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Os vetos kantianos e a resposta dos fisiologistas

Introdução

Apesar do desenvolvimento do conhecimento que originaria a Psicologia Científica, ainda no século XVIII, com os novos parâmetros para
o conhecimento ocidental preconizados por Imannuel Kant, a Psicologia da época foi taxada de não científica, logo, mera metafísica.

Os vetos kantianos

Kant dividiu o que poderia ser considerado ciência e o que era metafísica, e acabou incluindo a Psicologia, mesmo a empírica, como
metafísica, indicando que “a psicologia empírica para se provar como ciência propriamente dita deveria” (FERREIRA, 2011, p. 85):
1. descobrir o seu elemento de modo similar à química, para com isto efetuar análises e sínteses;
2) facultar a esse elemento um estudo objetivo, em que o sujeito e objeto não se misturem como na introspecção;
3. produzir uma matematização mais avançada que a geometria da linha reta, apta a dar conta das sucessões temporais da nossa consciência
(o sentido interno). (FERREIRA, 2011, p. 85)

Resposta aos vetos kantianos

Os responsáveis pelas respostas aos vetos kantianos foram dois fisiologistas (Johannes Muller e Hermann von Helmhotz) e um físico
(Gustav Fechner).

Antes de apresentar as respostas aos vetos kantianos, conheceremos melhor o papel da fisiologia nessa resposta.

A questão das diferenças individuais

Empregado: David Kinnebrook

Local de trabalho: Observatório Real em Greenwich, Inglaterra

Chefe: o Astrônomo Reverendo Nevil Maskelyne

Ano: 1794/1795

Trabalho: observação do céu entre 7 da manhã e 10 da noite, sete dias da semana, seguido de anotações acerca da movimentação celeste,
como a passagem de uma estrela de um ponto a outro.

Ficou no emprego por: 1 ano, 8 meses e 22 dias.

Causa da demissão: teria registrado erroneamente a observação do movimento das estrelas e dos planetas de 5 a 8 décimos de segundos,
em comparação as observações registradas pelo seu chefe.

PERGUNTA: A demissão deveria ser considerada por justa causa?

Segundo o astrônomo alemão Friedrich Wilhelm Bessel, a demissão foi injusta.

Estudando os erros de medição, Bessel descobriu que os erros atribuídos a Kinnebrook se deviam “às diferenças individuais - distinções
pessoais sobre as quais as próprias pessoas não têm controle”. (SCHULTZ e SCHULTZ, 2012, p. 56)

Ele chamou de “equação pessoal” o fenômeno envolvendo a diferença de observação que detectou entre diversos astrônomos, e chegou as
seguintes conclusões:

(1) os astrônomos devem levar em consideração a natureza humana do observador, já que as características e as percepções pessoais
necessariamente influenciam as observações;

(2) se a astronomia deve levar em conta o papel do observador humano, certamente, ele é importante também nas outras ciências que
dependem dos métodos de observação (SCHULTZ e SCHULTZ, 2012, p. 56).

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Logo, o observador humano é responsável pelo resultado das experiências.

A pesquisa fisiológica

Os órgãos dos sentidos precisaram ser estudados diante das constatações de Bessel, e a Fisiologia cooperou para o estudo dos mecanismos
fisiológicos, investigando os processos psicológicos da sensação e da percepção.

Tornou-se uma disciplina voltada para o experimento durante a década de 1830.

A pesquisa fisiológica: Johannes Muller

Johannes Muller (1801-1858), fisiologista, defensor do método experimental

Obra fundamental: Handbook of the phisiology of mankind

Teoria: a energia específica dos nervos

“Muller afirmava que a estimulação de determinado nervo sempre provocava uma sensação característica, porque cada nervo sensorial
possuía energia específica”. (SCHULTZ e SCHULTZ, 2012, p. 57)

Essa teoria estimulou a pesquisa sobre a localização das funções sensoriais no sistema nervoso.

A pesquisa fisiológica: Marshall Hall

Marshall Hall (1790-1857), médico escocês, pioneiro na investigação do comportamento por reflexo

A estimulação nervosa dos corpos de animais decapitados fazia com que estes continuassem se movendo por algum tempo e conclui que:

“[...] os diversos níveis de comportamento têm origem nas diferentes partes do cérebro e do sistema nervoso. [...] o movimento voluntário
dependia do cérebro; o movimento de reflexo, da medula espinhal, o movimento involuntário, da estimulação direta dos músculos, e o
movimento respiratório, da medula” ”. (SCHULTZ e SCHULTZ, 2012, p. 57-58)

A pesquisa fisiológica: Pierre Flourens

Pierre Flourens (1794-1867), professor de história natural da College de France

Pesquisa: “destruição sistemática de partes do cérebro e da medula espinhal de pombos, bem como a observação das consequências”.
(SCHULTZ e SCHULTZ, 2012, p. 58)

Método: extirpação (destruição ou remoção de tecido do cérebro de animais para determinar mudanças de comportamento em relação a
área danificada)

Resultados: “Flourens concluiu que o cérebro controlava os processos mentais mais elevados; parte do cérebro médio controlavam os
reflexos visuais e auditivos; o cerebelo, a coordenação, e a medula, o batimento cardíaco, a respiração e outras funções vitais”. (SCHULTZ
e SCHULTZ, 2012, p. 58)

A pesquisa fisiológica: Paul Broca

Paul Broca (1824-1880), cirurgião em hospital de doentes mentais próximo de Paris, criador do método clínico em 1861

Pesquisa: autópsia de um homem que tinha fala incompreensível por muitos anos

Método clínico: exame de post morten das partes do cérebro para detecção de áreas lesionadas que seriam responsáveis pelo comportamento
do indivíduo

Resultado: Encontrou lesão na terceira convolução frontal do hemisfério esquerdo do córtex cerebral

