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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Paula Teixeira Araujo

Ciência e Tecnologia na Educação Infantil: uma análise das


relações de gênero em intervenções lúdicas na primeira infância

GUARULHOS
2023
PAULA TEIXEIRA ARAUJO

Ciência e Tecnologia na Educação Infantil: relações de gênero em


intervenções lúdicas na primeira infância

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de São Paulo como requisito para a
obtenção do grau de Doutorado em Educação.

Orientador: Emerson Izidoro dos Santos.

GUARULHOS
2023
Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos autorais n.º
9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório Institucional da
Unifesp ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer ressarcimento dos direitos
autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico para fins de divulgação
intelectual, desde que citada a fonte.
PAULA TEIXEIRA ARAUJO

CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: RELAÇÕES


DE GÊNERO EM INTERVENÇÕES LÚDICAS NA PRIMEIRA
INFÂNCIA

Tese de Doutorado apresentada à linha de Pesquisa Educação:


Linguagens e Saberes em Contextos Formativos, do Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE), da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp), como requisito parcial para a
obtenção do título de Doutora em Educação, sob a orientação
do Prof. Dr. Emerson Izidoro dos Santos.

APROVADA EM:

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________
Prof. Dr. Emerson Izidoro (UNIFESP)

________________________________________________
Bianca S. Guizzo (UFRGS)

________________________________________________
Celi R. Dominguez (USP)

________________________________________________
Daniela Finco (UNIFESP)

__________________________________________________
Viviane Briccia (UESC)

__________________________________________________
Emerson F. Gomes (IFSP)

__________________________________________________
Marina V. Savordelli (UNISANTA)
Dedicatória

A todas as crianças que me permitiram descobrir um novo modo de pesquisar.


AGRADECIMENTOS

A todos que me acompanharam, incentivaram, acreditaram em mim, auxiliaram e


insistiram em mim, meus sinceros agradecimentos.
RESUMO

Estudos recentes sobre as desigualdades de gênero no campo da Ciência e Tecnologia, em


especial acerca da baixa representatividade feminina nas ciências exatas, têm apontado para a
necessidade de observar como se dão as interações das meninas e meninos com essas
temáticas desde a primeira infância. Nesse sentido, esta pesquisa tem como objetivo geral
investigar como as crianças, entre 5 e 6 anos, de uma determinada realidade, produzem,
espontaneamente e/ou de forma dirigida, discursos, narrativas, estratégias e interações em
intervenções lúdicas que abordam temáticas de C&T, buscando identificar se é possível (ou
não) relacionar essas manifestações e interações com referências de gênero estabelecidas
culturalmente, a partir da interpretação dos processos de criação, (re)produção e
(re)interpretação de atividades pedagógicas realizadas no contexto da educação infantil. A
produção dos dados foi realizada com uma turma de 32 crianças, entre 5 e 6 anos, em uma
escola de Educação Infantil localizada em um bairro periférico do município de Guarulhos/SP.
Caracteriza-se como pesquisa com abordagem qualitativa, do tipo pesquisa-intervenção, e
adota múltiplos recursos em busca de lidar com os desafios de um estudo que busca ser com e
sobre as crianças. Para isso, foram realizadas diversas etapas ao longo do processo de
produção dos dados, iniciando com o planejamento de propostas de intervenções,
posteriormente adaptadas com informações coletadas durante a segunda etapa, de observação
da turma, e a última etapa contou com a aplicação das intervenções. Os registros foram
coletados por meio de anotações em caderno de campo, imagens e filmagens das propostas
didáticas, a fim de priorizar, durante o percurso investigativo, ouvir as crianças. Assim, a
questão de pesquisa que buscamos responder, com esse estudo, “como se dão as interações
das crianças, entre 5 e 6 anos, na perspectiva das relações de gênero, em atividades
pedagógicas que abordam temáticas de Ciência e Tecnologia no contexto escolar da educação
infantil?”. O processo de análise dos dados ainda está em construção.

Palavras-chave: Crianças. Relações de Gênero. Ciência e Tecnologia.


ABSTRACT

keyword: Children. Gender Relations. Science and Technology.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Reaprendendo a interpretar o espaço escolar da educação infantil 26


Figura 2 - Esquema representativo sobre os principais fatores que intervêm na desigualdade
de gênero em profissões ligadas às Ciências Exatas e Tecnologias ou STEM 45
Figura 3 - Esquema representativo do posicionamento dos instrumentos de registro na sala de
aula 53
Figura 4 - Estrutura externa da unidade escolar 67
Figura 5 – Corredor central da escola. 71
Figura 6 - Organização do espaço da sala de aula - vista da porta 72
Figura 7 – Devolutivas: apresentação das fotos das atividades e visita ao evento externo 75
Figura 8 – Devolutiva para familiares 76
Figura 9 – Crianças brincando no corredor externo da escola 78
Figura 10 – Crianças interagindo e se afastando da pesquisadora 79
Figura 11 – Registro feito pela criança que me deu uma coroa de peças de montar. 80
Figura 12 – Crianças explorando e interagindo com os instrumentos de registro dos dados 82
Figura 13 – Roda de leitura da obra Folhinhas 85
Figura 14 – Mulher Maravilha demonstrando como usar o “espião” 86
Figura 15 – Exploração do espaço externo da escola 86
Figura 16 – Produções a partir da exploração com a lupa 87
Figura 17 – Crianças escrevendo a palavra descoberta na lousa 87
Figura 18 – Explorando as imagens da escola na versão digital 88
Figura 19 – Produção dos registros a partir da leitura do mapa do entrono da escola 89
Figura 20 – Meninos brincando com a lupa 89
Figura 21 – Escolha do ambiente a ser explorado 90
Figura 22 – Explorando as imagens de animais e elementos presentes no fundo do mar 92
Figura 23 – Cenário do fundo do mar confeccionado para a etapa da exploração 92
Figura 24 – Turma explorando o fundo do mar 93
Figura 25 – Crachás dos meninos que escolheram registrar o submarino 93
Figura 26 - Grupo de crianças manuseando o experimento 94
Figura 27 – Etapa de confecção, teste e enfeite dos submarinos 95
Figura 28 – Produção das crianças a partir da confecção do submarino 96
Figura 29 – Registros sobre o fundo do mar por duas meninas (em cima) e dois meninos
(embaixo) 97
Figura 30 – Turma conhecendo a história da astronauta Mae com a boneca e as imagens 98
Figura 31 – Momento de tirar dúvidas com a astronauta 99
Figura 32 – Turma respondendo positivamente ao convite de construir um foguete com a Mae
99
Figura 33 – Confecção do protótipo de foguete 100
Figura 34 – Lançamento do foguete 100
Figura 35 – Turma assistindo à animação sobre viagem espacial 101
Figura 36 – Produções a partir da animação 101
Figura 37 – Relembrando a história da Mae C. Jemison 102
Figura 38 – Crianças interagindo com a Mae durante a confecção do foguete PET 103
Figura 39 – Lançamento do foguete PET pelos grupos 103
Figura 40 – Turma assistindo ao episódio da animação da Luna com a Mae 104
Figura 41 – Confecção do binóculo ou luneta e crianças testando o recurso observando pela
janela 105
Figura 42 – Turma observando o céu com as produções 105
Figura 43 – Pescador caranguejo com a Mae observando o céu 106
Figura 44 – Observação e registro das nuvens 107
Figura 45 – Outras maneiras de observar as nuvens 107
Figura 46 – Registros após a observação das nuvens 108
Figura 47 – Grupo definindo qual o destino do foguete 111
Figura 48 – Crianças garantindo a participação da boneca Mae nas atividades 111
Figura 49 – Meninos brincando com o foguete espontaneamente 112
Figura 50 Pescador Caranguejo e Hulk II brincando com o foguete e a Mae no parque 113
Figura 51 – Meninas produzindo desenhos e histórias após a atividade de lançamento do
foguete 114
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Organização dos temas das intervenções


Quadro 2 Quantidade de alunos da escola de Educação Infantil pesquisada
Quadro 3 Sistematização da produção de dados - 2º semestre de 2022.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BC Banca da Ciência
CEU Centro Educacional Unificado
EI Educação Infantil
EF Ensino Fundamental
EJA Educação de Jovens e Adultos
EPG Escola da Prefeitura de Guarulhos
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
PPP Projeto Político Pedagógico
PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
PT Partido dos Trabalhadores
SME Secretaria Municipal de Educação
UE Unidade Escolar
STEM Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática
INTERFACES Interfaces e Núcleos Temáticos de Estudos e Recursos da Fantasia nas Artes,
Ciências, Educação e Sociedade
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 8
1 INTRODUÇÃO 11
2 OS SUJEITOS DE PESQUISA: as crianças e a escola de educação infantil 19

2.1 Sujeitos de pesquisa: as crianças e a concepção de infância 19


2.2 Culturas infantis produzidas para e pelas crianças 21
2.3 A escola de Educação Infantil: reaprender a olhar para o espaço escolar das crianças
pequenas 25
3 RELAÇÕES DE GÊNERO E EDUCAÇÃO na primeira infância 30

3.1 Gênero no contexto social e político brasileiro 30


3.2 O Conceito de Gênero 31
4 EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS na primeira infância 36

4.1 Ciência e Tecnologia: do que estamos falando? 36


4.2. Meninas e Mulheres na Ciência e Tecnologia 40
5 METODOLOGIA 48

5.1 Percurso metodológico 48


5.2 Procedimento de organização e análise dos dados 56
5.3 Contexto da pesquisa: o projeto JOANINHA e a relação com o Pibid 57
5.3.1 As propostas de intervenção: planejamento inicial 61
5.3.2 Local da pesquisa: a cidade, o bairro e o contexto escolar 65
5.3.3 Percurso investigativo in loco e os atores envolvidos 72
5.3.4 Em busca de uma aproximação horizontal com a turma 77
6 RESULTADOS 83

6.1 Propostas de intervenção 83


6.1.1 Semana 1 - Intervenção: Terra-Escola 84
6.1.2 Semana 2 - Intervenção: Mar 91
6.1.3 Semana 3 - Intervenção: Espaço “O meu pai é um astronauta!” 97
6.1.4 Semana 4 - Intervenção: Céu 104
6.2 Exemplos de episódios a serem explorados no processo de análise 110
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 116

APÊNDICES 121
APÊNDICE A - Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE) 122
APÊNDICE B - Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) 126
APÊNDICE C - Estrutura inicial da proposta de intervenção 127
APÊNDICE D – Anotações da coleta de dados 141
ANEXO 238
ANEXO I- Comitê de Ética e Pesquisa - Parecer Consubstanciado 239
14

APRESENTAÇÃO

Relembrar o processo que me fez chegar ao tema de pesquisa me levou para diferentes
momentos da minha trajetória. Nesse longo processo artesanal de produção, de si e da
pesquisa, é possível identificar fios que se conectam e entrelaçam, a partir de experiências do
campo profissional, acadêmico e pessoal. Alguns aspectos são mais facilmente identificados e
nomeados, já outros ainda estão em fase de construção e compreensão. Por isso, fiz o
exercício de apresentar alguns fios que tecem esse percurso inacabado.
A linha de encanto que me conecta à educação, enquanto ferramenta de transformação
social, tem uma semente plantada ainda no início da adolescência, enquanto líder de grupo da
base mais progressista da igreja católica, Pastoral da Juventude, historicamente vinculada com
lutas políticas em defesa pela democracia no período da ditadura militar em nosso país. O
engajamento em diversas ações sociais coletivas em uma comunidade periférica semeou, ao
longo de anos, um despertar para a importância de estar em constante movimento,
reconhecendo nessas vivências o solo fértil que me faz esperançar pela luta pelos Direitos
Humanos e valores democráticos. No campo profissional, embora interesse em ser professora
não existisse, a formação em nível técnico no magistério, CEFAM1, revelou-se uma saída
estratégica: estudar em período integral só foi possível devido ao auxílio financeiro resultado
de uma política pública. Esta bolsa permitiu adiar, por alguns anos, a conciliação de trabalho e
estudos, uma regra na família, somada aos longos períodos de percurso de ida e volta do do
trabalho, em transportes públicos superlotados. Durante esta formação técnica, participei de
um curso de extensão oferecido em parceria com o Programa Mão na Massa, que despertou o
interesse para ações envolvendo ciências nas séries iniciais de forma lúdica. Essa experiência
contribuiu para a escolha do curso de licenciatura em Ciências da Natureza, somado a uma
forte influência de um professor simpático e divertido do magistério, e atual orientador, que
incentivou constantemente a turma a estudar física e matemática, tirando o foco das longas
atividades de confecção de materiais para a construção do ambiente alfabetizador e datas
comemorativas. Consequentemente, parte da turma do magistério cursou a graduação em um
campus da Universidade de São Paulo (USP), recém-inaugurado na zona leste da cidade de
São Paulo. Mais uma vez, a existência de uma política pública tornou acessível o desejo de

1
No estado de São Paulo, o Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) foi
finalizado no ano de 2005. Mais informações sobre “O que foi o CEFAM” em vídeo no canal: UNIVESP.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Tb90Lbj62G4. Acesso em 05 jan.2023.
15

trilhar o caminho do ensino superior público, permitindo uma jornada diária de trabalho e
universitária menos distante.
A graduação revelou um interesse singelo em entender alguns fenômenos naturais,
ampliou minha curiosidade por compreender alguns aspectos fenômenos sociais e culturais,
fornecendo ferramentas enriquecedoras para desempenhar o meu trabalho enquanto
professora de educação básica. Participar da iniciação científica e do grupo de pesquisa,
INTERFACES, igualmente incentivada pelo (ex) professor do magistério e atual orientador,
possibilitou articular os interesses em desenvolver atividades práticas de pesquisa com as
ciências para as crianças, viabilizando a minha participação em eventos acadêmicos e cursos
extracurriculares. Além destes, o meu trabalho de conclusão de curso resultou na publicação
de um livro sobre propostas didáticas de ensino de ciências com literatura infantil para o
ensino fundamental2, distribuído nas escolas brasileiras a partir do Programa Nacional de
Biblioteca na Escola (PNBE) do professor, em 2013.
As muitas descobertas impulsionadas pelas vivências no ambiente universitário, em
especial o encontro com um movimento feminista, causaram muitas rupturas e transformações
internas. Uma delas levou-me a realizar, no mestrado, uma pesquisa articulando o antigo
interesse, a aprendizagem de ciências nos anos iniciais escolares, às relações de gênero,
resultando em uma pesquisa sobre as representações de gênero em livros infantis a partir de
personagens galinha e joaninha que, frequentemente, figuram os papéis de mãe e menina. Por
meio desta experiência, foi possível entrar em contato com a formação inicial e continuada de
professores da rede pública municipal e com o Programa institucional de bolsas de iniciação à
docência3 (Pibid), além de contribuir para o desenvolvimento do material de apoio do curso de
especialização em Gênero e Diversidade na Escola4, destinado a formação de professores de
educação básica. Durante esse percurso, minha identidade profissional foi sendo forjada na
escola pública, em diferentes municípios periféricos da região metropolitana de São Paulo,
presenciar e aprender muito com histórias impactantes e potentes ao longo de uma década.

2
PIASSI, Luis Paulo de Carvalho; ARAUJO, Paula Teixeira. A literatura infantil no ensino de
Ciências: propostas didáticas para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Ed. SM, São Paulo, 2012.
3
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. Disponível em
https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/educacao-basica/pibid/pibid.
Acesso em 05 jan. 2023.
4
Módulo 2 Gênero (2015), do curso de Especialização em Gênero e Diversidade na Escola,
organizado pela UNIFESP em parceria com o Comitê Gestor Institucional de Formato Inicial e
Continuada de Profissionais da Educação Básica - COMFOR / Secretaria de Educação Básica - SEB /
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI / Secretaria
Estadual de Educação. Disponível em https://repositorio.unifesp.br/handle/11600/39168. Acesso em
15 fev. 2023.
16

Mais recentemente, o convite para atuar com formação continuada sobre tecnologia na
Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos permitiu acessar um espaço que
redimensionou a minha possibilidade de atuação e o compromisso pessoal de transformação
social, por meio da Educação. Essa trajetória foi revelando um contínuo interesse de pesquisa
e profissional pautado pelo compromisso pela busca de redução das desigualdades, com foco
nas relações de gênero, a fim de garantir uma educação para a equidade, dignidade e justiça
social.
Esses alinhavos da vida foram tecendo inúmeras transformações, sendo a busca por
construir condições concretas para alcançar a equidade de gênero, nos espaços em que atuo,
um caminho inegociável. O apreço pela escola pública resulta de um processo de
(re)descobrir este como um campo fértil de luta e resistência, seja com o nível básico ou
superior, nas modalidades de formação inicial ou continuada. Compreendo essa batalha
enquanto um ato de esperançar, em busca de construir um mundo em que conseguiremos
ampliar, e não limitar, os sonhos de todo/as e de cada um/a, de poder ser o que se deseja. Tal
posicionamento se fortalece ainda mais em um cenário político alimentado, ao longo dos
últimos anos, por descrença, discursos anticiência e ataque aos princípios democráticos e
inclusivos.
17

1 INTRODUÇÃO

Em uma sociedade marcada pelos avanços tecnológicos e científicos, ainda lidamos


com um problema de baixa representação feminina nas áreas específicas como as ciências
exatas ou as áreas denominadas como STEM, sigla para definir Ciência, Tecnologia,
Engenharia e Matemática5 (UNESCO, 2018). Diversos estudos e ações têm se ocupado em
entender e problematizar os motivos para tal desigualdade permanecer, enquanto outros se
destinam a propor ações para reverter tal cenário (SCHIEBINGER, 2008; UNESCO, 2018;).
Nesse contexto, é perceptível notar uma quantidade significativa de produtos culturais
que têm abordado temas de ciência e tecnologia, doravante denominado por C&T, seja
representando a realidade ou um contexto de ficção, a partir de representações femininas e,
em alguns casos, raça. Esse movimento tem como objetivo apresentar, temas de C&T a partir
do protagonismo feminino, sendo o público-alvo as crianças, por meio de livros infantis
como, por exemplo, a obra denominada Ada Batista, Cientista - que também recebeu uma
adaptação para uma série televisiva em canal de streaming6; a animação derivada do projeto
Evolução para todes7 disponível em plataformas digitais de vídeos; ou peças de teatro como a
denominada Meninas curiosas, mulheres de futuro8, entre outros produtos culturais.
Ao notar esse movimento, é possível que diversas questões sejam levantadas,
problematizando diversos aspectos, como, qual a relevância, as possibilidades e as possíveis
contribuições de abordar temas C&T para crianças a partir de representações femininas? Há
diferenças, ou semelhanças, na percepção das crianças ao realizar atividades ou consumir
esses conteúdos, contendo ou não a representação feminina? É possível refletir sobre esses
aspectos no contexto escolar, considerando o espaço de troca e produção de saberes entre as
meninas e meninos sobre temas variados, incluindo os científicos e tecnológicos?
Tais questionamentos serviram de ponto de partida para esse estudo, que vem sendo
construído a partir de atividades piloto realizadas em contextos semelhantes no período de

5
Conforme definido na publicação “Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências,
tecnologia, engenharia e matemática (STEM)”. Brasília: UNESCO, 2018. Disponível em
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000264691. Acesso em mar. 2022.
6
Trailer oficial da animação Ada Batista, cientista. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=5pdKVlvoEU8. Acesso em Fev. 2023.
7
Projeto Evolução para Todes - Compartilhando a Ciência do Laboratório de Arqueologia e Antropologia
Ambiental e Evolutiva (LAAAE). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=d_4hLpzRh1A Acesso em
Mar. 2023.
8
Exemplo da peça produzida pelo projeto Força Meninas (https://frmeninas.com.br/), apresentado em diferentes
municípios brasileiros via Lei de incentivo à Cultura, sendo um deles Guarulhos, conforme reportagem
publicada em 23/03/2022. Disponível em
https://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/siseduc/portal/site/detalhar/conteudo/5557/ . Acesso em Fev. 2023.
18

