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FACULDADE ARNALDO JANSSEN

CURSO DE PSICOLOGIA – 6º PERÍODO


DISCIPLINAS: PSICOLOGIA ORGANIZACIONAL E DO TRABALHO, TEORIAS
DA PERSONALIDADE E INTRODUÇÃO ÀS TEORIAS E TÉCNICAS
PSICOTERÁPICAS

RESENHA DE ARTIGO

Identificação dos alunos:


Mariana Isabel da Silva – Mat. 1216000015
Marianne Cristine Silva Oliveira – Mat. 1219132968
Thiago Michel Pereira Silva – Mat. 122300816
Data: 23/11/2023

I. Identificação da obra:

LIMA, Maria Elizabeth Antunes. Aprisionado pelos ponteiros de um relógio: o caso de um


transtorno mental desencadeado no trabalho. Saúde Mental e Trabalho - leituras". Codo,
W & Jacques, M. G (orgs). Ed. Vozes, 2002.

II. Resumo das ideias da autora:

No caso clínico apresentado, a autora fez o seguinte questionamento: o trabalho


provoca ou precipita transtornos mentais? Partindo da história de Carlos, é feita uma rápida
incursão pelo campo da Saúde Mental e Trabalho, na França, a fim de investigar e
fundamentar a estreita relação entre os sintomas de Carlos e a sua experiência no último
emprego.

A primeira parte do artigo expõe as referências dos teóricos franceses Paul


Sivadon, Louis Le Guillant e Christophe Dejours acerca das possíveis relações entre certas
formas de organização do trabalho e certos transtornos mentais.

Na segunda parte, a história de Carlos é contada em cinco partes: a infância e a


vida familiar, a vida adulta, a história ocupacional pregressa, a história do último emprego,
onde colaciona diversos relatos e suas impressões sobre a sua condição, e por fim, a sua
situação atual.

Na terceira e última parte, a autora tece suas considerações finais, onde constata
que a história de Carlos e os efeitos nefastos de um trabalho patogênico se imbricam ao
perceber a angústia e o sofrimento causados em um sujeito. Neste ponto, destaca e elenca
elementos patologizantes da organização, assim como os sintomas - físicos, mentais,
emocionais e sociais – que surgem no paciente.

A autora não deixa de ressaltar a importância em utilizar variadas ciências –


medicina, psicologia, sociologia - para conhecer a história de vida do sujeito, sua
personalidade, a nosologia e a sintomatologia do organismo, assim como sua estrutura mental,
a fim de acessar integralmente o fenômeno que se apresenta.

III. As considerações do caso clínico à luz das disciplinas Psicologia Organizacional e


do Trabalho, Teorias da Personalidade, e Introdução às Teorias e Técnicas
Psicoterápicas.

1. Introdução

O presente trabalho visa discutir o caso clínico do texto “Aprisionado pelos


ponteiros de um relógio: o caso de um transtorno mental desencadeado no trabalho”, de Maria
Elizabeth Antunes Lima, sob a ótica das disciplinas Psicologia Organizacional e do Trabalho,
Teorias da Personalidade, e Introdução às Teorias e Técnicas Psicoterápicas.

Carlos tem 48 anos e durante cinco anos trabalhou em um estacionamento,


localizado num edifício, em regime fixo noturno, com uma jornada de 12 horas em dias
alternados.

Segundo o texto, ele controlava a entrada e a saída de veículos, e era submetido a


um controle especialmente rígido: a cada 25 minutos, deveria acionar um relógio, e caso não
acionasse, o mesmo emitiria um sinal e o traço desse sinal configuraria ao seu supervisor a
ausência no posto de trabalho.

Essa tarefa afetou profundamente o paciente, de modo que apresentou diversas


crises de perturbação do sono, e só conseguia se acalmar após “acionar” um relógio
desenhado na parede do seu quarto, simulando o gesto que fazia, repetidamente, durante toda
a noite, por cinco anos que laborou naquele condomínio.

Diante deste quadro, o paciente foi atendido pela primeira vez no ADP, em
dezembro de 1998, sendo diagnosticado com Transtorno de Adaptação (CID XX – 4322).