Broca identificou essa seção do cérebro como centro da fala, sendo posteriormente chamada de “área de Broca”

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A pesquisa fisiológica: Gustav Fritsch e Eduard Hitzig

Gustav Fritsch (1838-1927) e Eduard Hitzig (1838-1907), utilizaram a técnica de estímulos elétricos pela primeira vez em 1870

Técnica de estímulos elétricos: “[...] aplicação de fracas correntes elétricas para a exploração do córtex cerebral”. (SCHULTZ e SCHULTZ,
2012, p. 58)

Descoberta: “a estimulação de certas áreas corticais de coelhos e cães provoca reações motoras, como o movimento das patas”. (SCHULTZ
e SCHULTZ, 2012, p. 58)

A pesquisa fisiológica: Franz Josef Gall

Franz Josef Gall (1758-1828), médico alemão, criador da Frenologia (o estudo da estrutura/formato do crânio para conhecer características
individuais e emocionais), e com ela, mapeou a localização de 35 atributos humanos (capacidades afetivas e intelectuais).

A pesquisa fisiológica: Luigi Galvani

Luigi Galvani (1737-1798)

Para ele, os impulsos nervosos seriam elétricos.

Giovanni Aldini, sobrinho de Galvani, “animou” cabeças de cadáveres com estímulos elétricos.

A pesquisa fisiológica: Santiago Ramon Y Cajal

Santiago Ramon Y Cajal (1852 – 1934), medico espanhol.

Descobriu a direção seguida pelos impulsos nervosos no cérebro e na medula cerebral

A divulgação de suas ideias foi dificultada em face da língua espanhola não fazer parte do rol de línguas cientificas na época.

Teve suas ideias plagiadas e difundidas em revistas inglesas, francesas e alemãs.

REFERÊNCIAS

SCHULTZ, D. P.; SCHULTZ, S. E. História da Psicologia Moderna. 2 ed. 4 reimp. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

HERRNSTEIN. R. J.; BORING, E. G. (Orgs.). Textos básicos de história da Psicologia. São Paulo: Herder, 1971.

FERREIRA, A. A. L. A psicologia no recurso dos vetos kantianos. In: JACÓ-VILELA, A. M.; FERREIRA, A. A. L.; PORTUGAL, F. T.
(Orgs.). História da Psicologia: rumos e percursos. 2 ed. Rio de Janeiro: Nau, 2011. (Coleção Ensino de Psicologia).

WERTHEIMER, M. Pequena história da psicologia. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972.
Os vetos kantianos e a resposta dos fisiologistas – parte 2 (Helmholtz, Weber e Fechner)

Introdução

A Alemanha é considerada o berço da Psicologia Científica e, seus grandes nomes foram Hermann von Helmholtz, Ernst Weber, Gustav
Theodor Fechner e Wilhelm Wundt.

Apesar do desenvolvimento da Psicologia acontecer em alguns países da Europa, o zeitgeist favorecia a Alemanha.

A Alemanha no século XIX e a Psicologia Científica

Os principais polos de desenvolvimento científico na Europa: França, Inglaterra e Alemanha.

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A Alemanha se destacou dos demais países tendo em vista os seguintes aspectos:

A fisiologia experimental se encontrava em estágio avançado em comparação com outros países;

O “temperamento alemão” se adaptava bem para o trabalho de precisão na descrição e classificação exigidos em biologia, zoologia e
fisiologia;

Os alemães enfatizavam a coleta minuciosa e completa de fatos observáveis e adotavam a abordagem indutiva* (*utilização dos resultados
de uma amostra para fazer afirmações sobre uma população);

A biologia foi acolhida lá como parte da família das ciências;

A ideia de ciência na Alemanha favoreceu o reconhecimento de áreas como a fonética, linguística, história, arqueologia, estética, lógica e
até crítica literária como científicas;

A mente humana foi encarada como objeto de pesquisa científica.

As universidades alemãs no século XIX tinha características únicas que cooperaram para a assunção da Psicologia Científica, como:

Liberdade acadêmica: os professores escolhiam o que queriam ensinar e pesquisar e os alunos escolhiam o que queriam aprender e
pesquisar;

Investimento em pesquisa e na criação de laboratórios para o ensino;

O modelo descentralizado de Estado Alemão favorecia o florescimento de universidades em cada umas das “cidades-estados” e províncias
que o formavam;

A universidade recebia recursos, os professores eram bem remunerados, adquiriam equipamentos de ponta nos laboratórios e recebiam
auxílio financeiro para pesquisa;

A Alemanha foi tão influente para as Ciências nesse período, que influenciou o desenvolvimento científico nos Estados Unidos;

Para alcançar o topo na carreira científica na Alemanha, era necessário que seu trabalho fosse reconhecido pelos seus pares e que sua
produção científica fosse numerosa e de qualidade.

O zeitgeist cooperou para que a Psicologia fosse gestada com um “sotaque alemão”.

Hermann von Helmholtz

Hermann von Helmholtz (1821-1894), mecanicista e determinista, a Psicologia não era seu foco, ficou famoso no meio científico antes dos
30 anos de idade.

Mecanicismo revelado na comparação que fazia entre a transmissão dos impulsos nervosos e a operação do telégrafo.

Pesquisas de interesse para a Psicologia versaram sobre a:

Velocidade do impulso neural

Visão

Audição

Velocidade do impulso neural: acreditava-se que era quase instantâneo, até que Helmholtz fez a primeira medição empírica da velocidade
de condução.

Procedimento: Estimulação de nervo motor e musculo anexo da perna de um sapo.

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Registros: (1) o momento exato do estímulo e (2) o movimento resultante.

Resultado da medição: a velocidade do impulso neural foi de aproximadamente 27 metros por segundo.

