2 (cerebral metabolic rate of oxygen) PAM, anulando o FSE e a PPE. Portanto a falência va-
2

luAJO diferença arteriovenosa jugular de O 2 somotora é a base do processo de "descompensação"


2
aguda da HIC. Nesse estágio ocorre morte encefálica
E eslastância
e a PIC varia concomitantemente e igualitariamente à
lffiN estudos eletroneurofi.siológicos
PAM, decrescendo à medida que ocorre o choque cir-
fração de extração de O 2
culatório sistêmico que precede a morte cardíaca.
fluxo sanguíneo encefálico
hipertensão intracraniana
índice pressão x volume
metabolismo basal C1l
e
pressão arterial o
l~
C1l
cn ·e-
pressão arterial média cn ~
Cl) ü
~ C1l
o_ ~

pressão intracraniana ~
pressão de perfusão encefálica
pressão transmural Volume de massa expansiva
resistência vascular encefálica
relação volume/pressão intracraniana Fig. 4-2. Curva volume/pressão (modificado de Langfitt et a!, 1996).
volume sanguíneo encefálico
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No período evolutivo final há uma completa abo- em sua instalação por um aumento reflexo da PAM si-
lição do mecanismo de autorregulação de circulação milar ao reflexo de Cushing.
cerebral, demonstrado pelo fato de que a PAM e a PIC Há três tipos básicos de ondas. As ondas A ou em
oscilam de maneira diretamente proporcional e equi- plateau traduzem flutuações rítmicas da PIC a cada 15
valente. Nessa fase a evacuação abrupta da massa causa a 30 minutos e duram entre 5 a 20 minutos, atingin-
queda transitória da PIC, que retorna em seguida aos do até 60 a 100 mmHg. As ondas B ou "espículas" al-
níveis da PAM, fenômeno consequente à intensa vaso- cançam até 50 mmHg e têm uma frequência média de
dilatação paralítica submetida à reperfusão que permi- 0,5/minuto, relacionando-se aos ciclos de respiração
te o inchaço encefálico pelo aumento do VSE e pelo periódica em que há períodos de hipoventilação asso-
edema vasogênico e citotóxico associados. ciados à vasodilatação, que aumenta o VSE e a PICJ al-
Experimentalmente, o limite inferior da PPE para ternados com períodos de hiperventilação, associados
abolição da autorregulação varia em torno de 30 mmHg à vasoconstrição, que diminui o VSE e a PIC. As ondas
na ocorrência da HIC, de 80 mmHg na ocorrência da do tipo B costumam desaparecer quando se instala um
HIC, e de 80 mmHg na ocorrência do choque hipovo- suporte ventilatório artificial adequado. As ondas do
lêmico, fenômeno que sugere haver mecanismos diver- tipo C ocorrem na frequência de quatro a oito por mi-
sos em ambas as situações, obviamente desconhecidos. nuto, atingem 20 mmHg e refletem alterações normais
da PIC associadas a variações da PA sistêmica, sendo
Resposta pressórica de Cushing denominadas de ondas de Trauba-Hering-Meyer.
As ondas surgem no estágio intermediário de evo-
É um fenômeno que se caracteriza pelo aumento lução da HIC aguda eJ como devem-se a uma vasodila-
da pressão arterial (PA) que acompanha o aumento da tação, durante seu transcurso o sistema de resistência
PIC. Frequentemente, associa-se à bradicardia e a alte- arteriolar se dilata, e a resistência ao fluxo é transferida
rações do ritmo respiratório. ao sistema venosoi após o final da onda) entretanto)
Qµando a PIC excede a PA diastólica, a PAM quando o tônus arteriolar é recuperado, o sistema de
aumenta progressivamente com o objetivo de manter resistência retorna à arteríola pré-capilar.
a PPE e o FSE. Quando a PIC excede a PAM, o FSE A causa da onda A é uma queda importante da
faz-se) hipotética e experimentalmente, apenas na sísto- PPE que provoca uma vasodilatação compensadora do
le cardíaca) quando se mantém alguma PPE. Quando sistema de resistência ou mecanismo de autorregula-
a PIC se iguala à PA sitólica, a PPE e o FSE deixam de ção, elevando o VSE. O VSE eleva-se mais rapidamente
existir. A resposta de Cushing ocorre nas ondas patoló- no início da onda e mais lentamente no seu transcur-
gicas do tipo A ou em plateau) conforme veremos adian- so, sendo máximo para aquela onda no momento em
te, e falha na evolução da terceira fase da HIC aguda. que precede imediatamente à queda espontânea da
Sabemos que o FSE depende da PPE, mas não PIC. Entende-se que a queda espontânea deva-se a um
tem relação constante com esta visto que uma PAM de aumento reflexo da PAM, que eleva a PPE e reperfun-
200 mmHg associadáa uma PIC de 190 mmHg (PPE de o encéfalo revertendo a isquemia e a vasodilatação
= 10 mmHg) produz um FSE maior do que pressões anoxicoisquêmica. A ocorrência desse mecanismo im-
de 100 a 90 mmHg, respectivamente. plica a preservação funcional do mecanismo de autor-
regulação, para que a vasodilatação seja reversível. Na
Ondas pressóricas patológicas evolução do processo ocorrerá uma fase em que a HIC
elevada provocará tal isquemia que o aumento reflexo
São alterações do registro gráfico contínuo da da PAM não será suficiente para revertê-la. Nessa fase,
PIC caracterizadas pelo seu aumento transitório, que abole-se a autorregulação e a vasodilataão será máxi-
se mantém por períodos curtos ou longos, seguidas do ma, elevando a PIC de maneira irreversível.
retorno espontâneo aos valores prévios. Sinalizam o De acordo com a curva de LangfittJ quanto maio-
esgotamento progressivo dos mecanismos de compen- res a PIC e o VSE no início da onda, menor volume
sação e baseiam-se em alterações hemodinâmicas que sanguíneo adicional será requerido para perpetuar a as-
aumentam transitoriamente o VSE e a PIC, seguidos censão da PIC. Ao desencadear-se uma onda final, a PIC
Fisiopatologia Básica da Hipertensão Intracraniana