No encaminhamento, o psiquiatra levantou a questão sobre a possível relação


entre as evidências clínicas e o trabalho realizado pelo paciente, pois, durante suas crises,
emergiam elementos relacionados ao contexto do trabalho desempenhado no estacionamento,
em especial, o acionamento do relógio.

Durante o tratamento, Carlos demonstrou sensibilidade a ruídos, como buzinas ou


campainhas, e perturbações de sono. Identificou-se, ainda, um quadro recente de esteatose
hepática e pancreatite.

Assim, em junho de 1999, o ADP emitiu uma CAT (Comunicado de Acidente de


Trabalho), com o seguinte argumento: transtorno de adaptação com perturbação de sono,
decorrente de um longo período de privação do sono noturno e de uma exposição a uma
organização do trabalho rigidamente controlada, e alcoolismo.

Argumentou acerca da relação entre o transtorno e o trabalho desempenhado.

Apesar desse argumento, a perícia do INSS afastou o paciente para tratamento,


porém não reconheceu o nexo entre os sintomas e o trabalho.

2. O olhar da psicologia organizacional sobre a formatação da organização

Considerando os pressupostos da psicologia organizacional com relação ao


comportamento humano dentro das organizações, com o objetivo de promover o bem-estar
dos colaboradores/empregados, garantindo que eles se sintam valorizados, ouvidos e apoiados
em seu desenvolvimento pessoal e profissional, e considerando as dimensões básicas
compostas de elementos fundamentais que se referem à estrutura e ao funcionamento das
organizações, apresentaremos a seguir um contraste entre os elementos fundamentais e a
realidade da organização em que Carlos laborou.
a) Estrutura organizacional: Hierarquia e departamentalização: ordem das diferentes
camadas de autoridade em uma organização, níveis de gestão, gerência, funcionários
em nível operacional e forma de agrupamento de atividades.
Considerando o poder centralizador inflexível e violento do síndico, a retirada de
benefícios previstos na CLT e do vale-transporte (Lei 7.418/85), bem como a jornada
extenuante de 12h/12h, percebemos uma negligência por parte da organização no que
se refere ao cumprimento das leis trabalhistas, bem como as tarefas não são pré-
fixadas e sofrem alterações sem qualquer critério. Além disso, não há abertura aos
funcionários para discussão das tarefas impostas pelo síndico.

b) Cultura organizacional: Valores, normas e clima organizacional: representam as


crenças e os princípios fundamentais que guiam o comportamento dos membros da
organização, bem como o ambiente psicológico e emocional da organização,
influenciado por fatores como liderança, comunicação, recompensas e
reconhecimento.
Considerando que Carlos e os demais empregados estão imersos em uma cultura
violenta, agressiva, tóxica, desorganizada, controladora e rígida, e em um clima
organizacional hostil, percebemos que a organização apresenta fatores ansiogênicos,
estressantes, desmotivacionais, desqualificados, depreciativos, em razão de uma
liderança centralizadora autoritária.

c) Comunicação: Fluxo de Informações: Envolve como as informações são transmitidas


entre diferentes níveis e departamentos. Pode ser vertical (de cima para baixo ou de
baixo para cima) e horizontal (entre colegas do mesmo nível).
Considerando que há uma comunicação vertical violenta e impositiva de cima para
baixo, e subserviência dos funcionários de baixo para cima, o síndico chama a
atenção dos funcionários na frente de outros com xingamentos, e na comunicação
horizontal entre os colegas, mesmo com a proibição do síndico, expressam o medo de
perder o emprego e reclamam das demandas impostas na empresa, percebemos que a
organização não possui uma comunicação efetiva, posto que o síndico não dá abertura
aos funcionários para uma troca de informações ou questionamentos de atividades, e
não apresenta nenhum feedback aos subordinados.
d) Tomada de decisão: Centralização vs. Descentralização: indica onde as decisões são
tomadas - se de forma centralizada pela alta administração ou de forma
descentralizada, dando mais autonomia a níveis inferiores, e a participação dos
membros da organização nas decisões.
Considerando que as decisões são centralizadas no síndico, sem avaliação de riscos à
saúde do trabalhador, percebemos que a organização não permite a participação dos
empregados nas tomadas de decisão, bem como não se preocupa com a saúde física e
mental do trabalhador.