Em seres humanos, a medição demonstrou enormes diferenças individuais, e até diferenças entre experimentos com a mesma pessoa,
fazendo com que Helmholtz abandonasse a pesquisa.

Considerado um dos primeiros passos para a medição e experimentação de um processo psicofisiológico.

Sobre a visão, pesquisou os músculos externos do olho e o mecanismo por meio do qual os músculos internos focalizam o cristalino.

Quanto a audição, pesquisou a percepção dos tons, da natureza da harmonia e da desarmonia e o problema da ressonância.

Destacou a importância da pesquisa aplicada.

A pesquisa deve servir para além de acumular informação, mas para ser aplicada para problemas práticos.

Ernst Weber

Ernst Weber (1795-1878), doutorou-se em Leipzig em 1815 e lecionou anatomia e fisiologia lá até se aposentar em 1871.

Era interessado na pesquisa sobre os órgãos dos sentidos, explorando sensações cutâneas e musculares.

Determinou experimentalmente com exatidão a distinção entre dois pontos da pele, isto é, o intervalo entre dois pontos até que o indivíduo
reconhecesse duas sensações distintas (limiar de dois pontos).

Foi a primeira demonstração sistemática experimental do conceito de limiar (o ponto em que começa a produzir o efeito psicológico).

Cunhou a primeira lei quantitativa da Psicologia: a “diferença mínima perceptível”, a menor diferença detectável entre dois estímulos
físicos.

Metodologia: experimental

Procedimentos: Pedir para os participantes da pesquisa levantarem dois pesos, um padrão, e um comparação, e relatarem se algum deles
pensava ser um mais pesado do que o outro.

Resultado: a diferença minima perceptível entre dois pesos consistia numa proporção constante, 1:40, do peso padrão.

Exemplo: um peso de 41 gramas tem uma diferença mínima perceptível do peso padrão de 40 gramas.

Quando elas levantavam o peso, a diferença mínima perceptível entre dois pesos consistia numa proporção constante, 1:30, do peso padrão.

Ele chegou a conclusão que o levantamento do peso envolve a sensação tátil e muscular, não apenas tátil como na experiência anterior.

Gustav Theodor Fechner

Gustav Theodor Fechner (1801-1887), foi fisiologista, físico, psicofísico e filósofo. Afamado pelos trabalhos em psicofísica. Foi aluno de
Weber.

Tinha uma visão panpsíquica do homem e do mundo: a mente se difunde por todo o mundo da natureza.

Utilizava o pseudônimo de Dr. Mises para criticar com sarcarsmo: o materialismo, utilizando a fisiologia racional, descrevendo uma anato-
mia comparada dos anjos; ou indicando que a lua era feita de queijo fresco. Escreveu “A vida mental das plantas” e “Sobre assuntos do Céu
e do Além”.

Em 22 de outubro de 1850, se espantou com o insight sobre a ligação entre a mente e o corpo: estava na relação quantitativa entre a sensação
mental e o estímulo material.

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O aumento na intensidade do estímulo não produzia incremento com a mesma proporção na intensidade da sensação.

Exemplo: um sino a mais bater junto com outro sino aumenta a sensação, mas um sino a mais junto com outros 10 sinos, não há tanto
aumento da sensação.

Isto significa que, a dimensão da sensação (a qualidade mental) depende da quantidade de estímulos (a qualidade física), logo, para medir
a mudança na sensação, e necessário medir a alteração no estímulo: uma relação quantitativa entre corpo e mente é constituída, possibili-
tando as experiências com a mente.

Idealiza o ‘limiar absoluto’ e o ‘limiar diferencial’: o primeiro seria o ponto de sensibilidade abaixo do qual as sensações não são detectadas
e acima do qual elas são pecebidas; e o segundo seria o ponto de sensibilidade em que a menor alteração em um estímulo provoca mudança
na sensação.

Sua fórmula é S= k log R, isto é,

A sensação mental é função logarítmica do estímulo; na medida que ele aumenta linearmente, a sensação aumenta como o logaritmo do
estímulo. Exemplo: a intesidade física dos decibéis.

Foi criador dos métodos psicofísicos; a psicofísica é o estudo científico das relações entre os processos mental e físico.

Os métodos criados foram o do ‘erro médio’, o do ‘estímulo constante’ e o dos ‘limites’.

Superando os vetos kantianos

Os vetos kantianos à Psicologia como ciência foram respondidos, como veremos a seguir:

Primeiro veto - descobrir o seu elemento de modo similar à química, para com isto efetuar análises e sínteses: Johannes Muller apresentou
como elemento a sensação.

Segundo veto - facultar a esse elemento um estudo objetivo, em que o sujeito e objeto não se misturem como na introspecção: Helmholtz
introduz o método introspectivo diferente da introspecção dos filósofos-psicólogos do século XVIII.

Terceiro veto - produzir uma matematização mais avançada que a geometria da linha reta, apta a dar conta das sucessões temporais da nossa
consciência (o sentido interno): Fechner com a psicofísica e a sua fórmula responderam ao terceiro e último veto kantiano à Psicologia
como ciência

Teoria da evolução, psicologia animal e eugenia

Darwin e o evolucionismo

1838: O que uma orangotango chamada Jenny, que era apresentada de vestido e tomava chá na xícara no zoológico de Londres, tem a ver
com a teoria da evolução de Darwin?

Jenny teve um profundo efeito em Darwin, que visitou algumas vezes o zoológico de Londres para vê-la se comportar como uma criança
de 2 anos, e fazia anotações sobre as observações que fazia. Numa delas, estava o gérmen da sua teoria da evolução:

"Deixe o homem ver o orangotango domesticado e sua inteligência...e depois deixe que se vanglorie de sua superioridade orgulhosa [...]O
homem, na sua arrogância, pensa que é o resultado de um grande trabalho, digno da intervenção de uma divindade. Mais humilde e, creio
verdadeiro, seria considerá-lo descendente dos animais.".