2017 a 2019. Essas ações, assim como a presente pesquisa, foram realizadas no âmbito do
projeto de extensão universitária, voltado às ações de comunicação científica destinada ao
público infantil, denominado J.O.A.N.I.N.H.A., cujo significado é Jogar, Observar, Aprender
e Narrar: Investigações em Humanidades e Arte-Ciência. Este projeto é uma das linhas de
ação do programa de extensão universitária Banca da Ciência9 que tem como objetivo
popularizar a educação científica, com cunho sociopolítico, em espaços formais e não-formais
de educação para públicos de diferentes idades (PIASSI, 2013). Ele ocorre a partir de parceria
entre instituições de ensino superior públicas, sendo as principais, Escola de Artes, Ciências e
Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP) e a Escola de Filosofia Letras e
Ciências Humanas (EFLCH) da UNIFESP, contemplando outras universidades públicas do
mesmo estado e de outros estados brasileiros, com maior ou menor grau de articulação. De
maneira articulada, as ações são desenvolvidas a partir de parceria com as ações do Pibid,
subprojeto de Pedagogia da EFLCH/UNIFESP. Tal articulação, entre o Pibid e o JOANINHA,
propõe viabilizar ações concretas a serem produzidas pelas graduandas e aplicadas em sala de
aula da educação básica, a partir do desenvolvimento de ações lúdicas, envolvendo diferentes
linguagens. Reconhecendo que a escola é um espaço onde as crianças devem ter o contato
com as ciências e a tecnologia de maneira mais organizada, enquanto um direito, conforme o
artigo 3º da resolução número 5, de dezembro de 2009, que fixa as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil, que define:

O currículo da Educação Infantil é concebido como um conjunto de


práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças
com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural,
artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o
desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade.
(BRASIL, 2009, p. 18)

Nesse sentido, nosso interesse foi buscar evidenciar o ponto de vista das crianças em
atividades que envolvem C&T adotando, para essa análise, as lentes das relações de gênero.
Assim, a questão de pesquisa, que norteou o estudo, consiste em buscar compreender: Como
se dão as interações das crianças, entre 5 e 6 anos, na perspectiva das relações de gênero, em
atividades pedagógicas que abordam temáticas de Ciência e Tecnologia no contexto escolar
da educação infantil. Temos como hipótese deste estudo que é possível, desde a primeira
infância, por meio de elementos lúdicos, adequados à faixa etária e ao contexto em que as

9
Projeto de extensão Banca da Ciência. Mais informações em
https://jornal.usp.br/universidade/acoes-para-comunidade/projeto-da-usp-ensina-ciencias-com-material-de-baixo
-custo/. Acesso em 20 fev. 2023.
19

crianças estão inseridas, abordar temas de ciência e tecnologia de forma comprometida com a
equidade (nas relações) de gênero.
A produção de dados foi realizada com uma turma de 32 crianças, entre 5 e 6 anos, de
uma escola de Educação Infantil (E.I.) localizada em um bairro periférico do município de
Guarulhos/SP. Caracteriza-se como uma pesquisa prática, com abordagem qualitativa, que
adotou múltiplos recursos em busca de lidar com os desafios e as diversas etapas do processo
de produção e análise dos dados, enquadrando-se como uma pesquisa participante, do tipo
intervenção. Os instrumentos de registro utilizados ao longo de todo o processo de
investigação foram variados. Sobre o percurso metodológico construído, o primeiro semestre
letivo de 2022 contou, fundamentalmente, com a etapa de observação e registros, em notas de
campo e alguns registros fotográficos. Já no segundo semestre, os registros foram feitos por
meio de gravação de imagem e som, com fotos e gravações de áudio e vídeo,
complementados pelas notas de campo, durante todo o processo de aplicação das intervenções
pedagógicas.
Em busca de encontrar respostas e refletir sobre as nuances do estudo, definimos,
enquanto objetivo geral: investigar como as crianças, entre 5 e 6 anos, de uma determinada
realidade, produzem, espontaneamente e/ou de forma dirigida, discursos, narrativas,
estratégias e interações em intervenções lúdicas que abordam temáticas de C&T, buscando
identificar se, e como, é possível relacionar essas manifestações (interações) com base em
representações culturalmente conhecidas, a partir da interpretação dos processos de criação,
(re)produção e (re)interpretação de atividades pedagógicas realizadas no contexto da
educação infantil. Para isso, destrinchamos os seguintes objetivos específicos, elencados
abaixo:

● identificar se, e como, as crianças demonstram interesse por temas relacionados à


ciência e tecnologia no contexto escolar da educação infantil, em atividades livres e
dirigidas, ao longo de toda a etapa de observação e durante as atividades de
intervenção;
● verificar se, e como, no contexto das intervenções propostas acerca da C&T, as
crianças expressam manifestações semelhantes e ou específicas a respeito dos temas
abordados à luz das lentes de gênero, a partir dos registros de discursos, interações e
brincadeiras em que será possível categorizar e comparar se há demonstração de níveis
de interesse por parte de meninos e meninas pelas temáticas abordadas;
20

● analisar as manifestações das crianças acerca dos temas de C&T buscando relacionar
se, e como, essas expressões dialogam/corroboram ou se contrapõem com as
representações culturais estabelecidas no contexto local em que elas estão inseridas,
relacionando com propagandas veiculadas e com produtos culturais como filmes e
brinquedos;
● verificar se foi construído um espaço de diálogo onde as crianças pudessem expressar
suas opiniões e (des)interesses acerca dos temas propostos: C&T e relações de gênero,
identificando elementos nos discursos e manifestações que evidenciam opiniões
diversificadas sobre a proposta.

Assim, configuram-se, enquanto objeto de pesquisa, as relações de gênero produzidas


no contexto de atividades que abordam os temas de ciência e tecnologia com crianças
pequenas, sujeitos da pesquisa, de uma escola pública de educação infantil. Nesse sentido,
consideramos que a maneira de propor as intervenções, registrar, narrar, descrever, interpretar
e (re)construir todo o processo com as crianças interfere significativamente. Reconhecemos
que a proposta de articulação dos conceitos de ciência e tecnologia no contexto da educação,
especificamente a etapa infantil, da rede municipal de ensino de Guarulhos, poderia ser
abordada a partir de diferentes perspectivas e metodologias e com possibilidades de interesses
múltiplos. Alguns possíveis enfoques poderiam ser adotados, como, por exemplo: I) analisar a
concepção de ciência e tecnologia da rede de ensino, expressa no documento norteador, e a
relação desta com as aquisições de recursos pedagógicos que visam potencializar essas áreas
com as crianças da educação infantil; II) compreender a percepção das professoras acerca do
que é ciência e tecnologia e de como isso pode ser abordado em sala de aula, por meio de
entrevistas ou em curso oferecido enquanto percurso formativo; III) analisar os projetos
inscritos por professores para participar em evento organizado pela secretaria municipal de
desenvolvimento científico e tecnológico10, destinado a fomentar atividades inovadoras na
rede de ensino, o qual conta com quadro específico para o público infantil das escolas
municipais; entre outras.
Entretanto, a opção adotada nesta pesquisa busca incluir, e valorizar, a perspectiva das
crianças, observando as suas produções a partir de temas relacionados à C&T, buscando
identificar e analisar como se dão as relações de gênero nesse contexto. Nossa decisão foi por
pesquisar a partir das vozes das crianças em busca de incluir esse grupo social, que é

10
Evento realizado pelo município, vinculado à Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT)
fomentada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. Disponível em:
https://semanadoconhecimento.guarulhos.sp.gov.br/2022 . Acesso em março de 2023.
21

igualmente impactado pelos avanços da C&T na sociedade, embora nem sempre seja
reconhecido como. O referencial teórico do campo dos estudos sociais da infância possibilita
o diálogo com os campos propostos nesta pesquisa, tanto acerca das relações de gênero na
infância quanto entre a ciência e a infância. Assim, buscamos propor uma articulação entre os
três elementos: infância, as relações de gênero e a ciência no espaço escolar, assumindo que
este é um espaço enriquecedor de trocas. Nesse sentido, ressaltamos que não pretendemos
analisar como as crianças se apropriam, constroem ou elaboram dos conceitos e
conhecimentos científicos e tecnológicos. Ou seja, não pretendemos, com as atividades
propostas, que as crianças nos digam o significado dos conceitos abordados, ou do que elas
entendem por ciência e tecnologia em si. Mas sim, como esses conceitos são vividos e
experienciados pelas meninas e meninos entre 5 e 6 anos no contexto escolar da educação
infantil. Para isso, foram planejadas intervenções com temáticas que contém temas de C&T, a
partir de elementos lúdicos, como a exploração do fundo do mar e do espaço confeccionando
protótipos de foguete e de submarino com materiais de baixo custo; a investigação do
ambiente escolar, utilizando diferentes recursos, como a lupa e imagem via satélite da
estrutura do prédio e entorno; e a observação do céu. Enquanto articulação dessas temáticas, o
foco comum consiste no processo criativo das crianças, que são convidadas a interagir e
brincar, propiciando práticas que “incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o
questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e
social, ao tempo e à natureza” (BRASIL, 2010, p. 26), entre outras experiências.
Assim como o percurso realizado na pesquisa de doutorado de Rufino (2012), com o
objetivo identificar como se dão as experiências das crianças na forma de significar do mundo
natural e tecnológico a fim de inserir elementos da cultura científica no espaço da infância,
sem sobrepô-la à das crianças, pretendemos observar como dão-se as interações e as
experiências das crianças com os temas de C&T adotando a perspectiva das relações de
gênero, reconhecendo as especificidades da primeira infância. Nesse processo, buscamos
verificar se, e como, é possível identificar comportamentos semelhantes, ou distintos, acerca
dos temas abordados, reconhecendo as múltiplas linguagens como forma de expressar esse
(des)interesse.
A perspectiva de gênero foi adotada por alguns motivos distintos e complementares:
i) relevância dos estudos de gênero articulados à diferentes aspectos sociais, como a educação
e as áreas de ciências exatas, a fim de entender as dinâmicas da realidade concreta em busca
de (re)configurar e construir possibilidades de ações mais equânimes nos diferentes espaços
comprometidos com a diminuição das desigualdades sociais; ii) resistência ao cenário político
22

em que grupos conservadores têm atacado essa agenda, esvaziando e distorcendo conceitos,
deslegitimando o debate científico, além de ampliar um contexto de permanente ataques sobre
os direitos das mulheres; iii) significativo valor pessoal, reconhecendo a dimensão coletiva,
por identificar os inegáveis atravessamentos que causam no sujeito, por ser mulher,
profissional da educação de crianças, comprometida com os direitos humanos. Assim, os
aspectos das relações de gênero analisados voltados ao público infantil, são reconhecidos
enquanto uma contribuição para um cenário mais amplo, considerando sua relevância para o
avanço dessas reflexões em outras áreas.
Optamos por utilizar a desinência feminina ao referirmo-nos ao grupo de profissionais
que atua nas escolas de educação infantil, as professoras, enquanto uma estratégia política de
evidenciar o quanto essa ainda é uma carreira profissional, predominantemente, ocupada por
mulheres, contribuindo para o uso não sexista da linguagem11. Essa opção evidencia também
uma oposição à realidade das áreas de ciência e tecnologia, ou mais especificamente STEM,
onde a predominância é do público masculino (IWAMOTO, 2022). Esse cenário demonstra
uma organização social do trabalho que resulta de contexto histórico, político, econômico e
social que necessitou incluir as mulheres no magistério para atuar na educação das crianças.
Segundo a pesquisadora Guacira Lopes Louro, esse movimento contou com a construção
estratégica de discursos de representantes do estado, que até então demonstravam
preocupação em conferir a importante função de educar nas mãos de mulheres, pessoas
consideradas inferiores. Posteriormente, devido a urgência por mão de obra, essas falas
necessitaram ser revisitadas (LOURO, 2006).
Vale destacar que, há uns anos, o contexto político e social brasileiro tem pautado as
questões de gênero mobilizando o cenário por meio de ataques em diferentes frentes, em
especial às feministas. Como exemplo, destacamos a perseguição e o discurso de ódio em
torno da cientista Débora Diniz, professora da UNB, que necessitou recorrer ao autoexílio
como estratégia de sobrevivência e proteção das demais pessoas que frequentam a
universidade, por defender o direito reprodutivo das mulheres12. Na contramão, o projeto

11
TOLEDO, L. C.; ROCHA, M. A. K.; DERMMAM, M. R.; DAMIN, M. R. A.; PACHECO, M.
(Org.). Manual para o uso não sexista da linguagem: o que bem se diz bem se entende. Porto Alegre:
Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital, 2012. 112 p. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3034366/mod_resource/content/1/Manual%20para%20uso%
20n%C3%A3o%20sexista%20da%20linguagem.pdf. Acesso em 1 abr. 2023.
12
Conforme destacado em diferentes meios e publicações acadêmicas. Disponíveis em:
https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/conheca-debora-diniz-antropologa-referencia-na-discussao-sobre-iguald
ade-de-genero-e-saude-publica-no-brasil-durante-epidemias/ e em artigo publicado em 2021.
https://www.revistas.usp.br/crioula/article/download/196867/184405/567377. Acesso em 10 abr. 2023.
23

Escola Sem Partido13, que ganhou ainda relevância nos últimos anos, deixando um rastro de
medo e preocupação entre professores simpatizantes ou que abordam determinados temas em
suas salas de aula, sendo as relações de gênero um deles. Em contrapartida, reconhecendo
que não há ação sem reação, podemos afirmar também que ações contrárias têm sido
produzidas no país, a partir de projetos que revelam uma resistência em sua existência. Como
exemplo, o projeto denominado Gênero e Educação14 é uma ação conjunta, realizada por
organizações não governamentais e fundações, para incentivar as escolas de educação básica a
promoverem uma educação voltada à equidade de gênero, raça e sexualidade em todos os
níveis de ensino e modalidades, estimulando professores a publicarem suas práticas no site,
além de oferecer cursos, divulgar ações e pesquisas na área e disponibilizar um banco de
relatos de atividades educativas com essas temáticas. Em 2022, participamos do segundo
edital, destinado às práticas realizadas nas modalidades de Educação Infantil e EJA, e, entre
os 80 projetos recebidos e 26 aceitos, tivemos o reconhecimento da nossa proposta como uma
das três propostas mais criativas e originais15, por abordar temas de ciência e tecnologia a
partir da representação feminina negra com crianças da educação infantil16. Entre as muitas
ações, destacamos também a importância de seminários e cursos de extensão universitária que
buscam refletir sobre a urgência do debate sobre relações de gênero na educação básica e no
contexto das ciências, sendo ofertados independentemente do medo e do risco de censura ou
perseguição17.
Na mesma direção, considerando os desafios impostos pelo contexto em que a
pesquisa foi produzida, a pandemia de Covid-19 permeou parte significativa do período desse
estudo, uma vez o início do período do curso de doutoramento deu-se concomitante à
exigência de adotar a quarentena no estado de São Paulo, em março de 2020. As escolas do

13
Conforme destacado em diferentes veículos de informação. Disponíveis em:
https://www4.fe.usp.br/escola-sem-partido; https://profscontraoesp.org/;
https://cienciahoje.org.br/artigo/escola-sem-partido-origens-e-ideologias/. Acesso em: 10 abr. 2023.
14
Projeto Gênero e Educação. Mais informações em: https://generoeeducacao.org.br/. Acesso em 20
fev. 2023.
15
Notícia sobre as propostas selecionadas no segundo edital e reconhecimento público das mais
criativas e originais. Disponível em:
https://generoeeducacao.org.br/edital-igualdade-de-genero-na-educacao-basica-2022-conheca-as-prop
ostas-selecionadas/. Acesso em: 20 fev. 2023.
16
Relato Conhecendo uma astronauta negra. Disponível em
https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola-tipo/materiais-educativos/plano-de-aula/conhecendo-
uma-astronauta-negra/. Acesso em 20 fev. 2023.
17
Como exemplo, citamos o curso “Mulheres cientistas: questões de gênero na educação em ciências”,
que a autora da pesquisa participou em 2021, oferecido pela Universidade Federal do ABC.
Disponível em: https://sites.google.com/view/renaslab/extensao/extensao2021. Acesso em 20 fev.
2023.
24

município de Guarulhos permaneceram fechadas de março de 2020 até julho de 2021, sendo
adotado, enquanto estratégia de comunicação e incentivo a realização de atividades
educativas, um programa televisivo, produzido pela equipe técnica da Secretaria Municipal de
Educação (SME), como uma maneira de validar a carga horária letiva anual. Esta iniciativa
tornou-se uma política pública reconhecida, tendo atividades complementares dos professores
das turmas por meio do contato telefônico e via redes sociais. Assim, as atividades de
produção dos dados, planejadas inicialmente para serem realizadas em 2021, só iniciaram em
2022, quando foi autorizada a retomada das atividades presenciais, pela universidade. Para
além dos muitos desafios impostos pela pandemia, o uso das máscaras revelou-se como um
fator complicador para a produção dos dados tornando difícil ouvir e compreender as falas das
crianças além de nem sempre conseguir observar as suas expressões faciais no início do
processo de registro de dados. Por fim, em meio a todos os desafios impostos, acreditamos
que esta pesquisa busca dialogar e contribuir para o processo de alargamento da compreensão
do contexto social a partir da voz das crianças, evidenciando as percepções e produções delas
acerca de temáticas de C&T em cena. As reflexões acerca das temáticas e do formato em que
se deu o estudo visam reafirmar a necessidade de um ensino público de qualidade desde a
primeira infância, reafirmando a importância de pautas urgentes sejam debatidas amplamente
para alcançarmos uma sociedade mais justa em que os direitos humanos se façam presentes
para todos, respeitando as individualidades e potencializando as dimensões de cada ser.
Nesse sentido, pretendemos que nosso estudo possa contribuir com a análise de
discursos e comportamentos no contexto escolar. As relações de gênero, nesse contexto,
podem ser repensadas por meio de debates e ressignificação de símbolos, pensamentos e
ações - em torno dos conceitos científicos, neste caso - comprometidos com a transformação
da sociedade. Assim, há relevância em produzir práticas pedagógicas que permitam a
interação, a brincadeira e a reflexão sobre tais questões com sujeitos de diferentes idades. Para
isso, algumas questões são norteadoras dessa proposta de pesquisa: as questões acerca da
baixa representatividade de mulheres na ciência são observadas nas interações das crianças ao
final da primeira infância? É possível perceber uma maior apropriação de termos, conceitos e
interesse por temas científico-tecnológicos de determinados grupos de crianças - meninos e
meninas? Quais expressões e produções são produzidas pelas crianças em torno dos temas das
intervenções propostas na pesquisa?
A finalidade em analisar como as crianças interagem com essas questões no espaço
escolar é observar se é possível notar diferenças em relação aos aspectos de gênero para
relacionar com o cenário mais amplo. Dessa maneira, o foco em observar as interações e
25

produções das meninas e meninos não busca quantificar um possível nível de interesse por
temas científicos ou mesmo estabelecer uma comparação, supondo que um grupo deveria se
interessar tanto quanto o outro, se que há diferença perceptível. A proposta de investigação
tem como intuito entender as possibilidades de abordagem desses temas com crianças
pequenas identificando se é possível perceber comportamentos variados em um grupo e
analisar, esses comportamentos, com base nos referenciais de gênero. Nesse sentido, há um
esforço em entender e refletir genuinamente sobre e com as crianças no momento presente,
não querendo necessariamente estabelecer uma comparação com o cenário de outras
gerações/idades. Consideramos, ainda, que pode haver manifestações de outras categorias
identitárias, como raça ou etnia, a depender da diversidade presente na composição do grupo
de crianças. Entretanto, foi definido que as análises serão realizadas com base nas relações de
gênero, dada a necessidade do recorte da pesquisa.
Nosso estudo foi organizado de uma maneira que apresenta os diferentes elementos e
conceitos envolvidos no processo, estando estruturado na ordem descrita a seguir. O capítulo
dois contempla os sujeitos de pesquisa, a concepção de criança e infância com base na
Sociologia da Infância, bem como o contexto em que a pesquisa ocorreu, a escola,
justificando os motivos dessa escolha. O terceiro capítulo apresentará o conceito de gênero
adotado na pesquisa, buscando refletir quais contribuições em adotar as lentes de gênero ao
debruçar sobre um determinado contexto educativo, no caso a educação infantil. Neste,
pretendemos apresentar, na próxima etapa, alguns resultados de pesquisas recentes sobre o
diálogo entre a primeira infância e as relações de gênero, a partir de uma perspectiva da
equidade de gênero. No capítulo seguinte, discutiremos sobre quais os diálogos possíveis
entre ciência e tecnologia e crianças a partir de produções culturais sobre essa temática
destinadas a esse grupo e, mais especificamente, quais implicações, possibilidades e
relevância dessas temáticas fazerem-se presentes no contexto escolar destinado à primeira
infância. O percurso metodológico adotado é apresentado no capítulo quinto, elencando todas
as etapas do processo de pesquisa, bem como o espaço específico em que a produção dos
dados ocorreu, assim como o referencial utilizado na análise dos dados. Em seguida, o
capítulo seis apresenta um esboço de como pretendemos realizar a análise dos materiais
coletados. As considerações finais, bem como sugestões de encaminhamentos de pesquisa,
são apresentadas no sétimo e último capítulo.
26

2 OS SUJEITOS DE PESQUISA: as crianças e o espaço escolar da educação infantil

Neste capítulo buscamos apresentar os sujeitos da pesquisa, caracterizando-os


enquanto coautores do processo de investigação, e a concepção que sustenta essa escolha. As
crianças, na perspectiva dos estudos sociais da infância, são vistas como sujeitos que
produzem e constroem o presente, sendo agentes desse processo. Os referenciais
teóricos-metodológicos adotados, nesta pesquisa, buscam dialogar com o campo da sociologia
da infância, que tem contribuído para entender as crianças enquanto grupo social que produz
conhecimento, por meio de suas múltiplas linguagens. Com o intuito de circunscrever o
contexto da pesquisa, buscamos refletir, complementarmente, sobre o espaço escolar público
destinado para as crianças ao final da primeira infância, a partir da realidade em que o estudo.
Entretanto, atentamos para o fato de não limitar ou valorizar em demasia a presença dos
sujeitos nesse espaço institucional, considerando-o enquanto mais um local de vivência e de
construção de conhecimentos da criança sobre si, o outro e o mundo. Desse modo,
procuramos apresentar as crianças enquanto sujeitos, produtores de cultura, inseridos também
no contexto escolar, possibilitando, com essa leitura, alargar a compreensão do que é
percebido com e pelas crianças acerca dos temas abordados.