e) Poder e autoridade: Distribuição e bases de poder: Refere-se à maneira como o poder


é distribuído dentro da organização. Pode ser altamente centralizado ou mais
distribuído. Incluem fontes de influência, como poder de recompensa, poder
coercitivo, poder legítimo, poder de especialização, entre outros.
Considerando que o síndico possui alta influência e poder coercitivo sobre os
funcionários, percebemos que o síndico age com coerção sobre os trabalhadores, e a
possibilidade da substituição da mão-de-obra por ser um trabalho desqualificado,
provoca nos subordinados um medo de perder o emprego.

f) Recursos humanos: Gestão de Pessoas: Inclui processos relacionados ao


recrutamento, seleção, treinamento, desenvolvimento e avaliação de desempenho dos
funcionários.
Motivação e Compensação: Diz respeito a como a organização motiva seus membros,
incluindo sistemas de recompensa, benefícios e programas de reconhecimento.
Considerando que na organização não há o setor de recursos humanos dentro da
organização; Carlos labora em um local pequeno, é proibido de conversar e utilizar
aparelhos como rádio e TV, possui jornada de 12h sem intervalos para descanso, é
controlado por relógio e câmera, o que impossibilita a utilização de banheiro
(defecação na rua e retenção de urina), há ausência de benefícios, programas de
reconhecimento, e plano de carreira; há a retirada do café, do pão, do uniforme e do
vale-transporte; e um constante assédio moral praticado pelo síndico, percebemos que,
pela ausência de um setor de recursos humanos, o tratamento dispendido pelo síndico
é de forma desumanizada, desconsiderando o bem-estar do trabalhador. Além disso, a
retirada dos benefícios em total prejuízo ao trabalhador provocou muita desmotivação,
humilhações e degradações no trabalho.

3. A psicologia do trabalho e o sofrimento do trabalhador

Considerando as propostas formuladas no campo da Psicopatologia do Trabalho


pelos teóricos Paul Sivadon e Louis Le Guillant, e no campo da Psicodinâmica do Trabalho
pelo teórico Christophe Dejours, apresentaremos a seguir o contraste entre as teorias e o
adoecimento de Carlos no trabalho.

Paul Sivadon (1907-1992) foi um médico psiquiatra francês que cunhou o termo
“psicopatologia do trabalho” em referência ao estudo do sofrimento psíquico em
decorrência do trabalho.

A autora do caso clínico em discussão escreveu um artigo intitulado “A


psicopatologia do trabalho” em 1998, com o intuito de apresentar aos psicólogos brasileiros a
teoria de Paul Sivadon, no qual tentou “conciliar as concepções organicista e dinâmica da
doença mental”, e “integrar o psíquico, o orgânico e o social, mas sem jamais conseguir
estabelecer de forma satisfatória as prioridades ontológicas entre essas três instâncias.”

Contribuiu, ainda, para o campo da saúde, uma nova forma de abordar o doente
mental através da ergoterapia, que se trata de uma integração social do doente mental pelo
trabalho.

No seu entendimento, em que pese os fatores pessoais contribuírem para o


adoecimento do trabalhador, Sivadon chama a atenção quanto ao surgimento de sintomas no
trabalho em situações nocivas dentro da organização que podem evoluir em neuroses sob a
forma de angústia, de insônia, ou de distúrbios patológicos, como a confusão, a agitação e a
depressão.

Diante de tais considerações, destacam-se abaixo os fatores que podem ter


desencadeado em Carlos o transtorno de adaptação com perturbação do sono, consignados
pela teoria de Sivadon:

a) Tratamento desumanizado;
b) Ausência de intervalos;
c) Controle do sono;
d) Autoritarismo do síndico;
e) Retirada de benefícios;
f) Excesso de vigilância;
g) Trabalho monótono e estressante.

Tais fatores ocasionaram diversos sintomas em Carlos como úlcera, delírios, uso
de álcool e tabagismo, insônia e ansiedade.

Louis Le Guillant (1900-1968) foi um médico psiquiatra francês considerado


um dos fundadores da Psicopatologia do Trabalho, da Reforma Psiquiátrica e da
Psicoterapia Institucional na França, contribuindo muito para o desenvolvimento de uma
abordagem clínica em análise do trabalho.