alcançará a PAM e a pressão diferencial será insuficiente fenômeno da não reperfusão. O primeiro dever-se-ia a
para restabelecer o FSE adequado. Experimentalmente, uma acidose tecidual leve reversível. O segundo dever-
parece haver uma tolerância progressivamente menor do se-ia a uma acidose mais grave, à intrusão celular de
encéfalo às quedas do FSE, provavelmente devido ao au- Ca++, à ativação de fosfoliposes, à utilização do oxigê-
mento progressivo da PIC basal secundária ao aumento nio gerado pela reperfusão, à síntese de radicais livres
da massa expansiva, e também aó acúmulo de metabóli- de oxigênio e à liberação de tromboxane. O terceiro
tos gerados a cada surto isquêmico que determinou on- dever-se-ia à formação de vílosidades endoteliais, ede-
das patológicas prévias. Esses metabólitos acumulados ma glial compressivo e trombose da microcirculação.
contribuiriam para a falência progressiva do mecanismo
de autorregulação da circulação cerebral.
-
Relação volume/pressão intracraniana
Entendemos que as ondas patológicas são acusa-
das por surtos intermitentes de hipoxia isquêmica pela O aumento da PIC, mesmo que imprevisível, é fato
queda da PPE; elas também causam isquemias inter- comum em muitas afecções cerebrais e a sua redução se
mitentes de intensidade progressiva, mais acentuadas constitui às vezes o objetivo principal do tratamento.
nas fases mais avançadas da HIC. Como são surtos de Desde que os mecanismos para reduzir a PIC em geral
isquemia tecidual reperfundida, todas as alterações implicam a redução do volume de um ou mais dos ele-
metabólicas experimentalmente obtidas nos modelos mentos que ocupam a cavidade intracraniana, o conhe-
de isquemia reperfundida provavelmente ocorrem no cimento da relação volume/pressão é fundamental.
encéfalo. Obviamente, notamos que as alterações sis- Mesmo em situações fisiológicas diferentes ocor-
têmicas que produzem a hipoxia hipóxica (insuficiên- rem mudanças recíprocas entre os compartimentos. A
cia respiratória) ou isquêmica (choque circulatório), hipercapnia pode duplicar o volume sanguíneo cere-
ou que aumentam o consumo encefálico de oxigênio bral e ser acompanhada de um aumento da PIC. Esse
{convulsões), podem acelerar o sofrimento anóxico e a aumento é rapidamente compensado por diminuição
acidose tecidual, abreviando o período até o momento no compartimento liquórico. Se o líquido cefalorraqui-
.de desompensação absoluta do sistema. diano já foi deslocado por qualquer processo expansi-
Nas ondas de moderada amplitude, o FSE per- vo, a hipercapnia provoca um aumento muito maior da
manece sob controle, a despeito da queda da PPE. Es- PIC. Mesmo em elevações menores do volume sanguí-
sas ondas pressóricas iniciais são seguidas de marcada neo, o aumento da PIC pode ser desproporcional, se
- eremia reativa transitória. Ondas mais tardias, de não existir líquor para ser deslocado, indicando a falên-
·ar amplitude e duração, reduzem o FSE abaixo dos cia do mecanismo de compensação.
' eis críticos e a isquemia é mais acentuada, portan- Um fator muito importante em termos de relação
estão associadas ao FSE menor e ao VSE maior em volume/pressão intracraniana é o tempo. Durante uma
ção às ondas iniciais. Nas ondas finais uma falên- expansão gradual de um processo expansivo, o volume
completa de autorregulação pode propiciar um au- deslocado pode ser de líquor, sangue ou água do tecido
nto do VSE associado ao aumento da PAM gerando nervoso. Uma compressão lenta pode levar à atrofia cere-
aumento definitivo da HIC. Consideramos que a bral e à redução de seu conteúdo proteico e mineral, mas
· tência vascular cerebral ou mecanismos de autor- essas perdas dos componentes sólidos do tecido nervoso
ação, constituída pela arteríola pré-capilar, retorna são pouco significativas em termos de volume total em
cionalmente a níveis próximos do normal entre as situações agudas.
das iniciais e compromete-se progressivamente até Estudos de Rosomoff calculam o líquido cefalor-
menor capacidade funcional entre as ondas finais. raquidiano como representante de 9% do volume total
Como hipoteticamente as ondas patológicas são intracraniano. Se todo esse líquido fosse deslocado, a
'odos de isquemia seguidos de reperfusão, pode- cavidade intracraniana seria capaz de acomodar um pro-
s aplicar dados experimentais sobre o tecido isquê- cesso expansivo cujo volume representaria 9% de sua ca-
·co reperfundido na síndrome de HIC. Acreditamos pacidade total sem que houvesse um aumento da PIC.
isquemias leves causariam apenas uma hiperemia As medidas do volume sanguíneo cerebral va-
·va, enquanto isquemias moderadas causariam o riam, consideravelmente, de acordo com a metodolo-
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gia utilizada. A maioria dos investigadores relata um sação espacial e a parte vertical, de período de descom-
valor aproximado de 2 % do crânio em animais. As de- pensação espacial. Assim, o aumento rápido da pressão
terminações em seres humanos mostram valores de até ocorreu quando o volume no espaço intracraniano pas-
7% in vivo, o que nos faz inferir que existe de fato um sível de ser deslocado havia sido reduzido a ponto de o
volume sanguíneo considerável dentro do crânio, que volume adicionado ao balão superar o volume de líquido
pode contribuir de maneira significativa para tamponar deslocado, resultando num aumento real e absoluto do
o crescimento de um processo expansivo. A contribui- volume intracraniano e consequentemente da PIC.
ção do componente líquido do cérebro como meca- Esses estudos iniciais também demonstraram um
nismo de compensação não foi ainda investigada de desvio da parte vertical da curva da direita para a es-
maneira adequada. querda, quando se expandia rapidamente o balão ou
Como já foi citado, o tempo é um fator deter- se provocava uma alteração patológica que reduzia a
minante para a função de compensação espacial. Se o quantidade de líquido passível de ser deslocado antes
líquido cefalorraquidiano não puder ser rapidamente da expansão do balão (Fig. 4-3 ). O desvio acentuado da
deslocado, o crescimento rápido de um processo ex- curva para a esquerda foi percebido inicialmente num
pansivo, mesmo que de pequenas dimensões, causará macaco submetido a um período de anoxia acidental
aumento significativo da PIC, já que a cavidade intra- durante a preparação. Quando o balão foi expandido,
craniana se comporta como um compartimento com- o período de compensação espacial foi extremamente
pletamente fechado. Vários estudos demonstraram que curto, provavelmente por causa da vasodilatação ce-
até 1 ml por minuto (ou 60 ml por hora) de líquido rebral decorrente da hipóxia que aumentou o volume
cefalorraquidiano pode ser deslocado do espaço intra- sanguíneo intracraniano.
dural na presença de uma pressão elevada. Assim, um A relação entre o volume e a pressão intracrania-
hematoma relativamente volumoso poderia ser aco- nos pode ser definida em termos de complacência e
modado no transporte de algumas horas sem causar elastância do espaço intracraniano. Complacência se
aumento crítico da PIC. A anatomia e a fisiologia do lí- refere à quantidade de espaço que o compartimento
quido cefalorraquidiano são extremamente complexas, intracraniano é capaz de "ceder''. Elastância é o inverso,
de maneira que a analogia não é simples. O fato é que ou seja, a resistência oferecida à expansão de um pro-
o líquido pode ser rapidamente deslocado do espaço
subdural e, se não fosse assim, qualquer hematoma pe-
queno levaria rapidamente ao óbito por HIC.
Nas primeiras descrições da relação existente en-
tre volume e pressão na cavidade intracraniana duran-
~ 175
te o crescimento de um processo expansivo, a PIC foi ·e:ctl
medida através de um ou mais cateteres colocados no ~
(.)
150
espaço subaracnóideo de macacos Rhesus durante a ex- ~
.~ 125
pansão gradual de u;n balão extradural. Quando o balão o
lctl
era expandido com água, na razão de aproximadamente ~ 100
~
1 ml por hora, não havia aumento da PIC durante a in- o...
fusão dos primeiros mililitros de água (Fig. 4-3). 75
Os dados foram interpretados como evidência 50
de que o volume injetado no balão era equivalente, de
maneira mais ou menos precisa, ao volume em que um 25
ou mais dos compartimentos intracranianos decrescia o
para manter a PIC em nível constante. Com a expansão 1 2 3 4
Volume de massa
subsequente do balão, a PIC passava a aumentar, num
volume de aproximadamente 6 ml havia um aumento
rápido, traduzido por uma curva exponencial. A parte Fig. 4-3_ Desvio da curva volume/pressão para a esquerda com
horizontal da curva foi chamada de período de compen- acentuado aumento da PIC desde o início.
Fisiopatología Básica da Hipertensão Intracraniana