2.1 Sujeitos de pesquisa: as crianças e a concepção de infância

Uma das características que evidenciam um corpo de conhecimento em construção


pode ser observada na possibilidade de identificar nuances, mudanças de perspectivas e de
paradigma na leitura e interpretação de conceitos de uma determinada área ou campo de
conhecimento. Assim como inúmeras categorias sociais, que apresentaram modificações no
decorrer do tempo, como o que se entende por gênero, por exemplo, a concepção de
criança(s) e infância(s) esteve e permanece em disputa. Por isso, ao longo da história, é
possível identificar diferenças na maneira como as crianças e a infância foram - e são -
compreendidas, representadas e ou invisibilizadas nas sociedades.
A disputa estabelecida por uma nova concepção da infância, a partir de contribuições
do campo dos estudos sociais da infância, evidencia os valores de uma sociedade
adultocêntrica e paternalista em que a criança é tratada de maneira estigmatizada por
representar a diferença, considerando o referencial que é homem, adulto, branco,
heterossexual, hierarquicamente superior a todas as camadas sociais e possíveis intersecções.
Entretanto, com a ascensão dos estudos da diferença, dos estudos de gênero e estudos
27

culturais, há uma busca pela inversão da percepção estigmatizada de perceber “o outro”


enquanto desvio para um discurso de valorização e questionamento do que é considerado
“normal” (ABRAMOWICZ e MORUZZI, 2010).
O campo dos estudos sociais da infância pode ser compreendido como um espaço
multi e interdisciplinar que integra diferentes áreas como Sociologia, Antropologia, História,
entre outras, para ressignificar os discursos acerca da infância e das crianças (SARMENTO,
2010; TEBET, 2013). O processo de revisão, problematização das concepções e ampliação de
perspectivas acerca desses conceitos possibilitou ir além das tradicionais contribuições
advindas dos campos da Psicologia, Biologia e Medicina (ABRAMOWICZ e MORUZZI,
2010) que predominaram por muito tempo. Estas concebiam a infância como algo universal,
homogêneo, único, e a criança enquanto um ser incompleto, passivo, imaturo etc.
(SARMENTO, 2003; FARIA e FINCO, 2011). Com o surgimento desse novo campo
científico, e mais especificamente com as contribuições específicas da Sociologia da
Infância, a categoria social infância passou também a ser estudada enquanto um fenômeno
social (QVORTRUP, 2011), sendo destacada por alguns pesquisadores a importância de
perceber as infâncias e as crianças enquanto plurais, marcando a multiplicidade de
possibilidades dessas no mundo, em decorrência dos atravessamentos das categorias de
gênero, étnico-raciais, geracionais, nacionalidades, entre outras (ABRAMOWICZ e
MORUZZI, 2010).
De acordo com Moruzzi e Tebet (2010), “temos compreendido crianças pequenas
como aquelas que possuem de 0 a 6 anos e as infâncias como construções culturais, sociais,
econômicas, que variam conforme a história e a geografia.” (MORUZZI e TEBET, 2010 p.
33). Logo, ser criança é sofrer influência do seu contexto social, econômico, de raça, gênero,
nação, religião etc., não sendo possível universalizar o modo de ser desse grupo. Buscamos
nesta pesquisa atuar com apenas um desses aspectos sociais, o conceito de gênero, em busca
de compreender e responder à nossa questão de pesquisa: Como se dão as interações de
meninas e meninos, entre 5 e 6 anos, com atividades pedagógicas que abordam temas
científico-tecnológicos no contexto escolar na perspectiva das relações de gênero?
A questão dialoga com uma problemática identificada, fundamentalmente, no
contexto social mais amplo, da baixa representatividade feminina em determinadas áreas do
conhecimento, predominantemente as ciências exatas e tecnológicas. Entretanto, ao buscar
refletir sobre as causas, que resultam nessa desigualdade social persistente em diferentes
contextos e culturas, estudos apontam para a necessidade de se observar ações destinadas
28

desde a primeira infância (BIAN, LESLIE e CIMPIAN, 2017; BONDER, 2017; UNESCO,
2018). Assim, nosso interesse recai sobre a percepção das crianças, por reconhecê-las
enquanto atores, agentes presentes que tecem a nossa sociedade.
Nesse sentido, a sociologia da infância nos auxilia a teorizar a infância, na medida em
que compreende que a percepção das crianças enriquece a interpretação do contexto social.
Segundo a pesquisadora finlandesa Alanen, em seu artigo “Teorizando a infância”,
originalmente publicado em 2014 no periódico Childhood e traduzido por Lessa, em 2017, na
Revista Zero-a-Seis, uma das contribuições da área da sociologia da infância para o campo da
sociologia, é a teorização da infância (ALANEN e LESSA, 2017). Uma vez que, para
compreender o contexto social geral, é necessário considerar essa categoria. Para Alanen, a
relevância da área consiste em anunciar “especificidades próprias nos estudos empíricos que
retratam as crianças e as condições sociais de suas infâncias, o que justifica o empenho em
construir a área” (ALANEN e LESSA, 2017, p. 4). A área está em construção e possui
interesse principalmente de outros campos que necessitam mobilizar categoria para analisar e
entender o contexto, como a Educação. Embora o texto original seja um editorial, a autora faz
uma provocação sobre a necessidade desta área ser reconhecida pela sociologia tradicional
enquanto uma importante contribuição para a compreensão do social, a partir da integração
das questões relacionadas à infância e às crianças (idem). Vale destacar que, apesar dessas
definições auxiliar no processo de desenvolvimento dessa pesquisa, reconhecemos o quanto
os estudos sociais da infância não consistem em um bloco homogêneo, possuindo uma
diversidade e divergências nas interpretações sobre esses e outros conceitos, demarcando uma
multiplicidade de olhares e bases teóricas que fundamentam as diferentes áreas que compõem
esse campo (ALANEN e LESSA, 2017).
Embora nossa pesquisa não pertença exclusivamente ao campo da sociologia da
infância, busca estabelecer um diálogo com esta, reconhecendo que as reflexões contribuem
para articular conceitos mobilizados nesse estudo: as crianças da primeira infância, as relações
de gênero e a educação em ciências. Compreendemos, também, que o ponto em comum para
estabelecer um diálogo entre áreas distintas seja a cultura, uma vez que é a partir dos
discursos que circulam em torno desses temas que construímos a nossa pesquisa.

2.2 Culturas infantis produzidas para e pelas crianças

Sendo a criança um sujeito social e, consequentemente, assumindo o seu


protagonismo e participação na sociedade, reconhecemos que as suas produções contribuem
29

para a cultura do contexto social em que estão inseridas. Assim, o interesse pelo conceito de
cultura da infância deve-se ao fato do reconhecimento desse grupo social enquanto sujeitos
que compartilham algo em comum, a cultura da infância. Para tanto, faz-se necessário
esclarecer o que entendemos por cultura infantil, quais são suas características e elementos
que pertencem ou não a esse corpo.
Em um resgate histórico acerca do que se compreende por cultura da infância,
Sarmento (2003) destaca que por volta de 1970, alguns antropólogos a denominaram como o
conjunto de jogos e brincadeiras identificadas em suas pesquisas, demonstrando uma
modificação sobre a mente infantil, não mais concebida de maneira confusa ou apenas
fantasiosa, mas uma mente criando e buscando sentidos, ou “construtora do mundo”. Tal
percepção abriu caminhos para compreender a formulação de interpretações da sociedade, dos
outros e de si, dos pensamentos e sentimentos, por parte das crianças. Convocando uma
desconstrução de bases teóricas, como o conceito de socialização da sociologia clássica, que
remete a uma condição pré-social da criança, ou mesmo a um objeto manipulável, neutro e
passivo ao controle social, que precisava passar por uma enculturação de valores, normas e
comportamentos para o exercício futuro. A desconstrução desse conceito é corroborada
também por estudos que concebem uma antropologia da criança, que reconhecem nesses
sujeitos um papel ativo nas relações sociais, diferenciado da visão em que essa apenas
incorporava os comportamentos sociais (COHN, 2005).
Desse modo, de acordo com Sarmento, o conceito de culturas da infância consiste na
“capacidade das crianças em construírem de forma sistematizada modos de significação do
mundo e de ação intencional, que são distintos dos modos adultos de significação e ação”
(SARMENTO, 2003, p. 03) Assim, não podemos reduzir as culturas da infância aos produtos
da indústria cultural voltados ao público infantil, nem mesmo à cultura escolar, ou, ainda,
restringir àquilo que é produzido apenas entre as crianças, pois elas não surgem do nada, mas
estão enraizadas na sociedade. Pode-se dizer que as culturas da infância resultam da relação
de duas instâncias: 1ª) relações socialmente globais e 2ª) relações inter e intrageracional, que
convergem para a ação concreta da criança que produz uma possibilidade de constituir-se
como sujeito - ator social, em um processo criativo e reprodutivo (SARMENTO, 2003).
Nesse processo, as crianças participam coletivamente na sociedade, entre si e com os adultos,
contribuindo de maneira ativa para a produção de mudanças culturais, introduzindo aspectos
inovadores e criativos.
Dado que as culturas da infância se constituem “no mútuo reflexo de uma sobre a
outra das produções culturais dos adultos sobre as crianças e das produções culturais geradas
30

pelas crianças nas suas interações de pares” (SARMENTO, 2003, p. 07), um dos desafios da
área da sociologia da infância, segundo Sarmento (idem), é compreender o processo de
“reprodução interpretativa”, conceito definido por Corsaro (2011), como uma perspectiva que
abrange aspectos produtivos e reprodutivos, constituindo tanto as identidades individuais de
cada criança quanto o estatuto social da infância como categoria geracional. Para Corsaro,

O termo interpretativa captura os aspectos inovadores da participação das


crianças na sociedade, indicando o fato de que as crianças criam e participam
de suas culturas de pares singulares por meio da apropriação de informações
do mundo adulto de forma a atender aos seus interesses próprios enquanto
crianças. O termo reprodução significa que as crianças não apenas
internalizam a cultura, mas contribuem ativamente para a produção e a
mudança cultural. Significa também que as crianças são circunscritas pela
reprodução cultural. Isto é, crianças e suas infâncias são afetadas pelas
sociedades e culturas, das quais são membros. (2009, p. 31)

Logo, a cultura de pares que é produzida pelas crianças não se trata de uma
imitação, mas sim de uma apreensão criativa das informações do mundo adulto (CORSARO,
2009). O autor entende a cultura de pares enquanto “um conjunto estável de atividades ou
rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação
com os seus pares.” (CORSARO, 2009, p. 32) Nesse sentido, as crianças são produtoras de
culturas e não apenas produzidas por elas, reafirmando um relativo grau de autonomia que as
crianças possuem no processo de elaboração simbólica de sentidos em relação ao mundo. Por
isso, reafirmamos o nosso interesse em ouvir as crianças sobre um fenômeno social mais
amplo, pois assumimos que as crianças podem trazer outros elementos e relações para
entender a realidade.
Nesse cenário, Sarmento (2003) contribui com a distinção das culturas produzidas
pelas e para as crianças, afirmando que as produções geradas pelos adultos, direcionadas às
crianças, se diferem daquelas construídas nas interações, em uma espécie de “vai e vem”. As
culturas criadas e dirigidas do adulto para as crianças, para além da cultura escolar,
contemplam um conjunto de dispositivos com orientação de mercado, como por exemplo:
literatura infantil, jogos, brinquedos, cinema, quadrinhos, conteúdos digitais (jogos, vídeos,
sites) e serviços variados: festas, espaços tempo livre etc. Diferentemente de outras
definições, Sarmento (2003) entende que não há como separar os elementos simbólicos da sua
materialidade, como uma camiseta de algum personagem mitológico, por exemplo, não
distinguindo esses produtos entre cultura simbólica e cultura material. O processo de difusão
dessa cultura também é destacado por Sarmento (2003), ocorrendo por meio de
compatibilização entre a produção, feita pelos adultos, e recepção pelas crianças, ainda sim,
31

de maneira crítica, criativa e interpretativa, e não passiva. Essa dinâmica garante a


universalização do consumo de produtos da indústria cultural para crianças, pois considera o
desejo, a satisfação, e o jogo. Ou seja, a indústria cultural para infância atende o público
infantil com base em estratégias específicas, sob a lógica mercadológica, sendo apenas mais
uma evidência da necessidade de compreender a infância na sua complexidade (idem, 2003).
A partir dessa perspectiva, destacamos que, em decorrência de diferentes movimentos
do âmbito social e acadêmico, diversos produtos culturais têm sido produzidos com o intuito
de reforçar a representação feminina em temáticas de C&T, sendo possível identificar,
empiricamente, um crescimento desses elementos em produções que se destinam ao público
infantil. A animação denominada “O Show da Luna”, lançada em 2010, é um exemplo de
produção destinada ao público da primeira infância, especificamente crianças de 3 a 5 anos
(OLIVEIRA e MAGALHÃES, 2017), assim como a recém-lançada série de animação
denominada “Ada Batista, a cientista”, produzida pelo casal Barack e Michelle Obama,
divulgada em 2021. Outros exemplos serão apresentados e discutidos, futuramente, nos
próximos capítulos com o intuito de destacar que o crescimento dessas produções pode
indicar uma percepção social sobre a importância e relevância de produtos culturais que
prezam por representações sociais mais diversas e igualitárias, de modo que as personagens
contemplem a multiplicidade de categorias sociais. Contudo, embora seja relevante identificar
o que os adultos estão produzindo para as crianças, em torno das temáticas de ciência e
tecnologia com representações femininas, consideramos de extrema necessidade ouvir o que
as crianças pensam e produzem a partir desses temas e produtos, visto que esta pesquisa
dialoga com um olhar do campo da Sociologia da Infância, e busca pensar com as crianças e
não apenas sobre elas.
Desse modo, essa pesquisa busca estratégias para entender o que as meninas e
meninos de uma turma de educação infantil, em uma escola pública localizada em uma área
periférica urbana da região metropolitana de São Paulo, pensam e elaboram a partir das
interações e experiências produzidas com elementos do campo da ciência e tecnologia. Os
desafios que se apresentam são inúmeros, pois, assim como aponta Trevisan (2015), ao tratar
sobre as aprendizagens no processo de pesquisar com e sobre as crianças, é necessário um
exercício ativo e constante, por parte do pesquisador, em ver e ouvir a criança, como se fosse
pela primeira vez; compreender a complexidade, a pluralidade e a diversidade desses atores
sociais, percebendo a influência do contexto e do espaço; estabelecer uma relação de
confiança entre pesquisador e os sujeitos, de maneira que haja um distanciamento da criança
32

do passado, para que as suas interpretações não se confundam com as apresentadas pelos
sujeitos da pesquisa.

2.3 Educação Infantil: reaprendendo a olhar para o espaço escolar das crianças
pequenas

A revisão de conceitos clássicos acerca do que se entende por crianças e infância tem
possibilitado uma ampliação de perspectivas e de pesquisa, desvendando um vasto campo a
ser explorado, exigindo novos olhares e metodologias que possibilitem uma abordagem
diferenciada e que caminha no sentido de garantir uma participação ativa desses atores. Tal
aspecto é ainda mais relevante quando pensamos em um ambiente tradicionalmente
organizado sob a lógica adultocêntrica por ser uma instituição que reproduz modelos e
padrões estabelecidos socialmente, como a escola. Entretanto, reconhecemos que a escola é,
também, um espaço com potencial transformador devido à possibilidade de trocas múltiplas
entre os sujeitos que a constituem, contemplando muito além do que é proposto em seu
currículo explícito. Por isso, esta pesquisa pretende produzir dados com as crianças em uma
escola de Educação Infantil, em um bairro urbano e periférico do município de Guarulhos,
localizado na região metropolitana de São Paulo. Entretanto, reconhecemos a urgência,
apresentada pelos estudos sociais da infância, em pesquisar outros espaços ocupados pelas
crianças, olhando para elas enquanto unidade de observação, e não apenas em espaços que
essas são vistas como alunos ou filhos (QVORTRUP, 2011; FARIA e FINCO, 2011).
A partir dessas reflexões, voltar à escola de educação infantil ocupando um papel
prioritariamente de pesquisadora revelou um significativo desafio, precisando ser
constantemente analisado e ressignificado. A trajetória enquanto professora, na mesma rede
municipal de ensino, onde atualmente realizo ações de formação continuada, conforme
exposto inicialmente, exigiu um esforço contínuo de (re)aprender a olhar, observar, enxergar,
ouvir, sentir ao perceber as crianças nesse espaço, aparentemente tão próximo e corriqueiro.
Despir-se de roupas antigas, aparentemente confortáveis e tão bem ajustadas, revelou-se um
exercício laborioso e contínuo, igualmente necessário, delicado e transformador. Com o
intuito de representar o esforço contínuo de reaprender a olhar, enxergar e reconhecer esse
espaço, selecionamos a imagem abaixo (figura 1) capturada no primeiro dia de observação da
escola, admitindo a necessidade de adotar outros ângulos e o desconforto e a curiosidade de
ocupá-lo a partir de uma nova perspectiva.
33

Figura 1 – Reaprendendo a interpretar o espaço escolar da educação infantil

Fonte: Elaborada pela autora.

Para além dos inúmeros desafios de pesquisar sobre e com as crianças em uma
instituição escolar, dado o histórico da pesquisadora e de toda a carga de significados e
relações complexas estabelecidas nessa instituição, a opção por esse caminho contou com
algumas prerrogativas. A opção por este ambiente deu-se, inegavelmente, pela compreensão
de ser esse um espaço profícuo de troca, além de ser uma estrutura estabelecida e, ao menos,
parcialmente conhecida pelos sujeitos envolvidos no processo. Entretanto, reconhecemos que
o ambiente escolar é apenas um dos locais em que esse estudo poderia ter ocorrido, uma vez
que as crianças frequentam outros lugares. Desse modo, seria possível pensar no
desenvolvimento de propostas semelhantes às realizadas em clubes, praças, parques, ou
espaços em que as crianças se reúnem para brincar e conviver. Essa escolha foi feita
considerando uma série de fatores, sendo alguns deles: I) ser um espaço privilegiado, entre
outros, em que as crianças se encontram diariamente e estabelecem relações afetivas com seus
pares bem como com adultos; II) a obrigatoriedade da instituição em apresentar tais
conhecimentos construídos histórico-socialmente, desde a primeira infância, com a finalidade
de ampliar o repertório, reconhecendo-os como temas de interesse que circundam a vida das
crianças em diversos outros ambientes sociais; IV) reconhecer que a escola possui uma
relevância social, logo possui uma função problematizar as representações daquilo que é
valorizado - ou não - pela sociedade; V) a experiência da pesquisadora enquanto profissional
que atua com formação continuada acerca da temática de tecnologia trouxe ainda mais
propriedade e interesse por analisar as produções neste espaço.
O contato com as problematizações acerca do processo de institucionalização da
infância também tornaram-se enriquecedoras por permitirem um olhar mais atencioso para
este espaço, as relações e os sujeitos que o constituem. Desse modo, corrobora-se com a
34

função escolar da primeira infância apresentada pelas pesquisadoras Moruzzi e Tebet, ao


tratarem dos aspectos históricos do processo de institucionalização da infância, das
instituições para as crianças e da formação dos professores. Para as autoras,

[...] a função primordial da educação para crianças de 0 a 6 anos é


propiciar a experiência da infância que se caracteriza pela
inventividade, pelo brincar, pelo lúdico e pelos conhecimentos que
devem ser ampliados no sentido de instrumentalizar as crianças para
novas experiências, inventividades e brincadeiras. (MORUZZI e
TEBET, 2010, p. 33).

