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Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa 09/10/23, 10:36

Acórdãos TRL Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa


Processo: 9773/16.8T8LSB.L1-7
Relator: JOSÉ CAPACETE
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
CONCURSO
INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 24-09-2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAÇÃO
Sumário: 1.–O teor dos enunciados de facto correspondentes aos juízos
probatórios deve ser depurado de referências aos meios de prova
ou às respectivas fontes de conhecimento, sendo de banir dizeres
como provado apenas que “a testemunha... viu o réu a entrar na
casa do autor” ou, no caso em se discuta a origem de um
incêndio, provado apenas que “os bombeiros verificaram não
existir no local sinais do foco de incêndio”.

2.–Tais referências aos meios de prova poderão, quando muito,


constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para
fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou
restritivo, do facto em causa.

3.–O julgador deve assumir uma posição clara sobre o


julgamento de facto, decidindo o que deve decidir, sem evasivas,
pelo que, se por exemplo o que está em causa é a origem da
destruição de plantas, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto para
tal alegado está ou não provado, sendo que a verificação pela
parte ou por testemunhas de que as plantas estavam destruídas é
apenas um dos meios de prova nesse sentido.
4.–De igual modo, se o que está em discussão é indagar sobre a
vontade real, expressa ou tácita, manifestada num contrato
escrito, o que tem de ser decidido é se está ou não provada a
alegada vontade real, pelo que, muitas vezes, o dar como provado
apenas o que consta do documento se traduz numa forma evasiva
de julgar aquela questão.
5.–É aparente o concurso entre a responsabilidade civil
contratual e extracontratual, matéria no âmbito da qual, as
diversas orientações se dividem em dois grupos:
- os denominados sistemas do cúmulo; e,
- o sistema do não cúmulo.

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6.–Na primeira orientação cabem três perspectivas:


- a de o lesado se socorrer, numa única acção, das normas da
responsabilidade contratual e extracontratual, amparando-se nas
que entenda mais favorável;
- a de conceder-se-lhe opção entre os procedimentos fundados
apenas numa ou noutra dessas responsabilidades; e,
- a de admitir, em acções autónomas, ao lado da responsabilidade
contratual, a responsabilidade extracontratual.

7.–A segunda orientação, a do sistema que exclui o cúmulo,


consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual,
em decorrência de um princípio de consunção.
8.–A lei portuguesa omitiu preceito expresso decisor da
controvérsia, pelo que a solução há-de procurar-se no seu quadro
se apresente mais adequada, ponderando, sobretudo, os interesses
e valores contrapostos.
9.–Sendo certo que o Código Civil vigente consagra regimes sem
diferenças essenciais para a responsabilidade contratual e a
extracontratual, as poucas diferenças entre ambas permitem
concluir que a disciplina da primeira, globalmente encarada,
confere maior protecção ao lesado.

10.–Se, de um vínculo negocial, resultarem danos para uma das


partes, o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da
responsabilidade contratual, a mesma solução se impondo
quando o facto que produz a violação do negócio, ou melhor, da
relação que dele deriva, simultaneamente preenche os requisitos
da responsabilidade aquiliana.
11.–Trata-se da solução que se mostra mais correcta no plano
sistemático e no da justiça material, razão pela qual se adere à
ideia da exclusão do cúmulo entre ambos os tipos de
responsabilidade, pois que acautela devidamente todos os
interesses atendíveis do lesado, sem sacrifício injusto da posição
do responsável, só não sendo de adotar em face de preceio legal
que estipule o contrário.

12.–A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano


isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em
concreto, conduziu ao dano no âmbito da aptidão geral ou
abstrata desse facto para produzir o dano.
13.–A intervenção principal provocada passiva suscitada pelo réu

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abrange os casos em que a obrigação comporte uma pluralidade


de devedores ou em que existam garantes da obrigação a que a
causa principal se reporte, sob condição de o réu ter algum
interesse atendível em os chamar a intervir, com vista à defesa
conjunta ou a acautelar eventual o eventual direito de regresso ou
de sub-rogação que lhe assista contra eles.
Decisão Texto Parcial: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO:

TD intentou a presente ação declarativa de condenação contra E.


COMERCIAL, S.A., alegando, em suma, que no dia 30 de junho
de 2015 celebrou com a ré um contrato de fornecimento de
eletricidade, pelo qual esta se comprometeu a fornecer-lhe
energia elétrica com a potência contratada de 20,7 kVA, em baixa
tensão, com discriminação horária simples, em ciclo horário, num
terreno agrícola sito em _____, com vista ao exercício da
atividade de plantação e comercialização de uma planta chamada
peónia.

Tal contrato foi defeituosamente cumprido pela ré, pois


ocorreram frequentemente picos de energia e sobretensões para
os quais a ré não advertiu a autora, e que foram causa da
destruição de uma elevada percentagem de peóneas já plantadas,
o que fez com que a autora sofresse diversos prejuízos pelos quais
pretende ser ressarcida.

A autora conclui assim a petição inicial com que introduziu em


juízo a presente ação:

«Nestes termos e nos demais de Direito julgados aplicáveis, deve a


ação ser julgada procedente e, em consequência ser a R. condenada
ao pagamento:
a)- Do montante de € 14.834,15 a título de danos emergentes
suportados pela A. em virtude do incumprimento pela R. dos seus
deveres de prestação e, em cúmulo, de verificação de
responsabilidade civil extra-obrigacional;
b)- Do montante de € 90.086,42 a título de lucros cessantes,
suportados pela A. em virtude do incumprimento pela R. dos seus
deveres de prestação e, em cúmulo, de verificação de
responsabilidade civil extra-obrigacional; e
c)- De juros de mora relativos às quantias referidas nas alíneas a) e

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b) supra que se vençam a contar da citação da R., nos termos do


disposto no art. 805.º, n.º 3, do Código Civil (...).»
*

A ré contestou, começando por arguir a exceção dilatória


consistente na sua ilegitimidade para os termos da ação,
alegando, em suma, que face ao objeto da lide, tal como a autora
o configura na petição inicial, à luz do pedido formulado e da
causa de pedir que lhe subjaz, não é responsável pelos prejuízos
por esta alegados.

A E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., é a entidade para a qual poderão


advir prejuízos em caso de procedência da ação.

Deduziu, na contestação, o incidente de intervenção principal


provocada da E. DISTRIBUIÇÃO, S.A..

Além disso, e no essencial, impugna a factualidade alegada na


petição inicial, suscetível de, uma vez provada, a fazer incorrer
em responsabilidade perante a autora, considerando ainda
excessivos os valores peticionados.

Conclui assim a contestação:


«Nestes termos e nos melhores de Direito (...) sempre deverá:
I)- Ser declarada a exceção de ilegitimidade da Ré e, em
consequência ser a mesma absolvida da instância;
II)- Ser admitida intervenção principal provocada da E.
DISTRIBUIÇÃO, S.A. (...) para contestar querendo os presentes
autos;
III)- Caso assim não se entenda, o que se alega sem conceder e por
mero dever de patrocínio, deverá a presente ação ser julgada
improcedente, por não provada, com as demais consequências
legais».
*

No articulado de fls. 67-70, a autora:


- respondeu à exceção dilatória consistente na ilegitimidade da ré
para os termos da ação, pugnando pela sua improcedência;
- pronunciou-se quanto ao incidente de intervenção principal
provocada, declarando nada ter a opor ao seu deferimento,
requerendo, no entanto, que os pedidos formulados na petição
inicial sejam «objecto de formulação nos termos seguintes:
“Nestes termos e nos demais de Direito julgados aplicáveis, deve a
ação ser julgada procedente e, em consequência serem as RR.

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solidariamente condenadas ao pagamento: (a) do montante de €


14.834,15 a título de danos emergentes suportados pela A. em
virtude do incumprimento pelas RR. dos seus deveres de prestação
e, em cúmulo, de verificação de responsabilidade civil extra-
obrigacional; (b) Do montante de € 90.086,42 a título de lucros
cessantes, suportados pela A. em virtude do incumprimento pelas
RR. dos seus deveres de prestação e, em cúmulo, de verificação de
responsabilidade civil extra-obrigacional; e (c) de juros de mora
relativos às quantias referidas nas alíneas a) e b) supra que se
vençam a contar da citação das RR., nos termos do disposto no art.
805.º, n.º 3, do Código Civil”.»
Pretende ainda a autora, no mesmo articulado, que seja
considerada alterada a redação dos arts. 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 22.º,
23.º, 43.º, 45.º, 47.º e 56.º, da petição inicial, disponibilizando-se
ainda, no caso de o tribunal a quo assim o achar pertinente, a
reformular aquele articulado.
*

A ré respondeu a tal articulado, opondo-se à “reformulação” da


petição inicial.
*

Por decisão de fls. 79, o tribunal a quo julgou procedente o


incidente de intervenção principal provocada da sociedade E.
DISTRIBUIÇÃO, S.A., admitindo-a a intervir nos autos como
associado da ré.
Não se pronunciou, no entanto, sobre qualquer uma das questões
suscitadas pela autora no seu articulado de fls. 67-70.
*

Citada a E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., apresentou contestação, na


qual, além de deduzir a exceção dilatória consistente na
incompetência territorial do tribunal onde a ação foi instaurada,
impugnou a factualidade alegada pela autora, concluindo no
sentido de que a ação seja julgada improcedente, por não
provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
*

Por despacho de fls. 102-103 foi julgada procedente a referida


exceção, e determinada a remessa do processo ao Tribunal
Judicial da Comarca de Lisboa Norte.
*

Realizou-se a audiência prévia, na qual, além do mais, foi fixado

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o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.


