Você está na página 1de 3

PONTO DE VISTA

Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo
2017;62(2):115-7.

A rosacea e seu manejo


Rosacea and its management
Nelson Guimarães Proença1

O que é Rosacea? As alterações vasculares surgem, mais frequente-


Livros de texto tem encontrado alguma dificul- mente, a partir dos trinta anos, sendo portanto uma
dade para responder a essa pergunta, nem sempre doença da meia idade. O fenômeno inicial são as crises
fornecendo um conceito mais preciso. Por exemplo, de vermelhidão súbita da face (flushing), que ocorrem
transcrevemos a seguir o texto que consta da última sob variados estímulos: bebidas (particularmente
edição de Rook’s, em Capítulo escrito por J Berth- o vinho), alimentos (sobretudo com condimentos
-Jones, da Universidade de Coventry, Inglaterra(1): picantes), emoções, etc, as quais duram pouco e desa-
parecem totalmente. Trata-se de um evento puramente
“Rosacea é uma doença para a qual falta uma defi- funcional, sem substrato anatômico, resumindo-se a
nição inteiramente satisfatória. É uma alteração crônica um aumento do fluxo sanguíneo no setor arterial que
que afeta as convexidades faciais, e que é caracterizada por precede a alça capilar, sem provocar edema (não é
vermelhidão frequente, eritema persistente e telangiectasias, urticariforme).
interpostos com episódios de inflamação, durante os quais Não obstante, a medida que o tempo passa e os
pápulas e pústulas se tornam evidentes. Entretanto, nem episódios constantemente se repetem, começa a ser
todos estes aspectos estão sempre presentes”. percebido o aumento da rede vascular. Agora o fenô-
meno já é anatômico, pois há angiogênese endotelial,
Considero também interessante recordar o concei- ampliando a rede capilar localizada nas papilas dér-
to emitido pelo “National Rosacea Expert Committee micas e na derme superficial, o que clinicamente se
on The Classification and Staging of Rosacea”(2): expressa pelas telangiectasias.
Com o correr dos anos vão surgindo pequenas
“Os critérios diagnósticos incluem a presença, no cen- pápulo-pústulas, nitidamente foliculares, mas que
tro da face, de um ou mais dos seguintes sinais: flushing, diferem das lesões acneicas. A diferença é que não há
eritema não transitório, pápulas e pústulas, telangiectasias. formação de comedões, como também não há resolu-
Há variações individuais, tornando a rosacea uma entidade ção espontânea. Se não forem manipuladas, persistem
altamente heterogênea”. por tempo indeterminado.
Uma vez constatada a presença da foliculite, com
Meu conceito é o que se segue. um procedimento muito simples podemos examinar
o material, aí existente, ao microscópio. Com um
Rosacea é uma alteração da rede capilar da face, a “extrator-de-cravos” procedemos à retirada do con-
princípio somente vasomotora (flushing), e depois também teúdo do folículo, e o transferimos para uma lâmina.
proliferativa (telangiectásica), a qual se acrescenta uma Ajustamos uma segunda lâmina, deixando as duas
foliculite, esta decorrente da formação de colônias de um co- firmemente aderidas com a ajuda do adesivo “micro-
mensal habitual do folículo pilossebáceo da face, o Demodex pore” e fazemos o exame “a fresco”, o que permite
folliculorum (foliculite demodésica).. demonstrar facilmente a presença de aglomerados de
Demodex folliculorum.
O mais comum, em Clínica Dermatológica, é que
os pacientes consultem quando já estão nesta fase, de
foliculite associada à Rosacea. A propósito, eu a chamo
1. Professor Emérito da Faculdade de Ciências Médicas da Santa de Foliculite demodésica e, não de Foliculite demodesci-
Casa de São Paulo. Departamento de Clínica Médica. Ex-Chefe
forme, porque ela não tem “a forma de” Demodex, ela
da Clínica de Dermatologia do Hospital Central da Santa Casa de
São Paulo “é” provocada por Demodex.
Endereço para correspondência: Nelson Guimarães Proença. O tratamento deve ser iniciado com o objetivo
Rua Professor Artur Ramos, 241 – 10º andar – conjunto 104 – de eliminar este comensal da pele, que vive às custas
01454-011 – São Paulo – SP – Brasil da secreção sebácea produzida nas glândulas cor-