Concebemos a instituição escolar como mais um local de trocas entre as crianças e os


adultos, assim como outros espaços de convivência: a família, as igrejas, as praças etc, sem
desconsiderar todas as suas especificidades. Buscamos, dessa maneira, contrapor a lógica
hierárquica que estabelece uma condição superior aos aprendizados que circulam na
instituição escolar. Enquanto uma das estruturas, dessa sociedade desigual, a escola carrega
consigo marcas da manutenção dessa condição. Entretanto, tencionamos para que esse seja
um espaço dialógico, de trocas e de (re)descobertas, valorizando o que todos os sujeitos têm a
contribuir para o processo de construção e de experiências diárias. Para tanto, buscamos
evidenciar, ao longo do processo de caracterização desse espaço, as múltiplas potências das
dimensões que circundam esse hábitat, enxergando-o como espaço de resistência,
transformação e descobertas de si, do outro e do mundo, com os inúmeros
(des)encantamentos nele presentes.
Em relação ao processo de institucionalização desse espaço educativo, ao longo dos
anos, diversas normas foram sendo estabelecidas enquanto marcos legais, que garantem a sua
existência e relevância social. Embora não seja o nosso foco nesse estudo, destacamos alguns
documentos oficiais que norteiam e asseguram a educação, sendo o primeiro a Constituição
Federal de 1988 que, segundo o artigo 205, garante a Educação enquanto um dever do Estado
e da família e um direito de todos. A Carta Magna também expressa o pleno desenvolvimento
da pessoa como uma das finalidades da educação, sendo acompanhada, dentre outras, pela Lei
Federal nº 9.394/1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). No
âmbito do pleno desenvolvimento do educando, é fundamental entender o que a LDB
explicita. No que se refere à Educação Infantil o objetivo do desenvolvimento integral da
pessoa. Portanto, temos que a Educação é um direito social fundamental e que tem como
desafio construir uma prática pedagógica que ultrapasse preconceitos e barreiras sociais. Para
tanto, faz-se necessária a construção de uma escola criativa, inclusiva e dinâmica, que
35

promova o desenvolvimento integral dos educandos. Em 2013, a lei 12796, alterou a LDB lei
9394/96, e estabeleceu a obrigatoriedade, e gratuidade, da educação básica, ampliando-a dos 4
aos 17 anos. Essa alteração torna a etapa da educação infantil obrigatória para todas as
crianças, em território brasileiro. Até então, tinham a possibilidade de acessar a instituição
escolar, de maneira obrigatória, somente aos 6 anos de idade. Este é um dos aspectos que
determinam a faixa etária do nosso sujeito de pesquisa.
No contexto local, o município conta com o sistema de ensino próprio orientado pelo
documento norteador denominado Proposta Curricular: Quadro de Saberes Necessários QSN18
(GUARULHOS, 2019), que foi construído coletivamente pelo quadro de funcionários da rede
em 2009, sendo esta revisitada em 2019. Este documento, em acordo com os marcos legais da
educação nacional, demarca suas bases referenciais freireanas ao destacar, em sua definição
de concepção, que educar é criar possibilidades de construir e produzir conhecimento,
recusando um processo pautado em uma lógica de transferência. Para tanto, considera de
extrema importância que os aspectos da atualidade e o direito dos educandos a um processo
de ensino e aprendizagem dinâmico e contemporâneo (GUARULHOS, 2019).
Corroboramos com a professora Barbosa (2009), ao refletir sobre as contribuições da
sociologia da infância para as pedagogias das escolas de educação infantil, a partir dos
avanços provocados pelos estudos de Corsaro, ao destacar a relevância de se compreender a
escola de educação infantil enquanto um espaço que aborda os temas sociais e culturais de
maneira ampla e não simplificada, pois.

[...] se as crianças estão inseridas e se relacionam com as suas culturas desde


que nascem, compreendendo-as de acordo com suas estratégias de reprodução
interpretativa, o contexto social e cultural precisa estar presente na escola não
de forma simplificada, reduzida, mas na sua acepção mais ampla, como arte,
literatura, ciências, matemática, lógica, atividades físicas, música, língua
estrangeira, excursões, visitas a museus, teatro, cinema, feira livre ou sítio,
Nesta oferta diversificada de práticas culturais as crianças têm a oportunidade
de aprender sobre a vida, meio físico, sua comunidade e sua cultura, na
escola.” (BARBOSA, 2009, p. 185)

Assim, entendemos ser relevante abordar os temas propostos nesse estudo com o
público infantil, sendo estes garantidos pelo QSN (2009 e 2019), incluindo a pertinência de
abordar questões de gênero desde a primeira infância, possibilitando uma segurança e garantia
de adequação ao contexto. Sobre o diálogo com a ciência e tecnologia, os documentos

18
A Proposta Curricular Municipal está disponível no Portal da Secretaria de Educação. Disponível em <
https://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/siseduc/portal/site/listar/categoria/8/ >Acesso em 18 jun. 2022.
36

pontuam a necessidade de a criança ter acesso ao conhecimento construído historicamente


pela humanidade, pontuando enquanto um direito do acesso a tais conhecimentos.
Pretendemos aprofundar as reflexões acerca dos demais documentos que norteiam e
garantem a qualidade na educação infantil, contemplando documentos nacionais e
internacionais, bem como os movimentos sociais das mulheres que contribuíram para a
garantia dessa política pública de maneira mais ampla, na próxima fase da pesquisa. De modo
geral, esse estudo dialoga com um projeto societário democrático, que busca repensar,
criticamente, as bases sociais e políticas de nossa sociedade, visando a construção de uma
realidade em que se possibilite concretamente o direito à educação e aos direitos fundamentais
dos sujeitos históricos, incluindo, o direito ao acesso a recursos decorrentes dos avanços
científicos-tecnológicos de forma equânime e justa. Entre os muitos caminhos que esse
projeto precisa avançar para se concretizar, enfrentar as desigualdades é uma delas. Assim,
nossa pesquisa perpassa a reflexão acerca de uma delas, as desigualdades que persistem no
campo das relações de gênero, e busca contribuir com o olhar das crianças na busca por uma
saída dessa realidade. Corroboramos a necessidade da produção de estudos acerca das
realidades múltiplas de infância e, sobre e com, as crianças, reforçando a importância da
realização de pesquisas em contextos variados e específicos, a fim de possibilitar o
mapeamento da nossa realidade com dados plurais.
37

3 RELAÇÕES DE GÊNERO E EDUCAÇÃO na primeira infância

Neste capítulo, em processo de construção, pretendemos apresentar os motivos pelos


quais adotamos a perspectiva da equidade de gênero neste estudo, considerando os desafios
do contexto social em torno desse tema. Para tanto, definiremos o conceito de gênero e uma
breve discussão teórica, apresentaremos alguns aspectos que tem atravessado e estigmatizado
as pautas em torno dela. Após o exame de qualificação, pretendemos apresentar um breve
contexto de pesquisas que têm articulado às relações de gênero na infância e, em menor
intensidade, faremos um diálogo entre a reflexão geral e os temas de C&T na infância, devido
aos poucos estudos que propõe tal articulação direta.

3.1 Gênero no contexto social e político brasileiro

Para além da dimensão mais localizada da pesquisa, comprometida com os sujeitos e


os impactos do estudo para esse espaço aparentemente circunscrito, é fundamental
contextualizar o cenário mais amplo em que o estudo está sendo realizado, revelando as forças
e dinâmicas das estruturas sociais que envolvem direta ou indiretamente o conceito de gênero.
Este, além de possuir um histórico recente e ocupar um campo de disputa conceitual, tem sido
capturado enquanto mobilizador de debates políticos reacionários, de forma distorcida, a
partir da expressão “ideologia de gênero”, sendo utilizado por movimentos antigênero.
De acordo Rezende e Sol (2021), em estudo sobre o estado da arte de pesquisas
brasileiras sobre ideologia de gênero, publicadas em periódicos classificados como A no
Qualis no intervalo de 2014 a 2018, indica um movimento de caráter antigênero,
transnacional, que reage a reformas e em políticas públicas educacionais, como a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), Plano Nacional e Municipais de Educação e o Projeto
denominado Escola sem Partido. As pesquisadoras revelam, no estudo, o quanto a expressão
ideologia de gênero pode ser entendida como “um significante vazio que permitiria a distintos
atores, tais como políticos, membros de organizações religiosas, associações contra o aborto e
defensoras da família tradicional, organizar uma reação às reformas mencionadas”
(REZENDE e SOL, 2021, p. 163), sendo a ciência uma das principais áreas de ataque. O
conjunto de ações derivadas desse movimento causaram consequências de ordem prática no
âmbito individual e coletivo, como denúncias de professores que pautam mais explicitamente
o conceito, gerando certo receio de abordar o tema por medo de perseguição política. A
38

recente problemática que culminou na retirada dos termos gênero e orientação sexual do
Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, por exemplo, é uma evidência da importância
dos documentos citados anteriormente. Esse acontecimento motivou a exclusão dos mesmos
termos de vários Planos Municipais de Educação construídos em 2015, apesar da autonomia
dos municípios. Segundo Mendonça (2017), tal reação deu-se pela mobilização de grupos
religiosos e conservadores que se mobilizaram, em nome dos valores da família - tradicional e
heteronormativa, com um discurso contrário à uma suposta “ideologia de gênero” nas escolas
brasileiras, conseguindo a retirada todos os termos que se referiam à gênero e orientação
sexual dos planos municipais e estaduais de educação brasileiros, assim como da Base
Nacional Comum Curricular (MENDONÇA, 2017). Destacamos que o ocorrido contribui
para um significativo retrocesso a desinformação, a polarização do debate e aprofundamento
das desigualdades. Nesse sentido, a escola é chamada para pensar e propor práticas
pedagógicas que se proponham a construir outras realidades. A partir desse contexto,
procuramos responder à seguinte questão que se impõe: o que é gênero, afinal? Do que
estamos falando quando nos referimos às relações de gênero, em especial com as crianças
pequenas?

3.2 O Conceito de Gênero

A história do conceito de gênero, segundo a professora e pesquisadora brasileira


Guacira Lopes Louro (1997), está intimamente relacionada a do movimento feminista
contemporâneo. Em busca de incorporar os estudos sobre a mulher e alcançar legitimidade
nesses debates, no campo acadêmico, gênero passou a ser usado ao final do século XX, para
referir-se inicialmente como sinônimo de mulheres e, posteriormente, tratando-se das relações
sociais entre homens e mulheres, referindo-se à uma concepção relacional (SCOTT, 1995).
Assim, embora o termo já existisse, o uso do conceito, no campo das ciências sociais, buscou
questionar a ideia de universalidade da mulher e reforçar a necessidade de se olhar para as
relações e não apenas para um ou outro, homem ou mulher. (SCOTT, 1995). Joan Scott,
historiadora e pesquisadora, contribuiu significativamente para as discussões acerca desse
conceito a partir dos estudos pautados em uma perspectiva pós-estruturalista, voltada para a
compreensão do papel das linguagens e da cultura enquanto representação de um determinado
conjunto de pensamentos (SCOTT, 1995). Ao final da década de 80, Scott publica o texto que
ainda é usado como referência para discussão com esta temática, intitulado Gênero: uma
categoria útil de análise. Nele, a historiadora defende que o uso do termo gênero vem da
39

incapacidade de as teorias existentes explicarem as persistentes desigualdades entre homens e


mulheres, evitando um determinismo biológico, buscando evidenciar o caráter social e
relacional bem como as relações de poder existentes nessas interações (SCOTT, 1995). Desse
modo, o termo gênero deve ser utilizado para “se referir às origens exclusivamente sociais das
identidades subjetivas de homens e mulheres” (SCOTT, 1995, p.7). Dialogando com tal
definição, Saffioti e Almeida (1995), sociólogas brasileiras, afirmam que “gênero não se
consubstancia em um ser específico, por ser relacional, atravessa e constrói a identidade do
homem e da mulher” (SAFFIOTI e ALMEIDA, 1995, p.08). As categorias gênero, classe e
raça-etnia são fundantes e constitutivas das relações sociais e, por sua vez, “condicionam a
percepção de mundo circundante e o pensamento” (SAFFIOTI e ALMEIDA, 1995, p.23).
Nesse sentido, gênero é apenas um dos elementos que constituem a identidade, visto que o
sujeito é multifacetado, apresentando várias subjetividades. Acerca desse processo, Louro
afirma que não é possível eleger um marcador central sob o qual será constituída a identidade
do sujeito. Para Louro,

De fato, os sujeitos são, ao mesmo tempo, homens ou mulheres, de


determinada etnia, classe, sexualidade, nacionalidade; são
participantes ou não de uma determinada confissão religiosa ou de um
partido político... Essas múltiplas identidades não podem, no entanto,
ser percebidas como se fossem "camadas" que se sobrepõem umas às
outras, como se o sujeito fosse se fazendo "somando-as" ou
agregando-as. Em vez disso, é preciso notar que elas se interferem
mutuamente, se articulam; podem ser contraditórias; provocam,
enfim, diferentes "posições". Essas distintas posições podem se
mostrar conflitantes até mesmo para os próprios sujeitos, fazendo-os
oscilar, deslizar entre elas — perceber-se de distintos modos.
(LOURO, 1997, p. 51)

Nessa perspectiva, os estudos que buscam tratar das relações de gênero, enquanto uma
categoria de análise social, necessitam considerar as categorias classe e raça, visto que elas
estão entrecruzadas nos processos, estando também imersas em um contexto de violência. O
termo mulheres, em muitos contextos, tinha o objetivo de referir-se ao grupo como um todo,
com um viés de universalização. Entretanto, por vezes, o uso dessa nomenclatura se limitou a
exprimir ideias apenas de parte delas, predominantemente, brancas, ou mulheres não-negras,
de classes sociais mais altas. Conforme hooks destaca “o movimento pela libertação da
mulher não só foi estruturado numa plataforma limitada, como chamou a atenção
principalmente para questões que eram relevantes sobretudo para as mulheres
(majoritariamente brancas) com privilégio de classe.” (hooks, 2019, p. viii).
40

Segundo Scott (1995), a busca por encontrar um único elemento em comum que
pudesse reunir a mulheres sistematicamente inferiorizadas nas relações sociais, pautada
inicialmente no marcador “sexo”, permitiu que outras características fundamentais para a
constituição das identidades fossem ignoradas, como a raça e a classe. Refletindo criticamente
sobre a formação do movimento feminista, hooks (2019) evidencia a significativa
contribuição dos trabalhos de mulheres de cor, nas palavras da autora, para ampliar a
compreensão da luta feminista. Nesse processo, evidencia o quanto não há um elemento que
une todas as mulheres, como muitas feministas brancas defendem. Para hooks,

Embora seja evidente que muitas mulheres sofrem com a tirania


sexista, há poucos indícios de que isto estabeleça "um elo comum que
liga todas as mulheres". Existem muitas provas que comprovam a
realidade de que a identidade racial e de classes cria diferenças na
qualidade de vida, no estatuto social e no estilo de vida que
prevalecem sobre a experiência comum partilhada pelas mulheres –
diferenças que raramente são ultrapassadas. (hooks, 2019 p. 3)

Assim, a escolha por utilizar o termo mulheres, nesse trabalho, é feita considerando a
relevância da adoção de uma perspectiva interseccional. O conceito interseccionalidade foi
cunhado apenas no início da década de 1990 (ROSA e SILVA, 2015) e, embora mais
recentemente popularizado, diversas autoras já indicavam a importância de se pensar em
estratégias de transformação da condição social das mulheres atentando-se para questões de
classe, gênero e raça/etnia. Porém, sem necessariamente cunhar um termo específico.
Embora a pesquisa em curso não pretenda se debruçar sobre os aspectos raciais ou de
classe, considerar tais elementos contribui para que os sujeitos da pesquisa sejam melhor
compreendidos, uma vez que esses aspectos são intrínsecos ao processo de constituição das
identidades e, portanto, das relações sociais. Assim, reforçamos que esse estudo compreende
que as crianças são igualmente atravessadas por discursos relacionados ao gênero, à raça/etnia
e à classe social a que elas pertencem, entre outras. Se todos esses aspectos constituem as suas
identidades, compreendendo que é inegável a necessidade de observá-los mesmo elegendo o
conceito de gênero enquanto central na pesquisa. Nesse sentido, um conjunto de aspecto
apontados por Scott (1995) contribui para explorar e compreender os elementos
interrelacionados ao conceito de gênero, presentes no processo de constituição das relações
sociais, são eles os I) símbolos culturalmente disponíveis, os quais embora muitas vezes sejam
contraditórios, permitem indagar quais os seus significados em um determinado contexto; II)
conceitos normativos referindo-se às interpretações possíveis dos símbolos, buscando limitar
suas possibilidades, tipicamente apresentadas de maneira fixa e binária, por meio de
41

concepções presentes em normas estabelecidas nos sistemas jurídico, educacional, religioso,


científico, político etc; III) institucionalização: vinculada à uma noção de que o conceito de
gênero está muito além das questões familiares, devendo ocupar o debate em relação ao seu
efeito nas instituições e organizações sociais; e, VI) identidade subjetiva: que visa
compreender como ocorre a construção das identidades generificadas. Identificamos que os
três primeiros aspectos dialogam com a nossa pesquisa, uma vez que esta pretende se
aprofundar em relação I) aos símbolos e os discursos disponíveis em torno da área C&T
produzidos para e pelas crianças; II) compreender como as crianças mobilizam determinados
conceitos científicos no contexto das intervenções; considerando, III) o contexto institucional
escolar, que possui uma cultura própria.
A existência de diferenças de gênero na educação é corroborada por organizações
nacionais e internacionais conforme observado em publicações e temas de conferências
mundiais organizadas pelas Nações Unidas ao longo da década de 90 (ROSEMBERG, 2001).
Outro exemplo, mais recente, que confirma a permanência dessa condição de desigualdade, é
a meta número cinco dos 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável que compõem a
Agenda 2030, estabelecida em 2015 entre os países que fazem parte da ONU com o objetivo
de apresentar ações que visam um mundo mais sustentável. O quinto item da lista dessa
agenda trata da igualdade de gênero e tem por objetivo “alcançar a igualdade de gênero e
empoderar todas as mulheres e meninas”19, estabelecendo um conjunto de metas em torno
desse tema. Reconhecemos que a presença dessas pautas em documentos oficiais, ou de
grande circulação e alcance, não necessariamente configuram ações efetivas e concretas de
transformação da realidade. Ainda assim, a existência delas é legítima e evidencia a
relevância de pesquisas e a mobilização em torno desses temas, contribuindo para a
construção de conhecimento sobre e gerando documentos norteadores para políticas públicas,
as quais são beneficiadas com essas referências para pensar em ações concretas em diferentes
contextos.
Nesse sentido, pretendemos que nosso estudo possa contribuir com a análise de
materiais, discursos e comportamentos no contexto escolar. As relações de gênero, nesse
contexto, podem ser repensadas por meio de debates e ressignificação de símbolos,
pensamentos e ações - em torno dos conceitos científicos, neste caso - comprometidos com a
transformação da sociedade. Assim, há relevância em produzir práticas pedagógicas que
permitam a interação, a brincadeira e a reflexão sobre tais questões com sujeitos de diferentes

19
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/5 . Acesso em
setembro de 2022.
42

idades. Para isso, algumas questões são norteadoras dessa proposta de pesquisa: as questões
acerca da baixa representatividade de mulheres na ciência são observadas nas interações das
crianças ao final da primeira infância? É possível perceber uma maior apropriação de termos,
conceitos e interesse por temas científico-tecnológicos de determinados grupos de crianças -
meninos e meninas? Quais expressões e produções são produzidas pelas crianças em torno
dos temas das intervenções propostas na pesquisa?
A finalidade em analisar como as crianças interagem com essas questões no espaço
escolar é observar se é possível notar diferenças em relação aos aspectos de gênero para
relacionar com o cenário mais amplo. Dessa maneira, o foco em observar as interações e
produções das meninas e meninos não busca quantificar um possível nível de interesse por
temas científicos ou mesmo estabelecer uma comparação, supondo que um grupo deveria se
interessar tanto quanto o outro, se que há diferença perceptível. A proposta de investigação
tem como intuito entender as possibilidades de abordagem desses temas com crianças
pequenas identificando se é possível perceber comportamentos variados em um grupo e
analisar, esses comportamentos, com base nos referenciais de gênero. Nesse sentido, há um
esforço em entender e refletir genuinamente sobre e com as crianças no momento presente,
não querendo necessariamente estabelecer uma comparação com o cenário de outras
gerações/idades. Consideramos, ainda, que pode haver manifestações de outras categorias
identitárias, como raça ou etnia, a depender da diversidade presente na composição do grupo
de crianças. Entretanto, foi definido que as análises serão realizadas com base nas relações de
gênero, dada a necessidade do recorte da pesquisa.
Em continuidade a este capítulo, pretendemos aprofundar as reflexões de gênero na
infância, apresentando o que os estudos já demonstram de como as relações de gênero se dão
nessa fase.
43

4 EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS na primeira infância

Considerando a abrangência do significado de Ciência e Tecnologia buscamos, neste


capítulo, ainda em construção, discutir, brevemente, sua presença e relevância, em um
contexto geral, assim como explorar como está representado em alguns produtos destinados às
crianças. Para isso, faremos uma breve reflexão acerca dos conceitos ciência e tecnologia e a
percepção que a sociedade possui desses termos. Em seguida, destacamos como o debate
sobre meninas e mulheres na C&T tem se feito presente na sociedade e nos produtos culturais
infantis. Pretendemos aprofundar, em especial a última etapa, realizando um levantamento
sobre algumas produções que têm pautado os temas C&T comprometidos com a equidade de
gênero. Ressaltamos que os diálogos aqui propostos entre C&T, infância e relações de gênero
revelam uma das possibilidades de articulação, reconhecendo que esta poderia ocorrer a partir
de outras perspectivas, envolvendo outros agentes, produtos e processos.