cesso qualquer ou do próprio cérebro. A complacência compreender esse assunto assumiremos que o cérebro
pode ser expressada como a derivada do volume sobre é um corpo rígido rodeado de um líquido passível de ser
a derivada da pressão (dV/dP). Um elevado grau de deslocado. O cérebro e o líquido estão contidos dentro
complacência, isto é, uma boa capacidade de "ceder" do crânio, cujo volume é constante. Se expandirmos
do espaço intracraniano implica uma grande alteração uma massa, que deverá estar no espaço subaracnóideo,
de volume associada a uma pequena alteração de pres- desde que o cérebro foi entendido como rígido e in-
são. A elastância pode ser expressa como o inverso da compressível, a curva volume/pressão será determi-
complacência (dP / dV) e o seu valor será maior quan- nada pela complacência do líquido cefalorraquidiano.
do uma pequena alteração de volume provocar grande Essa complacência é função do líquido formado, da re-
alteração da PIC, como acontece na parte vertical da sistência à sua absorção no nível da~ granulações arac-
curva volume/pressão. Nessa fase podemos constatar nóideas e da pressão nos seios durais. Numa situação
, que a complacência do espaço intracraniano está redu- real o cérebro é passível de deslocamentos e tem uma
zida e a elastância, elevada. elasticidade que contribui para modificar a compla-
Miller e Garibi introduziram a resposta volume/ cência e a elastância intracranianas. Existe também um
pressão (RVP) para avaliar a elastância do espaço intra- compartimento intravascular venoso cerebral) subdu-
craniano. Em pacientes com várias doenças nas quais a ral e subaracnóideo, que também contribui para modi-
pressão intraventricular era medida continuamente, 1 ficar a relação volume/pressão e aumentar, a princípio,
ml de solução fisiológica era injetado através do cate- a capacidade de adaptação.
ter ventricular em um segundo, e a mudança imediata Assim, examinando as relações entre volume e
na pressão intraventricular era chamada de resposta pressão no espaço intracraniano, é necessário distin-
volume/pressão. Eles verificaram que a resposta esta- guir entre a complacência do líquido cefalorraquidia-
va aumentada de forma paralela à elevação da PIC em no e a elastância do cérebro. O tempo de evolução da
animais de experimentação e em pacientes com doen- HIC é muito importante ao se fazer essa distinção. Por
ças intracranianas hipertensivas. exemplo Sklar e Elashvili questionaram se a resposta
A principal contribuição de Marmarou et al. a esse volume/pressão cumpre uma de suas principais fun-
campo de investigações tem sido o desenvolvimento ções, ou seja, determinar o ponto onde se encontra o
de modelos matemáticos do funcionamento do siste- paciente dentro da curva pressão/volume. Desde que
ma. Eles identificaram quatro variáveis (complacência 1 ml de líquido fosse injetado em 1 segundo) para se
intracraniana, pressão dos seios durais, resistência à medir a resposta pressórica, hipoteticamente haveria
absorção e formação de líquido cefalorraquidiano) e uma melhor estimativa da elastância cerebral do que da
propuseram que a sua interação determinaria a PIC e complacência do líquido cefalorraquidiano. Esta entre-
as características da resposta volume/pressão. tanto refletiria melhor o volume do espaço que ainda
Marmarou também introduziu o termo "índi- resta para a expansão de uma massa na cavidade intra-
ce volume/pressão" (IVP) como termo alternativo à craniana. Nos estudos em animais, nos quais a relação
resposta volume/pressão. O índice volume/pressão é volume/pressão é definida mediante infusão contínua
definido como o volume em mililitros adicionado ao de líquido no espaço subaracnóideo ou num balão, a
crânio e necessário para aumentar a PIC a um nível pressão é descrita como uma função semilogarítmica
10 vezes superior ao valor inicial. O conceito tem sido das mudanças do volume intracraniano.
aplicado a animais e possui aplicação limitada em pa- Essas experiências não conseguem dar informa-
cientes, pois todo o esforço é direcionado no sentido ções a respeito da contribuição relativa da elastância
de não aumentar a PIC a níveis perigosos durante a cerebral e da complacência do líquido cefalorraquidia-
avaliação da complacência e da elastância pela injeção no para a curva de volume/pressão num determinado
do volume adicional. animal ou paciente. Por exemplo, não está bem claro se
Estudos recentes sobre a complacência ou elas- existe essa relação exponencial semilogarítmica neces-
tância intracraniana têm se preocupado em distinguir sariamente num paciente com um processo expansivo
a complacência do líquido cefalorraquidiano e a elas- intracraniano de longa duração. De fato, se fosse possí-
ticidade do cérebro propriamente dito. No sentido de vel deslocar um volume de líquido cefalorraquidiano
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ou sangue igual ao volume da massa durante o cresci- de incisura tentorial, e quando a obstrução é comple-
mento lento desta, a porção inicial da curva volume/ ta a elevação da PIC acima da pressão arterial sistóli-
pressão seria com certeza horizontal e a rigidez ou elas- ca não traz repercussão nenhuma sobre a pressão no
tância cerebral teria pouca ou nenhuma influência na espaço subaracnóideo lombar. Contrariamente, se a
pressão medida, desde que não houvesse alteração no pressão supratentorial é aumentada mediante a infu-
volume intracraniano. são de solução fisiológica no espaço subaracnóideo
Essas são questões ainda sob investigação, pois ocorre ampla comunicação pressórica através do eixo
existe pouca informação a respeito das bases fisio- cranioespinal. Essas experiências demonstram que as
patológicas da redução da PIC provocada por várias cisternas ao nível da incisura devem estar bloqueadas
modalidades terapêuticas como o manitol, que reduz por tecido cerebral para que ocorra uma diferença
a quantidade de líquido cerebral alterando assim a elas- nas pressões, o que pode ser reproduzido de maneira
tância. Por outro lado, o manitol pode também aumen- consistente por um processo expansivo mas não me-
tar o fluxo sanguíneo cerebral sem redução da PIC, e diante infusão de líquido no espaço subaracnóideo.
um aumento do volume sanguíneo somado a uma re- Adicionalmente, a injeção de líquido no espaço su-
dução da água tecidual obviamente alterarão a elastân- baracnóideo reduzirá o bloqueio no nível da incisura,
cia do cérebro. igualando as pressões, mas o bloqueio se refaz rapida-
mente desde que a massa persista.
Transtníssào intra craniana O cérebro, particularmente a superfície com den-
sa rede de vasos sanguíneos, possui propriedades elás-
O termo PI C tem valor, em princípio, se for possí- ticas que resistem ao deslocamento e à deformação.
vel assumir que a pressão é igual em qualquer ponto da Assim, durante a expansão de um hematoma subdural
cavidade intracraniana. A pressão no cérebro adjacente por exemplo, a pressão na substância branca profunda
a um processo expansivo pode estar elevada num mo- pode ser diferente da pressão no espaço subdural e na
mento em que a pressão intraventricular é normal. Se superfície cortical devido à elasticidade dos tecidos e
assim for, devemos falar em "pressões" intracranianas dos vasos.
e neste caso a medida importante em termos funcio- Existem dificuldades técnicas para determinar se
nais será no cérebro comprimido. A pressão no espaço realmente há gradientes pressóricos através do tecido
subaracnóideo lombar é usualmente igual à PIC, mas cerebral. A dificuldade maior é a impossibilidade de se
se por algum motivo há uma perda da comunicação da medir a pressão em vários pontos do parênquima ao
cavidade intracraniana com o canal espinal a pressão mesmo tempo. As investigações não permitem uma
lombar deixa de ter valor. conclusão definitiva mas foi de Langfitt a proposta
Medidas simultâneas da pressão intracraniana e do mais coerente e aceita. Segundo esse autor, gradien-
espaço subaracnóideo lombar, em indivíduos portadores tes de pressão importantes ocorrem através do espaço
de doença intracraniana, revelam alguma diferença entre supratentorial e do tecido durante a expansão rápida
ambas as medidas-na maioria dos pacientes com proces- de uma massa intra ou extracerebral, e o gradiente di-
sos de fossa posterior, mas a ausência da contribuição minui rapidamente quando a massa para de expandir.
das pressões praticamente não ocorre em pacientes com Provavelmente, o desaparecimento dos gradientes é
tumores cerebrais relativamente compatíveis com a inci- secundário à capacidade do cérebro de amoldar-se na
dência de hérnias transtentoriais neles verificadas. medida em que a massa, se expande. Durante a expan-
Estudos em animais demonstraram que a obs- são mais lenta de uma massa os gradientes são muito
trução à comunicação das pressões, tanto na incisura pequenos ou inexistentes, pois há uma acomodação
tentorial como no forame magno, ocorre de manei- contínua do tecido cerebral. Numa situação de edema
ra progressiva durante a expansão de uma massa. Em em propagação, gradientes pressóricos podem apare-
relação à transmissão das pressões no compartimento cer pela resistência do tecido ao efeito tensional que
supratentorial persistem ainda muitas dúvidas. exerce a onda de fluido. Isto provavelmente está rela-
No macaco a expansão contínua de um balão su- cionado aos gradientes mais persistentes encontrados
pratentorial invariavelmente causa obstrução no nível na prática clínica.
Fisíopatologia Básica da Hipertensão Intracraniana

