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RESENHA DOR

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Plataforma on-line: www.dorecoluna.com.br

Diretor e redator do Resenha DOR: Leonardo Avila | Tradução livre e


comentários: Leonardo Avila #maio2

Resenha DOR: Resenhas de artigos científicos sobre dor.

Título Original do artigo: A little man of some importance.

Revista científica publicada: Brain journal of neurology.

Ano de publicação do artigo: 2017.

Título da resenha – “Um


Representações homenzinho
neurais com corporal
e a matriz alguma importância."
cortical:
implicações para a medicina esportiva e futuras direções
Nota do tradutor - Leonardo Avila:

Com frequência utilizo a frase “saber sobre anatômica e biomecânica não é mais
o suficiente” para o manejo adequado da dor. Cabe ressaltar que essa fala não é
excludente enquanto ao desuso e/ou não emprego de uma análise minuciosa de
componentes estruturais (anatomia e biomecânica) em nossa prática clínica. Somente
trago à tona a necessidade de analisar outras dimensões além do patoanatômico,
concomitante a avaliação da integridade dos sistemas nervoso periférico e central.
Nesse paper os autores trazem a necessidade de revermos conceitos, mesmo
quando enraizados no sistema educacional, fazendo com que em parte, infelizmente a
prática clínica ainda seja norteada pelo senso comum. Desta forma, nem o homúnculo
de Penfiled, possivelmente a figura mais reproduzida na neurociência resistiu ao crivo
de ser uma “teoria” intocável.

Att., Leonardo Avila - @dorecoluna

Considerações: 1) Primeiramente, as traduções dos artigos científicos são


livres e no decorrer do processo comentários e/ou adequações do texto são realizados.
2) Além disso, comentários explícitos constam ao longo do texto na cor vermelha
(quando necessário) e/ou posterior ao texto “nota do tradutor” (quando necessário).

Declaração de conflito de interesse:

Sou fã incondicional e estudioso, em parte autodidata, do assunto neurociência


e dor.

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Um homenzinho com alguma importância.

O homúnculo (o mapa do corpo no córtex) fez sua primeira aparição no campo da


neurologia em 1 de dezembro de 1937, quando Wilder Penfield e Edwin Boldrey (Fig.
1) publicaram no periódico Brain um artigo de 55 páginas intitulado: “Representação
sensorial e motora somática no córtex cerebral do homem estudado via estimulação
elétrica” (Penfield e Boldrey, 1937). O artigo está repleto de resumos meticulosamente
elaborados de dados provenientes da estimulação cortical de 126 pacientes, que foram
operados sob anestesia local por Penfield entre 1928 e 1936. Em comparação com
publicações anteriores em animais (estudos pré-clínicos ou experimentais), os autores
tinham a vantagem de estudar (operar) pacientes acordados contando com seus
relatos verbais, motores táteis provados (via estímulo cortical). Todas as gravações
dos pacientes foram coletadas para obter o primeiro mapa abrangente da localização
motora e somatossensorial no cérebro humano. Esse mapa foi visualizado como uma
figura humana distorcida - o homúnculo de Penfield - cuja forma indica a quantidade
de área cortical dedicada às funções motoras e/ou somatossensoriais de cada parte
do corpo.
O artigo teve um impacto duradouro na prática neurocientífica e na pesquisa científica.
Clinicamente, ajudou a estabelecer a estimulação cortical direta como um método
importante para o mapeamento funcional em neurocirurgia; cientificamente, reforçou a
localização cortical como um paradigma válido para entender a cognição motora, a
percepção somatossensorial e as funções cognitivas mais elevadas em geral. O
homúnculo foi certamente sua proposta (de Penfield e Boldrey) mais marcante, mas
ofuscou outras conclusões importantes feitas pelos autores. Primeiro, embora
reconhecendo a falta de análise histológica como uma limitação de seu estudo,
estavam confiantes de que demonstravam a impossibilidade de confinar "a
representação funcional dentro de limites cito-arquitetônicos estritos". Segundo, ao
contrário do que outros registraram em animais, o sulco central do cérebro humano
não era um limite claro entre áreas motoras e somatossensoriais. Muitos estímulos que
provocam respostas motoras estavam de fato localizados no córtex somatossensorial
do giro pós-central e uma proporção ainda maior de respostas táteis no córtex motor
do giro pré-central. Surpreendentemente, o quadro que emergiu de seu trabalho foi um
claro grau de sobreposição funcional entre os campos de estimulação, em vez de uma

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sequência ordenada de áreas segregadas, como sugere (e é entendido) seu
homúnculo.
Para o 80º aniversário deste artigo seminal, as descobertas originais dos autores são
reexaminadas com a intenção de esclarecer o substrato que gerou o homúnculo,
possivelmente a figura mais reproduzida e não replicada da neurociência.