*

Na subsequente tramitação dos autos, onde abundam


requerimentos cruzados sem qualquer relevo para a decisão da
causa, realizou-se a audiência final, após o que foi proferida
sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, julgando a ação parcialmente procedente, decido:
a)- Condenar a interveniente principal “E. DISTRIBUIÇÃO, S.A.”
a pagar à autora a quantia de € 1.072,56 (mil e setenta e dois euros
e cinquenta e seis cêntimos), acrescida de juros de mora a contar da
citação;
b)- Absolver a interveniente principal “E. DISTRIBUIÇÃO, S.A.”
do demais peticionado;
c)- Absolver a ré “E. COMERCIAL” de todos os pedidos».
*

A autora não se conformou com tal decisão, pelo que dela


interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as
respetivas alegações:
A.-(...)
B.-(...)
C.-A Decisão Judicial fundou-se em pressupostos factuais
erróneos, tendo sido realizada uma ponderação incorrecta da
prova documental e testemunhal realizada em sede de audiência
de discussão e julgamento.
D.-A Apelante não se conforma com a Matéria de Facto dada
como provada porquanto (i) factos que foram dados como
provados não correspondem à prova produzida em sede de
audiência de discussão e julgamento, tendo sido feita (ii) a prova
de outros factos com interesse para a boa decisão da causa que
não foram considerados na mesma sede, motivo pelo qual se
interpõem as presentes alegações de Recurso com alteração da
matéria de facto.
E.-O Facto xxiv. da Matéria de Facto deve ser alterado no sentido
de “em 17.08.2015, a A. constatou que pelo menos 80% (oitenta
por cento) das plantas existentes no local se encontravam
queimadas” atenta a (i) prova documental junta aos autos no
documento com a Petição Inicial (cfr. fls. 31 e ss. dos autos); bem
como ao depoimento das testemunhas (ii) NS. (cfr. fls. 184 e ss.
dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de
22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604) e (iii) MS. (cfr. fls. 184
e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de

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22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604).


F.-O facto constante da alínea b) dos Factos não provados [“a sua
irrigação [da planta] no inverno não é necessária, pois que se
basta com a água das chuvas, encontrando-se em estado
vegetativo ou de dormência”] deve ser aditado à Matéria de Facto
por ter resultado provado através do depoimento da testemunha
MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e
julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604).
G.-O facto constante da alínea d) dos Factos não Provados [“a
plantação a que se refere o ponto v.) [plantação de rizomas de
Peónias] ocorreu entre Dezembro de 2014 e Janeiro de 2015”]
deve ser aditado à Matéria de Facto atenta a prova produzida no
depoimento da testemunha MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta
de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604).
H.-O facto constante da alínea f) dos Factos não Provados [“a
requisição referida no ponto iv.) [ligação de eletricidade] foi feita
à ré “E. COMERCIAL” e consistiu na “instalação de
eletricidade” no terreno”] resultou provado pelo documento n.º 6
junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls 23 v. dos autos),
motivo pelo qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
I.-O facto constante da alínea g) dos Factos não Provados [“o
formulário da requisição referida no ponto vi) [ligação de
eletricidade] dos Factos Provados foi preenchido pelo funcionário
da R. J.C.”] resultou provado pelo documento n.º 6 junto aos
autos com a Petição Inicial (cfr. fls 23 v. dos autos), motivo pelo
qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
J.-O facto constante da alínea h) dos Factos não Provados [“a R.
possui a direcção efectiva da instalação distribuidora de energia
eléctrica que fornece à A., tendo consciência da perigosidade
associada ao exercício dessa mesma actividade”] resultou
provado através de confissão do legal representante da 2.ª
Apelada (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de
discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º
137508604), sendo ainda idêntico ao teor do facto x. da Matéria
de Facto, pelo que deve ser integrado nesta.
K.-O facto constante da alínea i) dos Factos não Provados
[“verificaram-se picos /sobretensões de cerca de 206 V (Volt) a
257 V (Volt) ou mais, entre Julho e Setembro de 2015, no terreno
agrícola sito na Rua J...C..., 9010 RG B..., A-...-C...”] deve ser
aditado à Matéria de Facto, por ter sido provado (i) pelo
documento n.º 9 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls. 29
e ss. dos autos); bem como pelo (ii) depoimento da testemunha

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VB. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e
julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604).
L.-O facto constante da alínea k) dos Factos não Provados [“as
plantas referidas no ponto xxiv) constituíam cerca de 80% das
que foram plantadas, ficaram queimadas em consequência da
inoperância do sistema de rega, decorrente do não funcionamento
da energia elétrica contratada à R.”] resultou provado por
depoimento das testemunhas: (i) VB. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e
acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604); (ii) AA. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta
de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604); (iii) NS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta
de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604); e ainda (iv) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos
autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018
– Ref.ª CITIUS n.º 137508604), devendo ser aditado à Matéria de
Facto.
M.-O facto constante da alínea l) dos Factos não Provados [“o
piquete quando efectuou a deslocação a que se refere o art. 43.º
da PI, fê-lo “sem concretizar no entanto que tipo de anomalia
estava a ocorrer””] resultou provado pelo documento n.º 1 junto
aos autos pela 2.ª Apelada no seu Requerimento com a Ref.ª
CITIUS n.º 28774739, apresentado em 09.04.2018 (cfr. fls. 155 v
dos autos), motivo pelo qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
N.-O facto constante da alínea m) dos Factos não Provados [“a
existência no local de pico de corrente”] resultou provado por
depoimento da testemunha NM. (cfr. fls. 192 e ss. dos autos e acta
de audiência de discussão e julgamento de 11.06.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137734246), devendo ser aditado à Matéria de Facto.
O.-O facto constante da alínea o) dos Factos não Provados [“a
inoperância do sistema de rega foi consequência dos picos de
corrente eléctrica/sobretensões”] resultou provado pelo (i)
documento n.º 12 junto aos autos com a Petição Inicial (fls. 33 e
ss. dos autos) e pelo (ii) documento n.º 13 junto aos autos com a
Petição Inicial (fls. 34 e ss. dos autos), bem como pelo depoimento
das testemunhas (iii) VB. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de
audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604); (iv) AA. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta
de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604); e (v) JS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e
acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604), pelo que deve ser aditado à Matéria de
Facto.

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P.-O facto constante da alínea p) dos Factos não Provados


[“verificados, não apenas consumiram transformadores e
estabilizadores de corrente, mas também danificaram a produção
existente no local”] resultou provado pelo (i) documento n.º 9
junto aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls. 29 e ss. dos autos);
(ii) documento n.º 11 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr.
fls. 32 e ss. dos autos); (iii) documento n.º 12 junto aos autos com
a Petição Inicial (fls. 33 e ss. dos autos); e (iv) documento n.º 13
junto aos autos com a Petição Inicial (fls. 34 e ss. dos autos); bem
como pelo depoimento das testemunhas (v) VB. (cfr. fls. 184 e ss.
dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de
22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (vi) AA. (cfr. fls. 184 e
ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de
22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (vii) NS. (cfr. fls. 184 e
ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de
22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); (viii) MS. (cfr. fls. 184
e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e julgamento de
22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); e ainda (ix) NM. (cfr.
fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão e
julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604), motivo
pelo qual deve ser aditado à Matéria de Facto.
Q.-Relativamente ao facto constante da alínea q) dos Factos não
Provados [“o relatório de fls. 32 foi apresentado no dia
22.08.2015”] resultou provado pelos documentos n.ºs 9 e 11 junto
aos autos com a Petição Inicial (cfr. fls. 29 e ss. e 32 e ss. dos
autos) que (i) o relatório de fls. 29 foi apresentado no dia
22.08.2015 e que (ii) o relatório de fls. 32 foi apresentado no dia
16.09.2015, factos que devem ser aditados à Matéria de Facto.
R.-O facto constante da alínea r) dos Factos não Provados [“a
reclamação escrita a que se refere o art. 49.º da PI foi
apresentada pela autora no dia 11.09.2015”] resultou provado
pelo documento n.º 10 junto aos autos com a Petição Inicial (cfr.
fls. 30 dos autos), sendo o fundamento da prova do mesmo
realizada em idênticos termos ao que deu por provado o ponto
xxviii. da Matéria de Facto, motivo pelo qual deve ser aditado à
Matéria de Facto.
S.-O facto constante da alínea s) dos Factos não Provados
[reclamação escrita foi apresentada “na sequência de sucessivos
contactos telefónicos junto da R., queixando-se sempre da
verificação de picos de corrente”] resultou provado nos exactos
termos do facto constante do ponto xxvi. da Matéria de Facto,
bem como por (i) documento junto aos autos na Petição Inicial
(cfr. fls. 31 e ss dos autos), e ainda por depoimento das