A obra de Charles Darwin (1809-1882) marcou de maneira incontornável a concepção do vivo no século XIX e os cinquenta anos que
sucederam a publicação de Origem das espécies (1859) podem ser chamados de era darwiniana não só na psicologia, mas na biologia e nas
ciências sociais (Jacquard, 1986).
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Ao final de sua obra marco, Darwin “visualiza novos campos que se estendem para pesquisas ainda mais importantes” e continua sua
previsão escrevendo que a “psicologia irá basear-se num fundamento novo, o da necessária aquisição gradual de cada faculdade mental”.
(Darwin, 1859: 351).

À psicologia caberia a importante tarefa de mostrar a aquisição gradativa de cada faculdade mental e assim chegar a estender as propostas
transformacionistas ao homem, algo repleto de consequências não apenas para a universidade inglesa, ainda muito clerical, mas também
para os grupos governantes ainda muito antiliberais.

Embora o conceito de evolução tenha se identificado com a evolução orgânica, ele não se restringe à biologia e pode ser remetido a campos
diversos das ciências naturais e das ciências humanas e sociais (por exemplo, cosmologia evolutiva, termodinâmica evolutiva, algumas
teorias da linguagem, as ciências sociais, a geologia).

Podemos dizer que Darwin forneceu, com seu livro inaugural, uma credibilidade, segundo os cânones da ciência de então, à noção de
evolução (Jacquard,1986) lembra, entretanto, que o termo só apareceu na sexta edição da obra Origem das espécies).

Uma importante modificação nos procedimentos classificatórios praticados pelos pesquisadores do mundo natural no final do século XVIII
e início do século XIX consistiu no abandono da descrição do que era observado diretamente na superfície das coisas e na eleição de
princípios ordenadores invisíveis que pudessem fornecer sentido à classificação dos seres.

Darwin, questionando a classificação, indicou que as aproximações e as diferenças que emergem da pura comparação entre os seres vivos
geravam uma infinidade de categorias, tornando a classificação pouco operacional. Essas categorias poderiam ser drasticamente reduzidas
se fosse eleito um princípio norteador que fornecesse uma inteligibilidade manuseável.

Enquanto biólogos mais ligados à Igreja – os teólogos naturalistas – se esforçavam em agrupar os seres vivos em círculos simbólicos que
revelariam a escrita de Deus própria ao CRIACIONISMO, Darwin, na esteira transformacionista, elege a genealogia como critério que
fornece sentido às aproximações e diferenciações que permitem agrupar os tipos animais e vegetais.

Ele entende que as enormes diferenças existentes entre os seres vivos remontariam a um longo passado repleto de pequenas bifurcações.

Se todos os seres existentes e que existiram pudessem ser coletados, então seria possível estabelecer suas séries, relacionando-os em um
grande e indivisível grupo.

Ainda que esse princípio tenha sido altamente difundido a partir de então na biologia, não devemos esquecer sua artificialidade. As “ordens,
famílias e gêneros são termos meramente artificiais extremamente úteis para mostrar o parentesco daqueles membros da série que não se
tornaram extintos” (Darwin, 1859).

Darwin ainda comenta que os naturalistas sabem que seus critérios são artificiais, mas têm a estranha tendência a esquecer essa característica
e conceber suas propostas como o simples reflexo do mundo natural.

A psicologia entra em cena nos trabalhos de Darwin a partir de sua tentativa de saber como o homem descende de alguma forma preexistente.

Se no livro Origem das espécies (1859) não houve menção à genealogia humana, com o sucesso de suas propostas, a pergunta encontra seu
encaminhamento vinte e poucos anos depois em A ascendência do homem (1871) e em A expressão das emoções em homens e animais
(1872).

As conexões do homem com alguma forma preexistente foram procuradas nas variações da estrutura corporal e nas faculdades mentais. A
assimetria dos critérios que garantem a conexão genealógica entre os seres vivos quando referidos às estruturas corporais e às faculdades
mentais marca uma diferenciação presente entre biologia e psicologia.

Darwin tem muito mais dificuldade em estabelecer critérios de ordenação das faculdades mentais e seus elos com formas anteriores, em
franco contraste com os critérios utilizados para as estruturas corporais.
Ainda que Darwin não tenha desenvolvido uma teoria sofisticada da relação mente-corpo, ele concebe as faculdades mentais como produtos
do funcionamento cerebral.

Seu argumento era bastante simples: assim como não se sabe por que a gravitação é um efeito da matéria e ninguém fica perplexo por isso,
também não sabemos por que a mente é um efeito do cérebro.

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Com essa definição naturalista, as faculdades mentais, tanto quanto os atributos estruturais dos organismos, poderiam ser utilizadas para
classificá-los, legitimando a comparação entre homens e animais no campo da psicologia.

Entretanto, a tentativa de classificar um tipo animal por seus hábitos ou instintos havia se mostrado muito insatisfatória.

Devemos lembrar sempre que as tentativas de classificação centradas em apenas um critério eram concebidas pelo naturalista como
inadequadas e insuficientes, mas de uma forma geral o comportamento e as faculdades mentais não serviram ou não tiveram o mesmo
respaldo que os critérios atinentes às estruturas corporais para o sistema classificatório.

Se fica claro que a base de sustentação da teoria biológica diferenciou-se da psicológica, por outro lado estaríamos equivocados ao afirmar
que não houve interação entre elas, ou mesmo que a primeira tenha sido imposta à segunda.

As faculdades mentais e o comportamento não são determinados passivamente pela evolução, tendo sido concebidos pelos
TRANSFORMACIONISTAS como desempenhando um papel relevante na trajetória dos seres vivos.