Repercussões do Aumento
até que esta seja nula. Nesse ponto há completa perda
da Pressão Intracraniana da autorregulação e a vasodilatação é máxima, pois a
PAM transmite-se diretamente ao leito da microcircu-
Modelo hipotético da lesâo lação. Em virtude deste fato a partir desse ponto a os-
isquêmica na HIC cilação da PAM será concomitante à oscilação da PIC,
traduzindo a morte encefálica "çirculatória''.
A HIC causa uma hipoxia oligoêmica e recorren- A vasodilatação isquêmica inicial, na síndrome da
te com efeito cumulativo no encéfalo. Essa recorrência HIC, entretanto, tem a função de manter o FSE à cus-
é a consequência do aparecimento das ondas patoló- ta da queda da resistência vascular eflcefálica, quando
gicas. A cada onda patológica há uma diminuição da ocorre a diminuição da PPE pelo aumento da PIC. Se
'PPE, dada pela diferença entre a PIC e PAM, causan- o processo evolui, há uma neutralização funcional da
do isquemias parciais reperfundidas recorrentes. Essas queda da resistência vascular cerebral pela hipertensão
isquemias afetarão primeiramente as áreas de maior intracraniana e~ embora os vasos estejam dilatados, o
Ynlnerabilidade seletiva, ou seja, áreas metabolicamen- FSE tenderá a zero, em conjunto com a PPE. Notamos
le mais ativas e com maior necessidade de consumo também que a vasodilatação contribui para um aumen-
de O 2; áreas limítrofes de circulação terminal e áreas to adicional da HIC e constitui a base fisiopatológica
Lemiárias, que estarão comprimidas. Assim, há uma para a descompensação definitiva do sistema. Assim,
ociação progressiva de focos de isquemia sem e no início do curso da vasoparesia, o aumento da PIC
m necrose, dependendo da intensidade da agressão terá pouco efeito sobre o FSE, em virtude da vasodila-
) em diferentes estágios de evolução e, portanto, tação, cujo efeito inicial excede e compensa a queda da
erogêneos. Consideramos, por conseguinte, que o PPE. Contudo, o sangue se acumula nos vasos que se
· ento cerebral na HIC é absolutamente variado distendem e causam inchaço do encéfalo até um pon-
diferentes locais do cérebro, e regido por uma he- to em que um pequeno acréscimo adicional de sangue
geneidade absoluta. Ao final haverá uma isquemia gera um grande aumento da PIC, obedecendo a ascen-
bal, completa e permanente, pois a PIC será igual à dência exponencial da curva de Langfitt.
e não haverá FSE. Como no período final a PAM e a PIC variam em
Trata-se, então, de uma evolução básica, que no valores equivalentes, a administração sistêmica de vaso-
.' ·o é definida como isquemia global, incompleta,
rrente e reperfundida, seguida de uma fase que
avelmente é uma abstração teórica, a qual classi- A
os como global, completa, recorrente e reperfun-
Associam-se focos heterogêneos de necrose e ao
teremos uma lesão isquêmica completa e perma-
, secundária ao fenômeno da não reperfusão ou 5-20 MIN
Lipoperfusão pós-hiperemia.
(A)

lução da perda do mecanismo


autorregulação B

As alterações da PIC, PAM e sua pressão diferen-


(PPE), registradas em um traçado esquemático,
30-60 SEG
uma queda progressiva da PPE, mesmo em
ça do reflexo de Cushing (Fig. 4-4 ).
· Neste esquema notamos que o aumento da PIC é (B)
anhado do aumento da PAM, porém as pressões
Fig. 4-4. Ondas pressóricas patológicas. (A) Onda em plateau. (B)
oximam diminuindo progressivamente a PPE, Espículas.