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testemunhas: (ii) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de
audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604) e (iii) CR. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e
acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604), bem como pelo (iv) depoimento realizado
aquando do Depoimento de Parte do Legal Representante de 1.ª
Ré, LG. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de
discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º
137508604), devendo ser aditado à Matéria de Facto.
T.-O facto constante da alínea t) dos Factos não Provados
[“devido à danificação por diversas vezes dos equipamentos
electrónicos, com consequente queima da plantação de Peónias, a
A. deixou de poder, exercer a sua actividade de plantação e
colheita das plantas”] resultou provado por depoimento das
testemunhas (i) AA. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de
audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604); (ii) NS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta
de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604); e ainda (iii) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos
autos e acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018
– Ref.ª CITIUS n.º 137508604), devendo ser aditado à Matéria de
Facto.
U.-O facto constante da alínea u) dos Factos não Provados [“em
consequência a A. perdeu 80% da sua produção do ano de 2015 e
2016, num total de 4.327 rizomas, ou seja, assumindo um custo de
€ 12.311,58”] resultou provado por depoimento das testemunhas
(i) NS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de discussão
e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º 137508604); e
ainda (ii) MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e acta de audiência de
discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª CITIUS n.º
137508604), motivo pelo qual deve ser aditado à Matéria de
Facto.
V.-O facto constante da alínea v) dos Factos não Provados [ao
custo mencionado na alínea u) “acresce um custo de mão-de-obra
desperdiçada na plantação de € 1.450,00”] resultou provado pelo
documento n.º 15 junto aos autos com a Petição Inicial da Autora
(cfr. fls. 36 e ss. dos autos), pelo que deve ser aditado à Matéria de
Facto.
W.-O facto constante da alínea x) dos Factos não Provados [“um
rizoma produz em média 3 flores no primeiro ano e 5 flores no
segundo, possuindo a Peónia um valor de mercado aproximado
de € 3,00”] resultou provado por (i) documento junto aos autos
com a Petição Inicial (cfr. fls. 31 e ss. dos autos), bem como por

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(ii) depoimento da testemunha MS. (cfr. fls. 184 e ss. dos autos e
acta de audiência de discussão e julgamento de 22.05.2018 – Ref.ª
CITIUS n.º 137508604).
X.-A Apelada incumpriu o contrato de fornecimento de
eletricidade, em termos da qualidade do serviço e do dever de
informação a que se encontrava obrigada pelo que é responsável
pelo incumprimento das referidas obrigações que não cumpriu
pontualmente – cfr. os arts. 406.º, n.º 1 e 798.º do Código Civil.
Y.-Em sede de responsabilidade contratual, a culpa é presumida,
consoante é sublinhado pelos acórdãos do Tribunal da Relação de
Lisboa de 25.09.2014 (Relator: António Martins), de 26 de
Novembro de 2009 (Relator: Fátima Galante), e de 25 de junho
de 2009 (Relator: Rosário Gonçalves) – cfr. o art. 799.º, n.º 1 do
Código Civil.
Z.-Do contrato de fornecimento celebrado, bem como da
aplicação do Regulamento da Qualidade de Serviço do Setor
Elétrico, ex vi o art. 2.º n.º 1, al. a) e n.º 2, al. g), do Manual de
Procedimento da Qualidade de Serviço Elétrico, ambos da
Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos e as Diretivas da
ERSE n.º 20/2013 n.º 21/2013, resulta a obrigação da 1.ª Apelada
de observar os parâmetros gerais e individuais de qualidade de
serviço – arts 4.º, n.º 1, e 19.º do RQS – consagrando este último a
obrigação da 1.ª Apelada obedecer a elevados padrões de
qualidade – arts 7.º do RQS.
AA.-As instalações da Apelante encontram-se inseridas na zona
de qualificação A – cfr. o disposto no Procedimento n.º 1 do
MPQS – devendo as características da onda de tensão de
alimentação nos pontos de entrega (PdE) de baixa tensão (BT)
respeitar o disposto na norma NP EN 50160 – cfr. o art. 26.º, n.º 3,
al. b), do RQS – o que não se verificou.
BB.-A 1.ª Apelada violou, ainda, os parâmetros de qualidade de
serviço, o que corresponde a sucessivo incumprimento das
obrigações emergentes do contrato de fornecimento de
eletricidade, presumindo-se ainda a conduta da 1.ª Apelada
culposa em sede extraobrigacional – cfr. o art. 493.º, n.º 2, do
Código Civil.
CC.-A indemnização peticionada pela Apelante abrange os danos
emergentes e lucros cessantes que se hajam verificado na sua
esfera jurídica – cfr. os arts. 562.º e 564.º, n.º 1, do Código Civil.
DD.-A 2.ª Apelada, ao ser admitida como interveniente principal,
interveio na causa enquanto associada da 1.ª Apelada, sendo-lhe
aplicável o peticionado em sede de Petição Inicial contra esta,
devendo ser responsabilizada pelos danos causados à Apelante.

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EE.-A 2.ª Apelada é também responsável por aplicação do


disposto no art. 493.º, n.º 2, do Código Civil, em sede de culpa
presumida, conforme ensinamento de ANTUNES VARELA e
entendimento jurisprudencial – cfr. ac. do Tribunal da Relação de
Lisboa de 28.02.2008 (RELATOR: JOSÉ EDUARDO
SAPATEIRO), e porquanto a presunção referida não foi por esta
ilidida.
FF.-A 2.ª Apelada é responsável pelo risco, porquanto “a
distribuição e entrega de energia eléctrica e gás envolvem riscos
específicos, justificando assim o seu tratamento através da
responsabilidade pelo risco” (cfr. tese advogada por MENEZES
LEITÃO), sem que fosse demonstrado por esta R. que a
instalação elétrica se encontrava em perfeito estado de
conservação, muito menos que houvessem sido observadas as
regras técnicas em vigor.
*

A ré E. COMERCIAL apresentou extensas contra-alegações,


compostas por 337 artigos, as quais culminou com prolixas (para
dizer o mínimo) conclusões, as quais, na verdade, de conclusões
nada têm, compostas nada mais, nada menos, do que por 220
(duzentos e vinte) artigos, pugnando pela improcedência do
recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.
*

A interveniente E. DISTRIBUIÇÃO apresentou também contra-


alegações, pugnando igualmente para que a apelação seja julgada
improcedente, com a consequente manutenção da decisão
recorrida.
*

Foi proferido ao acórdão de fls. 327-365, datado de 22 de janeiro


de 2019 que, não conhecendo imediatamente do objeto do
recurso, determinou a devolução dos autos à 1.ª instância para
devida motivação da decisão sobre a matéria de facto.
*

Devolvidos os autos à 1.ª instância, o juiz a quo proferiu a decisão


de fls. 374378, datada de 23 de abril de 2019.
*

II–ÂMBITO DO RECURSO:
Como se sabe, é pelas conclusões com que o recorrente remata a
sua alegação, aí indicando, de forma sintética, os fundamentos

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por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida, que se


determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.
Isto, sem embargo das questões de que o tribunal ad quempossa
ou deva conhecer ex officio.
No caso concreto, uma vez que a decisão sobre a matéria de facto
não se encontra devidamente fundamentada, esta Relação vai,
mesmo oficiosamente, pelas razões que adiante se explanarão,
determinar o reenvio do processo ao tribunal de 1.ª instância,
para devida fundamentação, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. d),
do C.P.C.
***