Um problema considerado psicológico como o do instinto ocupou um lugar destacado no estabelecimento da teoria da seleção natural,
envolvendo-a numa longa reflexão sobre a moral e as faculdades mentais.

Como dito anteriormente, foi principalmente nas obras A ascendência do homem (1871) e A expressão das emoções em homens e animais
(1872) que Darwin buscou explicitar o parentesco comum entre homens e animais através das expressões e das faculdades mentais.

Ao longo desses livros foram desfiados extensos comentários sobre as semelhanças psicológicas entre homens e animais calcados em
“fatos” colhidos por mais de quarenta anos através de observações, de questionários e de experimentações.

A liberdade com que foram aplicados atributos mentais aos animais a partir das observações de viajantes e missionários salienta uma opção
pela continuidade mental entre eles, já que esses “fatos” eram tremendamente antropomórficos e ANTROPOCÊNTRICOS.

Muito mais do que uma fonte intelectual e documental para a construção de uma psicologia comparada ou uma etologia, a psicologia de
Darwin se apresenta como uma crítica aos argumentos que isolam qualitativamente homens e animais.
O esforço de Darwin se justificava pela barreira imposta à teoria da seleção natural diante da descontinuidade das capacidades mentais do
homem e dos animais.

A genealogia simiesca do homem, apesar de gerar INTENSAS DISCUSSÕES, foi aceita por um público amplo.

No plano das argumentações acadêmicas, muito havia ainda a ser feito para garantir a continuidade homem-animal no plano mental.

Os esforços de George John Romanes (1848-1894) e Conwy Lloyd Morgan (1852-1936) foram os mais relevantes em continuidade com
os do mais conhecido naturalista inglês.

Psicologia animal

Encarregado por Darwin de realizar a extensão das teses evolucionistas à mente e ao comportamento, Romanes realizou um estudo de
psicologia comparada centrado na experiência humana consciente.

Para ele, a força de uma teoria estava na possibilidade de fornecer inteligibilidade a campos novos que não tinham sido seu foco inicial e
este era o caso da teoria da seleção na explicação de temas psicológicos como o instinto, a razão e o senso moral.

Seu projeto consistiu principalmente na elaboração de princípios explicativos da gênese da mente, mas ele também realizou estudos sobre
o intelecto, a emoção, a vontade, a moral e a religião. Há um claro esforço em atestar a continuidade homem-animal, o que o levou a uma
seleção bastante tendenciosa do material a ser analisado.

Explicando: como seu material continuava provindo, em grande parte, de viajantes e missionários nas colônias européias, Romanes o
selecionava conforme a fama do autor do relato. Se o autor não fosse reconhecido, fazia a verificação da qualidade da observação através
da confrontação das informações.

Como a maioria dos relatos utilizados era proveniente de eminentes ingleses trabalhando nas longínquas terras daquele então vasto império
colonial, não questionava seus dados nem sua interpretação, já que, segundo seus critérios, estes eram válidos e confiáveis.

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Dessa forma, o antropomorfismo das observações ganhava uma teorização academicamente legitimadora na obra de Romanes.

Contudo, também contou com observação mais controlada e chegou mesmo a “cuidar” de um MACACO CEBUS* como parte de suas
pesquisas.

A prática de criar macacos e primatas se tornou mais tarde difundida principalmente nos EUA, nos estudos de psicologia comparada, e,
nesta linha, Romanes foi um inovador (ainda que o MACACO CEBUS tenha ficado sob os cuidados de sua irmã em uma residência londrina
no século XIX e não tenha sido diretamente observado por ele).
A mente, em sua concepção, é imediatamente dada a nós, não podemos duvidar de que temos conhecimento de um certo fluxo de
pensamentos e sentimentos. Com esta perspectiva SOLIPSISTA*, a observação de outras mentes torna-se possível por inferência, a partir
das atividades dos orga-nismos que parecem exibi-las. Solipsismo e antropomorfismo regem a reflexão.

SOLIPSISMO indica a valorização extrema do sujeito pensante que, por sua própria consciência, constitui-se como realidade única, todo
o restante não passando de representações.

Primeiro passo: os humanos têm acesso introspectiva e diretamente às suas mentes (é por analogia que podemos afirmar que todos
partilhamos esta característica).

Segundo passo: como só podemos inferir as mentes em animais a partir das atividades dos organismos, devemos compará-las às dos homens
para, na medida de sua semelhança, vislumbrá-las.

Romanes justifica seu procedimento utilizando um argumento teológico. Assim como os teólogos mostraram que a mente divina só pode
ser concebida por analogia com a nossa, ainda que imperfeita, também em relação à mente animal devemos impor tal entendimento e aplicar
o “antropomorfismo invertido” (invertido em comparação ao alvo teológico que, na primeira comparação, se dirige a Deus).

A consciência e a escolha são os traços distintivos que indicam a existência da mente entre os animais.

Como os comportamentos humanos que não se restringem ao conjunto de hábitos herdados podem ser explicados pela consciência e pela
escolha, também as atividades dos animais que escapam ao hábito podem indicar decisão e consciência.

Mas a mente só pode ser inferida a partir de atividades que se sobrepõem às determinações inatas. Atividade consciente e aprendizagem se
aproximam e a distinção inato-aprendido passa ao primeiro plano.

Seu colega Lloyd Morgan introduziu o “princípio da simplicidade” na atividade comparativa.

Este princípio diz que não se deve interpretar uma ação de um animal através de uma faculdade psíquica superior se ela puder ser explicada
por uma outra mais simples.

Tal princípio atuará no estabelecimento das diferenças entre as funções psíquicas de homens e animais, introduzindo uma continuidade
imprevista ao legitimar a busca e a generalização de explicações “objetivas” das características mentais dos animais.