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Bases da Terapia Intensiva Neurológica: Fisiopatologia e Princípios Terapêuticos

pressores as eleva1sem todavia melhorar a PPE e o FSE1 acontecem em alguns casos de traumatismo cranioen-
o que determina a irreversibilidade do processo. A que- cefálico. Tardiamente há uma elevação acentuada do
da final conjunta das pressões é consequência do cho- VSE pela vasodilatação e HIC1 o que leva a uma evo- '
que circulatório pelo sofrimento do tronco encefálico. lução hemodinâmica para o decréscimo da PPE, a não
ser que o processo seja interrompido.
Vasodilatações inicial e A vasodilatação tardia, em ambas as situações, ;
fenômeno da será causada pelo fenômeno isquêmico secundário à
queda da PPE1 que ocorre após o estabelecimento da .,
Em condições fisiológicas a PIC é a medida da HIC gravej essa vasodilatação acelerará o processo,
pressão capilar do encéfalo1 que se transmite às pres- evolutivo final.
sões sinusal e do bulbo jugular. Portanto1 considera- Sabemos que quando o FSE cessa1 as artérias e
mos que a PPE1 que é a medida principal dos padrões as veias não estão colapsadas1 sugerindo que a par.a-
da hemodinâmica encefálica1 é dada pela diferença da circulatória depende da PPE e não da compres.m;
entre a PAM e a pressão jugular. Em condições pa- vascular. Embora certos autores entendam que o FSB'
tológicas substituímos a pressão jugular pela PIC. cesse por compressão das veias corticais que drenam.
Consideramos que a força oponente entre a PAM e a para os seios venosos1inflando retrogradamente o leilD,
pressão capilar encefálica é a resistência cerebrovascu- circulatório através do aumento da pressão transmm:i&i
lar arteriolar pré-capilar1 que é a base do mecanismo (PTM) 1 mais recentemente considera-se que a queda,
da autorregulação circulatória1 cuja finalidade é man- do FSE deve-se a outras alterações da PPE e da PTMl
ter um FSE constante a despeito de variações na PPE1 venosa. A PTM é dada pela pressão intravascular sub-~
dilatando-se quando a PPE cai ou constringindo-se traída da pressão perivascular.
quando a PPE aumenta. A PTM é zero e permanece estável em amplas va-
Obviamente1 esse mecanismo funciona dentro riações da PIC, pois o aumento da pressão perivascolar
dos limites superior e inferior da PPE. Se a PPE eleva-se na HIC é seguido do aumento da pressão intravascubl;
acima do limite superior1a arteríola pré-capilar é "venci- elevando-se a pressão venosa. Q!:tando a PIC se igualai
da'' e ocorrerá uma vasodilatação funcionalmente hipe- PAM1a PTM permanece próxima a zero1porém a pres-
rêmica do encéfalo. Se a PPE decresce abaixo do limite são venosa alcança a pressão arterial1tornando a diferen-
inferior1ocorrerá uma vasodilatação funcionalmente oli- ça arteriovenosa pressórica igual a zero e bloqueando o
goêmica do encéfalo. Ambas as vaso dilatações implicam FSE1fato esse devido à dilatação completa do sistema de
um aumento do VSEj entretanto1a primeira implica um resistência. Como a PAM se transmitiu à microcircu1a-
aumento do FSE e a segunda1um diminuição do FSE. ção e às veias1 equilibra-se a PTM pois a PIC será igual
Uma vasodilatação funcionalmente oligoêmica à pressão venosa que passou a funcionar como sistema
ocorre no choque circulatório e na HIC. Na HIC as de resistência1 a partir da dilatação arteriolar máxima.
causas iniciais da vasodilatação patológica são a anoxia Como a PIC é igual à pressão venosa e ambas iguais à
isquêmica1 a aci.dose láctica1 a acidose carbônica e o PAM1não haverá compressão mecânica das veias.
acúmulo de adenosina. Essa paralisia vasomotora é aci-
dótica e gera aumento do VSE e aumento adicional da Lesões expansivas f ocaís
PIC1 fenômenos exacerbados pelo aumento da PAM1
se estiver abolido completamente o mecanismo de au- As lesões expansivas focais provocam distorções
torregulação1 ou seja1a capacidade contrátil da arterío- e compressões dos vasos contra as estruturas rígidas in-
la pré-capilar ou do sistema de resistência. A paralisia tracranianas como ossos1 foice do encéfalo e tenda do
vasomotora é demonstrada pela ausência de resposta cerebelo. Suas repercussões pressóricas são classifica-
vasoconstritora à alcalose respiratória tecidual do cére- das em perifocais1intracompartimentais1intercompar-
bro1 que não compensa a acidose láctica local. timentais e globais.
Uma vasodilatação funcionalmente hiperêmica As repercussões perifocais relacionam-se à com-
ocorre nas crises hipertensivas sistêmicas e em certas pressão mecânica do leito vascular adjacente. Há isque-
hiperemias por vasodilatação primária do encéfalo que mia1 leve vasodilatação e edema perifocais. Criam-se
Fisiopatologia Básica da Hipertensão Intracraniana

gradientes de pressão tecidual intraencefálico, e as folipases e proteases, que degradam os fosfolipídeos das
pressões de compressão são inversamente proporcio- membranas, liberando ácidos graxos poli-insaturados,
nais à distância da massa. entre eles o ácido araquidônico. O fornecimento parcial
As repercussões intracompartimentais associam- de O 2 permite a evolução da cadeia dos eicosanoides
-se à elevação da pressão intracraniana no comparti- e a formação de superóxido iônico e tromboxane A2.
mento que contém a massa, cuja pressão é maior do Através da reação de Haber-Weiss o superóxido produ-
que a das outras lojas do crânio. As alterações no flu- zirá OH- e causará grande peroxidação lipídica. Outras
xo sanguíneo regional ocorrem no tecido adjacente à fontes de radicais livres de o:Xigênio são a degradação
massa por compressão, e no compartimento continen- da hemoglobina, a redução das catecolaminas, a reação
te pela alteração intracompartimental da PPE, que, no do óxido nítrico e a hiperatividade ;Ia xantina-oxidase.
caso de tumores hemisféricas, é assimétrica em relação Os radicais livres de oxigênio lesam a barreira hema-
, ao compartimento que contém o hemisfério oposto toencefálica causando edema vasogênico e também a
e em relação ao compartimento infratentorial. Assim, musculatura lisa causando vasodilatação, fenômenos
entende-se que os mecanismos de compensação fun- que aumentam a PIC. O tromboxane A2 produzido em
cionam assimetricamente, ou de acordo com sua so- excesso pode causar vaso constrição e trombose de mi-
licitação espacial e temporal dentro da caixa craniana. cro circulação, aumentando a agressão isquêmica.
Presumimos, portanto, que as alterações do FSE são Como o sofrimento é heterogêneo, haverá focos de
locais inicialmente, com preservação circulatória, à dis- necrose de diferentes dimensões e com diferentes ida-
tância e à medida que o sofrimento se propaga para o des evolutivas. Cada foco de necrose é composto de um
outro hemisfério elas propagam-se em associação com centro necrótico de células mortas circundado por uma
as alterações do FSE. região chamada de "penumbrá' isquêmica, onde o FSE
As repercussões intercompartimentais dizem res- regional é insuficiente para manter a atividade sináptica,
peito à transmissão do aumento da PIC regional e à mas é suficiente para manter o metabolismo basal do
formação das hérnias encefálicas internas. A transmis- neurônio. Portanto, compõe-se de células inativas porém
são da pressão intracompartimental para toda a caixa viáveis. Esse baixo fluxo da "penumbra" deve-se à vaso-
craniana provoca elevação global da PIC; a criação de constrição pelo tromboxane e à insuficiência da circula-
gradientes pressóricos intercompartimentais permite ção colateral, tanto do ponto de vista anatômico como
a formação de hérnias teciduais, cuja força oponen- de pressão de perfusão. Ao redor da área de "penumbrá'
te ao seu deslocamento é parcialmente medida pelas há uma área hiperêmica e vasodilatada, provavelmente
propriedades viscoelásticas do tecido, que equilibram em função da difusão do ADP e da acidose das regiões
transitoriamente tais gradientes. mais centrais. Obviamente dentro da mesma região do
foco, o sofrimento celular também é heterogêneo, se-
Focos isquêrnicos na HIC guindo o fenômeno da vulnerabilidade seletiva.
Os focos isquêmicos adquirem caráter expansivo
A lesão celular isquêmica na HIC decorre do de- em virtude dos edemas vasogênico e citotóxico e da
créscimo da PPE global ou regional e da compressão vasodilatação acidótica secundária, contribuindo para
-vascular pelas hérnias encefálicas. Trata-se da isque- a elevação adicional da PIC. Eventualmente, um he-
mia de um evento relativo diretamente proporcional à misfério é submetido a uma agressão isquêmica mais
queda do FSE e inversamente proporcional à demanda intensa do que outro, sendo o primeiro a causa das her-
metabólica de oxigênio ( CMROJ Portanto, a lesão niações intracranianas e da báscula ou desvio do tronco
isquêmica se estabelece quando há uma desproporção do encéfalo.
entre a oferta e a demanda de 0 2 por unidade de volu-
me de sangue. Hipertensão íntracraníana
A hipoxia isquêmica causa acidose láctica, acúmu- e função cerebral
lo de adenosina e vasodilatação encefálica. Há extrusão
celular de K+ e intrusão celular de Na+, H 2 O e Ca++, com Um aumento difuso da PIC pode não afetar a
orna disfunção mitocondrial secundária e ativação fos- função cerebral até que a PIC média alcance a pressão
Bases da Terapia Intensiva Neurológica: Fisiopatologia e Princípios Terapêuticos