Figura 1 Wilder Penfield (esquerda) e Edwin Boldrey (centro), criadores do homunculus


(direita).

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Figura 2: Representação das estimulações motoras para diferentes partes do corpo.
(A) Código de cores de diferentes partes do corpo. (B) Áreas dos mapas de superfície
abrangendo todos os pontos de estimulação motora para cada parte do corpo. (C)
Contagem do número de estímulos e (D) medições do comprimento vertical dos mapas
de superfície para cada parte do corpo. Os dados originais são derivados de Penfield
e Boldrey (1937). O asterisco indica a impossibilidade de gerar qualquer medida da
área e comprimento das poucas estimulações registradas para o tronco. Mapas
similares para as estimulações somatossensoriais são fornecidos na Figura 1
Complementar.

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Figura 3: Representação da sobreposição entre os mapas de superfície
somatossensoriais de diferentes partes do corpo. (A) Mapa de calor do grau de
sobreposição que varia de azul (uma parte do corpo) para amarelo (quatro ou mais
partes do corpo). (B) Mapa indicando as partes do corpo sobrepostas do homúnculo.
CS = sulco central. Os dados originais são derivados de Penfield e Boldrey (1937).

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De que é feito o homúnculo?

Na Idade Média, um homúnculo era um humanóide artificial criado através de


alambiques e a misteriosa alquimia. Nos tempos modernos, Penfield e Boldrey
fabricaram sua própria versão do homúnculo usando ingredientes mais controlados,
embora não menos controversos. Sua abordagem era sistemática e laboriosa. O
homúnculo neurológico foi gerado a partir de 170 mapas resumidos do número e
localização dos pontos de estimulação para cada parte do corpo, cada um esboçado
pacientemente por Boldrey a partir das anotações (fotografias e desenhos) de
operações de Penfield. Os mapas que mostravam as respostas positivas para os dedos
dos pés, pernas, tronco, braço, dedos, mão, face, olhos, boca e língua foram usados
para extrair três medidas separadas para o homúnculo motor (Fig. 2) e
somatossensorial (Suplemento Fig. 1) estimulações: (i) a área para cada parte do corpo
como uma superfície 2D exibida na face lateral do córtex fronto-parietal central (Fig.
2B); (ii) a contagem do número total de estímulos localizados a frente e posterior ao
sulco central (Fig. 2C); e (iii) a extensão vertical de cada área do corpo ao longo do
sulco central (Fig. 2D). Em sua tentativa de resumir visualmente uma quantidade tão
grande de dados, os autores enfrentaram desafios comuns às abordagens modernas
de neuroimagem (Friston et al., 2004). Primeiro, o problema do controle de qualidade
e da transformação de dados, um passo que incluía a eliminação de estímulos
artefactuais (por exemplo, devido à atividade epiléptica, mudança na proximidade do
tumor, incapacidade de replicar uma resposta evocada, etc.) e normalização espacial
para um modelo comum. Essas etapas foram realizadas apenas por inspeção visual e
transcrição manual, processos que são vulneráveis ao erro, como é evidente pelas
várias incongruências entre o texto e as figuras em seu artigo. No texto original, por
exemplo, Penfield e Boldrey relatam um total de 21 estímulos motores para a boca e
lábios (pág. 405), o que é inconsistente com a figura 7 indicando 64 pontos motores
para as mesmas partes do corpo. O segundo desafio foi representado por etapas que
incluíram a transformação e inferência estatística. Este passo deve ter sido
particularmente árduo em uma era pré-digital e foi omitido pelos autores. Isso explica
por que seus mapas não levam em consideração variações na intensidade do estímulo,
o número de sujeitos estimulados, o número de estimulações por assunto e o grau de
sobreposição e densidade dos estímulos, todas as variáveis que poderiam afetar muito

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os resultados finais, em muitos aspectos, se não for devidamente ponderada. Por
exemplo, as bordas externas desses mapas e, portanto, sua superfície total e a
extensão vertical ao longo do sulco central são influenciadas pela dispersão dos dados,
que por sua vez é afetada pelo número de outliers e medições obtidas de cada sujeito.
Isso pode ter levado a uma superestimação ou subestimação não uniforme das áreas
do corpo e influenciou a silhueta final do homúnculo. Apesar dessas limitações, seu
trabalho continua sendo uma tentativa admirável de capturar a complexidade da
variabilidade interindividual, um esforço pioneiro que gerou uma das figuras mais
populares e icônicas da história do mapeamento cerebral, o homúnculo sensório-
motor.