É conhecido como cânon de Lloyd Morgan, organizando as pesquisas comparadas a partir da teoria da evolução.

A aproximação entre homens e animais levada a cabo por Darwin foi o solo de onde emergiu a psicologia comparada.

A psicologia que compara homens e animais se tornou possível transformando o difundido paralelismo homem-animal, com sua
intransponível barreira, numa genealogia de muitas e pequenas diferenças.

Assim, noções como luta pela vida, adaptação por seleção natural forneceram instrumentos para a comparação na psicologia, mas sua
aplicação teve que esperar até os trabalhos de Lloyd-Morgan.

Galton e a eugenia

Na vertente do melhoramento biológico, social e psíquico que se elaborou teoricamente na Inglaterra se destacou Sir FRANCIS GALTON
(1822-1911).

As contribuições de Galton para a psicologia podem ser divididas em dois campos: a eugenia e a psicologia diferencial.

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Eugenia: Termo cunhado por Galton a partir do grego, eugenia significa “bem-nascido” e consistia no estudo e no uso da reprodução seletiva
com o objetivo de melhorar as espécies, principalmente dos atributos hereditários, ao longo das gerações.

A definição de eugenia foi refinada por Galton ao distinguir a eugenia positiva, que incentivava a reprodução do “mais apto”, da eugenia
negativa, que buscava evitar ou dificultar a proliferação do “menos apto”.

Assim, e nos termos marcadamente conservadores da Inglaterra vitoriana, Galton afirmou “da maneira mais desqualificada” sua
impaciência e objeção em relação à tese da igualdade natural entre os homens (Galton, 1869: 44).

O esforço de Galton foi o de mostrar que as habilidades mentais – o que ele chamava gênio – eram traços hereditários tanto quanto os
padrões físicos e estavam, conseqüentemente, submetidas aos mesmos dispositivos de transmissão.

O lorde inglês utilizou para demonstrar tal propósito dois instrumentos de legitimação, um artifício matemático (a teoria das probabilidades)
e as palavras de Darwin (a SELEÇÃO ARTIFICIAL*).

* A seleção artificial indica o processo de modificação das espécies por meio do influxo humano, intencional ou não intencional.

O problema principal para Galton foi como ter acesso às habilidades mentais e como mostrar que eram traços hereditários.

Para tanto, ele fez uma passagem cheia de consequências ao correlacionar as habilidades mentais superiores à reputação profissional
alcançada pelos indivíduos.
O pressuposto era o de que a reputação só pode ser alcançada através das altas HABILIDADES MENTAIS. Em seguida era preciso mostrar
como os indivíduos de alta reputação mantinham um padrão hereditário.

Em outras palavras, tratava-se de naturalizar as diferenças sociais.

Além disto, observe-se que o termo “correlacionar” aqui é importante porque os instrumentos matemáticos permitem “limpar” as escolhas
morais de Galton uma vez que a sofisticação introduzida pelas matemáticas obstruem frequentemente a percepção dos interesses e
consequências político-sociais envolvidos nessas análises.

O primeiro passo foi dado sem maiores dificuldades – “Estou convencido…” –, o segundo foi dado ao indicar a similaridade entre a forma
de distribuição das habilidades mentais e dos traços físicos herdados (ambos eram distribuídos segundo a curva normal).

Embora tal similaridade não permitisse indicar a hereditariedade das habilidades mentais, o que importa notar é que o instrumental
matemático ajudou a sustentar uma fraude científica muito mais por suas consequências sociais que por qualquer má-fé de seu criador e de
seus divulgadores.

O argumento era circular; sem ter como medir a hereditariedade das habilidades mentais, Galton mediu as frequências com que a eminência
ou reputação aparecia em famílias de grande notabilidade segundo o grau de parentesco.

Comparando-as com as frequências de eminência esperada da população mais ampla, descobriu que as relações de homens eminentes
exibiam uma frequência muito maior de eminência que a esperada na base e que ela declinava conforme o grau de parentesco dessas
relações.

Então, e aí está a circularidade do argumento, Galton concluiu que esse padrão só poderia resultar da herança das habilidades mentais.

Independentemente das falhas do procedimento de Galton, estaríamos enganados ao diminuir as consequências das propostas eugênicas.

Elas tiveram uma ampla aplicação ao longo do século XX e estão presentes em nossos dias.

A eugenia na História

O programa eugênico da Alemanha nazista, em nome da pureza da raça ariana, promoveu esterilização forçada de centenas de milhares
considerados mentalmente desadaptados e os programas de eutanásia compulsória, desembocaram no assassinato de milhões de
“indesejáveis”, incluindo judeus, ciganos e homossexuais, durante o Holocausto perpetrado na 2a Guerra.

O segundo maior movimento eugênico ocorreu nos EUA que, desde o final do século XIX, implantou leis sob a égide da eugenia proibindo
o casamento dos epilépticos, imbecis e débeis mentais.

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As teses eugenistas também estiveram presentes em 1924 nas decisões do Congresso americano de dificultar a imigração, ao serem
aconselhados sobre os riscos de espalhar entre os americanos um “estoque inferior” proveniente da Europa Oriental e do sul.

Também sob inspiração eugênica, foram adotadas, ainda nos EUA, leis contra o incesto e de antimiscigenação, bem como levados a cabo
programas de esterilização que atingiram milhares de americanos considerados desadaptados.

Um relatório favorável desse programa de esterilização foi apontado pelo governo nazista como evidência de que a esterilização era
praticável e humana e, durante o Tribunal de Nuremberg dos Crimes de Guerra, os administradores nazistas de programas de esterilização
em massa apontaram os programas americanos como sua inspiração.