Em 2006, a autora Maria Elizabeth Antunes Lima publicou sua obra “Escritos de
Louis Le Guillant: da ergoterapia à psicopatologia do trabalho”, com o intuito de difundir a
teoria de Le Guillant que estudou uma possível conexão entre os problemas psicopatológicos,
as condições de existência e as situações vividas pelo doente.

Ele percebeu que condições específicas de um determinado trabalho podem


conter um alto poder patogênico.

No seu escrito “A neurose das telefonistas”, publicada em 1956, Le Guillant


procurou demonstrar a existência de um nexo causal entre as condições de trabalho e a saúde
mental dos trabalhadores.

Tomando o caso clínico em análise, e considerando os fatores orgânicos,


psíquicos, sociais e organizacionais, a história de Carlos revela o seu comportamento
disciplinado, responsável e cumpridor das tarefas, valores aparentemente positivos que o
acompanhou ao longo de sua vida, e que em seu atual trabalho provocou o seu adoecimento.

Apresentou problemas de saúde anteriores ao trabalho, como úlcera e esteatose


hepática, e suspeita-se que tenha se originado do trabalho.

Além disso, o paciente apresentou, segundo o texto, uma estrutura neurótica, que
pode ser identificada através de sua história de vida.

Diante de uma organização altamente patogênica, conforme os diagnósticos


anteriores, é possível que o seu adoecimento tenha decorrido das condições do trabalho,
aliados ao histórico pregresso de vida e de saúde do paciente, o que reforça, mais uma vez, a
teoria de Le Guillant.

Christophe Dejours (1949 – atuais 74 anos) é um médico psiquiatra e


psicanalista francês, doutor em medicina do trabalho, onde desenvolveu, na década de 80,
uma abordagem científica denominada “Psicodinâmica do Trabalho”, na qual busca
compreender os aspectos psíquicos e subjetivos que são mobilizados a partir das relações e da
organização do trabalho, ou seja, os mecanismos utilizados pelos trabalhadores em relação ao
sofrimento psíquico decorrente do trabalho.

Dejours apresenta um posicionamento diverso dos teóricos Sivadon e Le


Guillant, onde nega a existência da doença mental característica do contexto do trabalho, bem
como do desencadeamento de neuroses e psicoses decorrentes deste. Isto porque, sob o seu
ponto de vista, amparado pela psicanálise, entende que as neuroses e as psicoses dependem da
estruturação de uma personalidade adquirida antes do contato com a organização, sendo,
portanto, um elemento desencadeante, e não determinante do adoecimento psíquico.

Assim, em seus atuais estudos, a pesquisa é voltada para o sofrimento e as


defesas utilizadas pelos trabalhadores para atenuação dos sintomas.

Para este teórico, a normalidade é vista como um resultado da composição entre


o sofrimento e a luta (coletiva ou individual) que se opõe ao martírio no trabalho. Trata-se de
um fenômeno que demanda do sujeito um grande esforço contra uma desestabilização
psíquica que surge no contexto do trabalho, uma vez que os mecanismos ou estratégias de
defesa são restringidos ou coibidos de alguma forma pela organização.

Em que pese a psicodinâmica ter uma visão diferente de Sivadon e Le Guillant,


no caso clínico em apreço, constata-se que o paciente esteve em sofrimento no trabalho, e
houve cerceamento por parte da organização na utilização dos mecanismos de defesa
elencados por Dejours para a atenuação dos sintomas.

Assim, fica claro que a normalidade esteve presente na relação de Carlos com a
organização, sendo esta uma reação diante do sofrimento psíquico decorrente das tarefas ali
desempenhadas, aliadas à sua formação pregressa de estrutura psíquica e à personalidade.

Estes são exemplos de normalidade: o silêncio e a subserviência sem oposição.


4. A personalidade de Carlos sob a ótica do Big Five

O modelo BIG FIVE, também conhecido como Modelo dos Cinco Grandes
Fatores de Personalidade, é uma teoria amplamente aceita na psicologia da personalidade. Ele
descreve a personalidade humana em termos de cinco traços principais: abertura à
experiência, conscienciosidade, extroversão, amabilidade e neuroticismo.