Figura 4: O homúnculo sensório-motor redesenhado. (A) As proporções deste primeiro


homúnculo correspondem às do original reproduzido na Fig. 1. Todos os outros
homúnculos em B-D são derivados de uma média dos mapas motor e
somatossensorial produzidos na Fig. 2 e na Fig. Complementar 1. (B) Homúnculo
gerado a partir dos mapas de superfície. (C) Homúnculo derivado das medidas de
comprimento verticais. (D) Homúnculo derivado do número de pontos de estimulação.
Todas as medições são de Penfield e Boldrey (1937).

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De volta às pranchetas:

No papel original, o homúnculo é retratado como pendurado de cabeça para baixo, com
a cabeça separada do corpo e a faringe e a língua extirpadas da boca (fig. 1). A lenda
da figura correspondente explica que o homúnculo "foi preparado como uma
visualização da ordem e do tamanho comparativo das partes do corpo, conforme
aparecem de cima para baixo no córtex. Os termos "visualização", "ordem" e "tamanho
comparativo" merecem um exame mais detalhado. Apesar de alguns dos problemas
metodológicos descritos anteriormente, a visualização dos mapas de estimulação em
uma forma antropomórfica exigia a omissão de uma informação importante contida nos
mapas originais: co-localização de locais de estimulação para diferentes partes do
corpo. Isso é claramente mostrado na Fig. 3, que representa uma reanálise dos dados
originais para as estimulações somatossensoriais exibidas como mapas sobrepostos.
Esses mapas indicam um alto grau de sobreposição entre diferentes partes do corpo,
especialmente na proximidade do sulco central. Curiosamente, o intervalo de
sobreposições funcionais varia como esperado - como língua e boca, ou braço e mão
- a intrigante - como boca, braço e mão. Enquanto as limitações de seu método de
estimulação e análise de grupo podem ter contribuído para gerar algumas das
sobreposições (Farrell et al., 2007), a observação frequente de co-estimulações em
cérebros individuais comumente relatados por neurocirurgiões durante a cirurgia
acordada (Foerster, 1936; Farrell et al., 2007; Desmurget e Sirigu, 2015) sugerem que
este resultado não deve ser descartado apenas como artefato. De fato, usando
técnicas de microestimulação muito mais sofisticadas com trens de maior duração,
ações coordenadas complexas podem ser eliminadas no cérebro animal (Graziano et
al., 2002). Estes têm sido interpretados como evidência de uma agregação funcional
de neurônios de saída (output) cortical dedicados a ações sinérgicas direcionadas a
objetivos - tarefas. Pode ser difícil encontrar uma correspondência entre co-ativações
registradas em nível micro e macroscópico (Desmurget e Sirigu, 2015), mas é
interessante notar que Penfield e Boldrey (1937) também relataram respostas motoras
complexas para locais de estimulação única. Algumas dessas respostas foram
caracterizadas por "fazer caretas" bilaterais ou "vocalização", ambas exigindo a
atividade coordenada de vários músculos. Eles também notaram que a resposta mais
comum para os dígitos era o movimento de todos os dedos juntos ou combinações de

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dois dedos que geralmente cooperam para produzir uma ação específica, como a
flexão do indicador e polegar. Apesar de estar ciente das possíveis implicações
teleológicas da sobreposição anatômica e co-ativação, Penfield e Boldrey optaram por
enfatizar a segregação funcional. Forçados a pensar em uma maneira de mostrar suas
descobertas, conceberam o controverso homúnculo (Schott, 1993).