III–FUNDAMENTOS:
3.1–Fundamentos de facto:
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1.- A A. decidiu desenvolver a atividade de plantação e colheita de
plantas, em particular de Peónias, solicitando para o efeito o apoio
do IFAP em 18-06-2014, o que resultou na obtenção de um subsídio
para esse efeito.
2.- A atividade da A. é exercida na Rua _____, num terreno
agrícola afeto a reserva especial agrícola, apenas apto ao cultivo, e
no qual não existe qualquer construção edificada
3.- No âmbito da sua atividade a A. comprou à _____, empresa
holandesa, em 13.10.2014, 5.165 rizomas de Peónias (500 peónias
“Duchesse de Nemours”, 1110 peónias “Gardénia”, 885 peónias
“Henry Bockstoce”, 1000 peónias “Kansas”, 70 peónias “Laura
Dessert”, 1200 peónias “Sarah Bernhardt” e 400 peónias
“Sorbet”), rizomas de uma evolução de 3/5 olhos;
4.-Num valor total de € 14.691,50, os quais foram pagos pela A. ao
seu fornecedor.
5.-A autora plantou rizomas de Peónia no terreno agrícola referido
no ponto 2.
6.-Para que as plantas pudessem ser devidamente irrigadas no
terreno agrícola referido no ponto 2., durante o tempo seco (época
do Verão) a A. requisitou à “E. DISTRIBUIÇÃO”, em 20-05-2015,
uma ligação de eletricidade (Baixa Tensão) para o mesmo terreno,
sob o pedido “outras alimentações”, realizado em formulário da “E.
DISTRIBUIÇÃO”, com tensão de fornecimento 230/400 e potência
requisitada de 20,7 kVA.
7.-A 30-06-2015, a A. e R. celebraram entre si contrato pré-
elaborado pela R., denominado de “Contrato de Fornecimento de
Eletricidade”.
8.-Por essa via, a R. obrigou-se a fornecer à A. energia elétrica,

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CPE PT 0002000120481871BP, com potência contratada de 20,7


kVA, em baixa tensão, com discriminação horária simples, sem
ciclo horário no terreno agrícola sito na Rua _____, mediante o
pagamento de um preço.
9.-Em conformidade com os parâmetros gerais e individuais de
qualidade de serviço, nomeadamente os relativos às características
ou à qualidade da onda de tensão de alimentação.
10.-A “E. DISTRIBUIÇÃO” possui a direção efetiva da instalação
distribuidora de energia elétrica que fornece à A., tendo
consciência da perigosidade associada ao exercício dessa mesma
atividade.
11.-Não foi prestada qualquer informação ou esclarecimento pela
R. à A. a respeito de qualquer outro enunciado contratual,
nomeadamente a respeito de responsabilidade contratual da R..
12.-A R. não avisou igualmente a A. de que na zona das suas
instalações ocorreriam com frequência sobretensões e picos de
corrente.
13.-Em particular, a R. não informou A. a respeito da existência,
passada, presente ou futura de quaisquer picos ou sobretensões de
energia elétrica, nem, sequer da sua possível continuação.
14.-Em 16-07-2015, a A. implementou em cerca de um hectare do
local de fornecimento, bombas de rega e um sistema de rega das
plantas gota a gota (electrobomba de pressurização, com
programação através de controlador “Hunter” 24v/501Hz,
intercalado com um transformador de 230/24v, de 15VA).
15.-O sistema de rega implementado ficou em funcionamento com
a energia fornecida pela R., com relógio orientado para duas regas
diárias, uma diurna (no início da manhã) e outra noturna.
16.-No dia 17-07-2015, o sistema de rega não arrancou de manhã.
17.-O mesmo transformador foi substituído no dia seguinte, 18-07-
2015, sendo o respetivo custo suportado pela A..
18.-Em 22-07-2015 o técnico de rega contratado pela A. verificou
que o transformador estava novamente queimado.
19.-O transformador foi substituído, pela segunda vez, no mesmo
dia, 22-07-2015, sendo o custo igualmente suportado pela A..
20.-Em 25-07-2015, a A. detetou que o sistema elétrico se
encontrava novamente queimado.
21.-O transformador foi substituído no mesmo dia 25-07-2015,
sendo o custo suportado pela A..
22.-Em 01-08-2015, a A. mandou instalar um estabilizador de
corrente e um novo transformador, sendo o custo suportado por si;
23.-Em 14-08-2015 o transformador e o estabilizador de correntes
instalados no dia 01-08-2015 encontravam-se avariados.

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24.-Em 17-08-2015, a A. constatou que uma parte não apurada das


plantas existentes no local se encontrava queimada
25.-Nesse mesmo dia, a A. ligou para a R. e exigiu a presença de
piquete, o qual, já no local, confirmou a existência de anomalia nas
ligações elétricas.
26.-A A. apresentou junto da R. as reclamações telefónicas n.º
8005762794 e n.º 501409105080, relativas aos danos sofridos em
consequência do não fornecimento adequado de energia elétrica
pela R., sendo estas gravadas e registadas pela R..
27.-A sociedade “ASR” elaborou relatório a respeito dos factos
ocorridos, no qual se refere: «É urgente pedir responsabilidades à
E., S.A., a rega pouco se efetuou, o que se pode ver pelo estado das
plantas. Não se pode apurar com exatidão os dias das avarias,
porque os citados correspondem às deslocações à herdade.] e é
apresentando como custo a quantia de € 552,00 + I.V.A.
28.-A mãe da A. apresentou Reclamação Escrita perante a R., na
qual foram comunicados danos de € 18.875,00, relativos a 80% dos
rizomas, no valor de € 11.753,00, prejuízo de flores não nascidas,
no valor de € 5.000,00, peças e deslocações, no valor de € 652,00, e
mão-de-obra na plantação, no valor de € 1.470,00;
29.-No dia 09.09.2015 foi efetuada nova revisão do sistema de rega
automático, encontrando-se queimado o transformador monofásico
“Hunter” XC8 e o transformador monofásico 260/24v, importando
um custo adicional de € 320,00 + I.V.A., suportado pela A., sendo
tal relatório comunicado à A. em 16-09-2015;
30.-A A. apresentou nova reclamação telefónica junto da R.,
registada pelos seus serviços.
31.-O piquete da R. deslocou-se ao local no dia 17-09-2015,
detetando que um dos cabos elétricos exteriores à plantação e
pertencentes à rede de abastecimento de energia elétrica da
responsabilidade da R. se encontrava descarnado (cabo de
alimentação elétrica exterior, colocado entre postes de
madeira/betão existente na via pública).
32.-À comunicação da A. de 11-09-2015 respondeu a interveniente
principal através de missiva datada de 22-10-2015, comunicando o
encaminhamento do processo para a UONC, e que iria proceder à
regularização dos danos em equipamentos elétricos.
33.-Sendo assumido pela interveniente principal, através da UONC
por missiva datada de 25-11-2015, o pagamento de € 527,00 a
respeito de programadores de rega (€ 190,00), transformadores (€
129,00) e estabilizador de corrente (€ 208,00), e, por missiva datada
de 09.12.2015, o pagamento de € 545,56 a respeito de deslocações (€
424,35), programadores de rega (€ 43,70), transformadores (29,67)

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e estabilizador de corrente (47,84).


34.-Os custos suportados pela A. com reparações e transformadores
queimados e estabilizador de corrente totalizaram a quantia de €
1.072,56, sendo suportados por aquela.
A sentença recorrida considerou não provados os seguintes
factos:
a)-Em tempo seco, a planta deve ser irrigada, no mínimo, duas
vezes por dia, em condições de muito calor, de forma a evitar que a
terra fique seca.
b)-A sua irrigação no inverno não é necessária, pois que se basta
com a água das chuvas, encontrando-se em estado vegetativo ou de
dormência.
c)-A Peónia é de crescimento lento, sendo necessário observar um
período de dois anos para lograr o seu desenvolvimento completo.
d)-A plantação a que se refere o ponto 5. ocorreu entre Dezembro
de 2014 e Janeiro de 2015.
e)-As plantas foram irrigadas pelas águas pluviais no inverno e
primavera de 2014/2015, já apresentando flor em Maio/ Junho de
2015.
f)-A requisição referida no ponto 6. foi feita à ré “E.
COMERCIAL” e consistiu na “instalação de eletricidade” no
terreno.
g)-O formulário da requisição referida no ponto 6. dos Factos
Provados foi preenchido pelo funcionário da R. J.C..
h)-A R. possui a direção efetiva da instalação distribuidora de
energia elétrica que fornece à A., tendo consciência da perigosidade
associada ao exercício dessa mesma atividade.
i)-Verificaram-se picos de energia/sobretensões de cerca de 206 V
(Volt) a 257 V (Volt) ou mais, entre Julho e Setembro de 2015, no
terreno agrícola sito na Rua _____;
j)-Ou seja, picos de energia/sobretensões correspondentes a mais de
dez vezes a potência contratada pela A. à R.
k)-As plantas referidas no ponto 24. constituíram cerca de 80% das
que foram plantadas, ficaram queimadas em consequência da
inoperância do sistema de rega, decorrente do não funcionamento
da energia elétrica contratada à R.
l)-O piquete quando efetuou a deslocação a que se refere o art.º 43.º
da pi, fê-lo “sem concretizar no entanto que tipo de anomalia estava
a ocorrer”;
m)-Registando a existência no local de pico de corrente.
n)-Sem que qualquer ação fosse tomada pela R. no mesmo âmbito.
o)-A inoperância do sistema de rega foi consequência dos picos de
corrente elétrica/sobretensões verificados:

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p)-(...) que não apenas consumiram transformadores e


estabilizadores de corrente, mas também danificaram a produção
existente no local.
q)-O relatório de fls. 32 foi apresentado no dia 22-08-2015.
r)-A Reclamação Escrita a que se refere o art.º 49º da PI foi
apresentada pela autora [provou-se que foi apresentada pela mãe]
no dia 11-09-2015.
s)-Na sequência de sucessivos contactos telefónicos junto da R.,
queixando-se sempre da verificação de picos de corrente.
t)-Devido à danificação por diversas vezes dos equipamentos
eletrónicos, com consequente queima da plantação de Peónias, a A.
deixou de poder, exercer a sua atividade de plantação e colheita das
plantas.
u)-Em consequência a A. perdeu 80% da sua produção do ano de
2015 e 2016, num total de 4.327 rizomas, ou seja, assumindo um
custo de € 12.311,58.
v)-(...) a que acresce um custo de mão-de-obra desperdiçada na
plantação de € 1.450,00
w)-A Peónia é uma planta originária da Ásia, Sul da Europa e
Oeste da América do Norte, resistente e perene, com floração na
primavera.
x)-Um rizoma produz em média 3 flores no primeiro ano e 5 flores
no segundo ano, possuindo a Peónia um valor de mercado
aproximado de € 3,00.
y)-Pois que sobreviveram na plantação apenas 838 rizomas
suscetíveis de ser comercializados.
z)-Suportando a A. um prejuízo total de € 104.920,57.
*

3.2–Do mérito do recurso:


3.2.1–Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
3.2.1.1–Quanto ao ponto de facto 24:
O tribunal a quo considerou provado que «em 17-08-2015, a A.
constatou que uma parte não apurada das plantas existentes no
local se encontrava queimada.»

Não é, salvo o devido respeito, adequada a técnica processual


utilizada pelo juiz a quo na enunciação deste ponto de facto.
Conforme bem salienta Tomé Gomes, «o teor dos enunciados de
facto correspondentes aos juízos probatórios deve ser depurado
de referências aos meios de prova ou às respectivas fontes de
conhecimento, sendo de banir dizeres como provado apenas que
“a testemunha... viu o réu a entrar na casa do autor” ou, no caso

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em se discuta a origem de um incêndio, provado apenas que “os


bombeiros verificaram não existir no local sinais do foco de
incêndio”.
Estas referências aos meios de prova, quando muito, podem
constituir argumento probatório, a consignar na motivação, para
fundamentar um juízo afirmativo ou negativo, pleno ou
restritivo, do facto em causa.
Nessa linha, o que se requer é que o julgador assuma uma posição
clara sobre o julgamento de facto, decidindo o que deve decidir,
sem evasivas. Por exemplo, se o que está em causa é apurar a
origem de um incêndio, o que o juiz tem de ajuizar é se o facto
para tal alegado está ou não provado, sendo que a verificação
pelos bombeiros de não existir sinais do foco de incêndio é apenas
um dos meios de prova nesse sentido. Igualmente, se o que está
em discussão é indagar sobre a vontade real, expressa ou tácita,
manifestada num contrato escrito, o que tem de ser decidido é se
está ou não provada a alegada vontade real, pelo que, muitas
vezes, o dar como provado apenas o que consta do documento se
traduz numa forma evasiva de julgar aquela questão.»[1].
Assim, o juiz a quo, em vez de dar como provado que «(...) a A.
constatou (...)», deveria, antes, ter assumido uma posição clara
sobre o julgamento de facto, fazendo refletir na decisão sobre a
matéria de facto a real situação que se lhe deparou uma vez
produzida a prova, em vez de decidir daquela forma evasiva.
Na mesma senda, lavrando no mesmo equívoco, a apelante
considera que deveria ter sido considerado provado que «em 17-
08-2015, a A. constatou que pelo menos 80% (oitenta por cento) das
plantas existentes no local se encontrava queimada.»
Ora, nem os concretos meios probatórios especificados pela
apelante, nem quaisquer outros, constantes do processo ou de
registo ou gravação nele realizada, permitem quantificar
percentualmente a quantidade de plantas existentes no local que
em 17-08-2015 se encontrava queimada.
O documento de fls. 31 trata-se de uma reclamação dirigida à
«E., S.A., S.A.», cuja data se desconhece, subscrita por MN, mãe
da autora/apelante, sem qualquer substrato técnico ou
cientificado, e onde, além do mais, a respetiva subscritora se
limita a afirmar que «o valor que queremos ser ressarcidos são
prejuízos diretos causados pelo péssimo funcionamento do vosso
serviço.
80% das rizomas 11.753 €».

Por outro lado, dos depoimentos das testemunhas NF (conhece a

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apelante de alguns trabalhos de limpeza que realizou em terrenos


desta) e MN (é mãe da apelante), não resultou demonstrada a
quantificação percentual da quantidade de plantas existentes no
local que em 17-08-2015 se encontrava queimada.
A testemunha MN limitou-se a tentar justificar a razão pela qual,
no mencionado documento, fez constar aquela percentagem de
rizomas, que afirmou encontrarem-se queimadas.
Pelas razões referidas pelo juiz a quo na decisão proferida a fls.
374-378, comprovadas pela audição do seu depoimento, assim
como pelo teor do documento de fls. 31, é evidente o interesse da
testemunha MN, mãe da autora/apelante no desfecho da causa,
ao ponto de, por vezes, se expressar na terceira pessoa do plural.
O seu depoimento não foi, pelas razões apontadas naquela
decisão, isento, antes se afigurando parcial e carecido de
idoneidade e credibilidade, face, não apenas ao seu
relacionamento parental com a autora/apelante, o que,
obviamente, não lhe permitiu ser equidistante em relação às
partes, mas também ao interesse de que pareceu dar mostras
quanto ao objeto do processo e aos interesses em jogo.
Alem disso, sendo a testemunha MN promotora imobiliária, o seu
depoimento não assentou em qualquer base de cariz técnico,
revelando-se amiúde destituído de rigor e carecido de precisão.
Por isso, o ponto de facto XXIV passará a ter a seguinte redação:
«Em 17-08-2015 uma parte não apurada das plantas existentes no
local encontrava-se queimada.»
(...)
*

3.2.1–Do enquadramento jurídico:

A presente ação é intentada contra E. COMERCIAL, S.A., e nela


a autora pede a condenação daquela a pagar-lhe a uma
indemnização no montante global de € 104.920,57, acrescida de
juros de mora contados desde a citação, sendo:
- «€ 14.834,15 a título de danos emergentes suportados pela A. em
virtude do incumprimento pela R. dos seus deveres de prestação
e, em cúmulo, de verificação de responsabilidade civil-
obrigacional»:
- «€ 90.086,42 a título de lucros cessantes, suportados pela A. em
virtude do incumprimento pela R. dos seus deveres de prestação
e, em cúmulo, de verificação de responsabilidade civil-
extraobrigacional».
Começa por fundamentar a sua pretensão no instituto da

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responsabilidade contratual, alegando que a ré cumpriu


defeituosamente o contrato que consigo celebrou no dia 30 de
junho de 2015, denominado «Contrato de Fornecimento de
Electricidade», pelo qual se obrigou a fornecer-lhe «energia
eléctrica (...) com a potência contratada de 20,7 kVA, em baixa
tensão, com discriminação horária simples, sem ciclo horário no
terreno agrícola sito na Rua _____, mediante o pagamento de um
preço.»
No entanto, afirma ainda a autora que, «para mais, a
responsabilidade civil da R. perante a A. resulta ainda do
disposto no art. 493.º, n.º 2, do Código Civil, presumindo-se a
conduta da R. culposa, sendo a indemnização peticionada, atendo
o disposto nos arts. 562.º e 564.º, n.º 1, do Código Civil, com
abrangência de danos emergentes e lucros cessantes que se hajam
verificado na esfera jurídica da A.»
Importa começar por esclarecer esta questão, que respeita ao
concurso ou concorrência da responsabilidade civil contratual e
da extracontratual, até para que melhor se compreenda o que a
seguir se irá discorrer.
Conforme refere Vaz Serra, «o contrato não priva as partes da
protecção geral, pois pela celebração de um negócio jurídico não
se renuncia à defesa que se teria independentemente dele», antes
«não sendo de presumir que, com o contrato, se tenha querido
afastar a responsabilidade delitual, principalmente quando os
contraentes teriam dificuldade em prever a possibilidade do
dano.»
«(…).»
«Com a celebração do contrato, os direitos do credor são
reforçados e não limitados» (…) «Se a existência de um contrato
estabelece entre as partes mútuos deveres de protecção, mais
intensos do que em relação a terceiros, não se justifica que a
tutela do credor seja inferior à destes.»[2].
Trata-se, como esclarece Almeida Costa, «de um concurso
aparente das duas modalidades da responsabilidade civil»,
estando em causa um concurso aparente das duas modalidades de
responsabilidade civil.»[3].
Conforme nos revela o mesmo Autor, tem sido muito discutido o
problema da equação «do concurso de ambas as espécies de ilícito
civil. As diversas orientações dividem-se em dois grupos: os
denominados sistemas do cúmulo e sistema do não cúmulo.
Dentro do primeiro cabem três perspectivas: a de o lesado se
socorrer, numa única acção, das normas da responsabilidade
contratual e extracontratual, amparando-se nas que entenda
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mais favorável; a de conceder-se-lhe opção entre os