A origem do modelo remonta aos anos 1980, quando diversos pesquisadores


começaram a identificar padrões consistentes de traços de personalidade em diferentes
culturas. Uma das pesquisas fundamentais que contribuíram para o desenvolvimento do
modelo é o estudo de Goldberg (1990), intitulado “An Alternative 'Description of
Personality': The Big-Five Factor Structure”, na qual investigou a estrutura de traços de
personalidade através de análises de questionários preenchidos por participantes.

Desde então, muitos outros estudos foram realizados para validar e aprimorar o
modelo Big Five. Diversos autores e pesquisadores contribuíram para a compreensão e
aplicação desse modelo, incluindo McCrae e Costa, que desenvolveram uma medida
amplamente utilizada chamada NEO-PI-R (Inventário de Personalidade NEO Revisado).

Apresentaremos a seguir a descrição dos cinco fatores, elencando os traços da


personalidade de Carlos considerando a situação atual:

a) Extroversão: Preferência por interações interpessoais em termos de quantidade,


intensidade, nível de atividade, necessidade de estimulação e capacidade de alegrar-se.
Carlos apresenta uma tendência à introversão, mostrando preferência por ficar isolado
em casa e evitando interações sociais. Ele relata sentir-se mais calmo e seguro quando
está sozinho. Além disso, ele menciona ter um relógio que simula operar, o que o
ajuda a se sentir mais tranquilo. Esses comportamentos e preferências sugerem que
Carlos valoriza seu espaço pessoal e busca ambientes calmos para se sentir
confortável. Ele continua a demonstrar traços consistentes de introversão em sua vida
diária.

b) Neuroticismo: Relacionado ao ajustamento emocional crônico e instabilidade.


Carlos apresenta sintomas consistentes de ansiedade, como insônia, choro frequente e
uma preocupação excessiva, ou seja, tendência ao escore alto de neuroticismo. Esses
sintomas podem indicar um nível elevado de ansiedade em sua vida. Além disso,
Carlos também mostra sinais de depressão, especialmente após interromper o
tratamento devido à falta de recursos financeiros. A interrupção do tratamento pode ter
afetado negativamente seu estado emocional e contribuído para o desenvolvimento de
sintomas depressivos.

c) Amabilidade: Distingue as pessoas ternas das inacessíveis.


Carlos demonstra uma preocupação genuína com o bem-estar de sua família. Ele
esconde seus sintomas e evita falar sobre eles para protegê-los e evitar sobrecarregá-
los com seus problemas. Essa atitude sugere um escore alto de amabilidade e
cuidado com os outros, especialmente com aqueles que são próximos a ele.
No geral, Carlos demonstra uma preocupação constante com o bem-estar emocional e
financeiro de sua família, bem como com a forma como ele é percebido pelos outros.
Esses comportamentos e sentimentos sugerem um grau significativo de amabilidade e
consideração pelos outros em sua vida.

d) Conscienciosidade: Relacionado à organização e à autodisciplina.


Carlos demonstra uma forte tendência para ser organizado, responsável e disciplinado
em seu comportamento de trabalho, pois demonstra adaptabilidade e
conscienciosidade em relação às demandas do trabalho. Ele menciona ter se adaptado
ao acionamento do relógio a cada 25 minutos, mesmo considerando-o uma exigência
absurda. Ele relata que se sentia obrigado a cumprir todas as regras e normas
estabelecidas pelo síndico, demonstrando um alto nível de conscienciosidade.
Embora Carlos possa enfrentar desafios em sua consistência e organização, sua
intenção de buscar tratamento e seguir as orientações médicas mostra um senso de
responsabilidade em relação a sua saúde e bem-estar.

e) Abertura à experiência: Distingue os indivíduos que preferem a variedade daqueles


que tem necessidade de fechamento, e que obtém conforto na associação com pessoas
e coisas familiares.
Embora não haja informações detalhadas sobre a abertura de Carlos para a
experiência, como seu fascínio pelo relógio e sua decisão de fazer uma horta em casa,
esses exemplos demonstram uma disposição para experimentar e explorar novas
estratégias e atividades. Essa abertura pode ser benéfica para seu bem-estar geral, pois
permite que ele encontre maneiras criativas de enfrentar seus problemas e adicione
mais variedade e satisfação à sua vida. Possui escore alto de abertura à experiência.