Contudo, observe-se que, com exceção do Reino Unido, quase todos os países não católicos da Europa Ocidental implantaram ao longo do
século XX uma legislação eugênica.

Após a Segunda Grande Guerra, os programas perdem força, mas muitos eugenistas nos EUA criam o termo criptoeugenia com a intenção
de manter as propostas eugênicas disfarçadas.

Assim, diversas argumentações sobre raça, imigração, pobreza, criminalidade e saúde mental são categorizadas como criptoeugênicas, ou
seja, publicações e práticas eugênicas ganham novos nomes.

Atualmente, um dos programas de inspiração eugênica de maior alcance está ligado ao projeto genoma de mapeamento do código genético.

Wundt e outros alemães na Nova Psicologia

Introdução

Na História da Psicologia acontecem algumas revisões acerca da história, e, em relação a Wundt, podemos considerar três momentos dessa
história.

Wundt e a História da Psicologia

A história tradicional (até o final da década de 1970)

A primeira grande revisão (década de 1980)

A segunda grande revisão (primeira década do século XXI e em andamento)

A segunda grande revisão está sendo empreendida pelo Professor Saulo de Freitas Araújo, Brasileiro, professor da UFJF, que fez sua tese
de doutorado sobre Wundt, seu tempo e sua obra, ficando entre 2005 e 2006 fazendo doutorado-sanduíche em Leipzig, estudando o “Espólio
Wundt”.

Sua tese foi defendida em 2007 pela Universidade Estadual de Campinas, dando origem a obra “O projeto de uma psicologia científica em
Wilhelm Wundt: uma nova interpretação”, editada em 2010, pela Editora da UFJF.

O Professor Saulo de Freitas Araújo foi o ganhador do prêmio ‘EARLY CAREER AWARD’ de 2013, da Associação Americana de Psico-
logia (Divisão 26 – História da Psicologia).

Esse prêmio é dado para jovens pesquisadores que fizeram uma significativa contribuição para a história da Psicologia.

Wundt: seu tempo e sua obra

Wilhelm Wundt (1832-1920), alemão, considerado o Pai da Psicologia Moderna, criador do primeiro laboratório de Psicologia em Leipzig
em, 1879, criador de um dos primeiros periódicos científicos de Psicologia, a ‘Estudos Filosóficos’ em 1883, que passou a ser chamada de
‘Estudos psicológicos’ a partir de 1906.

Wundt e suas psicologias

Desenvolveu duas Psicologias distintas:

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Uma psicologia individual/experimental – que tem como método a introspecção e objetiva o estudo da experiência imediata – nesta
investiga-se o próprio sujeito da experiência (mundo interno) em sua relação com os conteúdos da experiência.

Uma Psicologia dos povos (Volkerpsychologie), fruto de pesquisas de relatos etnológicos, que renderam dez volumes escritos durante o
século o início do século XX (1900-1920), que visava a investigação dos processos mentais superiores - os produtos mentais surgidos ao
longo dos tempos, como a linguagem, religião, mitos, costumes etc.

Wundt e a psicologia experimental

Em 1861, Wundt estava refletindo sobre a “equação pessoal” do Astrônomo Alemão Friedrich Bessel, ideia criada a partir dos “erros” de
medição que causaram a demissão de David Kinnebook em 1796.

Para fazer suas próprias medições, criou um instrumento que chamou de “medidor de pensamento”.

Utilizou esse instrumento para criar um estímulo auditivo e um estímulo visual, visando verificar se exista simultaneidade ou não na
percepção dos estímulos. Ele foi o sujeito da pesquisa.

Conclusão: Era impossível perceber duas coisas ao mesmo tempo, e, o registro dos dois estímulos em sequência levou um oitavo de
segundo. Ele asseverou que: “a consciência retém um só pensamento, uma única percepção. Quando parece que temos diversas percepções
simultâneas, somos enganados pela sua rápida sucessão”.

Wundt fez uma medição da mente, tarefa que Fechner já havia realizado, mas Wundt utilizou esse experimento para fundar uma nova
ciência.

Na obra “Princípios da psicologia fisiológica” de 1873-4 (obra com 2 partes), escreveu no prefácio, que sua obra era uma “tentativa de
demarcar um novo domínio da ciência”.

Wundt como acadêmico

“Como observaram diversos historiadores, a história de seu período escolar e de seus trabalhos posteriores revelam não ter sido realmente
brilhante. Era, contudo, um trabalhador esforçado, e fez uso integral de sua capacidade, qualquer que tenha sido. Talvez sua carreira
demonstre o quanto pode realizar uma forte motivação e uma excelente memória, conjugada com um intelecto adequado, mas
provavelmente não excepcional”. (WERTHEIMER, 1975, p. 80)

Em Leipzig, teve como assistentes o jovem americano James Cattell (criador de testes psicológicos nos USA no início do século XX) e
Oswald Kulpe, criador da introspecção experimental sistêmica, sendo este último, considerado uma “mãe” no Laboratório de Leipzig, por
ajudar os alunos. Wundt ia ao Laboratório e ficava pouco tempo lá.

Wundt e a experiência imediata

A Psicologia: ciência da experiência consciente.

Objeto de estudo: a consciência – esta tinha um papel ativo na organização do próprio conteúdo.

Método: a introspecção (autoexame do estado mental, objetivando inspeção e relato de pensamentos).

Experiência imediata: a experiência de perceber algo.

Exemplo: descrever a sensação de desconforto provocada por uma dor de dente é uma experiência imediata. Falar que está com dor de
dente seria uma experiência mediata.

Regras da introspecção (ou percepção interna) para os pesquisadores:

1) Os observadores devem ser capazes de determinar quando o processo será introduzido.

2) Os observadores devem estar em estado de prontidão e alerta.

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3) Deve haver condições adequadas para se repetir várias vezes a observação.