procedimentos fundados apenas numa ou noutra dessas
responsabilidades; e a de admitir, em acções autónomas, ao lado
da responsabilidade contratual, a responsabilidade
extracontratual. Pelo contrário, o sistema que exclui o cúmulo,
consiste na aplicação do regime da responsabilidade contratual,
em decorrência de um princípio de consunção.
A lei omitiu preceito expresso que decidisse a controvérsia.
Portanto, terá de procurar-se a solução que, no seu quadro, se
apresente mais adequada ponderando, sobretudo, os interesses e
valores contrapostos.
Recordemos que o Código Civil vigente consagra regimes sem
diferenças essenciais para a responsabilidade contratual e a
extracontratual. Também advertiu que as poucas especificidades
de cada um deles permitem concluir que a disciplina da primeira,
globalmente encarada, confere maior protecção ao lesado. (...).»
Afasta-se, naturalmente, a possibilidade de uma dupla
indemnização, em correspondência a essas duas espécies de ilícito
civil. Por outras palavras: havendo um só dano, resultante de um
único facto, nada justifica a duplicação de acções ou concorrência
de pretensões.
Também parece inaceitável o sistema da acção híbrida. Afigura-
se substancialmente injusto que o lesado beneficie das normas
que considere mais favoráveis da responsabilidade contratual e
da extracontratual, afastando as que nos respectivos sistemas -
estabelecidas em paralelo e que com elas formam conjuntos
orgânicos - repute desvantajosas. Por exemplo, prevalecer-se do
ónus da prova que impende sobre o devedor na responsabilidade
contratual (art. 799.º, n.º 1) e, ao mesmo tempo, do regime da
solidariedade passiva, caso haja vários responsáveis, que vigora
para a responsabilidade extracontratual (arts. 497.º e 507.º).
Existiria ainda certo melindre quanto à determinação do foro
competente: se o próprio da responsabilidade contratual ou o da
extracontratual.
Não menos insatisfatória se revela a teoria da opção. Ela equivale
a deixar-se ao lesado a escolha de uma acção baseada no ilícito
contratual ou no ilícito extracontratual. É que, além do resto, a
questão se analisa no que pode considerar-se um concurso legal
ou aparente, em que dois regimes têm campos de aplicação
próprios.
Infere-se do exposto que se adere à ideia da exclusão do cúmulo.
Se, de um vínculo negocial, resultam danos para uma das partes,
o pedido de indemnização deve alicerçar-se nas regras da

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responsabilidade contratual. A mesma directriz se impõe quando


o facto que produz a violação do negócio – ou melhor, da relação
que dele deriva – simultaneamente preenche os requisitos da
responsabilidade aquiliana. Esta solução mostra-se correcta no
plano sistemático e no da justiça material.
Como se referiu, as hipóteses de concurso da responsabilidade
contratual e da extracontratual, aqui abordadas, reconduzem-se
à figura do aparente, legal ou de normas, Quer dizer, trata-se de
situações em que só “aparentemente” se pode falar de um
concurso, já que nos deparamos com uma única conduta ilícita, a
merecer, portanto, uma só indemnização. A essência do problema
reside, assim, na solução do conflito positivo regimes, que decorre
da circunstância de uma mesma factualidade ser
simultaneamente subsumível à responsabilidade contratual e à
extracontratual. O critério terá, pois, de assentar num ponto de
vista teleológico, que atenda ao juízo de valor e à função que
subjazem àquelas duas figuras.
A responsabilidade aquiliana intervém se o dano resulta da
violação de um dever geral de conduta, ao passo que a
responsabilidade contratual apenas actua quando se verifica a
violação de um crédito. Cada uma possui esfera particular ou
autónoma de actuação, pelo que se encontram numa relação de
especialidade. Outras razões levam, contudo, à da subordinação
exclusiva dos casos considerados às regras da responsabilidade
contratual.
Nas hipóteses de concurso das duas variantes da responsabilidade
civil há-de convir-se que qualquer delas, a funcionar
isoladamente, esgotaria a protecção que a ordem jurídica
pretende dispensar a casos desse tipo. A integração de tais
hipóteses num esquema ou no outro - e que equivale à
correspondente qualificação como ilícito contratual ou
extracontratual - depende, portanto, da perspectiva geral que
preside à regulamentação do direito das obrigações.
Ora, neste âmbito, impera, como não se ignora, o princípio da
autonomia privada, segundo o qual compete às partes lixar a
disciplina que deve reger as suas relações, com ressalva dos
preceitos imperativos. Assim, parece que, perante uma situação
concreta, sendo aplicáveis paralelamente as duas espécies de
responsabilidade civil, de harmonia com o assinalado princípio
da autonomia privada, o facto tenha, em primeira de considerar-
se ilícito contratual. Se a responsabilidade foi disciplinada por
negócio jurídico apresenta-se como contratual, posto que, na falta
dele, existisse responsabilidade extracontratual. (...).

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Sintetizando: de um prisma dogmático, o regime da


responsabilidade contratual «consome» o da extracontratual.
Nisto se traduz o princípio da consunção.
Saliente-se, por outro lado, o aspecto decisivo de que o caminho
preconizado, além de uma adequação conceitual, dá plena
satisfação aos interesses do lesado. Não se esqueça, na verdade, a
ideia de relação obrigacional complexa, concebida como um todo
e um processo dirigidos à tutela dos interesses globais das partes
nela envolvidos. Aí se encontram, não só deveres de prestação,
mas também deveres acessórios e laterais, que incluem deveres de
protecção e cuidado para com a pessoa e o património dos
intervenientes. Observe-se, ainda, que o devedor se encontra
obrigado ao que expressamente convencionou e ao que resulta
dos ditames da boa fé.
Em idêntico sentido, postula o instituto do cumprimento
defeituoso ou imperfeito, designadamente quanto à cobertura dos
danos relativos à vida, à integridade física e ao património do
credor. O cálculo da indemnização é feito nos mesmos termos
básicos para as duas espécies de responsabilidade civil. E,
inclusive, podem apurar-se e compensar-se danos não
patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual.
A posição adoptada acautela devidamente todos os interesses
atendíveis do lesado, sem sacrifício injusto da posição do
responsável: mostra-se correcta no plano da justiça material e
também encarada de um ângulo sistemático. Só não se aplicará
em face de preceito contrário da lei.
Esta terá de ser a regra. O que não invalida que, diante de
situações concretas, se lhe introduzam possíveis desvios, em
homenagem à solução substancialmente mais justa. Estar-se-á,
então, perante casos de consunção impura.»[4].
Concordamos com este entendimento, que é também o sufragado
no Ac. da R.L. de 07.02.2012, Proc. n.º 512/10.8TCFUN.L1-2, e do
S.T.J. de 05.08.2003, Proc. n.º 03B1021[5], ambos in www.dgsi.pt..
Assim, pois, tal como a autora estrutura a petição inicial com que
introduziu em juízo a presente ação, nestes autos discute-se
“apenas” uma situação de responsabilidade contratual da ré em
consequência do alegado incumprimento defeituoso, por esta, do
contrato com aquela celebrado e acima melhor identificado.
Tudo isto para nos transportarmos a um outro campo que
importa tratar com vista à delimitação das responsabilidades da
ré e da interveniente.
Como já se viu, a ré contestou, alegado, além do mais, que face ao
objeto da lide, tal como a autora o configura na petição inicial, à
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luz do pedido formulado e da causa de pedir que lhe subjaz, não é


responsável pelos prejuízos alegados pela autora.
A E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., é a entidade para a qual poderão
advir prejuízos em caso de prejuízos em caso de procedência da
ação.
Por isso, na contestação, deduziu o incidente de intervenção
principal provocada da E. DISTRIBUIÇÃO, S.A..
Por decisão de fls. 79, datada de 22 de setembro de 2016, o
tribunal a quo[6] julgou procedente o incidente de intervenção
principal provocada da sociedade E. DISTRIBUIÇÃO, S.A.,
admitindo-a a intervir nos autos como associado da ré.
Não estavam, no entanto, reunidos os pressupostos de que a lei
faz depender o deferimento de tal incidente.

Dispõe o art. 316.º do C.P.C.:


1- Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das
partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para
intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da
parte contrária.
2- Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a
intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado
inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido
nos termos do artigo 39.º.
3- O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu
quando este:
a)- Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros
litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material
controvertida;
b)- Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do
direito invocado pelo autor.