4.1 Ciência e Tecnologia: do que estamos falando?

O avanço do desenvolvimento científico e tecnológico em nossa sociedade exige, cada


vez mais, encontrarmos maneiras de tornar a ciência compreensível para um público maior,
democratizando o acesso aos conhecimentos produzidos pela humanidade. Tal preocupação
tem sido pauta de diferentes atores e organizações sociais (CASTELFRANCHI et al., 2013)
por ser identificado como um importante fator para alcançar a cidadania, sendo necessário
desenvolver habilidades e conhecimentos em torno desses temas para que seja possível
utilizá-los em situações diárias de resolução de problemas e leitura e compreensão do mundo.
A abrangência de temas e de significados possíveis ao tratarmos de ciência e tecnologia é
eminente. Por isso, delimitaremos, nas próximas etapas desse estudo, uma discussão acerca do
que estamos considerando ao propor um trabalho sobre C&T com a primeira infância.
De modo geral, tomamos o conceito de ciência conforme apresentado por Chassot,
que a define, principalmente, como uma “linguagem construída pelos homens e pelas
mulheres para explicar o nosso mundo natural” (CHASSOT, 2003, p. 91). Tal percepção
assume uma perspectiva da ciência enquanto cultura, auxiliando-nos a estabelecer um diálogo
com a cultura das infâncias, possibilitando dialogar com as especificidades que há nas
propostas em abordar tais temas com as crianças pequenas. De acordo com Rufino (2012) é
possível estabelecer relações entre as culturas infantis e a cultura científica na medida em que
as crianças possam estabelecer as relações entre essas culturas a partir das interações com o
44

mundo natural e tecnológico. Por isso, ela destaca que os pontos chave de análise dessas
relações são: “a observação, a linguagem, o registro e as estratégias de ação entre os pares e
com os materiais.” (RUFFINO, 2012, p. 46).
Sobre o conceito tecnologia, buscamos abordá-lo de modo a ampliar a percepção
comumente estabelecida, em geral, associada ao contexto digital, ou ainda como sinônimo de
um produto em si, e não de um processo de dimensões sócio-históricas e culturais. Mammana
(1990), ao realizar uma revisão teórica acerca da natureza antropológica do termo tecnologia,
ressalta que apesar de possuir a mesma estrutura das demais terminologias que designam as
ciências, a tecnologia é confundida com o seu objeto de estudo, e não com o estudo das
atividades que visam satisfazer as necessidades humanas, produzindo alteração no mundo
material. Outro aspecto que nos interessa, nos estudos de Mammana, sobre tecnologia é a
compreensão da sua dimensão étnica e cultural. Para além das definições de leis gerais da
tecnologia, o autor reforça que “toda a atividade tecnológica de um grupo étnico é a interação
coordenada pelo trabalho entre memória coletiva e seus instrumentos de ação.”
(MAMMANA, 1990, p. 17), indicando um ponto fundamental a ser lembrado, diferentes
grupos produzem tecnologias a partir das suas necessidades e modos de vida. O autor também
destaca o quanto os processos de descoberta e invenção estão diretamente relacionados ao
conceito de tecnologia. Tanto a descoberta, enquanto “aquisição, por parte da comunidade, de
um novo conhecimento sobre a natureza” (1990, p. 19), por exemplo, o domínio do fogo
sobre uma matéria ou uma alavanca, quanto a invenção, sendo compreendida como a
“aplicação de uma dada descoberta para cumprir algum fim” (MAMMANA, 1990, p. 19),
corrobora de diferentes modos para a produção de novos engenhos. Assim, o intuito de
evidenciar no título desse estudo os conceitos Ciência e Tecnologia visa indicar o quanto as
intervenções propostas abordam temas e fenômenos do mundo natural e social, tendo como
foco as produções humanas que visam interferir e modificar um determinado meio.
Dado o nosso contexto social, de significativo avanço científico e tecnológico, e as
definições aqui apresentadas por C&T, podemos afirmar a presença de elementos em diversos
locais, sendo a escola de educação infantil uma delas. Segundo Ruffino (2012),

[...] podemos dizer que o próprio ambiente de educação infantil carrega


marcas da cultura científica, seja por meio dos adultos que o compõem e
organizam o currículo e os espaços, seja em decorrência da interação das
próprias crianças que, desde muito cedo, já têm acesso a um discurso a partir
da família, da televisão e do videogame. (REFFINO, 2012, p. 41)

Apesar de termos contato com elementos científicos e tecnológicos, em nosso


cotidiano, não necessariamente os compreendemos enquanto pertencentes a essas categorias.
45

Por isso, para essa reflexão, consideramos relevante mencionar os estudos acerca da
percepção pública que os brasileiros possuem sobre C&T, uma vez que esses dados podem
auxiliar-nos a compreender o contexto geral em que as crianças, seus professores e familiares,
possivelmente, estão inseridos. Conforme levantamento realizado em 2015, pelo Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), apesar de a população brasileira reconhecer a
relevância de pesquisas e inovação tecnológica no país, revelam conhecer pouco sobre essa
estrutura ao não identificarem instituições responsáveis e nem cientistas (BRASÍLIA, 2017).
Essa relação entre o interesse e o nível de informação em C&T dos brasileiros demonstra ser
persistente, conforme estudo realizado por Castelfranchi et al. (2013), que propõe uma
problematização e análise dos dados a partir do levantamento semelhante ao anteriormente
citado, realizado em 2010, e propõe uma medida, a partir das variáveis presentes no
levantamento, para testar a hipótese de que quanto maior o nível de formação e de informação
sobre C&T aumenta a possibilidade de atitude mais otimista e confiança por tais temas.
Entretanto, não é possível estabelecer uma relação direta entre esses aspectos, uma vez que os
dados não apontam uma relação direta e determinante sobre esses dois aspectos. Assim,
possuir pouca informação não garante um comportamento pessimista diante de temas de
C&T, bem como ter altos níveis de formação não garantem um nível otimista
(CASTELFRANCHI et al., 2013).
O interesse em abordar alguns aspectos desses estudos, mesmo não envolvendo
diretamente as crianças, justifica-se pela hipótese de que a impressão de profissionais que
atuam com o público infantil pode aproximar-se dessa percepção coletiva, visto que, em sua
formação inicial, não é exigida uma formação específica nessas áreas de conhecimento.
Entretanto, são elementos exigidos em documentos que norteiam a educação básica, como
descrito nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), ao
descrever o significado de currículo, definindo-o como um “Conjunto de práticas que buscam
articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o
desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade” (BRASIL, 2010, p. 12).
A escola, enquanto espaço privilegiado de formação humana, tem o dever de
apresentar os conhecimentos históricos da humanidade de maneira consciente e com uma
linguagem apropriada para os diferentes níveis e etapas de ensino. Assim, a perspectiva
adotada ao propor ações que envolvem, mais especificamente, embora não unicamente, os
conhecimentos científicos e tecnológicos no contexto da educação infantil, não assume um
viés de ensino de ciências, mas sim, uma concepção de letramento, reconhecendo que o
46

objetivo de entrar em contato com esses temas na escola da infância visa favorecer a
imaginação, as interações, as descobertas e brincadeiras das crianças. Nesse sentido, mesmo
sem saber decodificar os códigos linguísticos e científicos, compreendemos que o contato
com temáticas dessa natureza permite a ampliação de repertório que as crianças já possuem
por terem contato com esses símbolos e significados em contextos variados desde muito
pequenos, a partir de imagens, brinquedos, histórias etc.
Destacamos que, apesar de os autores referenciados utilizarem os conceitos de
letramento e alfabetização científica para se referir ao conjunto de práticas destinadas a
favorecer o processo de ensino-aprendizagem relacionadas às ciências, permitindo uma
formação para a cidadania, não aprofundaremos tal discussão, uma vez que este não é o foco
da pesquisa. Apesar de reconhecer sua importância para o desenvolvimento de estratégias
mais eficazes, reforçamos que o foco da nossa pesquisa é observar as interações das crianças
em meio ao contexto de práticas pedagógicas que envolvem temáticas científicas e
tecnológicas, com foco em identificar como se dão as relações de gênero. Portanto, nosso
esforço recai, sobretudo, no acesso a essa linguagem enquanto um direito fundamental para
acessar, ler e interpretar o seu entorno, conhecendo a si, o outro e ao mundo, promovendo
experiências que “incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento,
a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à
natureza” (BRASIL, 2010, p. 26).
Nessa direção, uma pesquisa realizada em 2014 (GOLDSCHMIDT, GOLDSCHMIDT
JUNIOR e LORETO, 2015) sobre a concepção de ciência e cientista, por parte de alunos do
ensino fundamental com idade entre 7 e 10 anos, e em formação docente no curso Normal e
de Pedagogia, ajuda-nos a esboçar o cenário em que pretendemos nos aprofundar ao revelar a
semelhança nas respostas dadas às perguntas: “O que é cientista?” e “O que é a Ciência?”. O
estudo foi realizado no município de Cachoeira do Sul, RS, e buscou estabelecer uma
comparação entre as crianças e os profissionais em formação inicial acerca das representações
prévias que possuem sobre a natureza da Ciência e de cientistas. Apesar de serem grupos
distintos de participantes, os pesquisadores utilizaram a mesma metodologia para coletar os
dados: apresentaram as duas questões mencionadas acima e solicitaram o registro por meio do
desenho, sem maiores explicações. A análise dos registros foi feita considerando os elementos
simbólicos contidos no desenho, revelando as percepções e interpretações do tema por parte
dos participantes. Os resultados obtidos permitem observar o quanto recursos tecnológicos
são usados para representar a ciência e o trabalho de cientistas; os registros dialogam com
temas divulgados recentemente na mídia, sendo carregados de estereótipos, incluindo a
47

representação de gênero, a qual teve a predominância de resposta associando a figura de


cientista ao gênero masculino em mais de 80% das respostas de cada um dos grupos
(GOLDSCHMIDT, GOLDSCHMIDT JUNIOR e LORETO, 2015).
Destacamos que, em nosso estudo, adotamos uma percepção da ciência enquanto
corpo de conhecimentos em constante construção e disputa, contrapondo-se à clássica visão
neutra, universal e objetiva, contribuindo para o surgimento de novas discussões e reflexões
acerca da urgência em explorar determinadas áreas a partir de lógicas e perspectivas
diferentes das tradicionalmente estabelecidas. Uma dessas contradições é abordada no livro
“A ciência é masculina, é sim senhora!”, do professor Attico Chassot (2019), problematizando
o fato de a história da ciência e tecnologia ser predominantemente masculina, se
considerarmos apenas a história como nos é contatada por livros, filmes e sistema
educacional.

[...] sabemos o quanto a Ciência não é apenas produto do trabalho de


alguns poucos cientistas, mas de seculares tarefas de muitos, que
dedicaram suas atividades produtivas à formação dos conhecimentos
que estão disponíveis para a humanidade. Mesmo que se defenda uma
história da Ciência não marcada pelo culto aos nomes de pessoas,
sabemos que, em todos os tempos, houve homens e mulheres - e
estas, pelas razões que se quer procurar explicar neste livro, em
expressiva minoria - que foram decisivos na construção da Ciência.
(CHASSOT, 2019, p. 61)

Vale destacar que a reflexão do autor possibilita-nos ampliar o olhar para a C&T
reconhecendo a relevância de diferentes povos, etnias e raças na construção desses
conhecimentos. Devido ao objetivo da pesquisa, não será possível abordar o quanto o
desenvolvimento da C&T presente no Brasil foi beneficiada, por exemplo, por saberes
advindos das populações afrodescendentes ou mesmo indígenas, sendo estas pouco
representadas e valorizadas em nossos livros e demais produções culturais.
Por ser o nosso foco de pesquisa articular as representações de gênero no contexto da
C&T, passaremos a olhar mais especificamente para esse aspecto. Buscamos identificar como
as relações de gênero em C&T se fazem presentes em conteúdos midiáticos voltados ao
público infantil, sendo necessário, anteriormente, compreender o cenário mais amplo de como
o debate acerca da presença/ausência das mulheres na C&T.
48

4.2. Meninas e Mulheres na Ciência e Tecnologia

Embora o nosso intuito não seja realizar um amplo debate acerca das mulheres na
ciência, tampouco estabelecer uma relação direta das desigualdades existentes nesse âmbito
para o contexto da infância e culturas infantis, entendemos que esse cenário, enquanto pano
de fundo, intensifica e qualifica o nosso interesse de pesquisa: entender como se dão as
interações das crianças em atividades escolares que abordam C&T na perspectiva das relações
de gênero. Por isso, consideramos relevante apresentar, de modo geral, o quanto o movimento
pela transformação da atual realidade, de falta de equidade representativa das mulheres - e
demais grupos minorizados - na C&T, tem mobilizado diferentes ações e atores sociais,
atingindo inclusive o público infantil. Nesse sentido, em decorrência de mobilizações no
âmbito social, acadêmico, político, cultural, a partir de pesquisas que evidenciam a falta de
equidade entre mulheres e homens em diversos espaços de produção de conhecimento,
diversas ações têm sido realizadas para problematizar a baixa representatividade feminina na
ciência, principalmente nos espaços de poder (SCHIEBINGER, 2008). Parte dessas reflexões
tem-se voltado ao debate envolvendo especificamente essa problematização a respeito das
áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM).
No Brasil, em 2005, foi criado o Programa Mulher e Ciência pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com os objetivos de “estimular a
produção científica e a reflexão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no país
e promover a participação das mulheres no campo das ciências e carreiras acadêmicas”20.
Pretendemos apresentar, como continuidade da pesquisa, uma reflexão sobre a importância de
projetos para a equidade de gênero na educação em STEM como, por exemplo, a iniciativa
realizada em território nacional, financiada por diferentes setores sociais, denominada Elas
nas Exatas21.No cenário mais amplo, temos a criação do Dia Internacional das Meninas e
Mulheres na Ciência em 2015, pela UNESCO22 em parceria com a ONU Mulheres. A data
passou a ser comemorada no dia 11 de fevereiro a partir do ano subsequente e teve o intuito
de evidenciar e refletir sobre a falta de equidade de gênero nas ciências, incentivando as
meninas a seguirem carreiras científicas, superando estereótipos sociais e culturais. Embora

20
Objetivos descritos no site do CNPq, disponível em:
https://www.gov.br/cnpq/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/mulher-e-ciencia > Acesso
em 14 jan.2023.
21
Projetos e ações do Programa Elas nas Exatas. Disponível em:
http://www.fundosocialelas.org/elasnasexatas/inicio Acesso em Mar. 2022.
22
Instituído pela UNESCO e ONU Mulheres. Disponível em
https://www.unesco.org/pt/days/women-girls-science. Acesso em 05/12/2021.
49

seja apenas uma das ações, este pode ser um fator que tem impulsionado novas produções que
abordam essa temática, em diferentes contextos e com objetivos distintos, dando um
significativo destaque para a necessidade de pensar a esse respeito desde a infância, conforme
destacado pela palavra “meninas”.
Nessa mesma direção, vale destacar que algumas produções sobre C&T, na
perspectiva da divulgação científica, têm evidenciado uma preocupação em visibilizar o
trabalho realizado por mulheres nessas áreas - assim como de populações minorizadas
historicamente23. Essas não necessariamente possuem a finalidade educativa, para o contexto
escolar formal. Entretanto, é possível observar que parte significativa pode ser adaptada para
tornar-se recurso pedagógico, implicando o seu uso em espaços destinados aos processos de
ensino e aprendizagem sobre conceitos científicos e ou sociais. Um dos exemplos é o livreto
passatempo desenvolvido pelo Projeto de Extensão Universitária "Meninas e Mulheres nas
Ciências", vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Federal do Paraná
(UFPR)24; o gibi Dona Ciência, que tem como protagonista uma senhora negra que apresenta
temas científicos variados, sendo a edição seis voltada ao tema meninas e mulheres (negras)
cientistas25. De modo complementar, vale destacar a iniciativa da ONG Ação Educativa, com
o Projeto Gênero na Escola, que tem publicado uma série de recursos didáticos e formativos
sobre a temática, e estimulando educadores a participarem dos editais que selecionam e
disponibilizam em site próprio - acessível e aberto, as melhores propostas de planos de aula
que abordam os temas voltados à equidade de gênero na educação básica, em que podemos
destacar a proposta intitulada “igualdade de gênero na ciência”26.
Ainda abordando a problemática da baixa quantidade de representações femininas nas
áreas STEM, é possível destacar alguns livros que se destinam a relatar histórias de mulheres
incríveis que atuaram em diversas áreas do conhecimento, como uma estratégia de popularizar
essas representações femininas na imaginação de adultos e crianças. Alguns deles são:
Histórias de ninar para garotas rebeldes (CAVALLO e FAVILLI, 2017); As cientistas: 50
mulheres que mudaram o mundo (IGNOTOFSKY, 2017); entre outros, com enfoque similar.

23
Livro: História preta das coisas: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas negras, autora: Barbara
Carine Soares Pinheiro, ed. L.F., coleção: Culturas, Direitos Humanos e Diversidades nas Educação em Ciências,
publicado em 2021.
24
Livreto passatempo produzido pela UFPR em 2020. Disponível em:
https://meninasemulheresnascienciasufpr.blogspot.com/2020/05/livreto-passatempos-mulheres-nas.html
25
Gibi Dona Ciência, edição nº 6 Meninas e Mulheres Cientistas. Disponível em
https://www.afip.com.br/dona-ciencia-edicao-06/ Acesso em Fev. 2023.
26
Material educativo disponível em
https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola-tipo/materiais-educativos/plano-de-aula/igualdade-de-genero-na
-ciencia/ Acesso em Fev. 2023.
50

Também para um público mais amplo, sob um discurso de inovação, a marca de brinquedos
LEGO lançou, em 2016, um kit com cinco personagens que trabalha(ra)m na NASA, a fim de
comemorar um marco na história da exploração espacial. A ideia foi elaborada por Maia
Weinstock, editora do Massachusetts Institute of Technology (MIT), por considerar que a
importância de haver representações femininas nessas áreas para que meninas e meninos
possam compreender que isso é esperado de ambos27. Assim, compreende-se que há um
movimento que demonstra uma produção crescente de conhecimento e produtos com o intuito
de visibilizar a representação feminina nas áreas C&T, partindo de diferentes atores sociais.
Portanto, por caminhos e interesses distintos e ou complementares. Para além do contexto
mais amplo, interessa-nos observar os materiais culturais, destinados ao público infantil, que
buscam abordar temas de ciência e tecnologia contendo o protagonismo de figuras femininas
em filmes, animações, brinquedos, livros, séries, podcasts, plataforma de vídeos, como o
youtube - acessado por um grupos de crianças, ou demais páginas de redes sociais que
veiculam conteúdos inspirados em divulgar as contribuições
sociais-culturais-histórico-científica e tecnológica produzida por mulheres em diferentes áreas
de conhecimento ao longo da história da humanidade.

27
Reportagem do MIT com a Maia, sobre a criação do projeto. Disponível em:
https://news.mit.edu/2017/women-nasa-lego-set-0302 Acesso em Fev. 2022.
51

5 METODOLOGIA

Com o intuito de apresentar o percurso metodológico adotado para responder a


questão de pesquisa e atingir os objetivos elencados, delineamos, neste capítulo, uma
descrição dos procedimentos e instrumentos de produção e análise dos dados. As escolhas
foram realizadas considerando os variados e complexos aspectos envolvidos em um estudo
com crianças da primeira infância sobre as relações de gênero, no contexto da educação
infantil de uma escola pública. Destacamos que esta pesquisa buscou ser sobre e com as
crianças, reconhecendo os desafios e potencialidade de atuar em um campo que muitas
descobertas acerca de métodos mais adequados ainda estão sendo realizadas. Tal busca deu-se
por considerarmos o caráter ético e político, além do comprometimento em garantir que as
crianças da primeira infância participem, enquanto sujeitos ativos, do processo de entender se
há especificidades em pesquisar como meninos e meninas demonstram interesse e
propriedade por temas relacionados a ciências e tecnologia no contexto da educação infantil.
Por fim, apresentamos, ao longo da contextualização da pesquisa, os demais aspectos que o
compuseram, como: o espaço, os atores, as etapas e os processos realizados para a
concretização deste estudo.