5. A história de Carlos e a teoria psicanalítica

A psicoterapia é vista como um método de tratamento que utiliza meios


psicológicos para aliviar o sofrimento psíquico. Distinguem-se quanto aos seus objetivos,
fundamentos teóricos, frequência das sessões, tempo de duração, treinamento exigido dos
terapeutas e condições especiais que cada método exige de seus eventuais candidatos.

A disciplina destaca fatores comuns que contribuem para um melhor contato com
paciente e o entendimento do fenômeno psíquico para uma diminuição ou alívio dos sintomas,
quais sejam:

a) Fatores do paciente: a motivação capacidade de estabelecer vínculo e aliança de


trabalho;
b) Fatores do terapeuta: autenticidade empatia e calor humano;
c) Fatores decorrentes da dupla terapeuta e paciente: vínculo.

No caso clínico em apreço, a vontade de Carlos de se libertar do seu sofrimento o


levou à se consultar com um médico, onde prosseguiu com o tratamento no Ambulatório de
Doenças Profissionais (ADP) do Hospital das Clínicas da UFMG através de encaminhamento
do psiquiatra dada à complexidade de suas queixas.

Através de seus relatos, a equipe profissional pode delinear a linha de tratamento,


seja pelo campo da medicina, sejam pelo campo da psicologia.

Lançando mão das contribuições da disciplina teorias e técnicas psicoterápicas,


estabeleceremos uma compreensão do sofrimento de Carlos através da psicanálise.
A psicanálise foi o primeiro modelo de psicoterapia estruturada, na qual a
associação livre do paciente permitia o acesso ao conteúdo inconsciente sem a necessidade de
hipnose.

Como instrumentação técnica principal, a psicanálise se atenta à fala do paciente


através da associação livre - técnica criada por Freud – por meio da escuta, onde o paciente
se expressa sem interferência ou orientação por parte do analista.

Na clínica psicanalítica, quatro conceitos são importantes para o analista no


contexto da psicoterapia:

a) Inconsciente: Para Freud é, grosseiramente, o lugar onde "estão" os representantes


ideativos recalcados, um lugar psíquico. Para Lacan, é um lugar de uma linguagem,
um lugar que advém da cadeia de significantes: o que ele chama de grande Outro;

b) Repetição: A repetição pode ser entendida como um ato que abre caminho à atuação
(acting out) - um recado ao analista, de que há um desejo e não uma objetividade, o
inconsciente quer falar algo - e que, de modo geral, se apresenta na análise como uma
força que atualiza componentes psíquicos, quando o analisando repete ou atua – daí o
termo acting out – o que "não pode" ser recordado;

c) Transferência: Sujeito Suposto Saber: o paciente chega na clínica sofrendo de algo


que ainda é não-sabido, e sua demanda de tratamento parte do princípio que o outro, o
analista, sabe. Em outras palavras, o paciente supõe que o analista sabe sobre seu
sofrimento. Para Lacan, inicia-se aí o manejo transferencial;

d) Pulsão: Pela via da sexualidade humana, polimorfa, vemos que, diferentemente da


sexualidade dos animais, a nossa não tem objeto fixo nem pré-determinado. Ela se
satisfaz (parcialmente) pelo objeto da pulsão. O objeto não é necessariamente algo
estranho: poderá igualmente ser uma parte do próprio corpo do indivíduo. Pode ser
modificado quantas vezes for necessário no decorrer das vicissitudes que a pulsão
sofre durante sua existência, sendo que esse deslocamento da pulsão desempenha
papéis altamente importantes.
Sobre a estruturação psíquica após a fase edípica, momento em que a criança se
sente atraída inconscientemente pelo sexo oposto e sente repulsa pelo mesmo sexo, e nas
diferentes formas de se posicionar em relação a castração - sentimento inconsciente de
ameaça experimentado pela criança quando ela constata a diferença anatômica entre os sexos,
temos as seguintes:

a) Neurose: Expressão de um conflito entre os desejos do inconsciente onde certos


impulsos incompatíveis - reprimidos, ou impossíveis de serem realizados - recalcados
- na consciência, causam no sujeito ansiedade e sofrimento;
b) Psicose: Presença de um conflito entre o eu e o mundo externo, uma ausência do
significante nome do pai;

c) Perversão: Não percepção da castração - denegação - onde o sujeito se deleita com


sua condição, nesta posição o sujeito descobriu o segredo para sua satisfação plena um
objeto um fetiche ou uma prática sexual específica.