O contrato cujo cumprimento defeituoso foi alegado pela autora


foi celebrado entre esta e a ré E. COMERCIAL, S.A..
A E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., pessoa jurídica diferente da E.
COMERCIAL, S.A., não é parte naquele contrato, não
estabeleceu qualquer relação contratual com a autora, logo, não
pode ser responsabilizada pela esta em consequência do
cumprimento defeituoso de um contrato que não celebrou, no
qual não é parte.
Logo, não era lícito à ré E. COMERCIAL, S.A., deduzir o
incidente de intervenção principal provocada nos termos em que
o fez.
Como se sabe, a intervenção dos vários interessados na relação

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controvertida pode resultar necessária (litisconsórcio necessário)


por três vias a que correspondem as suas modalidades de:
- Litisconsórcio necessário convencional.
- Litisconsórcio necessário legal;
- Litisconsórcio necessário natural.
Não ocorre qualquer situação de litisconsórcio necessário
convencional.
O litisconsórcio necessário legal é o que tem lugar por imposição
de norma legal. Não há, no caso concreto, qualquer norma legal
que o imponha.
É natural o litisconsórcio que resulta de, pela própria natureza da
relação jurídica, a intervenção de todos os interessados ser
necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil
normal. E a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que,
não vinculando embora os restantes interessados, possa regular
definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao
pedido formulado. Não estamos, outrossim, perante uma situação
de litisconsórcio necessário.
No que ao n.º 3 do transcrito artigo diz respeito, esclarece
Salvador da Costa que o preceito prevê «(...) os casos em que o
réu pode requerer o chamamento, e estatui que tal lhe é facultado
quando mostre interesse atendível em chamar a intervir outros
litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material
controvertida - alínea a) - ou pretenda provocar a intervenção de
possíveis contitulares do direito invocado pelo autor - alínea b).
Este normativo veicula uma mera especialidade de procedimento
em relação ao regime geral do incidente de intervenção principal,
cuja motivação deriva do facto de se tratar de intervenção
passiva suscitada pelo réu, substitutiva do antigo incidente de
chamamento à demanda.
Entra no processo, como réu, ao lado do réu primitivo, um dos
sujeitos passivos da relação jurídica material controvertida que à
ação serve de causa de pedir. O referido interesse do chamante é
suscetível de se consubstanciar, por exemplo, na defesa conjunta,
no acautelamento do direito de regresso ou de subrogação legal
ou na formação de caso julgado contra o chamado.
Não é titular do referido interesse, por exemplo, o devedor
principal demandado pelo respetivo credor que pretenda chamar
a intervir a seu lado um simples garante do cumprimento da
obrigação, por exemplo, o fiador.
A alínea a) deste artigo está em conexão com o disposto no n.º 1
do artigo 641º do CC, segundo o qual o credor, ainda que o fiador
goze do benefício da excussão, pode demandá-lo só a ele, e este,

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ainda que não goze desse benefício, pode chamar o devedor


principal a intervir a seu lado, para com ele se defender ou ser
conjuntamente condenado, sendo que, não havendo declaração
expressa em contrário no processo, a falta de chamamento do
devedor principal para intervenção implica a renúncia ao
benefício de excussão.
(...)
A alínea b) deste artigo estabelece que o réu pode provocar a
intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo
autor. Trata-se de situações em que o autor demanda o réu a fim
de realizar determinado direito, por exemplo de crédito, mas
apenas é dele contitular.
O réu deve articular no instrumento de contestação, ou na
petição autónoma a que se fez referência, os factos em que funda
a solidariedade ou a comunicabilidade, a fim de o chamado poder
tomar posição definida sobre eles.
Com efeito, como já dito, o requerente deve indicar os factos
reveladores da legitimidade da intervenção, a apreciar em função
da relação jurídica controvertida, tal como o autor a expressou
na petição inicial.»[7].
Ainda segundo o mesmo Autor, a «intervenção provocada passiva
suscitada pelo réu abrange os casos em que a obrigação comporte
uma pluralidade de devedores ou em que existam garantes da
obrigação a que a causa principal se reporte, sob condição de o
réu ter algum interesse atendível em os chamar a intervir, com
vista à defesa conjunta ou a acautelar eventual o eventual direito
de regresso ou de sub-rogação que lhe assista contra eles.
(...)
Como o subempreiteiro não é parte na relação obrigacional
estabelecida entre o dono da obra e o empreiteiro, este não o pode
chamar a intervir a ir a título principal na ação intentada contra
ele pelo dono da obra a exigir os defeitos da construção do
prédio»[8].
Como nesta ação a E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., não é parte na
relação obrigacional estabelecida entre a autora e a E.
COMERCIAL, S.A., esta não poderia chamar a intervir a título
na nestes autos.
A E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., foi um terceiro auxiliar da E.
COMERCIAL, S.A., no cumprimento, ou seja, na execução da
obrigação a que esta se vinculou perante a autora (art. 800.º, n.º
1, do C.C.).
A situação sub judice teria evidente enquadramento, isso sim, no
âmbito do incidente de intervenção acessória provocada previsto
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no art. 321.º, do C.P.C..


Vem tudo isto para dizer que, no caso concreto, não obstante o
deferimento do incidente de intervenção principal provocada da
E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., esta é insuscetível de ser
responsabilizada perante a autora/apelante pelo cumprimento
defeituoso de um contrato que não celebrou, de um contrato em
que foi parte, de um contrato que tem como únicos sujeitos a
autora/apelante e a E. COMERCIAL, S.A..
Isto, evidentemente, sem prejuízo de não poder ser alterada a
decisão de condenação da apelada E. DISTRIBUIÇÃO, S.A., no
pagamento à autora da quantia de € 1.072,56, acrescida de juros
de mora contados desde a citação, por via da proibição da
reformatio in pejus consagrada no era. 635.º, n.º 5, do C.P.C., pois
que aquela sociedade não recorreu subordinadamente daquela
decisão, tal como lhe era permitido nos termos do art. 633.º, n.ºs
1, 2 e 5, do mesmo código.
Posto isto, vejamos se a ré/apelada E. COMERCIAL, S.A., deve
ser condenada a indemnizar a autora/apelante, em consequência
do alegado cumprimento defeituoso, por aquela, do contrato
entre ambas celebrado no dia 30 de junho de 2015, denominado
«Contrato de Fornecimento de Electricidade», tendo por objeto o
fornecimento de energia eléctrica (...) com a potência contratada
de 20,7 kVA, em baixa tensão, com discriminação horária
simples, sem ciclo horário no terreno agrícola sito na Rua _____.
Tal como resulta do art. 798.º do Código Civil, a responsabilidade
obrigacional tem pressupostos semelhantes aos da
responsabilidade delitual, sendo que o facto ilícito corresponde
neste caso, não à violação de um dever genérico de respeito, mas
antes à violação de uma obrigação, através da não execução pelo
devedor da prestação a que estava obrigado.
No entanto, essa não execução da prestação debitória tem ainda
que ser imputada ao devedor, acrescendo assim à ilicitude o
requisito da culpa, como pressuposto da responsabilidade
obrigacional.
Como sucede em toda a responsabilidade civil, não há
constituição da obrigação de indemnização se não se verificar um
dano.
Exige-se assim que o credor tenha sofrido prejuízos em virtude
da não realização da prestação a que o devedor se tenha
vinculado.
É necessário, finalmente, que os danos sofridos pelo credor
tenham sido consequência da falta de cumprimento por parte do
devedor, exigindo-se desta forma, o nexo de causalidade entre o

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facto e o dano.
Daí que se deva considerar que são reduzidas as diferenças entre
a responsabilidade obrigacional e a responsabilidade delitual,
uma vez que entre ambas existe uma única fonte: a
responsabilidade civil.
Sendo assim comuns os pressupostos da responsabilidade delitual
e obrigacional, sucede, porém, que vigoram regras diferentes
para a prova desses pressupostos. Efectivamente, o art. 799.º do
C.C. vem referir que incumbe ao devedor provar que a falta de
cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não
procede de culpa sua, o que implica o estabelecimento de uma
presunção de culpa em relação ao devedor de que o
incumprimento lhe é imputável, dispensando assim o credor de
efectuar a prova correspondente (art. 351.º, nº 1, do C.C.).
Relativamente aos outros pressupostos da responsabilidade
obrigacional, como o facto ilícito, o dano e o nexo de causalidade,
eles não se encontram referidos na presunção do art. 799.º, do
C.C., que levaria, em princípio, à aplicação do regime geral do
art. 342.º, nº 1, do C.C., já que sendo os restantes pressupostos da
responsabilidade obrigacional factos constitutivos do direito à
indemnização, teriam que ser provados pelo credor para que o
tribunal julgue a acção procedente.
No entanto, tendo a responsabilidade obrigacional como
pressuposto a violação de uma obrigação, esta não se pode
constituir sem a existência prévia de um direito de crédito, cuja
existência tem assim que ser provada pelo credor, nos termos do
art. 342.º, n.º 1, do C.C..
Ora, o cumprimento da obrigação aparece como facto extintivo
desse direito de crédito, o que nos termos do art. 342.º, n.º 2, do
C.C., leva que se tenha de ser provado pelo devedor.
Mas, nestes termos, se o credor provar a existência do direito de
crédito, parece que ficará dispensado de provar a inexecução da
obrigação, uma vez que é o devedor que tem que provar o seu
cumprimento. Se, no entanto, o facto ilícito não for a mera
inexecução da obrigação, resultante da abstenção do devedor,
mas antes uma conduta positiva, como o cumprimento defeituoso
da obrigação (…), já será o credor a ter que provar essa conduta,
uma vez que nesses casos a prova da inexecução da obrigação não
pode ser dispensada através da regra do art. 342.º, n.º 2, do C.C..
Relativamente ao dano, parece claro que ele tem que ser
demonstrada pelo credor, sem o que não poderá judicialmente
qualquer indemnização[9].
Segundo Nuno Manuel Pinto Oliveira, «os requisitos gerais da

