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28/05/2020
Viajamos então para 2019. Vingadores Ultimato é a finalização de todo uma fase do
universo Marvel. O Homem de Ferro morreu, o Capitão América se aposentou e a
cultura de super-heróis começa a demonstrar desgaste e saturação com a fórmula que o
estúdio insiste em usar em praticamente todos os seus filmes. Fato é que Ultimato foi
um sucesso estrondoso e se lembrarmos que já faz 12 anos que o primeiro Homem de
Ferro foi lançado, então essa tendência é algo que vai durar por muito tempo!
Pelo menos no Ocidente…
Se na China, Ultimato fez 614 milhões de dólares, no Japão o maior filme da Marvel fez
apenas 35 milhões. Uma quantia que é muita, mas pouca se formos colocar em
comparação que esse era a culminação de um universo construído por anos, o que só
demonstra como essa cultura de super-heróis ainda não penetrou com força dentro da
esfera nipônica. Ou pelo menos não da forma que nós esperamos.
Lançado em 2014, Boku no Hero Academia surgiu em meio a uma sociedade pós-
Vingadores, onde a cultura de super-heróis era algo fresco e inovador e estava no seu
auge. Para conseguir fazer com que sua obra atingisse o público japonês, o mangaká
Kōhei Horikoshi decidiu unir alguns aspectos da estética do Universo Marvel e aplicá-
las em uma estrutura de shonen clássico, fazendo com que assim nascesse o mangá que
dá nome a esse texto.
E quais são esses aspectos do Universo Marvel?
O mais claro deles é como Horikoshi conseguiu criar seu universo. Ao invés de pegar
inspirações concretas ele se inspirou em pontos mais abstratos, como o fato da
sociedade de Boku no Hero nascer com habilidades especiais, um paralelo que podemos
traçar com a sociedade do Universo Marvel cuja uma pequena parcela nasce com
poderes que são atrelados ao código genético, essa parcela se chama Mutantes e se
popularizaram no título X-Men, um dos maiores da editora até os dias de hoje.
Não estou dizendo que Horikoshi copiou a Marvel, até porque a forma que ele conduz
seu universo é totalmente diferente da forma que a editora lida com os Mutantes. Se no
universo 616, os mutantes são uma minoria social que sofre preconceito em Boku no
Hero vemos que as pessoas com habilidades não são só normalizadas, mas até mesmo
cultuadas devido ao fato de se tornarem super-heróis que servem a população a mando
do Governo, outro ponto que podemos comparar com a direção narrativa da Marvel.
Principalmente na DC Comics, eu vejo que o Ocidente existe uma tendência a pegar
mais pesado nas temáticas heroicas, com histórias cada vez mais cínicas e pesadas que
são uma consequência da nossa sociedade. Na Marvel esse cinismo não é tão forte
quanto na DC, mas os super-heróis da editora não encontram o mesmo otimismo
presente no universo de Boku no Hero. Podemos enxergar isso claramente se
colocarmos em comparação a saga Guerra Civil onde Capitão América e Homem de
Ferro lutaram um contra o outro devido a ideologia de que os super-heróis deviam ou
não se sujeitar as ordens do Governo. Em Boku no Hero vemos de uma forma muito
mais otimista que essa foi uma profissão que surgiu na clandestinidade e que foi
absorvida pelo Governo para se tornar algo oficial, é aí que novamente entra mais um
ponto de comparação.
Em Boku no Hero, após Midoriya herdar os poderes de All Might, ele entra no Colégio
UA, uma instituição oficial que treina jovens com habilidades para eles se tornarem
super-heróis autorizados pelo governo. Claro que em organização é algo que se difere
muito dos conceitos do Instituto Xavier para Jovens Mutantes, mas em essência essas
duas instituições tem o mesmo objetivo: treinar jovens com habilidades da melhor
maneira possível. E essa é uma comparação tão honesta que podemos até utilizar o tanto
de vezes que a Liga dos Vilões, grupo de vilões de BNHA, atacou a UA lado a lado com
a Mística e o Magneto atacando a escola do nosso carequinha Xavier.
Para encerrar esse tópico das comparações, uma última é a essência de All Might, o
super-herói máximo daquele universo que funciona muito mais como uma
representação de um ideal que uma persona real, algo que se formos colocar na balança
equivale a todo o aspecto moral e honroso que o Capitão América (existe algum nome
mais ocidental que esse?) carrega em sua existência. Ambos são o que há de melhor em
cada universo e servem como inspiração para os jovens poderosos e meros mortais dos
seus respectivos mundos.
Criando um shonen de heróis
Agora que você leitor viu como existem diversos aspectos que unem Boku no Hero aos
quadrinhos americanos, deve estar se perguntando, como diabos o Horikoshi fez isso
funcionar em território japonês?
E eu digo que ele fez isso apenas aplicando a estética americana dos quadrinhos numa
estrutura de shonen clássico. Se BNHA fosse uma obra totalmente ocidental já
esperaríamos encontrar algo mais centrado exclusivamente na figura de Izuku Midoriya
com desenvolvimento apenas nele e no máximo de All Might, sendo as duas figuras
centrais cujo todos os outros personagens apenas orbitam ao redor. Mas, felizmente a
obra é uma mangá shonen e por isso se torna muito mais complexa devido ao fato de
que ela é feita para durar, então adicione na receita diversos personagens com histórias e
objetivos próprios e uma história que caminha a passos lentos, equilibrando o
desenvolvimento de diversos personagens com o andamento de uma história maior que
une todo o projeto.
Podemos ver isso pela utilização de fontes que remetem aos quadrinhos, assim como os
planos de fundo dos títulos e as cores extremamente coloridas, como se realmente fosse
uma obra ocidental. Mas, deixando a estética de lado tudo em BNHA é japonês, indo
desde a maneira que a série insere seu humor até mesmo a personalidade dos
personagens que pode ser sintetizada no lema do Colégio UA, “Plus Ultra” na tradução
“Mais Além”.
Uma parte essencial do comportamento japonês é a fama que eles tem de serem
extremamente esforçados, eficazes e competentes no que se propõe a fazer. BNHA se
aproveita disso e sempre coloca seus personagens para confrontarem suas zonas de
conforto, mostrando que eles podem ir além se quiserem. Ás vezes chega até a ser algo
doentio, já que há uma política de trabalho extrema no Japão que está sendo
desconstruída com o passar do tempo, mas eu acho extremamente legal a forma como
Horikoshi adiciona esse elemento de forma intrínseca e orgânica a personalidade dos
seus personagens, tornando-os mais japoneses ainda.
E o anime sempre vai mais além, utilizando com precisão todos os elementos visuais,
sonoros e narrativos para nos conquistar. A primeira temporada que conta com apenas
12 episódios é um início de shonen que eu considero IMPECÁVEL, e o estúdio não
deixa a peteca cair até mesmo em arcos considerados menos importantes, como o
torneio do Colégio UA que faz os personagens lutarem entre si e que ganha episódios
com animações incríveis.
Portanto, se você chegou até aqui dê uma chance para Boku no Hero. Mesmo que você
não curta animes tente começar a se desconstruir com esse aqui. Mesmo com a barreira
de linguagem, eu sempre digo que uma boa história é universal e esse é um excelente
exemplo. O menino que antigamente se identificava com o Homem-Aranha hoje pode
se identificar com Izuku Midoriya e está tudo bem. Os super-heróis mudam conforme a
sociedade muda, mas o que não muda são suas essências e a esperança de um mundo
melhor.
Uma esperança muito necessária nos dias de hoje. Uma que precisamos cultivar.
Por essa razão, assistam ou leiam Boku no Hero Academia.