arterial média, pois a causa da HIC é tão importante o aparecimento da bradicardia e de irregularidades res-
quanto seu nível em termos de determinação da fun- piratórias. Na evolução das investigações observou-se
ção cerebral. Pacientes com pseudotumor cerebral, que a hipertensão arterial era um evento que só ocor-
por exemplo, toleram níveis elevadíssimos de PIC sem ria em níveis muito elevados de PIC, associando-se ao
comprometimento da função cerebral. A razão parece óbito da maioria dos animais.
relacionar-se com o fato de que o cérebro estava nor- Estudos mais recentes demonstram aumentos na
mal nesses pacientes antes do aparecimento da HIC e pressão arterial sistêmica associados à elevação da PIC
a autorregulação intacta permite que a pressão de per- em pacientes que em geral deterioram neurologica-
fusão seja diminuída a níveis muito baixos, sem causar mente mas se recuperam, se a HIC é tratada e aliviada
redução crítica no fluxo sanguíneo cerebral. rapidamente. Assim, o reflexo de Cushing implica uma
A situação é totalmente diferente em pacientes gravidade mas não a irreversibilidade da lesão.
com lesões parenquimatosas, como hematomas, con- O reflexo de Cushing tem sido atribuído ao aumen-
tusões ou tumores. Esses processos expansivos causam to da resistência vascular sistêmica produzido por pres-
desvios das estruturas cerebrais e afetam a autorregula- são e à isquemia no nível do tronco cerebral. Entretanto,
ção adjacente à lesão. Q!.iando um aumento difuso da parece que a isquemia no nível dos hemisférios cerebrais
PIC produzido pelo efeito expansivo de uma massa, também pode provocar o reflexo de Cushing, provavel-
edema ou dilatação vascular decorrente de hipercar- mente através da supressão de inibidores supratento-
bia é superposto à anomalia regional, o tecido cerebral riais de centros vasomotores no tronco cerebral, o que
adjacente pode ser comprometido em níveis relativa- resultaria na liberação de fatores simpatomiméticos, que
mente baixos da PIC, o que se relaciona com o com- causam vasoconstrição periférica. Embora o aumento da
prometimento do fluxo sanguíneo cerebral regional. resistência vascular periférica pareça ser o fator de maior
O paciente pode então apresentar sintomas com PIC importância no reflexo de Cushing, a elevação do débito
entre 15 e 26 mmHg, que são rapidamente revertidos, cardíaco também é fator significativo.
quando a PIC volta ao normal. Essa situação é muito Das alterações na frequência cardíaca produzidas
diferente daquela de um paciente com cérebro essen- pela HIC, a mais frequente é a bradicardia. Esta não
cialmente normal, que permanece funcional com a depende do aumento da pressão arterial, pois persiste
PIC beirando a pressão arterial média. após a secção do nervo de Hering.
A hipertensão intracraniana afeta a função cerebral A alteração respiratória mais frequente é a respira-
através de dois mecanismos: a diminuição do fluxo san- ção do tipo Cheyne-Stokes, provavelmente decorrente
guíneo cerebral abaixo do nível crítico necessário, para da interferência nas conexões do centro respiratório
prover ao cérebro uma quantidade adequada de oxigê- com níveis cerebrais superiores.
nio e a herniação transtentorial, ou através do forame Mais recentemente, vários investigadores têm
magno levando à compressão e à isquemia do tronco estudado a sequência das alterações que ocorrem
cerebral, num momento em que o fluxo sanguíneo nos nos sinais vitais durante a elevação gradual da PIC,
hemisférios ainda é adequado para a oxigenação teci- utilizando balões extradurais. Na medida em que o
dual. Assim um processo localizado na ponta do lobo balão é expandido em gatos, cães e babuínos, ocorre
temporal pode levar à herniação uncal com compressão uma queda da frequência cardíaca precoce, há dis-
do tronco, sem aumento significativo da PIC ou com- creta queda na pressão arterial sistêmica, aparecem
prometimento do fluxo sanguíneo hemisférico. algumas arritmias e a frequência respiratória decres-
ce, mas o pulso de pressão no espaço intracraniano
Hipertensão intracraniana e sinais vitais quase não se altera. Continuando a expansão doba-
lão induz-se o reflexo de Cushing. As circunstâncias
Os primeiros estudos clínicos a respeito da HIC que provocam uma resposta pressórica variam con-
sugeriram que alterações na pressão arterial, na frequên- sideravelmente.
cia cardíaca e na respiração poderiam servir como um Fitch relacionou o aparecimento do reflexo de
indício da presença e da gravidade da HIC. Cushing Cushing à pressão de perfusão supratentorial e obser-
demonstrou a resposta pressórica arterial e observou vou que a mesma pode estar entre 8 e 50 mmHg no
Fisiopatologia Básica da Hipertensão Intracraniana

