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Seminário de História da Filosofia Contemporânea II

Primeira questão:

A tese mais geral do anti-individualismo defendido por Burge afirma que os


estados mentais nos quais um indivíduo se encontra são individuados em parte por
padrões de relações causais que o próprio indivíduo portador do estado mental entretém
com o ambiente no qual está inserido. Significa que tais estados são individuados com
base no que eles representam, e que outros estados mentais nos quais o indivíduo se
encontrava antes podem contribuir na individuação. E como representam propriedades,
objetos e relações do ambiente, os estados mentais, portanto, são individuados em parte
com base no ambiente. Em outras palavras, os estados mentais nos quais um indivíduo
se encontra são individuados em parte com base no seu conteúdo representacional, isto
é, com base nas condições de acuidade projetadas no mundo, que tornam o estado
mental verdadeiro quando satisfeitas e falso quando não satisfeitas. E como esse
conteúdo representacional é satisfeito ou não em virtude de como o ambiente se
comporta, então os estados mentais são individuados em parte com base no ambiente.

As mesmas razões que justificam a perspectiva anti-individualista em geral


também justificam o anti-individualismo com relação à percepção. Então, os estados
perceptuais são individuados em parte com base no seu conteúdo representacional, de
modo que não pode haver dois estados mentais idênticos com conteúdos diferentes. Ou
seja, qualquer diferença no conteúdo implica uma diferença no estado mental.

A psicologia da percepção implicitamente pressupõe o anti-individualismo


sobre a percepção, pois pressupõe que os estados perceptuais dependem
constitutivamente de regularidades no ambiente físico. Para saber o que está passando
na cabeça de um indivíduo é preciso saber o que ele está representando, e pode-se saber
o que ele está representando a partir de como o mundo se apresenta, pois sendo o
mundo de uma forma ou de outra isso torna o conteúdo verdadeiro ou falso. Assim, o
que conduz a individuação dos estados psicológicos é o ambiente no qual um indivíduo
está inserido, dado que esses estados mentais são conteúdos, isto é, são representações
dessas características de propriedades e relações do ambiente.
Segunda questão:

A primeira família do representacionismo individualista afirma que a


representação de objetos externos seria mediada pela representação de entidades que
estariam entre o indivíduo e o mundo exterior. Os membros dessa primeira família
acreditam que eles não veem o mundo, mas apenas as representações do mundo. A
segunda família do representacionismo individualista não defende a existência de
entidades intermediárias, para eles o indivíduo tem acesso direto ao mundo. Porém, para
perceber o mundo, eles afirmam, o indivíduo precisa ter capacidade de representar
determinadas condições gerais que os objetos representados devem satisfazer. Algumas
dessas condições gerais podem variar desde capacidades linguísticas sofisticadas, como
a capacidade de usar quantificadores de primeira ordem, ou mesmo a capacidade de
auto-representar a si mesmo. Por exemplo, segue-se dessa ideia que uma criança
pequena é incapaz de representar objetivamente, visto que as suas capacidades
linguísticas e psicológicas são limitadas ou mesmo inexistentes.

No entanto, resultados na psicologia da percepção, em particular na psicologia


da visão, indicam que a percepção de objetos materiais no ambiente não depende de
nenhum aparato conceitual construído pelo sujeito como supõe o representacionismo
individualista. Animais e crianças pequenas num período pré-linguístico parecem
conseguir representar corretamente o ambiente sem precisar da capacidade de
representar alguma condição geral. Até então as descobertas da psicologia da percepção
confirmam o anti-individualismo sustentado por Burge, pois indicam que a
representação objetiva não depende de nenhuma capacidade intelectual do indivíduo,
isto é, a representação objetiva não depende de um processo pessoal. Da mesma forma,
tais resultados indicam que uma entidade abstrata que se interpõe entre o indivíduo e o
mundo é apenas uma mera ficção filosófica. Tanto o anti-individualismo como a ciência
empírica de uma forma geral afirma que a representação objetiva está fundada em
relações não-representacionais com o ambiente e na nossa própria natureza como
percebedores.
Terceira questão:

O conteúdo representacional dos estados perceptuais é caracterizado por Burge


como sendo não-conceitual, e como consequência disso é não-proposicional, pois ele
entende as proposições como sendo constituídas pelos próprios conceitos. Em outras
palavras, o conteúdo representacional é não-proposicional em virtude de ser não-
conceitual. Para ele, a percepção não tem, ao contrário do pensamento, uma estrutura
proposicional. O pensamento é constituído por conceitos, e por isso permite fazer
inferências, além de autonomia do contexto. Quando um indivíduo atribui uma
propriedade, uma relação ou uma espécie a um particular, o que ele está fazendo é
agrupar os objetos de uma maneira não conceitual, e essa atribuição é dependente do
contexto em que ocorre, isto é, depende do instante e do lugar em que o indivíduo se
encontra. Se o contexto variar, o elemento singularizante também varia. Um indivíduo
que tenha certos conceitos pode fazer predicações e inferências sem estar naquele
instante percebendo os objetos que correspondem aos conceitos. No plano da percepção
isso não ocorre. Para Burge, se o conteúdo representacional dos estados perceptuais
fosse proposicional, então seria possível a partir desse conteúdo fazer inferências.
Animais e crianças pequenas representam objetivamente o mundo, porém ambos não
conseguem fazer inferências. Eles só poderiam fazer inferências caso o conteúdo
representacional dos seus estados perceptuais tivesse uma estrutura proposicional, e
para isso eles precisariam dispor de conceitos.

Um indivíduo pode representar um objeto, quando ele se encontra num estado


perceptual, sem possuir o respectivo conceito pelo qual se especifica o que ele está
representando. Significa que o indivíduo pode representar objetos, propriedades e
relações, sem que ele saiba ou entenda o que ele próprio está representando, pois ele não
tem certos conceitos. Desse modo, dois indivíduos podem representar o mesmo objeto,
mas um possuir o conceito desse objeto e o outro não. Significa que as percepções, de
modo geral, são sempre não-conceituais, o indivíduo pode conceitualizá-las ou não de
acordo com sua compreensão maior ou menor do que ele percebe. Para Burge, toda
percepção depende sempre do contexto. O conteúdo perceptual não é conceitual porque
os elementos atributivos não são conceitos para ele, e não se estruturam de forma
proposicional porque o elemento atributivo é indissociável do elemento singularizante.

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