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Resenha: J. R. Searle “Intencionalidade”, 1983, “1.

A Natureza dos Estados Intencionais”


André Gusmão Schittini RA: 21016814
“I. A Intencionalidade como Direcionalidade”
A introdução do capítulo tem Searle formulando a definição de Intencionalidade: uma
propriedade acerca de alguns estados “e eventos” (como desejos) mentais perante objetos reais e
seus estados, citando “crenças, temores, esperanças e desejos” como Intencionais, mas certas
“formas de nervosismo, exaltação e ansiedade não-direcionada” não. De forma a melhor definir o
objeto de sua análise, Searle explica que para identificar a presença de intencionalidade, deve ser
possível identificar o evento ou objeto ao qual se refere, e do que consiste, e fornecer um
exemplo de tal: o estado deve possuir direcionalidade.
Adicionalmente, tais estados ou eventos não são conscientes por necessidade: não é necessário
que a pessoa que se encontra em tal estado esteja ciente do que ele se refere, ou mesmo do
próprio estado em si. Não é necessário ter consciência da crença na verdade de um determinado
evento, por exemplo, para nele crer. Tais crenças também “não necessariamente correspondem a
algum tipo de repressão”: a evasão da consciência de tal estado não precisa ter origem em trauma
ou associação por repetição, por exemplo.
Ter consciência de seu estado também não é implicativo de ter consciência da causa do mesmo;
em seu exemplo, Searle descreve que “o medo [consciente] de cobras não é idêntico a cobras”,
objetivando evidenciar que sua utilização do termo Intencionalidade aborda de maneira não-
exclusiva a classe de estados mentais conscientes, uma vez que a classe estados mentais
intencionais os “sobrepõem, mas não são idênticas e nem estão incluídas uma na outra”.
Seu terceiro ponto é definir que pretenção é somente uma de diversas formas de
Intencionalidade, “juntamente com a crença, a esperança, o medo, o desejo e muitas outras.”
Desta forma, Searle resguarda as outras formas de possuírem intenção; de “pretender fazer algo a
respeito” do objeto causador do estado ou evento mental. Isso também é compatível com o ponto
anterior: um estado do qual não se tem consciência da causa previne a pretenção consciente de
agir em relação a tal causa; e poderia um estado mental que inconscientemente leva a ação em
relação a sua causa ser considerado intencional? Distingue-se, assim, “Intencional” (como em ter
intenção, ou pretenção, de fazer algo) de “Intencionalidade” (como conjunto maior desses
diversos estados mentais, que inclui a intenção ou a pretenção de).
Ainda em relação a esta distinção, o autor aborda a confusão derivada da descrição desses estados
mentais como “atos mentais”, destacando que crenças e desejos, por exemplo, não são atos, nem
atos mentais “em absoluto”, uma vez que não são ações: são, definitivamente, formas de
Intencionalidade, podendo ainda ser descritas como Intencionais; porém, não pretendem, ou “têm
a intenção de coisa alguma”: destaco a preposição de com o propósito de destinguir esta
utilização da palavra intenção como substantiva, enquanto que na Intencionalidade trabalhada
nesta obra é adjetiva: a intenção não possui “sentido associado a algum verbo correspondente,”
mas sim é definitiva.
Em relação ao grupo de estados intencionais que possuam direcionamento, incluindo aquelas
“como nos casos do amor, do ódio, da crença e do desejo”, Searle destaca que seu foco é a
relação entre tais estados e seus objetos relacionados ou a eles direcionados, e não seus elementos
e suas relações, evitando “metáforas como ‘direcionada’”. Sua intenção é abordar estados
mentais que existem mesmo quando seus objetos não o existam de fato para explicar a
possibilidade e as relações de, por exemplo, crer até mesmo naquilo que não o é.

“II. A Intencionalidade como Representação: O Modelo do Ato de Fala”

Neste capítulo seguinte, Searle aborda a relação entre estados intencionais e os atos de fala de
forma a definir as relações destes estados aos objetos aos quais são direcionados, firmando tal
relação como representativa equivalente à do ato de fala para com os mesmos objetos, exceto que
estados possuem uma forma “intrínseca”, enquanto que os atos de fala, uma forma “derivada” de
Intencionalidade.

Esclarecendo em seguida, o autor destaca que a Intencionalidade não é, de necessário,


“essencial” e “linguística”, destacando sua presença em seres isentos de linguagem ou que não
realizem atos de fala, por exemplo, e que ainda assim apresentem tais estados. Um exemplo
simples, derivativo do utilizado pelo autor em relação ao estado mental do desejo de um bebê por
leite, é o da fome em geral, que o mais simples ser vivo expressará não-linguísticamente:
buscando por seu alimento instintivamente, com frequência, sem emitir um único som ou em
qualquer momento tendo qualquer ciência do estado em que se encontra ou daquilo que,
invariavelmente, deseja. Tal desejo é a única forma de dar sentido a seu estado mental, e tal
estado é evidentemente independente de sua expressão linguística. Searle ainda expande que a
linguagem é formada em função da Intencionalidade: da expressão de desejos, crenças,
expectativas etc., definindo, em seguida, “quatro pontos de semelhança e de ligação entre os
estados Intencionais e os atos de fala” (formatação itálica adicionado pelo autor desta resenha a
título de consistência de redação):