Partindo desses 04 conceitos da clínica psicanalítica, pontuaremos abaixo alguns


elementos sobre o caso clínico:

a) A rigidez do pai: Pelo relato da sobrinha, o pai de Carlos era rigoroso, não era
violento, nunca bateu nos filhos, aconselhava muito e exigia bom comportamento e
respeito. Carlos relata alguns dizeres do pai, e aqui se nota a presença de alguns
significantes advindos do pai direcionados a ele e aos seus irmãos:

“A pessoa tem que ter procedimento e educação.”


“Pedia pra a gente manter o nome limpo, pro nome dele continuar limpo até
o fim da vida dele.”
“Vocês tem que ser gente de respeito, igual eu. Eu dou bom exemplo para
vocês.”
“Procedimento, educação e ter ó (mostra a palma da mão direita) coragem
para trabalhar, não pode ser preguiçoso.”
“Os irmãos agradeço pelo exemplo que me deram, nenhum abandonou meu
pai ou faltou com respeito. Todos educados e sempre trabalhadores. Não
tenho arrependimento nenhum do jeito como foi a minha infância.”

b) O controle: Durante a sua infância Carlos não passeou muito, seus pais ficavam
preocupados, não deixavam ele e seus irmãos irem para lugares distantes, nem estar na
presença de pessoas que beberam bebidas alcoólicas. Quando saía, Carlos ia
acompanhado de dois irmãos mais velhos.
Pelos relatos abaixo, percebemos a naturalidade de Carlos com relação ao controle que
a dinâmica familiar estabelece:

“Apesar de todo o controle exercido pelos pais, Carlos não se sentia preso,
percebendo tudo com naturalidade.” (Relato da história de vida)
“Isso é tradição da família…não é prender não sabe…ninguém nunca
desobedeceu a meu pai e minha mãe.” (Carlos)

c) A escola: Carlos saía da escola, almoçava e ia trabalhar. “Nunca ficava, assim, na rua,
à toa, vadiando na rua.” (Carlos). Na fase infantil, para de estudar no quarto ano
primário, pois não havia recursos financeiros para o custeio do transporte. Na fase
adulta, tenta estudar novamente, mas, segundo ele, a relação trabalho-escola gerou
cansaço, o que o fez encerrar os estudos.
Ressaltamos que o ECA estabelece como um direito inalienável o acesso à educação
de toda criança, sendo este um elemento extremamente importante para a formação e o
desenvolvimento cognitivo, social, emocional e psicológico da pessoa humana.
Neste caso, a escolaridade incompleta na fase infantil impactou significativamente na
formação e no desenvolvimento de Carlos.

d) O brincar: Quando criança, não comenta sobre brincar em casa ou na escola, apenas
no trabalho. Em seus relatos, sua irmã e a sobrinha o descrevem como calmo e
trabalhador. Carlos, em sua história de vida, até seu último emprego, descreve sua
relação com as pessoas, como sendo boa.
Pontuamos aqui que Carlos não comenta sobre brincar em casa ou na escola, sendo
que seu único local para tal é o trabalho. Na perspectiva psicanalítica winnicottiana, o
brincar se assemelha ao falar do adulto, é terapêutico.
e) O trabalho infantil: Caçula de uma família de 10 filhos e pais lavradores, Carlos
cresceu em meio a uma dinâmica familiar pobre onde o trabalho, segundo o relato de
sua história de vida, não era imposto pelo pai, fazia porque gostava e se achava no seu
dever. Começou a trabalhar aos 8 ou 10 anos e neste período chegou a trabalhar de
7:00 às 00 na plantação de arroz.
Pontuamos aqui que, respeitando o contexto social, geográfico e econômico de sua
família, mas tomando uma posição crítica, Carlos trabalhou na idade infantil e trouxe
consigo danos ao seu desenvolvimento geral.