5.1 Percurso metodológico

O exercício teórico-metodológico visou encontrar maneiras de aprender a ouvir e não


apenas ver a criança da perspectiva do adulto, já que não é possível abrir mão desse lugar,
enquanto sujeito-pesquisador. Tomando emprestadas as palavras da cientista social Zeila de
Brito Fabri Demartini, em seu texto sobre os relatos orais de e sobre crianças e infâncias na
pesquisa, “como entender o que as crianças falam, com seu mundo de fantasias, com suas
construções próprias e entendê-las a partir da nossa visão, de quem não é mais criança?”
(DEMARTINI, 2009, p. 14). Uma das saídas encontradas foi criar um contexto específico
favorável para propiciar interações acerca da temática em questão, de maneira a identificar, a
partir das interações e dos elementos produzidos, com e pelas crianças, se a hipótese de
pesquisa é efetiva ou não. Reconhecemos, nesse processo, a necessidade de construir
conhecimento com as crianças, por entender como primordial ouvi-las para entender mais
sobre as características desse grupo. Por isso, ouvir as crianças é aqui identificado como uma
estratégia metodológica para o processo de produção e interpretação dos dados. Nessa
perspectiva, esse é um estudo de caráter qualitativo, por reconhecer essa abordagem como a
52

mais adequada ao interesse de pesquisa, que consiste em identificar como se dá determinado


aspecto da realidade social a partir da interpretação das interações e produções dos sujeitos
(BAUER e GASKELL, 2002), neste caso, as crianças. Para as autoras Ludke e André, que se
debruçaram sobre a evolução das abordagens qualitativas na pesquisa em Educação, esse
campo do conhecimento já compreendeu a não possibilidade de uma “perfeita separação entre
o sujeito da pesquisa, o pesquisador, e o seu objeto de estudo” (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p.
04), havendo uma quebra do paradigma da objetividade e pretensa neutralidade científica. A
respeito da interpretação dos dados coletados nesse contexto, as autoras ressaltam que esse
processo não revela de maneira transparente uma determinada realidade ao pesquisador, mas
depende das perguntas que este faz, reconhecendo a interferência dos seus valores e princípios
na construção do conhecimento.
Por isso, adotamos a pesquisa-intervenção ao reconhecer nosso interesse por algo
singular, propondo-nos a explorar como um determinado fenômeno ocorre, de modo
aprofundado, em meio a um contexto complexo e amplo. Conforme destacam as
pesquisadoras Castro e Besset (2008), organizadoras da publicação sobre
pesquisa-intervenção na infância e juventude, “a contribuição do método de
pesquisa-intervenção pode se resumir como um modo específico de abordar crianças e jovens
para, com eles, e para eles, construir o conhecimento.” (CASTRO e BESSET, 2008, p.12).
Para as autoras, a sensibilidade da pesquisa-intervenção com estudos que envolvem crianças e
jovens consiste em reconhecer “os ‘desvios’ provocados pelas emoções, sentimentos e afetos
de ambas as partes, muitas vezes dispersando as intenções retilíneas do pesquisador”
(CASTRO e BESSET, 2008, p. 12), sendo fundamental que os envolvidos - pesquisadores e
pesquisados - reflitam sobre os acontecimentos provocados pela pesquisa, avaliando-a e
encaminhando-a. Portanto, reconhecemos o papel do pesquisador enquanto alguém que
intervém no meio em que está inserido e, portanto, onde todos os sujeitos envolvidos agem
conjuntamente no processo investigativo, sem desconsiderar a relação assimétrica
estabelecida entre os sujeitos, bem como os efeitos deste no processo. (CASTRO e BESSET,
2008) A opção em realizar a pesquisa no espaço escolar é um dos aspectos que objetiva
reconhecer e problematizar essas relações assimétricas como também estar com as crianças
em espaços que elas ocupam normalmente, acompanhando o que elas gostam de fazer no
cotidiano (idem). Entretanto, reafirmamos que compreendemos este espaço enquanto mais um
espaço de vivência das crianças, reconhecendo que elas se relacionam, convivem e produzem
saberes e cultura em diversos outros ambientes, como: os parques, igrejas, praças, casa,
vizinhança, etc.
53

O objeto de pesquisa consiste nas relações de gênero produzidas nas interações pelos
sujeitos-crianças no contexto em que foram abordados temas de ciência e tecnologia, sendo
expressas por meio de diferentes linguagens no contexto do espaço escolar. Para isso, o
procedimento metodológico da pesquisa contou com quatro etapas distintas, porém
complementares: i) elaboração das propostas: considerando o percurso realizado desde as
leituras e reflexão com o grupo de graduandas de Pedagogia do Pibid, sobre C&T, gênero e
ensino de ciências para crianças, até o planejamento; ii) observação-participante da turma:
contemplando o período de inserção na escola, desde o contato inicial com a gestão até o
período de observação da turma, que forneceu condições e elementos para adequar as
propostas de intervenção planejadas a etapa inicial; iii) aplicação das intervenções:
abrangendo o período em que as atividades foram propostas para as crianças, com auxílio das
professora e de parte das integrantes do Pibid, diretamente envolvidas na primeira etapa; e, iv)
organização e análise dos dados, especificamente, coletados na etapa anterior (iii), tendo
como auxílio interpretativo os registros da fase de observação (ii).
O objetivo da primeira etapa foi elaborar as atividades de intervenção, sendo esta
considerada um passo fundamental para a etapa de produção dos dados. De modo geral, as
intervenções foram planejadas contendo: a) apresentação da temática, b) roda de conversa, c)
confecção de materiais, e d) registro individual ou coletivo. Identificamos, nessas etapas, uma
estrutura que propicia situações específicas para criar condições de coletar informações
complementares. Entretanto, possuem um caráter flexível e aberto, de maneira a favorecer as
expressões dos participantes além de possibilitar diferentes níveis de escolha. A fim de
apresentar de maneira aprofundada os elementos, contextos, atores e desafios envolvidos na
etapa um, bem como o produto dela originado, as propostas de intervenção, elaboramos o
subcapítulo específico descrevendo o contexto da pesquisa.
A etapa dois (ii) foi realizada entre o final do ano de 2021 e o início do segundo
semestre de 2022. Adotamos a observação-participante com o intuito de favorecer uma
aproximação com a turma e verificar o nível de aceitação da pesquisadora, pelas crianças, no
espaço escolar. Por meio de anotações em caderno de campo e registro fotográfico de alguns
momentos específicos, foi possível conhecer e registrar parte das dinâmicas que constituem a
rotina escolar, identificando alguns (des)interesses, afeições e valores das crianças, além de
avaliar se, e quanto elas demonstravam curiosidade por temas relacionados à C&T
espontaneamente. Desde essa etapa adotamos as lentes de gênero como uma forma de
identificar como o grupo se organizava, construindo e compartilhando os espaços durante as
brincadeiras, formação de grupos, escolha de materiais, brinquedos etc. Para além de
54

conhecer e se aproximar da turma, essa etapa também foi fundamental para detectar
adequações das propostas planejadas inicialmente, fornecendo subsídios para a análise, ao
contribuir para a interpretação das ações e interações das crianças durante as intervenções.
Na etapa três (iii), realizada entre os meses de agosto a setembro de 2022, foram
aplicadas as intervenções planejadas na etapa um, e adequadas com os elementos observados
na etapa dois, com o objetivo criar um contexto em que os temas de C&T fossem discutidos
coletivamente pelo grupo de crianças, de modo a fazer ver como as relações de gênero
ocorrem nesse contexto específico. Para registrar essa última etapa, foram utilizados
diferentes instrumentos: fotos, gravação de vídeo e áudio, em pontos estratégicos, e registro
das produções das crianças, registros, desenhos, confecção de protótipos com materiais de
baixo custo, etc. Esse agrupamento de produtos auxiliará na confecção de uma espécie de
mosaico, por meio do qual buscaremos compreender o que as crianças expressam sobre as
temáticas abordadas.
Nesse sentido, o corpus de análise consiste no conjunto de dados coletados
fundamentalmente na etapa três, formado por elementos complementares: anotações em
caderno de campo, imagens, transcrição de áudios e vídeos, somado aos registros produzidos
pelas crianças, durante a realização de intervenções. A definição de corpus é aqui
compreendida como um conjunto limitado de materiais que possuem significado social
(BAUER e AARTS, 2002). Muito embora os autores (idem, 2002) descrevem a importância
de compor um material homogêneo de análise, a construção do nosso corpus com elementos
heterogêneos deve-se ao fato de as crianças se expressarem de formas diferentes, utilizando
linguagens variadas, simultaneamente, para demonstrar o que sentem e pensam. A junção
desses elementos constitui, então, um conjunto coerente e integrado que resultou da tentativa
de capturar as mais variadas (re)ações das meninas e meninos da turma em torno das
temáticas abordadas, possibilitando a construção de um corpus que nos permita interpretar as
práticas produzidas pelas crianças no contexto observado. Assim, corroboramos as
contribuições das autoras Garcez, Duarte e Eisenberg (2011), a respeito da estratégia
metodológica de videogravação com crianças, ao destacarem que, em pesquisas qualitativas, é
fundamental que o pesquisador se questione sobre quais recursos e procedimentos são mais
adequados para “produzir registros confiáveis do trabalho de campo e de construir materiais
empíricos válidos, que possam ser tomados como fonte para a compreensão de determinado
fenômeno e/ou problema de pesquisa” (2011, p. 251). Segundo elas,

No que se refere a pesquisas com crianças em grupos, é importante


lembrar que elas falam ao mesmo tempo, interagem, brincam, sentam,
55

levantam, não param quietas e comunicam-se entre si e com os


pesquisadores durante todo o tempo. Com isso, certos aspectos
somente podem ser registrados e analisados mediante o uso da
gravação em vídeo. (GARCEZ, DUARTE e EISENBERG, 2011, p.
253)

Dessa maneira, para a construção do corpus de análise foi adotado um método


múltiplo com técnicas e instrumentos variados, dada a necessidade de utilizar procedimentos
considerados mais adequados para cada uma das etapas do percurso investigativo, tendo como
foco ouvir as crianças. Os instrumentos de produção de dados foram definidos considerando a
complexidade do contexto, a partir da avaliação dos desafios e possibilidades apresentadas,
como por exemplo a quantidade significativa de crianças da turma, os recursos disponíveis, e
a falta de suporte humano para auxiliar na captura dos registros. Em relação às
videogravações, muito embora apresentem mais elementos do contexto que se pretende
analisar, o momento das intervenções, a opção pela sua utilização dá-se pela busca da
compreensão de todo o processo, desde a organização do espaço até o momento de conclusão,
incluindo possíveis acontecimentos não previstos ou ainda interrupções externas. Para as
autoras,

[...] o mérito maior da videogravação está na possibilidade de realizar


um registro e uma codificação de dados minuciosos produzidos por
mais de um observador, buscando maiores confiabilidade,
fidedignidade e riqueza na produção e na análise de material
empírico, sobretudo em pesquisas que lidam com questões e temáticas
difíceis de serem apreendidas empiricamente. (GARCEZ, DUARTE e
a EISENBERG, 2011, p. 260)

Assim, as estratégias adotadas para a produção de dados visam formar um conjunto de


dados que possibilita captar, de maneiras complementares, as interações ocorridas no
contexto, conferindo maior confiabilidade ao corpus de análise. Em relação à leitura e
interpretação desses registros, vale assinalar que, assim como as autoras (idem, 2011)
destacam, reconhecemos que as imagens não são tomadas enquanto reflexo da realidade,
como uma espécie de reprodução do real, pois este recurso carrega as marcas da subjetividade
de quem realiza a gravação. Assim, reforçamos o posicionamento deste estudo em relação a
não neutralidade científica, assim como apontado por Ludke e André, “os fatos, os dados não
se revelam gratuitamente e diretamente aos olhos do pesquisador. Nem este os enfrenta
desarmado de todos os seus princípios e pressuposições” (LUDKE e ANDRÉ, 1986, p. 04). A
configuração e a disposição dos recursos destinados a registrar essa etapa foram
estrategicamente definidas, considerando o interesse de captar a maior quantidade de dados
sem, contudo, atrapalhar a dinâmica e a movimentação das crianças e da professora. Nesse
56

sentido, o uso do tripé foi essencial para as atividades realizadas em sala de aula, dada a
impossibilidade de haver uma pessoa específica para realizar a gravação. Sobre a disposição
dos materiais, foram utilizadas duas câmeras, posicionadas em cantos opostos da sala de aula,
conforme esquema abaixo (Figura 3), buscando captar os eventos a partir de ângulos
complementares. Uma delas contemplou a maior quantidade de crianças, no decorrer de ações
coletivas, e a outra focou na outra parte da turma, tendo como foco o espaço em que a
professora costumava se posicionar ao realizar as atividades, uma vez que as interações com
ela poderiam gerar inúmeras reações n/do grupo. Algumas atividades externas seguiram a
mesma lógica, entretanto, em alguns momentos sentimos a necessidade de acompanhar mais
de perto as interações de alguns grupos nos espaços como parque, quiosque e a arena, não
sendo possível registrar com a câmera, usando apenas o áudio pela facilidade de locomoção
do equipamento.
A definição do local dos equipamentos foi realizada após um diálogo com a professora
da turma, sendo possível deixar um dos gravadores de áudio com ela, no bolso do avental, e
outro com a pesquisadora. Eventualmente, ambas deslocavam-se com o instrumento em mãos
ou no bolso com o intuito de captar as falas de um grupo ou de uma criança que se
expressavam mais baixo ou por conta do barulho do espaço. De maneira geral, os
equipamentos foram dispostos conforme o esquema a seguir:

Figura 3 - Esquema representativo do posicionamento dos instrumentos de registro na sala de aula

Fonte: Elaborado pela autora.

Vale destacar que os instrumentos de registro dos dados, utilizados sistematicamente


no segundo semestre, foram disponibilizados no primeiro semestre, durante a etapa de
observação, para que as crianças tivessem a oportunidade de explorá-los. Entretanto, o
57

conteúdo dessas gravações não constitui, em si, o corpus de análise. Compreendendo o


desconforto que o uso desses recursos pode causar, durante o período de adaptação e
exploração desses materiais por parte das crianças, solicitamos a autorização delas para
deixarmos as filmadoras e gravador de áudio na sala pelo tempo aproximado de uma hora e
meia, considerando que esse seria o tempo máximo de aplicação das intervenções em cada
dia. Assim, os registros de áudio e vídeo dessa etapa não foram armazenados. Algumas
imagens fotográficas foram realizadas e anotações em caderno de campo desses momentos, a
fim de descrever como deu-se a interação da turma com os recursos. Durante a etapa três, de
aplicação das intervenções, as gravações de áudio e imagem foram realizadas apenas no
momento da aplicação, sendo todos os equipamentos desligados no momento de conclusão da
proposta. Após a finalização de cada intervenção, os registros voltavam a ser em caderno de
campo e fotos, se necessário, até o horário de saída da turma, reconhecendo que as temáticas
abordadas poderiam reverberar em falas, perguntas, brincadeiras ou demais expressões das
crianças.
Reconhecendo a assimetria das relações de poder estabelecidas pela oposição
adulto-criança, buscamos reduzir os seus efeitos imediatos no contexto da pesquisa. Uma das
estratégias adotadas foi reforçar o espaço escolar enquanto um local seguro em que todos os
sujeitos tivessem seus desejos, saberes, valores e interesses ouvidos e respeitados. Reconhecer
esse aspecto e prever ferramentas que possibilitem agir contra a naturalização das diferenças
estabelecidas entre adultos e criança dialoga com a concepção de criança enquanto agente e
sujeito de direito que possui uma perspectiva singular (CASTRO e BESSET, 2008). Outra
estratégia adotada, em busca de produzir relações mais simétricas e horizontais no contexto da
pesquisa, entre pesquisador e sujeito de pesquisa, foi compreender a atuação desses como
co-participantes do processo. Nesse sentido,

[...] pesquisas que tomam a criança como um sujeito competente, ou um


agente, enfocam não apenas como elas são construídas pelos processos de
socialização, mas como elas os constroem e os re-constroem, como
compreendem e interpretam suas experiências a partir do lugar em que se
encontram. (CASTRO e BESSET, 2008, p. 26)

Ainda sobre esse aspecto, o estabelecimento de uma relação entre adulto-pesquisador


e criança, Ades (2009) destaca, ao refletir sobre a presença de um adulto atípico na cultura das
crianças - em diálogo com a obra de Corsaro, o quanto “É preciso que o adulto desista um
pouco, como em um faz de conta, do poder que lhe confere o papel tradicional de adulto,
como quem se agacha para falar com crianças, estabelecendo uma proximidade ao mesmo
tempo física e simbólica” (ADES, 2009, p. 132). Essa estratégia é indicada como uma
58

maneira de estabelecer relações mais simétricas entre adulto e criança, possibilitando


conhecer as dinâmicas do grupo de modo mais próximo.
Apesar do autor referir-se a uma característica da etnografia, reconhecemos ser uma
contribuição válida, gerando inspiração para realizar esse exercício ao longo do nosso
processo investigativo. Entendemos que esse estudo identifica uma inspiração metodológica
etnográfica, embora não pretenda ser reconhecido como tal, devido à necessidade de propor
intervenções para o grupo, abordando as temáticas pertinentes à C&T no contexto escolar.
Embora os temas abordados fossem identificados como sendo de interesse das crianças, as
demonstrações ocorreram de maneira espontânea e individual ou em duplas, conforme
apresentado no capítulo anterior. Desse modo, o interesse em observar as interações do grupo
revela também uma possibilidade de diálogo entre o interesse das crianças por temas
científicos com a função da escola em apresentar e ampliar o repertório das crianças acerca
dos conhecimentos humanos construídos historicamente.
A aplicação das intervenções ocorreu no período em que as crianças frequentam o
espaço educativo, mediante autorização de quase todos os familiares e aceite da turma em
participar, com auxílio da professora e de monitores, apresentados na seção seguinte que
contextualiza os atores envolvidos na pesquisa. O fato de a atividade de produção dos dados
ser realizada no espaço educacional regular, enquanto parte do planejamento semanal da
professora, não permitia que a não autorização da família se aplicasse à participação da
criança na atividade em si. Por isso, os casos de crianças não autorizadas a participar da
pesquisa, pelo responsável, foram respeitados, e os dados da criança não foram considerados
para a etapa de análise dos dados da pesquisa. Tanto as famílias como as crianças foram
informadas que poderiam desistir a qualquer momento de participar do processo de pesquisa,
sem nenhum prejuízo. No caso de a criança não querer mais participar da atividade esta
poderia parar de participar da proposta e realizar outras atividades disponíveis no espaço.
Devido ao contexto, todas as propostas estavam de acordo com o planejamento semanal da
professora, e consequentemente, tiveram como objetivo contribuir para o processo de ensino e
aprendizagem das crianças, corroborando com as orientações do documento norteador do
município, denominado QSN (GUARULHOS, 2019). As intervenções fizeram parte da rotina
escolar da turma, contribuindo para o processo de construção dos saberes e aprendizagens das
crianças. Sendo assim, todas as crianças interessadas participaram das intervenções planejadas
para a pesquisa. Ao longo das intervenções foi ressaltado para a turma que eles poderiam
optar por não participar, ou ainda, que eles poderiam desistir a qualquer momento, caso não
sentissem vontade de continuar participando.
59

A fim de garantir a organização e o controle efetivo das informações de cada


participante, foi elaborada uma lista com os dados de todos envolvidos contendo o nome
completo, um codinome escolhido pelo participante, uma foto para identificação, e a
indicação de liberação ou não de participação na pesquisa do responsável, da criança e da
monitora/bolsista. Essa lista foi armazenada junto aos demais arquivos da pesquisa, para
facilitar a consulta no momento de tratamento dos dados para este ou em caso de publicações
futuras.
Por conta da incerteza de uma data definida para a reabertura definitiva das escolas28,
devido à medida adotada para reduzir a propagação da COVID-19, o processo do Comitê de
Ética e Pesquisa (CEP) teve de ser prorrogado, sendo aprovado pelo comitê da UNIFESP em
dezembro de 2021 (Parecer n. 5.168.254)29.