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responsabilidade contratual constam dos arts. 798.º-799.º do


Código Civil, devendo reconduzir-se a três: tipicidade, ilicitude e
culpa.
O primeiro requisito – tipicidade – concretiza-se na
conformidade da conduta do agente ou lesante com um tipo de
responsabilidade civil.
Tipo é uma tradução do italiano “fattispecie” ou do alemão
“Tatbestand”. O conceito de tipo designa a descrição de uma
situação de facto em termos abstractos por um princípio ou por
uma regra de direito da responsabilidade civil – e o conceito de
tipicidade, a conformidade de uma situação de facto concreta
causada pela conduta do agente ou do lesante com a intenção de
facto descrita em termos abstractos por um princípio ou por uma
regra de responsabilidade civil. O segundo requisito – o requisito
da ilicitude – concretiza-se num juízo de censura (de desvalor)
dirigido à ação ou à omissão e o terceiro requisito – o requisito da
culpa – concretiza-se num juízo de censura (de desvalor) dirigido
ao agente, por ter adoptado um comportamento contrário ao
direito (ilícito) quando podia e devia ter adoptado um
comportamento conforme ao direito (logo, lícito).
O requisito da ilicitude resulta do art. 798º e o requisito da culpa
resulta explicitamente, dos arts. 798.º e 799.º – confirmados, para
os casos de não cumprimento definitivo, pelos arts. 801º e 802.º e,
para os casos de não cumprimento temporário ou transitórios,
pelo art. 804.º, nº 2, do Código Civil.

O primeiro requisito da responsabilidade contratual concretiza-se


então da tipicidade – e o requisito da tipicidade divide-se em
cinco elementos:
1º- a ação ou omissão do devedor; 2º- a violação do direito do
credor; 3º a relação de causalidade entre a acção ou omissão do
devedor e a violação do direito do credor (causalidade fundante
ou causalidade fundamentadora da responsabilidade (…); 4º o
dano ou prejuízo e – 5º a relação de causalidade entre a violação
do direito do credor e o dano ou prejuízo (causalidade
preenchedora da responsabilidade (…).
Os elementos acção ou omissão do devedor, violação dos direitos
do credor e relação de causalidade entre a acção do devedor e a
violação do direito do credor encontram-se implícitos no
segmento em que o art. 798º diz: «[o] devedor que falta [… ao
cumprimento da obrigação»; os elementos dano ou prejuízo e
relação de causalidade entre a violação dos direitos do credor e o
dano ou prejuízo encontram-se explícitos no segmento em que o

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art. 798º diz: [o] devedor que falta […] ao cumprimento torna-se
responsável pelos prejuízos que cause ao credor.
(…)
Os conceitos de tipicidade e de ilicitude podem – e devem –
distinguir-se.
O tipo objectivo da responsabilidade constrói-se através do
conceito de falta de cumprimento - e o conceito de falta de
cumprimento através do conceito de desconformidade objectiva
(de “desencontro objectivo”) entre a conduta adoptada e a
conduta devida. Entre aquilo que o devedor fez e aquilo que o
devedor devia fazer.
A conduta do devedor estará em conformidade com o art. 798.º
(…) quando estiver em desconformidade com os deveres de
prestação compreendidos na relação negocial.

Os arts. 798.º e 799.º do Código Civil aludem genericamente à


violação do direito do credor; os arts. 801.º e 804.º aludem
especificamente:
- à violação do direito do credor, através de um facto voluntário
do devedor que causa um não cumprimento definitivo – art. 801.º
do Código Civil;
- à violação do direito do credor através de um facto voluntário
do devedor que causa um não cumprimento temporário – art.
804.º do Código Civil.

Em regra, a tipicidade encontra-se associada á ilicitude.

O juízo de tipicidade dirige-se à conformidade entre a conduta


adoptada e a conduta descrita no art. 798º do Código Civil – ou
seja, dirige-se à desconformidade entre a conduta adoptada e a
conduta devida –; o juízo de desconformidade entre a conduta
adoptada e a conduta devida indicia um juízo de desvalor da
conduta adoptada – logo, o juízo de tipicidade indicia um juízo
sobre a ilicitude.»[10].

Está provado que «em 17-08-2015 uma parte não apurada das
plantas existentes no local encontrava-se queimada.»

No entanto, não resultou provado que esse facto foi resultado ou


consequência de um deficiente cumprimento, por parte da E.
COMERCIAL, S.A., do contrato celebrado com a autora,
nomeadamente da ocorrência de qualquer pico de energia ou
sobretensão, pois resultou não provado que «verificaram-se picos
de energia/sobretensões de cerca de 206 V (Volt) a 257 V (Volt) ou
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mais, entre Julho e Setembro de 2015, no terreno agrícola sito na


Rua ____.»

No tocante à problemática do nexo de causalidade, importa ter


presente que está sedimentado o entendimento por parte do S.T.J.
de que no art. 563.º, do C.C., para os casos em que a obrigação de
indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de
responsabilidade extracontratual, quer contratual, a teoria da
causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus-
Lehman.

Segundo esta, o facto que atuou como condição do dano só


deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua
natureza geral, se mostrar, de todo, indiferente para a verificação
do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias
excecionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que
intercederam no caso concreto.

O facto que atuou como condição do dano só não deverá ser


considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza
geral e em face das regras da experiência comum se mostra
indiferente para a verificação do dano, não modificando o
“círculo de riscos” da sua verificação.

A causalidade adequada não se refere ao facto e ao dano


isoladamente considerados, mas ao processo factual que, em
concreto, conduziu ao dano no âmbito da aptidão geral ou
abstrata desse facto para produzir o dano[11].

É esse processo factual ou causal que, no caso concreto, não


resultou provado.

Não demonstrado o nexo de causalidade, ou seja, um dos


pressupostos de que dependia a responsabilidade contratual da
ré/apelada da E. COMERCIAL, S.A., para com a
autora/apelante, terá o presente recurso de ser julgado
improcedente e confirmada a sentença recorrida.
*

IV–DECISÃO:
Por todo o exposto, acordam os juízes que integram esta 7.ª
Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em julgar a apelação
improcedente, confirmando, em consequência, a sentença
recorrida.

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Custas pela apelante – art. 527.º, n.º 1 e 2, do C.P.C.

Lisboa, 24 de setembro de 2019

(Acórdão assinado eletronicamente)

Relator
José Capacete
Adjuntos
Carlos Oliveira
Diogo Ravara

[1]Da Sentença Cível, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa,


2014, p. 23.
[2]Responsabilidade contratual e responsabilidade
extracontratual, in B.M.J. n.º 85, abril de 1959, pp. 115-238.
[3]O Concurso da Responsabilidade Civil Contratual e da
Extracontratual, in AB VNO AD OMNES, 75 Anos da Coimbra
Editora, Coimbra Editora, 1998, pp. 559-560.
[4]Idem, pp. 560-562. Sobre esta problemática do concurso de
responsabilidades, cfr. Vaz Serra, Loc. cit. na nota 3; Miguel
Teixeira de Sousa, O Concurso de Títulos de Aquisição da
Prestação. Estudos Sobre a Dogmática da Prestação e do
Concurso de Pretensões, Colecção Teses, Almedina, Coimbra,
1998, e Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, Em
Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Colecção Teses,
Almedina, Coimbra, 1994, pp. 274 ss.
[5]Veja-se ainda, no mesmo sentido, a demais jurisprudência
citada neste aresto do S.T.J.
[6]Então a 1.ª Secção Cível da Instância Central do Tribunal da
Comarca de Lisboa, J16.
[7]Os Incidentes da Instância, 9.ª Edição, Almedina, 2017, pp. 85-
91.
[8]Idem, pp. 84-85.
[9]Cfr. Seguimos a orientação de Menezes Leitão, Direito das
Obrigações, 8.ª Edição, Almedina, 2009, pp. 283-352.
[10]Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011,
pp. 616-620.
[11]Ac. do STJ de 13.01.2009, Proc. n.º 08A3747, in www.dgsi.pt.

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Decisão Texto Integral:

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