Ainda usado no ensino contemporâneo, o homúnculo retrata dois aspectos da


organização do córtex pericentral: a ordem topográfica das representações das partes
do corpo e suas proporções alteradas, refletindo a quantidade de córtex dedicada a
uma determinada função. A topografia cortical motora já estava bem estabelecida no
início do século XX no cérebro de macacos (Leyton e Sherrington, 1917) e humanos
(Foerster, 1936). Exceto por algumas discrepâncias marginais, Penfield e Boldrey
replicaram achados anteriores no sentido de que os membros inferiores geralmente
estão localizados acima das áreas do braço, mão e dedos, e ainda mais dorsalmente
à área da face, boca e língua. No entanto, o homúnculo sugeria um padrão claro e
ordenado que raramente foi replicado em pacientes (Farrell et al., 2007; Desmurget e
Sirigu, 2015). De fato, muitas vezes o movimento ou sensação da mesma parte do
corpo pode ser eliminado por estímulos amplamente separados, com outras partes do
corpo ocasionalmente interpostas entre elas. Estas observações minam o conceito de
uma estreita localização funcional do movimento e da percepção somatossensorial de
que o próprio homúnculo contribuiu grandemente, e também estão em desacordo com
os resultados da topografia precisa documentada em animais (Nelson et al., 1980).
Apesar das óbvias diferenças metodológicas, a observação bem documentada de uma
recuperação funcional após extirpação ou dano de áreas específicas do corpo cortical
sugere alguma cautela na interpretação desses mapas como indicativo de uma
correspondência de um para um com uma função localizada específica. Em situações
clínicas, é provavelmente justo dizer que o homúnculo fornece apenas uma
aproximação da probabilidade de o neurocirurgião encontrar ativação de partes
específicas do corpo; Não há dúvida de que Penfield e Boldrey estavam bem cientes
disso. Ao comentar, por exemplo, nos mapas da face, que é estranhamente na
orientação vertical em relação ao resto do corpo, os autores admitiram que a falta de
pontos de estimulação suficientes, da localização bem estabelecida do nariz, dos
movimentos oculares - em uma região anterior às mãos / braços - podem ter gerado

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uma representação enganosa. Claramente, o homúnculo não pode ser considerado
pelo seu valor aparente, mas sua característica mais impressionante de partes do
corpo desproporcionais permanece intrigante e amplamente válida até hoje. Com seus
longos dedos, boca grande e língua pesada, o homúnculo causou uma impressão
duradoura. Suas proporções corporais alteradas têm sido consideradas a expressão
de uma propriedade fisiológica básica do córtex pericentral: a quantidade de córtex pré
e pós-central dedicada a uma parte do corpo não é proporcional ao seu tamanho, mas
ao grau de inervação que o córtex recebe e/ou envia para essa parte do corpo. Como
as partes do corpo com funções perceptuais ou motoras altamente qualificadas
recebem uma maior dose de inervação neuronal, acredita-se que a proporção das
partes do corpo do homúnculo reflita a especialização da função. Isso é bastante óbvio
para a capacidade de discriminar dois pontos distantes, o que é maior para as partes
do corpo que estão aumentadas no homúnculo cortical correspondente (Fig.
Complementar 2).

Essa propriedade funcional do córtex certamente não é exclusiva dos neurônios


sensório-motores e nos perguntamos por que os equivalentes de homúnculos para a
representação retinotópica do olho (oculunculus?) Ou a representação tonotópica do
ouvido (aurinculus?) Não foi apresentado. Talvez Penfield e Boldrey tenham sido
ousados o suficiente para propor algo que eles sabiam que teria sido considerado uma
mera simplificação por muitos outros? Afinal, Leyton e Sherrington fizeram uma
observação semelhante, 20 anos antes, no cérebro de chimpanzés, orangotangos e
gorilas (Leyton e Sherrington, 1917). Enquanto Leyton e Sherrington usaram números
para representar essa propriedade do córtex motor (com cada número correspondendo
à estimulação de um grupo específico de músculos), Penfield e Boldrey fizeram a
escolha controversa de usar o comprimento vertical ao longo do córtex pericentral (Fig.
2D) para escalar seu homúnculo. De alguma forma, essa informação desapareceu
quando as reproduções do homúnculo começaram a aparecer em livros-texto
populares, em que se pensava que suas proporções alteradas refletiam a extensão da
área de cada parte do corpo (Fig. 2B). Para corrigir esse erro histórico, diferentes
versões de um moderno homúnculo sensório-motor foram geradas usando os dados
disponíveis no artigo original e apresentados na Fig. 4. Uma comparação dos diferentes
homúnculos mostra que a versão original não foi proporcionalmente dimensionada de