5.2 Procedimento de organização e análise dos dados

A etapa de organização dos dados exigiu investimento significativo de tempo e


estratégias por conta da quantidade de materiais coletados. Por isso, após cada dia de
intervenção, os dados foram armazenados e organizados com um código de identificação,
formado a partir da ordem da semana (de 1 a 4), data, tema explorado (terra, mar, espaço e
céu), tipo de registro (áudio, foto, vídeo) e tamanho do arquivo, no caso de vídeo e áudio. O
conjunto de arquivos foi armazenado em pastas de acordo com a data e o espaço explorado,
sendo categorizados por tipo de arquivos. Com o intuito de registrar o máximo possível de
informações e impressões do campo, ao final de cada intervenção, foi elaborado um relatório
geral pela pesquisadora, com contribuições das monitoras, contendo uma sequência das ações
realizadas pela turma, principais dificuldades encontradas, adequações que surgiram por conta
do contexto, limitações etc. Neste, foram registrados também informações gerais, como: a
quantidade de crianças presente, quais monitores participaram auxiliando nos registros e
mediações, presença de estagiária na sala, comparecimento de crianças de outras turmas
devido a ausência da respectiva professora, entre outras situações que ocorreram durante a
intervenção. O processo de transcrição das gravações dos vídeos e áudios foi realizado ao
final das intervenções, tomando como base o relatório geral e as fotos, tendo como suporte
para identificação o quadro abaixo, contendo originalmente, nome completo, imagem da

28
As escolas da prefeitura de Guarulhos-SP permaneceram fechadas de março de 2020 até julho de
2021.
29
O parecer consubstanciado do CEP está disponível na íntegra no Anexo I.
60

criança, apelido escolhido por cada uma delas e a confirmação (ou não) de entrega do RCLE e
aceitação em participar da pesquisa, indicado pela coluna TALE.

N. NOME FOTO NOME ESCOLHIDO TCLE TALE

01 menino excluída Fredy ok ok

02 menino excluída Tanos ok ok

03 menino excluída Spider Man ok ok

04 menino excluída Hulk 2 ok ok

05 menino excluída H.C ok ok

06 menino excluída Naruto ok ok

07 menino excluída Sonic II ok ok

08 menino excluída Lobisomem ok ok

09 menino excluída não sei ok ok

10 menino excluída D.R. ok ok

11 menino excluída Policial Sonic (policial roblox) não devolveu ok

12 menino excluída Pescador caranguejo ok ok

13 menino excluída homem de ferro não devolveu ok

14 menino excluída J.P ok ok

15 menino excluída Hulk ok ok

16 menino excluída Flash ok ok

17 menino excluída Flash II ok ok

18 menino excluída prefeito Nacos (dourado - filme) ok ok

19 menino excluída L.M. ok ok

20 menina excluída Ariel ok ok

21 menina excluída princesa Bela adormecida ok ok

22 menina excluída I.M. não devolveu ok

23 menina excluída L.B. não devolveu ok

24 menina excluída Hello Kit não devolveu ok

25 menina excluída veterinária ok ok


61

26 menina excluída Mulher maravilha 2 ok ok

27 menina excluída Rapunzel ok ok

28 menina excluída Sereia 1 ok ok

29 menina excluída Mulher Maravilha ok ok

30 menina excluída Sereia 2 ok ok

31 menina excluída A. L. ok ok

32 menina excluída Frozen ok ok


Fonte: Elaborado pela autora

A transcrição do material foi realizada buscando descrever todas as etapas da


intervenção, respeitando a ordem cronológica dos fatos ocorridos. O relatório de transcrição
foi organizado pela descrição em etapas, de modo a permitir a organização por episódios.
Com exceção das algumas atividades extras, realizadas apenas pela professora da turma sobre
a temática da semana, as intervenções foram planejadas contendo: i) apresentação da
temática, ii) roda de conversa, iii) confecção de materiais, e iv) registro individual ou coletivo.
Cada um desses itens é caracterizados como episódios, sendo mais facilmente identificados no
relatório. A partir dessa organização inicial, e da leitura contínua dos dados, buscamos
identificar algumas tendências de interesse no comportamento das crianças em torno das
temáticas. Esse processo não tem o interesse de limitar ou encerrar a leitura dos dados, apenas
organizar as informações coletadas a partir das lentes de gênero, conforme apontado ao longo
do texto.
A proposta de análise consiste em investigar como se deram as interações do grupo,
entre as crianças e entre elas e os adultos, durante as intervenções que abordaram temas que
envolvem aspectos de C&T, considerando, em especial, as relações de gênero nesse processo,
buscando identificar se é possível estabelecer semelhanças e ou diferenças significativas
acerca do interesse por essas temáticas. Compreendemos que tal observação pode contribuir
para identificarmos a existência, ou não, de nuances em torno dos saberes científicos por parte
dos meninos e meninas na primeira infância, guiados pelos objetivo de identificar se, e como,
é possível relacionar essas manifestações (interações) com base em representações
culturalmente estabelecidas, a partir da interpretação dos processos de criação, (re)produção e
(re)interpretação de atividades pedagógicas realizadas no contexto da educação infantil.. Para
tanto, buscaremos identificar quais foram as manifestações e interações produzidas pelas
62

crianças que suscitam referências de gênero estabelecidas culturalmente considerando duas


etapas de análise:
A primeira etapa consiste em identificar os processos de criação, reprodução e
reinterpretação produzidos nas atividades pedagógicas com tema de Tecnologia & Ciência,
buscando identificar como as atividades propostas suscitam os processos de produção de
sentido e as representações das crianças nesses contextos. Na etapa seguinte, após
compreender a organização do grupo, buscaremos identificar, analisar e categorizar os
discursos, narrativas, estratégias e interações que foram produzidas pelas crianças pautadas
nas relações de gênero, produzidas no interior das atividades de C&T, com o intuito de
verificar se essas atividades suscitam questões de gênero com as crianças pequenas.

5.3 Contexto da pesquisa: o projeto JOANINHA e a relação com o Pibid

Essa pesquisa foi produzida no contexto das ações do Pibid, subprojeto de Pedagogia
da EFLCH/UNIFESP, vinculado ao projeto de extensão universitária, voltado à ações de
comunicação científica destinada ao público infantil, denominado J.O.A.N.I.N.H.A.. O
projeto é uma das linhas de ação do programa de extensão Banca da Ciência, que tem como
objetivo popularizar a educação científica, com cunho sociopolítico, em espaços formais e
não-formais de educação para públicos de diferentes idades (PIASSI, 2013). Ele ocorre em
parceria entre instituições de ensino superior públicas, sendo as principais, Escola de Artes,
Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP) e a Escola de Filosofia
Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da UNIFESP, contemplando outras universidades
públicas do mesmo estado e de outros estados brasileiros. A articulação entre o Pibid e o
JOANINHA propõe viabilizar ações concretas a serem produzidas pelas graduandas e
aplicadas em sala de aula da educação básica, a partir do desenvolvimento de ações lúdicas,
envolvendo diferentes linguagens. Estas são elaboradas e aplicadas sob a supervisão de um/a
pós-graduando/a do grupo INTERFACES, e a professora supervisora do Pibid responsável
pela turma em que ocorrerá a aplicação da intervenção. As atividades propostas envolvem
aspectos da alfabetização e letramento científico articulado a temas de ciências de interesse
dos educandos - graduandos e estudantes da educação básica, possibilitando um processo de
divulgação científica em diferentes níveis para os sujeitos envolvidos nesse processo.
A proposta inicial desta pesquisa contava com a participação deste grupo de
graduandas - enquanto monitoras do projeto Pibid-JOANINHA - ao longo de todo o processo
desenhado na pesquisa, elaborar, aplicar e produzir os relatórios das intervenções
63

conjuntamente com a pesquisadora. Compreendemos que tal dinâmica favorece a formação


dos sujeitos envolvidos, contribuindo para os diferentes processos formativos inicial e
continuado. Nele, as graduandas entram em contato tanto com a rotina escolar e o
planejamento de atividades, quanto com o contexto de pesquisa, ao contribuírem com o
processo mais sistematizado de produção dos dados e elaboração de relatórios, possibilitando
uma ação contínua de ação-reflexão-ação desde os primeiros anos da graduação.
Devido a não reabertura das escolas como medida de prevenção da Covid 19, o início
das atividades de observação da turma precisou ser prorrogado por um ano, não sendo mais
concomitante ao período de vínculo das bolsistas ao programa. Ainda assim, duas delas
optaram em participar de maneira voluntária nas etapas de aplicação das intervenções e
elaboração de parte do relatório geral de modo não sistemático, contribuindo com impressões
e produção dos recursos didáticos.
A dinâmica de seleção das graduandas para atuar como monitoras do projeto
Pibid-JOANINHA acompanha o processo de seleção estabelecido pelo Pibid, para a aquisição
de bolsas. O projeto contempla também estudantes voluntários que se identificam ou se
engajam socialmente com os temas a serem abordados. Em geral, após serem selecionadas
para a bolsa do Pibid, ou se voluntariarem, as bolsistas vinculam-se aos grupos coordenados
pela/os pós-graduanda/os, por interesse ao tema, sendo a autora desta pesquisa uma das
responsáveis por um deles. Neste caso, a proposta foi refletir como abordar temas de ciência e
tecnologia a partir de uma perspectiva de equidade de gênero com as crianças. Tal dinâmica
possibilita que as bolsistas vinculem-se a um tema de seu interesse, seja a partir de viés
científico e ou por engajamento social. Em 2020, após a seleção para o grupo que abordaria
temas de C&T e relações de gênero, contamos com a participação de cerca de seis a dez
pessoas, considerando as bolsistas, graduandas voluntárias e coordenadoras do grupo.
Em condições regulares, sem pandemia, as atividades desse grupo ocorrem
semanalmente, envolvendo visitas presenciais na escola e reuniões do grupo para discussão de
textos, reflexões a partir das observações sobre o espaço escolar, planejamento de atividades e
elaboração de materiais didáticos, organização das informações coletadas, etc. Entretanto,
devido ao contexto de pandemia, as atividades ocorreram integralmente no formato on-line,
por chamada de vídeo via Google Meet, com encontros semanais de duração aproximada de
uma hora e meia a duas horas. Os encontros ocorreram pelo período de quase dois anos, com
início no segundo semestre de 2020 até o primeiro semestre de 2022. Apenas o último
encontro ocorreu presencialmente, após a liberação de atividades presenciais no campus da
universidade. Diante desse cenário, a contribuição mais efetiva do grupo ficou restrita à etapa
64

de reflexão sobre o tema, elaboração da primeira versão das propostas e produção de recursos
e artefatos utilizados nas intervenções com as crianças, como a confecção de uma boneca
negra, utilizada para representar a primeira astronauta negra Mae C. Jemison ou a preparação
de material de apoio visual com imagens de animais do fundo do mar. Apenas duas bolsistas
participaram ativamente da etapa de produção de dados, de maneira voluntária em datas
pontuais, visto que o período de bolsa havia finalizado. Entretanto, foi fundamental todo o
processo de reflexão sobre os temas com o grupo para o planejamento e reflexão coletiva das
propostas.
Reconhecemos o quanto este cenário global impactou significativamente inúmeros
serviços e processos cotidianos, incluindo a realização de pesquisas científicas que exigiam o
envolvimento presencial dos sujeitos em um mesmo ambiente, acarretando a necessidade de
inúmeras pesquisas serem revisadas e reformuladas30. Nossa pesquisa precisou ser
reformulada impactando diretamente o período previsto inicialmente, bem como a quantidade
de suporte durante a etapa de produção de dados com as crianças, durante as intervenções.
Entretanto, o encontro semanal com o grupo foi essencial, tanto pelas reflexões profícuas com
o grupo Pibid-JOANINHA, abordando os temas mais voltados à pesquisa, quanto pelos
aspectos emocionais também afetados pela necessidade de isolamento social imposto pela
pandemia. O espaço de troca vivenciado nos encontros semanais online possibilitou a criação
de vínculos entre as participantes, revelando-se um importante ambiente para suprir, mesmo
que insuficientemente, a distância física do coletivo universitário. Conforme relatado pelas
bolsistas, em diversas datas, as reuniões foram fundamentais para manter, de alguma forma,
um vínculo com a universidade no contexto do ensino remoto. Diversas integrantes deste
grupo, assim como a própria pesquisadora, pouco frequentaram o campus da universidade
antes de ser decretada a suspensão das atividades letivas presenciais, informado via Portaria
da Reitoria emitida em de 14 de março de 202031. Este espaço virtual foi vital também para
lidar com a falta de perspectiva sobre a possibilidade de manter, ou não, o foco de pesquisa
com crianças, dada a necessidade efetiva e concreta de contato com elas para a manutenção
deste. A suspensão de qualquer certeza de retorno das atividades presenciais causou excessiva
preocupação, desmotivação e questionamento sobre a possibilidade de continuidade e
30
Reportagem com pesquisadora sobre a necessidade de alteração na pesquisa por conta da pandemia.
https://revistapesquisa.fapesp.br/quando-vi-que-nao-poderia-voltar-a-campo-percebi-o-impacto-que-a-pandemia-
traria-para-a-minha-pesquisa/ acesso em 25/07/22).
31
Portaria da Reitoria nº 668 emitida em de 14 de março de 2020, suspendendo imediatamente as atividades
presenciais nos Campi da UNIFESP. Disponível em <
https://www.unifesp.br/images/DCI/Portaria_668_Unifesp > ou pelo site
https://www.unifesp.br/boletins-anteriores/item/4331-comunicado-3-portaria-n-668-suspensao-imediata-de-ativi
dades-letivas-e-de-eventos-com-aglomeracoes > Acesso em 06 jul. 2022.
65

relevância do estudo. Ao longo dos encontros, pudemos refletir também sobre os diversos
aspectos que influenciam a educação básica, em especial, diante do cenário vivido. Por fim,
este espaço cumpriu com o objetivo inicial, sendo de extremamente significativo para a
reflexão conjunta sobre os temas que dialogam com a pesquisa e a formação das graduandas,
como: a representação social da ciência e tecnologia, ciência na educação infantil e anos
iniciais, alfabetização científica nos anos iniciais, entre outros, além de propiciar a
participação das integrantes em eventos científicos para a divulgação dos trabalhos
desenvolvidos.
Destacamos que, em meio ao contexto de não reabertura das escolas públicas
municipais de Guarulhos - SP, buscamos verificar a possibilidade de adequação desta pesquisa
para o contexto remoto, no qual uma atividade foi desenhada pelo grupo para ser
encaminhada pela professora via redes sociais adotadas pela escola para estabelecer o contato
com familiares e crianças. O processo de planejamento, produção dos materiais audiovisuais e
o desdobramento com as crianças e famílias resultou em um trabalho, em forma de relato de
experiência, submetido ao V Congresso Nacional de Formação de Professores e XV
Congresso Estadual Paulista de Formação de Educadores, realizado em novembro de 202132.
Nele, concluímos que houve uma baixíssima participação e devolutiva das interações
propostas, provavelmente por uma série de motivos que envolvem aspectos amplos e
estruturais. Por meio desta experiência, compreendemos que não seria viável adaptar o
objetivo do estudo para o contexto remoto, sendo necessário o retorno presencial das
atividades escolares para a realização da produção de dados.
Compreendemos que todo o processo aqui relatado com o grupo Pibid-JOANINHA,
além de contribuir com a pesquisa em curso, contempla o tripé proposto pela universidade:
Ensino-Pesquisa-Extensão. Os discursos das participantes do grupo, em diferentes momentos
da reunião ou em desabafos pontuais por mensagens, revelam que a experiência de participar
desse coletivo foi fundamental para fortalecer a formação individual e a manutenção do
interesse e esperança de seguir o percurso educativo. Nessa perspectiva, podemos afirmar que
os objetivos dos programas Pibid e JOANINHA foram, ao menos parcialmente, alcançados na
medida em que as participantes estabeleceram um vínculo com a escola de educação básica e
com a universidade, e promoveram atividades de divulgação científica para as crianças
mesmo em contexto remoto. Esse processo foi ainda mais enriquecedor para todos os

32
Título não divulgado por questões éticas. Anais do V CNFP e XV CEPFE, realizado no período de 24 a 26 de
novembro de 2021, com o tema: Educação para o cuidado do do mundo: dimensões científicas, éticas e estéticas
da formação docente. V. 6. São Paulo: UNESP, 2021. Disponível em: <
https://repositorio.unesp.br/handle/11449/234824 > Acesso em 25 jul.2022.
66

envolvidos, devido a participação da professora da turma, também supervisora do Pibid, que


acompanhou todos os encontros - de 2020 a 2022 - contribuindo com as reflexões sobre os
impactos práticos ocorridos no espaço escolar de educação infantil durante a pandemia. O
acúmulo de conhecimento da professora sobre a unidade escolar, resultado da sua atuação por
aproximadamente oito anos na mesma escola, contribuiu para o planejamento das atividades,
favorecendo um contato mais orgânico das graduandas com a rotina das turmas de educação
infantil desse contexto escolar.

5.3.1 As propostas de intervenção: planejamento inicial

As propostas de intervenção foram planejadas para uma turma de estágio II, crianças
entre 5 e 6 anos, de uma escola do município de Guarulhos SP. Cada dia de atividade teve
uma duração máxima aproximada de uma hora e vinte minutos, considerando o momento de
organização do espaço até a finalização. O planejamento das intervenções teve como intuito a
criação de um ambiente favorável à observação de manifestações de interesses das crianças
por temas de C&T. Assim sendo, a etapa de planejar as propostas objetivou potencializar as
interações das crianças em torno das temáticas abordadas ou relacionadas. O produto
decorrente dessa etapa da pesquisa não constitui o foco da análise, entretanto o reconhecemos
como produto desta pesquisa pois a sua produção foi essencial para o processo de conclusão.
Vale destacar que o planejamento das intervenções foi elaborado em parceria com a
professora da turma observada, visto que ela fazia parte do Pibid como supervisora. Como a
etapa de conclusão do planejamento das intervenções ocorreu no primeiro semestre de 2022,
foi possível identificar elementos de interesse da turma para adequar as propostas, além das
contribuições da professora durante todo o processo. A descrição da versão final será
apresentada nos resultados da pesquisa.
Apresentaremos a seguir uma estrutura geral das propostas de intervenção, indicando
as adequações e os motivos para estas, a fim de tornar compreensível os processos adotados.
Destacamos que a proposta planejada inicialmente, conforme apresentada no apêndice C, foi
entregue para a professora da turma e para a gestão escolar com antecedência para que fosse
possível que a equipe tirasse dúvidas e conferisse a adequação das propostas às aprendizagens
dos campos de experiências. Foram definidos como objetivos gerais das intervenções: i)
conhecer o método científico: observar, formular questões, levantar hipóteses, pesquisar,
testar e apresentar respostas; ii) construir novas indagações e hipóteses, a partir de suas
explorações; iii) explorar relação de causa e efeito na interação com o mundo físico
67

(construção e observação de experimentos, etc.); iv) experimentar interações com recursos


tecnológicos durante as brincadeiras; v) identificar, nomear e utilizar a função social dos
objetos e recursos tecnológicos do cotidiano, além de apropriar-se dessa função.
O planejamento das intervenções teve como cerne proporcionar situações em que as
crianças pudessem explorar os fenômenos da natureza e suas tecnologias. O principal campo
de experiência envolvido no processo foi “Espaços, tempos, quantidades, relações e
transformações”, conforme estabelecido pelos documentos norteadores BNCC (BRASIL,
2017) e QSN (GUARULHOS, 2019). Vale destacar que esse campo não visa substituir ou
simular aulas de ciências ou de matemática na Educação Infantil, mas sim convidar a turma a
conhecer e multiplicar as perspectivas, realizar perguntas, investigar e criar explicações e
respostas, discutir temas de interesse com outras crianças e com os professores e demais
adultos (BRASIL, 2017a). Para tanto, é fundamental “oportunizar diferentes formas de
contato das crianças com as mais diversas manifestações artísticas, culturais e científicas
locais e universais, tanto em espaços formais quanto em espaços informais.” conforme
previsto no QSN (GUARULHOS, 2019), elaboramos um conjunto de intervenções a partir de
quatro ambientes distintos: terra-escola, mar, céu e espaço, conforme quadro abaixo. Os
ambientes foram explorados, um a cada semana, a partir de atividades distribuídas em dois
dias intercalados, em geral, realizados nas terças e quintas-feiras entre os horários de refeição
da turma, café da manhã e almoço.