momento do desencadeamento do reflexo. Os autores A elevação do decúbito entre 30º a 45º permite uma
encontraram também uma variabilidade importante na melhora do retorno venoso e a queda da PIC. Deve-
amplitude do gradiente pressórico através do tentório. -se evitar a laterização e a flexão ou extensão excessivas
Imediatamente antes do aparecimento do aumento na da cabeça1 para não haver compressão jugular. Salien-
pressão arterial sistêmica1 o gradiente era mais ou me- tamos que a elevação do decúbito está formalmente
nos 36 mmHg e durante o pico de resposta pressórica1 contraindicada na presença de instabilidade hemodi-
46mmHg. nâmica sistêmica com hipotensão arterial1 pois haverá
À medida que a pressão arterial sistêmica se eleva1 uma hipotensão postural mantida1 queda da PPE 1 agra-
a frequência cardíaca1 que diminuiu lentamente duran- vamento da isquemia e da vasodilatação e consequente
te a fase inicial da expansão do balão1 começa a aumen- e imediato aumento da PIC. A elevação do decúbito
tar. A partir desse momento1 as alterações ocorrem de interfere criando uma coluna líquida entre o encéfalo
., maneira progressiva e rápida terminando em bradicar- e o átrio direito1 esvaziando parcialmente o sistema ve-
dia severa1 dilatação pupilar e colapso vascular1 devido noso de capacitância. As outras medidas interferem no
ao sofrimento bulbar. sistema arteriolar de resistência ao fluxo.
Do ponto de vista prático1 o objetivo é saber se um Através da hiperventilação induzida1 regulada para
paciente com pressão intracraniana anormal tem ainda uma manutenção da PaCO 2 entre 25 e 30 mmHg1
reserva em termos de mecanismos de compensação ou retira-se o co2J que atravessa livremente a barreira
se está prestes a apresentar uma elevação acentuada da hematoencefálica1 do compartimento extravascular
PIC1 como consequência de pequeno aumento do volu- periarteriolar1 alcalinizando-se o meio e promovendo-
me sanguíneo1 do líquido cefalorraquidiano ou do com- -se uma vasoconstrição que diminui o VSE e a PIC.
ponente líquido do tecido cerebral. Somente através do Salientamos que uma vasoconstrição excessiva pode
· conhecimento da relação volume/pressão e da influên- gerar isquemia.
cia que cada um dos compartimentos exerce nessa rela- A hipocapnia age apenas nos vasos em que o
. ção1 poderemos fazer a melhor opção de tratamento. mecanismo de autorregulação está mantido e teorica-
mente pode desviar o fluxo em direção às áreas mais is-
Considerações terapêuticas: a manipulação quêmicas que permanecerão vasodilatadas em virtude
do volume sanguíneo encefálico da intensa acidose tecidual. Inversamente1 a vasocons-
trição da circulação colateral pode diminuir o FSE re-
Os objetivos básicos da terapêutica são manter a gional. A ausência da resposta à hiperventilação indica
PIC abaixo de 20 mmHg1 ou abaixo de IS mmHg na perda da autorregulação em virtude da acidose tecidual
presença de falhas ósseas cranianas maiores do que 25 e sugere mau prognóstico.
··on21 e manter a PPE superior a 60 mmHg. Devemos Após determinado tempo de uso1 a alcalose respi-
bém minimizar a ocorrência das ondas patológicas. ratória tecidual e liquórica é compensada por uma aci-
es objetos visam diminuir a agressão isquêmica. dose metabólica compartimental1 e a hiperventilação
O tratamento clínico é composto de medidas que perde progressivamente seu efeito. Seguindo-se o mes-
·pulam o volume sanguíneo encefálico do sistema mo raciocínio1 a suspensão abrupta da hiperventilação
oso de capacitância1 diretamente ou indiretamen- permitiria a preponderância transitória da acidose me-
através da manipulação da capacidade contrátil do tabólica e uma vasodilatação1 mesmo em presença de
canismo de resistência constituído pela arteríola níveis normais de PaC02 •
'-capilar. O único mecanismo que interfere direta- O agente osmótico em uso atualmente é o manitol
nte no sistema venoso de capacitância é a elevação em solução a 20% 1 que sempre deve ser administrado
decúbito. O uso da hiperventilação1 dos diuréticos em "bolos" endovenosos e nunca em gotejamento len-
óticos1 dos barbitúricos e da hipotermia causam to. Ele provoca uma queda abrupta da PIC por causar
oconstrição da arteríola pré-capilar e diminuição uma reversão aguda da vasolidilatação isquêmica1 que
VSE. O tratamento cirúrgico é composto da moni- chega a uma leve vasoconstrição. Esse efeito deve-se ao
. ação da PIC1 da drenagem do LCR e das cirurgias aumento da volemia e da pressão arterial sistêmica e à
diminuição da viscosidade sanguínea1 fenômenos que
Bases da Terapia Intensiva Neurológica: Fisiopatologia e Princípios Terapêuticos

melhoram o FSE na microcirculação e invertem a va- A lidocaína em "bolos" endovenosos causa que-
sodilatação secundária à isquemia. Esse efeito ocorre das fugazes e acentuadas da PIC embora seja útil du-
apenas nos modelos animais portadores de HIC, en- rante procedimento na UTI que elevam a PIC, como
quanto nos modelos normais a administração do ma- uma broncoscopia ou uma sessão de fisioterapia.
nitol causa uma leve elevação da PIC que retorna em A hipotermia induzida reduz o consumo de oxigê-
seguida aos níveis normais. A leve elevação da PIC não nio pelo cérebro e equilibra a relação oferta/ consumo
ocorre nos modelos portadores de HIC, havendo já causando vasoconstrição. Esse mecanismo diminui o
diretamente uma queda da PIC. As perdas devem ser VSC e reduz a pressão intracraniana por causar um blo-
imediatamente repostas ou haverá desidratação, he- queio na cascata vasodilatadora. Ao mesmo tempo, a hi-
moconcentração e aumento da viscosidade sanguínea, potermia bloqueia a cascata bioquímica e considera-se
hipotensão e piora da isquemia encefálica, o que pode que possa reduzir os edemas citotóxicos e vasogênico
provocar aumento da PIC. Talvez a não reposição ime- contribuindo para o controle da HIC. Por bloquear a
diata das perdas e suas consequências sejam a verdadei- cascata bioquímica supõe-se que a hipotermia evite a
ra causa do assim chamado "efeito rebote". morte neuronal em virtude de um efeito neuroprotetor
O segundo mecanismo de ação do manitol deve- direto. Assim, após a recuperação, um maior número de
-se à desidratação do encéfalo através de regiões em neurônios estaria preservado que dariam lugar aos me-
que a barreira hematoencefálica está íntegra. Esse me- canismos de neuroplasticidade durante a reabilitação.
canismo é o responsável pela manutenção da queda da Dentre as medidas de suporte geral, o suporte visa
PIC por períodos mais longos. manter uma Pa0 2 maior que 70 mmHg, e as medidas
Os corticosteroides são muito importantes no alívio fisioterápicas não devem permitir que a PIC ultrapasse
da HIC associada a extenso edema peritumoral e ao re- 30 mmHg durante sua execução. O uso da pressão po-
dor de processos infecciosos. Esse edema é predominan- sitiva expiratória final (PEEP) de até 10 cm Hp não
tementevasogênico, e as alterações da permeabilidade da altera significamente a PIC, exceto se causar hipoten-
barreira hematoencefálica são predominantemente tóxi- são arterial, fato associado à presença concomitante de
co-metabólicas e inflamatórias. Podem estar implicados hipovolemia. A sedação e a curarização evitam o au-
os ácidos graxos, leucotrienos, eicosanoides em geral, mento da pressão intratorácica que eleva a PIC.
radicais livres, várias enzimas, interleucinas, interferons, A manutenção hidreletrolítica é realizada para
e o fator de necrose tumoral. Parecem influir também manter-se adequada hidratação e volemia, para que
as condições hemodinâmicas dos vasos neoformados e haja adequada perfusão encefálica. Não se deve de-
certos fatores imunológicos locais. O edema peritumo- sidratar o paciente crônico e a hipo e hipernatremia
ral e o edema infeccioso são os únicos que realmente se devem ser corrigidas. A hiperglicemia, que acentua a
beneficiam com o uso dessas drogas. lesão isquêmica, deve ser controlada, e as reposições
O coma barbitúrico reduz a atividade elétrica e volêmicas devem ser feitas preferencialmente à custa
a demanda metabólica, reduzindo o consumo de 0 2 de soluções coloides.
e protegendo o neurônio. Provoca queda da PIC, do Afebre e as convulsões aumentam a demanda me-
VSE e do fluxo, e parece só oferecer vantagens se ad- tabólica e sensibilizam o encéfalo ao sofrimento isquê-
ministrado precocemente. Sua instalação necessita de mico, portanto, devem ser controladas e prevenidas.
monitorização da PIC e monitorização hemodinâmi- As variações da pressão arterial merecem conside-
ca da PAM e da pressão diastólica final do ventrículo rações adicionais. A hipotensão arterial de qualquer etio-
esquerdo pelo cateter de Swan-Ganz, em virtude da logia deve ser prontamente corrigida, pois ela diminui a
instabilidade circulatória que pode ocorrer. É neces- PPE e gera vasodilatação e aumento do VSE, agravando
sário também a monitorização eletroencefalográfica a HIC e suas consequências. A hipertensão arterial ge-
contínua para que se alcance uma situação de surtos ralmente é controlada evitando-se a elevação da pressão
de supressão, não sendo necessário obter-se a isoele- sistólica acima de 160 mmHg, entretanto, é muito im-
tricidade. Quando instituído tardiamente, o coma bar- portante considerar-se a presença do reflexo de Cushing
bitúrico induzido não traz benefícios aos pacientes e para a manutenção da PPE. Assim, caso a hipertensão
provavelmente piora o prognóstico. arterial seja reflexo e consequência da elevação da PIC,
Fisiopatologia Básica da Hipertensão Intracraniana