1- O estado mental distingue da força do ato de fala da mesma maneira que o faz seu
conteúdo proposicional, melhor chamado de “conteúdo representativo” ou “Intencional”
no contexto dos estados mentais. Da mesma forma como a maneira com a qual um
conteúdo é expressado muda sua força, seja ela assertiva, imperativa etc., a maneira como
um estado mental enxerga o conteúdo altera a representação daquele conteúdo na
perspectiva do portador do estado. É geralmente possível traduzir um conteúdo
Intencional em um proposicional, apesar de dada Intencionalidade não necessariamente
seja expressa por uma proposição completa, exemplifica Searle, como “o amor e o ódio”;
assim, declara Searle que o foco da análise se dará em estados Intencionais que possam
ser expressos em “atitudes proposicionais”, também chamados de “conteúdos
proposicionais completos”: aqueles que sejam compostos de um predicado que possua
objeto.
2- As direções de adequação – tidas também como condições de verificação – são também
transpostas aos estados Intencionais e, da mesma forma que nem toda classe de ato de fala
possuam as mesmas condições, como, por exemplo, uma asserção ajusta-se a “um mundo
de existência autônoma” no qual é verdadeira ou falsa, uma ordem ou promessa
dependente de provocar “mudanças no mundo” de acordo com seu conteúdo para serem
cumpridas ou não cumpridas, ou ainda um elogio, que possui nenhuma condição de fato
além de expressar uma admiração. Esta direcionalidade mundo-palavra ou palavra-mundo
– cujo primeiro possui o compromisso de se ajustar ao segundo – se tem também nos
estados Intencionais, onde vemos expectativas realizadas ou não (mundo-palavra),
hipóteses falseadas (palavra-mundo) ou ainda o luto pelo motivo que for (nula). No caso
de estados mentais, simplesmente muda-se um dos termos desta direcionalidade: ao invés
de “palavra”, tem-se “mente”, uma vez que nos tratamos de estados mentais referentes ao
mundo.
3- Há uma relação direta entre atos de fala e o estado Intencional do locutor derivada de uma
“condição de sinceridade”: enquanto o conteúdo proposicional traduzir o estado
Intencional do locutor, o ato pode ser tido como sincero. Simultaneamente, o conteúdo
proposicional, segundo Searle, é diretamente afetado pelo estado Intencional do locutor
como a expressão do mesmo; do contrário, proposições cairiam sob “uma generalização
do paradoxo de Moore” onde o estado Intencional expressado não é correspondente
objeto ao qual o estado é direcionado. De fato, conteúdos proposicionais constantemente
o fazem: pessoas mentem. Assim, seus conteúdos proposicionais não satisfazem a
condição de sinceridade de traduzir seu estado Intencional. No entanto, da interpretação
do ato de fala, ou é pressuposta a verdade do estado a ele correspondente, no caso de atos
e estados com ausência de direção de adequação, ou tal direção, do ato e do estado é, em
geral, a mesma. Uma circunstância contraditória que, em minha análise deste ponto da
obra, considero notável em se contrapor a esta equivalência, é no uso de recursos de fala
que mudem o sentido, como o sarcasmo: através de um recurso linguístico não
tradicionalmente expressável através da notação usual, por exemplo, da língua
portuguesa, é possível transmitir o estado Intencional, neste exemplo, oposto àquele
indicado pelo conteúdo proposicional. Enquanto que através de notação complementar
seria possível indicar, em escrita, a presença de tal intenção (no sentido de pretenção), sua
detecção seria totalmente dependente de interpretação não-lógica do ato de fala: no caso
do sarcasmo, incongruências semânticas, intonações características etc. O uso deste
recurso também faz com que uma proposição que não traduza um estado mental tenha, de
alguma maneira, valor positivo de sinceridade, a depender da consideração ou não de
recursos implícitos do uso verbal da linguagem para a definição da força de um ato de
fala.
4- Condições de satisfação, analogamente, também são traduzidas do conteúdo proposicional
ao Intencional, nas circunstâncias onde houver uma direção de ajuste. Searle define que a
relação entre o estado Intencional e o ato ilocucionário, neste aspecto, é um de valor de
sucesso ou fracasso do ato de fala de induzir a realidade ou traduzir o estado mental do
interlocutor para objeto que é tido como sua direção; ou seja, explica o autor, a condição
de se“forem idênticas as condições de satisfação do ato de fala e do estado psicológico
expresso.” Novamente temos aqui uma circunstância onde recursos de fala como, em
outro exemplo, a ironia, possam fazer com que o conteúdo proposicional não diretamente
correspondente ao Intencional tenham, ainda assim, sucesso em satisfazê-lo: expressar
ironicamente, por exemplo, que “Seria ótimo se chovesse”, implica que o estado
Intencional será satisfeito caso não chova. É impossível denotar tal recurso implícito em
forma escrita sem uso de notação complementar, no entanto, como “(Ironia) Seria ótimo
se chovesse”; tornando-o, assim, explícito. Ainda assim, sendo um recurso embasado em
um jogo semântico envolvendo a linguagem e sua intenção e amplamente presente no uso
da linguagem corrente, vejo importância em seu destaque, ainda que sua aplicação, por
exemplo, no contexto do uso da linguagem para expressar valores de verdade, adicione
mais uma camada de ambiguidade.

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