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acordo com as medidas relatadas no documento de 1937. Por exemplo, o tamanho da
língua foi claramente exagerado no primeiro homúnculo, uma deturpação que Penfield
remontou em uma publicação seguinte (Penfield and Rasmussen, 1950). Além disso,
ao usar a área da superfície, a representação do braço é muito maior e mais próxima
da mão e dos dedos. Isso talvez não seja surpreendente, já que os humanos se
engajam em muitas atividades que requerem coordenação de alcance (braço) e
agarramento (mão) para manipulação de objetos. Enquanto mais homúnculos podem
ser gerados a partir dos dados apresentados na Fig. 2 e na Fig. Complementar 1, esses
diagramas são apenas de valor histórico para a impossibilidade de validação. O
mapeamento do homúnculo humano usando técnicas não invasivas, como estimulação
magnética transcraniana ou ressonância magnética funcional de alto campo, é uma
alternativa, mas essas abordagens têm suas próprias limitações. Em última análise, a
chave para entender o significado do homúnculo não está nos detalhes de sua figura,
mas na complexidade de sua anatomia conectiva (Lemon, 1988).

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Figura 5: Reconstruções baseadas em tratos de grandes extensões e projeções do
córtex homuncular. (A) Ligações de curta associação entre os giros pré-central e pós-
central. Na região do botão de mão, esses trechos em forma de U ocupam um grande
volume e apresentam um alto grau de complexidade (exibido nas cores verde,
vermelho e amarelo). Na região ventral da face e da língua (trato azul-escuro e claro)
e na região dorsal das pernas e dos pés (trechos roxos), essas conexões são menos
proeminentes. (B) Trechos de associação curta (vermelho) e projeção longa (verde) da
região do botão manual a partir de uma vista lateral (superior esquerda), dorsal (inferior
esquerda) e posterior (direita). A linha tracejada indica a trajetória do sulco central. Os
tratos curtos de associação convergem para as regiões pré-central da área do
manípulo a partir do giro pós-central e das regiões posteriores dos giros frontal superior
e médio. Os tratos de projeção estão contidos dentro dos tratos em forma de U e
conectam o giro pré-central ao putâmen (fibras corticoestriais), aos núcleos pontinos
(tratos corticopontinos) e à medula espinhal (trato corticospinal). (C) Os tratos fronto-
insulares conectam o córtex frontal opercular à ínsula anterior. As conexões do córtex
pré-central e subcentral/pós-central são exibidas em amarelo e verde,
respectivamente. Observe que não há correspondência entre as cores usadas para
essas imagens e as cores nas figuras anteriores. Todas as imagens modificadas de
Catani et al. (2012).

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O legado do homúnculo:

É difícil adivinhar as expectativas que Penfield e Boldrey tinham para a sua criação. No
artigo original, o leitor fica frente a frente com o homúnculo após 42 páginas e 27
figuras, introduzidas com apenas algumas linhas de texto e uma única figura. Essa
apresentação modesta foi seguida por mais de 10 anos de silêncio dos autores, após
o que Penfield decidiu substituir o homúnculo mais antigo por um novo, considerado
de melhor proporção. Mas mesmo para a segunda versão do homúnculo, Penfield não
tinha palavras encorajadoras: "[. . .] tais desenhos podem facilmente tornar-se confusos
se muito significado é atribuído à forma e ao tamanho comparativo (Penfield e
Rasmussen, 1950). Ainda os homúnculos se multiplicaram em uma rápida progressão
e foram descritos em diferentes regiões do cérebro humano e em outras espécies
(Schott, 1993). O homúnculo também atraiu duras críticas. Sir Francis Walshe, médico
consultor do hospital nacional para Neurologia e Neurocirurgia, apresentando seu
trabalho no Simpósio Anglo-Americano em Londres, declarou: "[. . .] nem os modernos
se contentam com mapas, pois os homúnculos fizeram agora a sua aparência
horrenda, descendentes lineares de Jabberwock de Lewis Carroll, pretendendo
representar a bela face da natureza, mas de fato conseguindo algo bastante
antinatural” ( Walshe, 1958). O próprio Penfield estava na platéia e deve ter sido
doloroso ouvir Walshe abordando sua criatura nesses termos. Não tenho
conhecimento de nenhum debate que possa ter ocorrido no simpósio, mas é evidente
nas publicações de Penfield, antes e depois dessa reunião, que ele nunca tentou
promover seu homúnculo como portador de um novo princípio de organização do
cérebro. Em vez disso, em sua teoria centrencefálica, ele propôs um papel central do
tálamo em todas as funções cerebrais, ao mesmo tempo em que se referia aos córtices
pericentrais como as "principais áreas motoras e sensoriais de transmissão [. . .] uma
plataforma de chegada e uma plataforma de partida. Sua função é transmitir e
possivelmente transmutar, com a ajuda de áreas motoras secundárias, o fluxo
padronizado de impulsos que surge no sistema centrencefálico e passa para o alvo em
músculos voluntários. Claramente, para Penfield, o homúnculo não era o marionetista,
mas simplesmente o controlador de mão que permitia ao tálamo transmitir seus
comandos motores ao corpo periférico. Este não era um conceito novo, pois os
primeiros pesquisadores já reconheciam que a estimulação cerebral ativava não