f) O trabalho na adolescência e na adultez: Carlos passou por trabalhos variados e


segundo relatos próprios, de sua irmã e sobrinha:
Na roça era o primeiro a sair de casa e o último a sair do trabalho, a maioria trabalhava
por uma quadra, Carlos fazia duas ou três; em todos os empregos sempre foi muito
dedicado; e quando trabalhava como garagista, (seu último emprego) tirou férias
apenas quando sua filha se casou.
Percebe-se uma mudança de empregos por motivações diversas até o último emprego.
Há a mudança também de cidade até chegar na capital e se estabelecer;
Percebe-se que Carlos é aberto ao aprendizado, assim como a se adaptar em diferentes
funções e tarefas. No trabalho, ele experimenta o brincar, o contato com outras
pessoas, conversas, novos aprendizados que lhe foram tolhidos no contexto escolar,
conhecer novos lugares, muda-se para a capital, casa-se, tem filhos e estabelece sua
vida. Enfim, o que Carlos vive no trabalho é diferente do que ele vivenciou em casa.

Ao entrar em contato com uma organização patologizante, Carlos se depara com


um contexto desafiador. Surgem sintomas, o conflito psíquico instaura um sofrimento, um
incômodo que não lhe permite seguir sua vida, que o retira de seu estado “normal”. Carlos,
além de desenvolver uma fobia a alguns sons que ocorriam em seu contexto laboral - buzinas
-, repete em casa uma ação especificamente marcada em seu trabalho, pois necessita desenhar
aquele relógio para se sentir melhor, deseja comprar um igual, e diz que em um dado
momento que o relógio é seu amigo.
A dinâmica da empresa se assemelha com um algo familiar. Os significantes
adormecidos em seu inconsciente, uma ideia reprimida, repressão de algum desejo sexual se
fez presente ao tocar seus afetos e do inconsciente o recalcado retorna.

Ele continua a se lembrar do relógio, mas já consegue perceber e elaborar melhor


seu real significado e o lugar que ocupa em sua vida. Sua última notícia é de que seguia em
tratamento e que decidiu fazer uma horta em sua casa.

6. Conclusão

Por todo o exposto, concluímos que a empresa na qual Carlos laborou contribuiu
para o adoecimento do trabalhador, posto que as suas dimensões básicas de organização se
mostraram fora do padrão de funcionamento de uma empresa saudável, desconsiderando por
completo o bem-estar dos empregados.

Com relação à psicologia do trabalho, constatamos e concordamos com a autora


quando evidencia os efeitos nefastos que a organização patologizante pode ter sobre os
trabalhadores, e no caso clínico, por meio dos mecanismos de controle, do empobrecimento
das tarefas, do isolamento, da monotonia do posto de trabalho, do turno noturno, e demais
fatores apresentados neste trabalho.

Além disso, não podemos desconsiderar que os traços da personalidade e o


histórico de vida pregressa podem influenciar no adoecimento mental do trabalhador, em que
pese não haver comprovação científica acerca do nexo causal entre certas vivências e certos
distúrbios mentais, conforme apontado pela autora e por Le Guillant.

E, por fim, com relação à teoria psicanalítica, a hipótese diagnóstica é de que,


por haver um conflito psíquico inconsciente, a saída de Carlos foi desenhar o relógio na
parede da sua casa como algo familiar reconfortante.

“Não tem jeito de esquecer (...). É como se a senhora tivesse uma criança
que gostasse muito e alguém tirasse. Eu não tenho raiva dele. Eu comi, vesti
e trabalhei com ele. Por que ele veio fazer isso comigo? Mas não foi ele. O
culpado foi alguém ter exigido muito de mim. Não precisava… Eu morria de
medo de chamarem minha atenção. Tinha não. Tenho. Não gosto de fazer
nada errado.” (pág. 29).

E partindo deste fragmento do texto, nos perguntamos: sua relação com o relógio
seria um pedido de socorro - acting out - por não conseguir verbalizar algo que habita seu
inconsciente? Seria um gozo? Seria a representação – do controle, da vigilância, da
responsabilidade, ser perfeito, honrar seu pai – de desejos sexuais reprimidos em seu passado?
O relógio seria seu pai?

Referências bibliográficas

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