4) Deve haver condições adequadas para se variar as situações experimentais em termos de manipulação controlada do estímulo (essência
do método experimental).

O treinamento para a introspecção era rigoroso, e Wundt exigia que seus observadores realizassem 10 mil observações introspectivas antes
que pudesse utilizar os dados de introspecção dos observadores para suas pesquisas.

Tipo de introspecção buscada por Wundt: “A descrição introspectiva que buscava estava relacionada principalmente aos julgamentos
conscientes sobre tamanho, a intensidade, a duração de vários estímulos físicos, ou seja, o tipo de análise quantitativa da pesquisa
psicofísica”. (SCHULTZ e SCHULTZ, 2012, p. 86)

Metas de Wundt após definidos o objeto de estudo e a metodologia:

1) Analisar os processos conscientes, utilizando elementos básicos;

2) Descobrir como esses elementos eram sintetizados e organizados;

3) determinar leis da conexão que regiam a organização dos elementos.

As formas elementares de experiência para Wundt eram as sensações (impulsos que chegam ao cérebro pelos sentidos, classificáveis pela
intensidade, duração e modalidade do sentido) e os sentimentos (complemento subjetivo da sensação).

Segundo Wundt, a organização dos elementos da experiência consciente “formando uma unidade é uma síntese criativa (também conhecida
como a lei das resultantes psíquicas) que cria novas propriedades mediante a mistura ou combinação dos elementos” (SCHULTZ e
SCHULTZ, 2012, p. 88). Ele chamou isso de apercepção.

Wundt e seu legado

A Psicologia experimental de Wundt inspirou diversos sistemas psicológicos que o sucederam e, muitos dos seus alunos se tornaram os
principais representantes desses sistemas e de outras perspectivas em Psicologia.

Sua Psicologia não é mais utilizada, contudo, foi importante para a Psicologia como ciência.

Ebbinghaus

Hermann Ebbinghaus (1850), psicólogo alemão, fez experiências sobre processos mentais superiores, o primeiro a pesquisar
experimentalmente a aprendizagem e a memória.

Baseado na obra de Fechner, resolveu aplicar o método experimental aos processos mentais superiores.

A “pesquisa com sílabas sem sentido” estudou a aprendizagem – “sílabas apresentadas em séries aleatórias para estudar os processos de
memória” (SCHULTZ e SCHULTZ, 2012, p. 94)

Experimento: Diferença na velocidade de memorização.

Método: Memorizar um poema (Don Juan de Lord Byron) de 80 sílabas e também uma sequência sem sentido com 80 sílabas.

Resultado: 9 repetições foram necessárias para memorizar o poema, e 80 repetições para a sequência sem sentido.

Conclusão: “A aprendizagem de material sem sentido e sem associações é aproximadamente nove vezes mais difícil que a de conteúdo
conhecido”. (SCHULTZ e SCHULTZ, 2012, p. 95)

Criou o primeiro teste bem sucedido para processos mentais superiores (um exercício de completar sentenças). A ideia desse teste é ainda
utilizada nos testes moderno de habilidades cognitivas.

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Brentano

Franz Brentano (1838 – 1917), psicólogo alemão de origem italiana, empirista, atacou as ideias de Wundt e teve como aluno Sigmund
Freud, que o considerava um gênio.

Considerava a observação e não a experimentação, o principal método da Psicologia.

Criou a “Psicologia do ato”, cujo objeto de estudo era a atividade mental (ou ato mental).

Esta se concentra mais nos atos mentais, como o ato de ver, do que nos conteúdos mentais, sobre o que é visto.

Exemplo de sua teoria: “ao olhar para uma flor vermelha, o conteúdo sensorial do objeto vermelho é diferente do ato de perceber ou sentir
a vermelhidão. Para Brentano, o ato de perceber a cor vermelha é um exemplo do verdadeiro objeto de estudo da Psicologia.” (SCHULTZ
e SCHULTZ, 2012, p. 98)

Na Psicologia do Ato, "a consciência é sinônimo dos actos psíquicos pelos quais o sujeito dá significado aos objetos do seu mundo
relacional“. (RAMÓN, 2006, p. 341)

Stumpf

Carl Stumpf (1848 – 1936), criador da Fenomenologia, deu contribuições para o estudo da acústica, maior rival de Wundt, ex-aluno de
Brentano, teve três alunos que fundariam a Psicologia da Gestalt (Kohler, seu sucessor em Berlin, Kofka e Wertheimer), e outro que propôs
a Filosofia da Fenomenologia, Edmund Husserl.

Para Stumpf, o fenômeno era o dado importante para a Psicologia, e o seu método introspectivo, a fenomenologia, indicava a necessidade
de examinar com imparcialidade a experiência, tal como ela ocorre, sem reduzi-la a elementos. Sua abordagem que se perpetuou na
Psicolgia da Gestalt.

Kulpe

Oswald Kulpe (1862 – 1915), foi assistente de Wunt em Leipzig, cooperava com os alunos no Laboratório de Wundt, foi seu seguidor até
conhecer as pesquisas de Ebbinghaus sobre memória, e passou a discordar de Wundt sobre a impossibilidade de estudo dos processos
mentais superiores. Foi professor em Wurzburg.

“Kulpe desenvolveu um método que chamou de introspecção experimental sistémica, que envolvia, primeiro, a execução de uma tarefa
complexa (como estabelecer conexões lógicas entre conceitos) e, em seguida, a coleta dos relatos individuais sobre os processos cognitivos
ocorridos durante a realização da tarefa.” (SCHULTZ e SCHULTZ, 2012, p. 100)

Pensamento sem imagens: “o significado pode ocorrer no pensamento sem qualquer componente sensorial ou imagético.” (SCHULTZ e
SCHULTZ, 2012, p. 102)

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