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apenas os neurônios próximos, mas também uma extensa rede de neurônios
compartilhando conexões com aqueles diretamente estimulado (Foerster, 1936). Por
esta razão, a estimulação cerebral tem sido vista como um método para sondar a
anatomia e a função da rede em vez da localização cortical (Lemon, 1988). A rede
homuncular tem sido estudada recentemente com estudos eletrofisiológicos (Lemon,
1988; Davare et al., 2011) e de rastreamento viral (Rathelot e Strick, 2009) em animais
e, mais recentemente, com a tractografia in vivo em humanos. O córtex do homúnculo
é, de fato, altamente e diversamente conectado a estruturas subcorticais do diencéfalo,
tronco cerebral e medula espinhal através de vias de projeção (Lemon, 1988). As vias
diretas e indiretas originam-se de células piramidais e não-piramidais e projetam-se
para os neurônios motores espinhais direta ou indiretamente. Os neurônios motores
únicos recebem conexões de múltiplos neurônios corticais e um único projeto de
axônios corticospinais para vários neurônios motores. O efeito final pode ser detectado
como estimulação ou supressão da atividade eletromiográfica. Mas o sistema de
projeção originado do córtex motor não é apenas um mecanismo efetivo, pois
estabelece conexões recíprocas com seus alvos subcorticais para permitir um controle
dinâmico dos movimentos em ação. Ao mesmo tempo, o córtex motor estabelece
conexões recíprocas com outras áreas corticais do lobo frontal e parietal através de
pequenos tratos de associação (Fig. 5) (Catani et al., 2012). Recebe entradas das
áreas frontais anteriores formando um sistema fronto-parietal dedicado ao
planejamento motor para alcançar e agarrar os movimentos (Davare et al., 2011).
Também recebe contribuições diretas do córtex somatossensorial pós-central através
de uma cadeia de fibras em forma de U localizadas abaixo do sulco central. No cérebro
humano essas fibras em forma de U são particularmente grandes na região da mão e
progressivamente reduzem o volume na região ventral da boca e língua e região
dorsomedial da perna e do pé (Catani et al., 2012). Este padrão anatômico espelha os
mapas homunculares derivados de estudos de estimulação e demonstra uma conversa
cruzada direta entre os homúnculos motor e somatossensorial. Essa comunicação
através do sulco central entre o homúnculo motor e somatossensorial é importante para
o aprendizado e execução de movimentos motores finos, como indicado pelos estudos
de ablação e estimulação no macaco, bem como estudos de tractografia em humanos
saudáveis e pacientes autistas com dispraxia (Thompson et al. 2017). Além de
alcançar, agarrar e falar, o homúnculo atende a tarefas menos eletrizantes, como

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mastigação e vômito. Nestas tarefas o homúnculo motor é auxiliado pelas conexões
fronto-insulares que transmitem.

Conclusão:

As considerações acima colocam nova ênfase na necessidade de estudar a anatomia


conectiva do córtex pericentral. Uma reavaliação moderna do homúnculo deveria,
portanto, considerá-lo como o gargalo computacional dentro de uma extensa rede de
conexões cortico-corticais e córtico-subcorticais dedicadas a transformar a cognição
em ação. Como tal, o homúnculo contém a chave para a codificação precisa que resulta
na ativação coordenada dos músculos periféricos. Mas o uso coloquial do termo tem o
risco de erroneamente conceder ao homúnculo uma existência no campo da
neurociência: esse homenzinho, como muitas outras figuras que podem ingenuamente
povoar nossa imaginação coletiva, é apenas uma metáfora para os complexos
mecanismos neurológicos. que nos esforçamos para compreender em sua totalidade.
Ganhou popularidade extremamente brilhante, e, por essa razão, provavelmente nunca
perderá seu lugar nos livros didáticos (Schott, 1993). Por isso, devemos agradecimento
a Penfield e Boldrey por sua cooperação.

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