115
Proença NG. A rosacea e seu manejo. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2017;62(2):115-7.

respondentes, da face. Sua eliminação é importante e o monossulfiram. Eles são utilizados na face
pois, embora ao longo da vida tenha sido inofensivo, (cuidado com boca e olhos), uma vez por semana,
o flushing aumentado o alimenta, criando condições três semanas; depois uma vez por quinzena, três
para a formação de abundantes colônias. E é isto o que quinzenas; e ainda uma vez por mês, três meses.
acontece, na Rosacea. Antes o Demodex era inocente, A face deve ser lavada quatro a seis horas, após a
mas agora já se transformou em agente causador de aplicação, para remover.
inflamação, no aparelho pilossebáceo.
Repetindo, é por aí que devemos iniciar o tra- Uma vez controlada a foliculite demodésica temos
tamento, que então comporta medidas sistêmicas e de decidir sobre o que fazer para reduzir o quadro
locais. A seguir apresento as medidas que habitual- telangiectásico. Hoje temos não apenas uma, mas
mente utilizo e que, em meus pacientes, trouxeram duas opções.
os melhores resultados. 1) Indicação da Luz Pulsada, que tem sido altamente
1) Por via sistêmica, recomendo o emprego de efetiva, eliminando as telangiectasias, sem deixar
antibióticos do grupo das “ciclinas”. São estes sequelas.
os antibióticos preferencialmente utilizados por 2) Tratamento oral, com beta-bloqueadores. Temos
terem na glândula sebácea uma via preferencial utilizado o propranolol (40 mg ao dia), também
de eliminação. Basta apenas uma cápsula ao dia, o atenolol (25 mg duas vezes ao dia). Embora
tomada após o café da manhã: tetraciclina (500 ambos tragam resultados favoráveis, em minha
mg), minociclina (100 mg) e doxiciclina (100 mg). experiência o propranolol leva alguma vantagem
O tratamento se estende por trinta dias e, eventu- sobre o atenolol. A utilização destes medicamentos
almente, por mais trinta dias. é segura, devendo ser observados os cuidados
2) Complexo vitamínico B (concentrado), uma drágea habitualmente recomendados. Por vezes é reco-
tomada após o almoço (ou jantar). O Complexo B mendável começar com a metade da dose, nos
contribui para preservar a flora intestinal, evitando primeiros quinze dias, passando depois à dose
os efeitos colaterais dos antibióticos. “cheia”.
3) Solução de Burow, para uso sob forma de com-
pressas. A solução é fortemente adstringente, con- Mais recentemente começaram a ser ensaiados
centrada, precisando ser diluída a 1:40. Na prática medicamentos contendo alfa-agonistas, em prepara-
seria uma colher das de chá da solução (5 ml) em ções para uso tópico. Os primeiros resultados foram
um copo de água (200 ml). Utiliza-se algodão em- interessantes, talvez este venha a ser mais um recurso,
bebido nesta solução, para ser aplicado sob forma incorporado ao tratamento da Rosacea.
de compressas, em toda a face. As compressas Ao terminar este depoimento, sobre “Como Eu
devem ser deixadas por quinze minutos, depois Trato” a Rosacea, quero registrar que este é um dos
simplesmente enxugar, sem lavar. O Demodex tratamentos que mais traz satisfação, ao dermatolo-
não resiste à desidratação, fica inviabilizado após gista e a seus pacientes.
alguns minutos. Considero que o melhor horário, Apresentamos a seguir fotos ilustrativas.
para fazer as compressas, é após o almoço. Esta é
a hora mais quente do dia e o calor torna a oleo-
sidade da pele mais fluida. A Solução de Burow
age então melhor e atinge a colônia de ácaros em
maior profundidade, no infundíbulo.
4) Para o período noturno podemos recomendar
um preparado contendo o metronidazol a 2% em
Loção Lanette. É um acaricida de ação apenas
moderada, mas é bem aceito pela paciente, que o
usa com regularidade.
5) Não é demasiado pedir à paciente que lave a face
de manhã e à noite com um sabonete de tiabenda-
zol (ou equivalente), um fraco acaricida mas que
também contribui para melhor resultado.
6) O controle da foliculite demodésica está pratica-
mente assegurado com esse tratamento. Mas é
preciso manter o resultado e, para tanto, recorre- Foto 1 - Teleangiectasisas associadas à Rosacea.
mos a acaricidas mais potentes, como a permetrina

116
Proença NG. A rosacea e seu manejo. Arq Med Hosp Fac Cienc Med Santa Casa São Paulo. 2017;62(2):115-7.

Foto 2 - Foliculites associadas à Rosacea.

Foto 5 - Rosacea após o tratamento.

Referências

1. Poweel FC. Rosacea. In: Griffiths C, Barker J, Bleiker T, Chalm-


ers R, Creamer D. Rook’s textbook of dermatology. 9th ed. New
Jersey: Wiley Blackwell; 2016. v.3, p.91.1-91.19.
2. Wilkin J, Dahl M, Detmar M, Drake L, Feinstein A, Odom R,
et al. Standard classification of rosacea: Report of the National
Rosacea Society Expert Committee on the Classification and
Staging of Rosacea. J Am Acad Dermatol. 2002; 46(4):584-7.

Trabalho recebido: 13/07/2017


Trabalho aprovado: 30/07/2017

Foto 3 - Colonização de Demodex folliculorum.

Foto 4 - Rosacea antes do tratamento.

117

Você também pode gostar