1) O documento discute a tese do anti-individualismo defendida por Burge, que afirma que os estados mentais são individuados em parte pelo ambiente no qual o indivíduo está inserido.
2) Apresenta duas famílias do representacionismo individualista e argumenta que a percepção não depende de capacidades intelectuais do indivíduo.
3) Explica que para Burge o conteúdo perceptual é não-conceitual e não-proposicional, dependendo sempre do contexto no qual ocorre.
Descrição original:
Título original
Seminário de História da Filosofia Contemporânea II
1) O documento discute a tese do anti-individualismo defendida por Burge, que afirma que os estados mentais são individuados em parte pelo ambiente no qual o indivíduo está inserido.
2) Apresenta duas famílias do representacionismo individualista e argumenta que a percepção não depende de capacidades intelectuais do indivíduo.
3) Explica que para Burge o conteúdo perceptual é não-conceitual e não-proposicional, dependendo sempre do contexto no qual ocorre.
1) O documento discute a tese do anti-individualismo defendida por Burge, que afirma que os estados mentais são individuados em parte pelo ambiente no qual o indivíduo está inserido.
2) Apresenta duas famílias do representacionismo individualista e argumenta que a percepção não depende de capacidades intelectuais do indivíduo.
3) Explica que para Burge o conteúdo perceptual é não-conceitual e não-proposicional, dependendo sempre do contexto no qual ocorre.
Seminário de História da Filosofia Contemporânea II
Primeira questão:
A tese mais geral do anti-individualismo defendido por Burge afirma que os
estados mentais nos quais um indivíduo se encontra são individuados em parte por padrões de relações causais que o próprio indivíduo portador do estado mental entretém com o ambiente no qual está inserido. Significa que tais estados são individuados com base no que eles representam, e que outros estados mentais nos quais o indivíduo se encontrava antes podem contribuir na individuação. E como representam propriedades, objetos e relações do ambiente, os estados mentais, portanto, são individuados em parte com base no ambiente. Em outras palavras, os estados mentais nos quais um indivíduo se encontra são individuados em parte com base no seu conteúdo representacional, isto é, com base nas condições de acuidade projetadas no mundo, que tornam o estado mental verdadeiro quando satisfeitas e falso quando não satisfeitas. E como esse conteúdo representacional é satisfeito ou não em virtude de como o ambiente se comporta, então os estados mentais são individuados em parte com base no ambiente.
As mesmas razões que justificam a perspectiva anti-individualista em geral
também justificam o anti-individualismo com relação à percepção. Então, os estados perceptuais são individuados em parte com base no seu conteúdo representacional, de modo que não pode haver dois estados mentais idênticos com conteúdos diferentes. Ou seja, qualquer diferença no conteúdo implica uma diferença no estado mental.
A psicologia da percepção implicitamente pressupõe o anti-individualismo
sobre a percepção, pois pressupõe que os estados perceptuais dependem constitutivamente de regularidades no ambiente físico. Para saber o que está passando na cabeça de um indivíduo é preciso saber o que ele está representando, e pode-se saber o que ele está representando a partir de como o mundo se apresenta, pois sendo o mundo de uma forma ou de outra isso torna o conteúdo verdadeiro ou falso. Assim, o que conduz a individuação dos estados psicológicos é o ambiente no qual um indivíduo está inserido, dado que esses estados mentais são conteúdos, isto é, são representações dessas características de propriedades e relações do ambiente. Segunda questão:
A primeira família do representacionismo individualista afirma que a
representação de objetos externos seria mediada pela representação de entidades que estariam entre o indivíduo e o mundo exterior. Os membros dessa primeira família acreditam que eles não veem o mundo, mas apenas as representações do mundo. A segunda família do representacionismo individualista não defende a existência de entidades intermediárias, para eles o indivíduo tem acesso direto ao mundo. Porém, para perceber o mundo, eles afirmam, o indivíduo precisa ter capacidade de representar determinadas condições gerais que os objetos representados devem satisfazer. Algumas dessas condições gerais podem variar desde capacidades linguísticas sofisticadas, como a capacidade de usar quantificadores de primeira ordem, ou mesmo a capacidade de auto-representar a si mesmo. Por exemplo, segue-se dessa ideia que uma criança pequena é incapaz de representar objetivamente, visto que as suas capacidades linguísticas e psicológicas são limitadas ou mesmo inexistentes.
No entanto, resultados na psicologia da percepção, em particular na psicologia
da visão, indicam que a percepção de objetos materiais no ambiente não depende de nenhum aparato conceitual construído pelo sujeito como supõe o representacionismo individualista. Animais e crianças pequenas num período pré-linguístico parecem conseguir representar corretamente o ambiente sem precisar da capacidade de representar alguma condição geral. Até então as descobertas da psicologia da percepção confirmam o anti-individualismo sustentado por Burge, pois indicam que a representação objetiva não depende de nenhuma capacidade intelectual do indivíduo, isto é, a representação objetiva não depende de um processo pessoal. Da mesma forma, tais resultados indicam que uma entidade abstrata que se interpõe entre o indivíduo e o mundo é apenas uma mera ficção filosófica. Tanto o anti-individualismo como a ciência empírica de uma forma geral afirma que a representação objetiva está fundada em relações não-representacionais com o ambiente e na nossa própria natureza como percebedores. Terceira questão:
O conteúdo representacional dos estados perceptuais é caracterizado por Burge
como sendo não-conceitual, e como consequência disso é não-proposicional, pois ele entende as proposições como sendo constituídas pelos próprios conceitos. Em outras palavras, o conteúdo representacional é não-proposicional em virtude de ser não- conceitual. Para ele, a percepção não tem, ao contrário do pensamento, uma estrutura proposicional. O pensamento é constituído por conceitos, e por isso permite fazer inferências, além de autonomia do contexto. Quando um indivíduo atribui uma propriedade, uma relação ou uma espécie a um particular, o que ele está fazendo é agrupar os objetos de uma maneira não conceitual, e essa atribuição é dependente do contexto em que ocorre, isto é, depende do instante e do lugar em que o indivíduo se encontra. Se o contexto variar, o elemento singularizante também varia. Um indivíduo que tenha certos conceitos pode fazer predicações e inferências sem estar naquele instante percebendo os objetos que correspondem aos conceitos. No plano da percepção isso não ocorre. Para Burge, se o conteúdo representacional dos estados perceptuais fosse proposicional, então seria possível a partir desse conteúdo fazer inferências. Animais e crianças pequenas representam objetivamente o mundo, porém ambos não conseguem fazer inferências. Eles só poderiam fazer inferências caso o conteúdo representacional dos seus estados perceptuais tivesse uma estrutura proposicional, e para isso eles precisariam dispor de conceitos.
Um indivíduo pode representar um objeto, quando ele se encontra num estado
perceptual, sem possuir o respectivo conceito pelo qual se especifica o que ele está representando. Significa que o indivíduo pode representar objetos, propriedades e relações, sem que ele saiba ou entenda o que ele próprio está representando, pois ele não tem certos conceitos. Desse modo, dois indivíduos podem representar o mesmo objeto, mas um possuir o conceito desse objeto e o outro não. Significa que as percepções, de modo geral, são sempre não-conceituais, o indivíduo pode conceitualizá-las ou não de acordo com sua compreensão maior ou menor do que ele percebe. Para Burge, toda percepção depende sempre do contexto. O conteúdo perceptual não é conceitual porque os elementos atributivos não são conceitos para ele, e não se estruturam de forma proposicional porque o elemento atributivo é indissociável do elemento singularizante.