a normalização medicamentosa da PAM implicará uma


isquemia do encéfalo pela queda da PPE. tratados por períodos de 36 a 72 horasj tenta-se, então,
Baseado no mesmo raciocínio, deve-se ressaltar retirar as medidas terapêuticas, que poderão ser reintro-
que há estudos atuais sobre o tratamento da HIC nos duzidas na eventualidade de ocorrer elevação da PIC a
níveis não toleráveis.
quais utiliza-se a hipertensão arterial induzida. Nessa
medida, se o mecanismo de autorregulação da circula- O tratamento cirúrgico consiste na drenagem
ção cerebral estiver íntegro, a elevação da PAM impli- contínua ou intermitente de LCR, por um cateter
cará uma elevação da PPE e reversão da isquemia e da ventricular, e cirurgias descompressivas internas ou
vasodilatação. Se o mecanismo de autorregulação esti- externas. As descompressões internas incluem a re-
ver inutilizado, a elevação da PAM acarreterá uma eleva- moção das massas expansivas. As lobectomias não são
ção da PIC, indicando mau prognóstico neurológico. utilizadas. As descoll]pressões externas são realizadas
A profilaxia das convulsões deve ser executada, através da remoção de partes da calota craniana. Elas
pois nessa eventualidade haverá um grande aumento não têm indicação no inchaço encefálico difuso, pois o
da demanda de glicose em um ambiente com carên- tecido herniado apresentará extensa necrose hemorrá-
cia de 0 2, gerando metabolismo anaeróbio e acidose gica. Aceita-se a descompressão externa unilateral nos
láctica, que acentuarão o sofrimento isquêmico e po- infartos hemisféricos unilaterais maciços com efeito de
derão aumentar o VSC ou mesmo gerar uma vasopa- massa, pois primariamente já existe a lesão neuronal e
ralisia irreversível. a hérnia encefálica externa não trará, provavelmente,
Como perspectivas clínicas há a possibilidade do deficiências adicionais e não permitirá a báscula do
uso de substâncias que interferem nos mecanismos encéfalo em direção ao lado descomprimido e sobre
moleculares da lesão isquêmica, como os bloqueadores o tronco encefálico, visto que, desde que a HIC seja
dos canais de cálcio, os inibidores da cadeia das pros- tratada precocemente, o hemisfério não infartado não
taglandinas e da xantina-oxidase, os corticosteroides e apresentará inchaço isquêmico. As descompressões
antagonistas diretos ou indiretos dos radicais livres de externas bilaterais não tem indicação atualmente, pois
oxigênio. Todas essas drogas estão em fase de testes la- causam infartos hemorrágicos corticais extensos e sín-
boratoriais e não têm utilidade clínica no momento. drome apática nos pacientes que sobrevivem.
Os pacientes são monitorizados pelos exames clí-
nico e radiológico e pela medida da PIC, dos parâme-
Referências
tros hemodinâmicos e dos parâmetros metabólicos. A
monitorização clínica é realizada pelo exame neuroló- About-Madi M, Trop D, About-Madi N, Ravussin P - Does a
gico evolutivo e pelas escalas de graduação, como a de bolus of mannitol initially agravate intracranial hyperten-
Glasgow e de Jouvet. A monitorização radiológica é rea- sion? Br JAnaesth, 59:630-639, 1987.
lizada através de tomografias seriadas, indicadas quan- Artru AA - Cerebral vascular responses to hypocapnia dur-
do há alteração do quadro clínico ou aumento da PI C. A ing nitroglycerin-induced hypotension. Neurosurgery,
16:468-472, 1985.
monitorização da PIC, preferencialmente por sensores
Auer LM, Sayama I- Intracranial pressure oscillation (b-waves)
de fibra óptica, permite o controle da PPE. A monito- cause by oscillation in cerebrovascular volume. Acta Neu-
rização hemodinâmica é indicada no coma barbitúrico rochir (Wien), 68:93-100, 1983.
induzido ou em pacientes suscetíveis a sobrecargas vo- BrockM, Markakis E, Beck ], Poll W, Dietz H - The pathophysi-
Iêmicas, ou que apresentem instabilidade hemodinâmi- ological importance ofintracranial pressure gradiente. In
ca não terminal. A monitorização metabólica é realizada Hunhelendahl H, Hensell V (eds): Proceedings of the Ger-
utilizando-se a medida de diferença arteriovenosa jugu- man Society for Neurosurgery. New York, Elsevier, 1973,
pp. 231-232.
lar de O 2, que tem utilidade no tratamento das lesões Brock M, Winkelmuller W, Poll W, Markakis E, Dletz H - Mea-
difusas na fase evolutiva inicial. O máximo benefício é
surements of brain tissue pressures. Lancet, 2:595-596,
conseguido medindo-se a reserva hemodinâmica ence- 1972.
fálica, que permite adequar-se às melhores PPE e extra- Bruce DA, Langfitt TW, Miller ]D, Schutz H, Vapalahti MP,
ção de 0 2 para satisfazer a demanda metabólica de 0 • Stanek A, Goldberg HI - Regional cerebral blood flow,
2
Com a monitorização adequada, os pacientes devem ser intracranial pressure, and brain metabolism in comatose
patients. JNeurosurg1 38:131-144, 1973.

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