Quadro 1 - Organização dos temas das intervenções

Resumo da sequência de temáticas exploradas nas intervenções

SEMANA 1 SEMANA 2 SEMANA 3 SEMANA 4


Tema: terra-escola Tema: Mar Tema: Espaço Tema: Céu

Dia 1: Explorando o Dia 1: Viagem ao Dia 1 - LIRA e Dia 1: Confeccionando o


jardim (lupa) fundo do mar protótipo do foguete luneta e/ou binóculo
(canudo)
Dia 2: Descobrindo e Dia 2: Confecção do Dia 2: Observando e
criando o mapa da protótipo de Dia 2 - Confecção e desenhando o céu
escola submarino lançamento do (algodão)
foguete (PET)
Fonte: elaborada pela autora.

Em geral, as crianças possuem interesses e curiosidades por esses ambientes e isso foi
observado ao longo do primeiro semestre. Em meio ao processo de observação,
esporadicamente, as crianças faziam perguntas, brincavam e simulavam explorações nesses
68

ambientes, demonstrando interesse pelo ambiente do fundo do mar, comentários sobre o céu e
a lua, simulavam o movimento de um foguete, entre outros. De modo complementar, esses
ambientes também foram abordados no material didático adotado pela rede municipal de
ensino, o qual é formado por livros de literatura infantil e um caderno de atividades. Assim, a
sequência de intervenções (Apêndice C) foi elaborada com o intuito de criar um contexto em
que temas de C&T pudessem ser abordados de maneira lúdica em diferentes espaços da
escola, buscando proporcionar espaços e situações lúdicas de aprendizagem envolvendo
saberes acerca de ciências e tecnologia, a partir dos quais as crianças foram motivadas a
pensar sobre ambientes específicos e, por meio da imaginação, interação e brincadeiras, criar
estratégias para explorar mais aquele local.
A aplicação das intervenções ocorreu nos meses de agosto e setembro, de maneira que,
a cada encontro, a turma realizou uma etapa do percurso investigativo, contemplando
diferentes ambientes, um por semana. A proposta foi iniciar a exploração pela escola,
explorando o jardim e o entorno dela, passando pelo mar, o céu e o espaço sideral. A ordem
dos ambientes foi definida por uma votação em que a turma pode escolher a partir das
imagens qual ambiente gostariam de conhecer primeiro. Reconhecemos que o tempo foi
relativamente curto para abordar ambientes com características tão distintas. Porém, o intuito
foi criar condições de enriquecer as interações e as produções das crianças em torno dos temas
de interesse, sendo adotado o caminho da diversidade de ambientes, com a finalidade de
compreender se é possível identificar semelhanças e/ou diferenças de interesse e de
identificação das meninas e meninos por temáticas como: exploração espacial, construção de
experimentos e de protótipos etc.
O foco dos momentos de observação durante a produção dos dados da pesquisa foram
as interações da turma, nos diferentes momentos: rodas de conversa, confecção dos recursos e
exploração dos espaços, com o intuito de registrar, por meio de vídeo, fotos e anotações, as
interações das crianças nestas situações. Ou seja, buscamos identificar quais elementos e
procedimentos são (ou não) mobilizados e produzidos pelas crianças: conceitos científicos,
diálogos, perguntas, manifestações de (des)interesse pelo tema, movimentos corporais,
brincadeiras, dinâmicas de grupo ao longo do desenvolvimento das intervenções. O ponto
inicial do processo de cada dia de descoberta foi conversar com o grupo sobre o que
precisamos para conhecer mais sobre um ambiente? A partir das respostas, destacamos que o
nosso corpo possui muitas funções que nos ajudam a descobrir mais, por meio dos sentidos
que nos auxiliam a observar mais e melhor: olhando o nosso entorno, sentindo os cheiros e as
texturas, experimentando alimentos etc. Além desses, a imaginação ocupa um lugar
69

fundamental, uma vez que podemos imaginar, criar, construir e inventar recursos, com o
intuito de nos ajudar no processo de descobertas. Assim, para realizar algumas observações,
necessitamos de algumas ferramentas tecnológicas, inventadas ou (ainda) não, que nos
permitam aumentar o alcance dos nossos sentidos. Em cada etapa do percurso investigativo,
buscamos dialogar com o grupo sobre: o que já sabemos sobre o ambiente/lugar? quem pode
explorar aquele lugar? quem pode ir até esse ambiente? o que precisamos (roupa,
equipamento/ferramenta, máquina, transporte, etc) para explorar este espaço
(real/imaginário)? O que iremos encontrar lá?
Ao longo da realização das atividades e das brincadeiras, as crianças foram
incentivadas a expressar as opiniões sobre os acontecimentos, ideias, hipóteses e
questionamentos, além de contar e explicar as suas produções bem como os significados a
elas atribuídos; expressar os seus sentimentos, informando se gostaram ou não da atividade,
como se sentiram ao descobrir ou realizar as propostas; interagir com o grupo e participar com
autonomia dos processos, exercendo seu livre direito de escolha de materiais e de
participação; explorar de maneira integral (corporalmente) os movimentos e gestos como
forma de se expressar, além dos sons, cores, palavras, texturas, transformações dos recursos
usados. Ao final de cada atividade, as crianças foram convidadas a registrar: “o que
descobrimos hoje?” utilizando materiais variados: papel sulfite colorido, giz de cera, canetas
hidrocor, massa de modelar, palitos de sorvete, entre outros. As produções foram feitas
individual e/ou coletivamente, dependendo dos materiais e do interesse das crianças, sempre
incentivando-as a trocar experiências entre os pares também no momento dos registros. Ao
longo do processo, algumas aprendizagens foram desenvolvidas como: “Observar, interagir e
descrever os fenômenos e os elementos da natureza (luz solar, vento, chuva, água, ar, solo
etc.)” (GUARULHOS, 2019, p. 36); “Percorrer e narrar trajetos observando pontos de
referência em seu percurso. (QSN, 2019, p. 38)”; e representar por meio de diversas
linguagens objetos bidimensionais e tridimensionais; entre outras. O produto desse processo
será apresentado, com as devidas adaptações realizadas, no capítulo de análise dos resultados.
Apesar da estrutura inicial ter sido construída com a supervisão da professora, foi essencial
realizar a etapa de inserção no campo.

5.3.2 Local da pesquisa: a cidade, o bairro e o contexto escolar

Para o levantamento das informações sobre a escola e o seu entorno, foram utilizadas:
a) as anotações de caderno de campo, a partir das observações da pesquisadora ao longo das
70

visitas realizadas; b) levantamento de informações em sites e documentos oficiais da


Prefeitura Municipal; c) diálogo com a professora e as crianças da turma observada; d) uma
entrevista semiestruturada com um membro da equipe gestora da unidade, com a finalidade de
ter acesso aos documentos como Projeto Político Pedagógico (PPP) e demais informações
sobre o público atendido na unidade escolar. Embora não prevista inicialmente, esta última
etapa foi basilar dada a escassa quantidade de dados e informações em sites oficiais a respeito
do bairro e da escola em si. Destacamos que a busca pelos dados visou explorar a realidade
social do contexto em que a UE se constitui diariamente, reconhecendo o seu caráter
periférico enquanto um espaço que deve ser visto não apenas a partir de uma lógica da falta,
mas também enquanto um local potente, que produz saberes diversos. Compreendemos que,
ao ouvirmos as crianças em busca de identificar, ressaltar e evidenciar seus pensamentos e
visões do mundo, é fundamental localizar o contexto em que elas estão inseridas, fazendo
parte de um grupo maior. Assim, “é preciso pensar também nos relatos das crianças como
pertencentes a um dado grupo social, quer dizer, de uma escola, de uma rua, crianças de um
grupo de brincadeiras, de uma classe etc.” (FARIA, DEMARTINI e PRADO, 2009, p. 11).
O município de Guarulhos possuía um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)33
de 0,763, em 2010, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)34 e
uma população estimada de 1404694 habitantes em 202135. É considerado o segundo maior
município do estado de São Paulo e está localizado na região metropolitana do estado. Em
relação ao atendimento educacional realizado pelo município de Guarulhos - SP, em 2022,
havia um total de 181 unidades escolares que atendem crianças da educação infantil, sendo 90
da rede parceira e 91 da rede pública, totalizando uma quantidade de 5705936 crianças
atendidas direta ou indiretamente pelo município. A escola em que ocorreu a produção dos
dados empíricos desta pesquisa pertence à rede de ensino municipal, e está localizada em um
bairro periférico do município de Guarulhos - São Paulo, cerca de 14 quilômetros do marco
zero da cidade, há aproximadamente dez minutos de duas rodovias que cruzam o município.
O entorno da unidade escolar é predominantemente industrial, ocupado por empresas do ramo
de transporte e construção civil, indústria alimentícia, comércios, restando apenas uma de suas
laterais do prédio da estrutura da escola ocupada por residências. Tal característica é tão
marcante que nomeia o bairro vizinho à escola, denominado Bairro Industrial. Apesar dessa
33
IBGE IDH . Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/guarulhos/panorama
34
Utilizamos como referência os dados de 2010 devido a não realização do censo em 2020. Disponível em
<https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/guarulhos/pesquisa/37/0 >. Acesso em out.2022.
35
Idem anterior. Disponível em https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/guarulhos/panorama >. Acesso em out.2022.
36
Fonte: Portal Guarulhos - atualizado em 17/08/2021. Disponível em
<https://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/ite/escola/index.php?p=15&unidade= > Acesso em 20 jun.2022.
71

configuração, a escola não estabelece nenhuma relação de parceria com as empresas, segundo
a gestão da escola, conforme prática observada, pela pesquisadora, em outras escolas do
município, estreitando parceria entre os setores público e privado. O bairro possui ampla
variedade de estabelecimentos comerciais: supermercados, farmácias, padarias, lojas de
produtos diversos como roupas, produtos eletrônicos, além de academias, igrejas, entre
outros. As ruas são pavimentadas e contam com um fluxo intenso de caminhões devido às
duas avenidas principais que interligam o bairro às rodovias, assim como de transportes
públicos. É possível identificar que o desenvolvimento do comércio local na região atende
tanto a demanda populacional gerada pelas indústrias, quanto pelos moradores, distribuídos
em casas de alvenaria, além de condomínios particulares e populares. A região em que a
escola está inserida possui aparelhos de saúde, como hospital municipal e unidade de Pronto
Atendimento, e outras escolas municipais - rede própria e conveniada, estaduais e
particulares, atendendo diferentes etapas e modalidades de ensino, educação infantil, ensino
fundamental (EF) e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em relação aos espaços de lazer,
não há praças públicas nas proximidades da unidade escolar. Porém, há dois espaços
municipais denominados como Centro Educacional Unificado (CEU), que são utilizados para
lazer, onde é possível realizar algumas atividades extraescolares, além da presença de dois
parques públicos e um shopping center, ambos localizados a uma distância relativamente
pequena.
A escolha da unidade escolar de educação infantil em que ocorreu a produção dos
dados deu-se por três critérios principais: I) ser uma escola municipal da prefeitura de
Guarulhos que aceitou a realização da pesquisa em um contexto incerto de pandemia; II)
pertencer ao quadro de escolas comprometidas em receber os residentes do curso de
Pedagogia da UNIFESP; e III) contar com a experiência de uma professora como supervisora
do Pibid ao longo de anos. Consideramos que o contato prévio entre universidade e escola
poderia facilitar o processo de aceitação de pessoas externas ao contexto escolar, pesquisadora
e bolsistas do Pibid. Tal preocupação intensificou-se devido à realização da pesquisa ocorrer
após um longo processo de retomada das atividades presenciais, no qual o limite de pessoas
em um mesmo espaço permaneceu restrito por um tempo. Os fatores elencados acima foram
considerados essenciais diante do contexto incerto de pandemia em que ocorreria a produção
dos dados, que poderia exigir, novamente, restrições de circulação no espaço escolar. Em
relação à estrutura física, a escola foi fundada em 2005, a partir de uma política de expansão
da rede de ensino do município, realizada pela gestão do governo do Partido dos
Trabalhadores (PT) durante o processo de municipalização do ensino fundamental I -
72

atualmente equivalente às turmas de 1º ao 5º ano, após a obrigatoriedade estabelecida pelo


governo do estado de São Paulo. As informações referentes ao nome e estruturas do prédio
foram mantidas desde a sua criação, não possuindo adaptações na estrutura, exceto pequenos
ajustes para a sua manutenção.

Figura 4 - Estrutura externa da unidade escolar

Fonte: arquivo Banca da Ciência.

Em relação ao público atendido na unidade, a partir de observação empírica, é possível


identificar que a região do entorno escolar apresenta uma classe predominante trabalhadora. A
respeito da condição econômica, vale destacar que a quantidade de crianças atendidas pelo
programa assistencial do governo federal, denominado Auxílio Brasil37, foi reduzida
substancialmente, se comparado ao programa vigente anteriormente Bolsa Família38.
Mencionamos a redução do número de beneficiados nesta escola por reconhecer a situação de
crise econômica que se implantou no país somada a outras de ordem sanitária e política nos
últimos anos. Vale destacar que, neste mesmo ano, o país voltou a enfrentar drasticamente o
quadro de insegurança alimentar, aumentando o número de pessoas que passam fome, de

37
Lei nº 14284 de 14/12/2021 que institui o Programa denominado Auxílio Brasil. Disponível em:
https://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:lei:2021-12-29;14284 . Acesso em fev. 2023.
38
Medida Provisória nº 1164 de 02/03/2023, com força de lei, que institui o Programa Bolsa Família novamente
devido ao novo presidente eleito em 2023. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/mpv/mpv1164.htm Acesso em fev. 2023.
73

acordo com a pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN)39.
Não pretendemos propor que sejam programas similares e, embora não seja o foco da
pesquisa, reconhecemos que muitas famílias e crianças foram afetadas por terem a sua renda
reduzida, para além de outros possíveis benefícios atrelados ao Bolso Família. Segundo o
membro da equipe gestora entrevistado, a diferença no número de famílias atualmente
atendidas pelo programa pode ser resultado de inúmeros fatores complexos impostos pela
alteração repentina do programa anterior, que possuía inúmeras ações complementares que
vinculavam um conjunto de políticas públicas para a população mais necessitada
economicamente. Ou seja, inúmeras famílias podem ter perdido o direito ao benefício por
conta das novas regras estabelecidas. Apesar disso, de maneira geral, a unidade escolar não
aparenta atender crianças em situação visível de extrema pobreza, ou em situação de extrema
vulnerabilidade alimentar. Muitas crianças utilizam transporte escolar privado para ir à escola,
incluindo coletivos, e, apenas três crianças da unidade utilizam transporte escolar público,
oferecido pela Secretaria Municipal de Educação (SME) devido à distância de suas
residências em relação à escola. São atendidas na unidade, crianças de três bairros vizinhos e
um mais distante, cujo caráter industrial é ainda mais acentuado e não possui estrutura para
atender a demanda escolar gerada pelo crescimento populacional desenfreado. De acordo com
relatos dos membros da equipe escolar, nos últimos anos houve um crescimento de famílias
migrantes, predominantemente dos países: Venezuela, Bolívia, Haiti e Cuba.
Segundo a equipe gestora, uma das consequências direta do contexto da pandemia foi
o aumento na rotatividade de matrículas de crianças de forma significativa, mesmo após a
retomada de atividades presenciais, desde o ano de 2021, conforme decreto estadual40. Esta é
uma das preocupações por conta de não ser possível acompanhar de maneira mais efetiva e
contribuir para o desenvolvimento das crianças. O número de evasão escolar após a pandemia
cresceu e tem sido objeto de debates, no âmbito local e municipal, buscando encontrar
soluções para reverter esse cenário. Outro fator que diferenciou o ambiente escolar
mencionado pelo entrevistado, após a retomada das atividades presenciais, foi um aumento
significativo de crianças com comportamentos associados às síndromes e deficiências. Esta
observação foi identificada por muitas outras escolas do município, gerando um aumento

39
Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Covid-19 no Brasil. Disponível em:
https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf . Acesso em fev.
2023.
40
Decreto nº 65849 de 06/07/2021, publicado em Diário Oficial em 07/07/2021, dispõe sobre a retomada das
aulas presenciais no contexto da pandemia de COVID-19 e institui o Sistema de Informação e Monitoramento da
Educação para COVID-19. Disponível em < https://www.al.sp.gov.br/norma/199000 > Acesso em 25 jul.2022.
74

acentuado de solicitações por estagiárias, na secretaria de Educação, uma vez que elas
auxiliam no acompanhamento de crianças com deficiência.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) da unidade estava em processo de reelaboração,
pela equipe e comunidade escolar, a fim de atualizar a primeira versão elaborada em 2014.
Este é um movimento solicitado para todas as escolas da rede municipal, a fim de atualizar o
documento que revela o projeto desenvolvido na instituição. Em 2022, havia 768 crianças
matriculadas na escola, distribuídas em 217 na creche - crianças com até 4 anos, e 551 na
etapa da pré-escola - crianças entre 4 e 5 anos, conforme quadro abaixo. Não havia dados
específicos quanto aos marcadores de gênero, raça e etnias das crianças disponíveis no PPP ou
em sites da prefeitura.

Quadro 2: Quantidade de alunos da Escola de Educação Infantil Pesquisada


Etapa Ensino Horários Tipo de Quantidade Quantidade
turma de turmas de crianças

Berçário I 3 60
Manhã: 7h - 12h
CRECHE Tarde: 13h - 18h Berçário II 3 73
Integral: 07h - 17h
Maternal 3 84

Manhã: 07h - 11h Estágios I 10 271


PRÉ-ESCOLA Intermediário: 11h - 15h
Tarde: 15h - 19h Estágios II 10 280

TOTAL 29 768
Fonte: Planejamento escolar anual: mapa de turmas da EPG de 2022.

Na creche, cada turma de berçário e maternal possui, respectivamente, três e duas


professoras responsáveis. A partir do estágio I em diante, cada turma possui apenas uma
professora responsável por turma de, em média, 30 a 35 crianças. Em turmas que apresentam
casos de crianças com deficiência, a escola tem autorização para solicitar uma estagiária que
atua como auxiliar para os cuidados desta criança, especificamente. Ao todo, a equipe escolar
conta com 79 funcionários, distribuídos nas funções de cozinheiras, agente escolar, gestores,
secretárias, auxiliares de serviço geral, controladores de acesso, estagiárias, e professora/es,
sendo quatro homens e 40 mulheres. A equipe relatou que sente necessidade de mais
funcionários para melhor distribuir as atividades realizadas na escola. Entretanto, apesar das
solicitações feitas à SME, a unidade é caracterizada pelo tamanho P (pequena), definido pela
quantidade de matrículas de alunos, por isso não é possível ampliar o quadro de funcionários.
75

A produção dos dados ocorreu com uma turma formada entre 30 e 33 crianças, uma
vez que a rotatividade de crianças ao longo do ano é alterada pelas mudanças de horários e
turmas para melhor atender as necessidades dos familiares e crianças. Apesar das orientações
do Referencial Curricular, volume 2, o número de crianças por turma de estágio II, entre 5 e 6
anos, no município de Guarulhos pode chegar a 35 por turma. Embora, o artigo 16 da Portaria
nº 65 de 201841 que dispõe sobre o atendimento das creches e pré-escolas do município,
estabelecer a quantidade máxima de 30 crianças por turma de pré-escola (Estágios I e II), o
artigo seguinte estabelece que diante a uma demanda excessiva o departamento responsável
pode alterar a quantidade máxima de atendimentos por classe.
Em relação a estrutura física da unidade, na parte externa possui um parque com
grama sintética contendo diversos brinquedos e uma casinha de alvenaria, uma arena e um
quiosque. Os muros e as paredes da escola, na parte externa e interna, são coloridos com
desenhos que remetem ao nome da patrona da escola, fazendo referência também ao universo
infantil. Há desenhos de formas geométricas, animais, palavras, personagens, alimentos, seres
da natureza, entre outros. As portas das salas de aula são igualmente coloridas e cada uma
possui um animal desenhado, já as demais portas estão pintadas com uma cor única. O prédio
é constituído por um piso único, térreo, dividido em 3 corredores largos conectados entre si,
conforme imagem abaixo (figura 5), dois deles formados por salas de aula e um com o
refeitório, cozinha e secretaria. O espaço possui 10 salas de aula propriamente, e uma sala
projetada para ser de vídeo, utilizada como sala de aula devido ao aumento da demanda de
atendimento da creche, conforme orientação da SME, de acordo com a equipe gestora. Há
uma cozinha e um refeitório com mesas coloridas, além dos banheiros divididos para meninos
e meninas, devidamente identificados pelo desenho das portas. A escola possui materiais para
uso com as crianças, brinquedos variados, jogos, livros infantis etc. Não há computadores
para o uso de professores, seja para pesquisa em horários formativos ou para atividades de
pesquisa com as crianças. Há apenas uma televisão e uma caixa de som para ser utilizada pela
escola, uma vez que outros televisores foram furtados, conforme relatado pela equipe.

41
Portaria 65/2018 da Secretaria da Educação, Cultura, Esporte e Lazer que dispõe sobre o
atendimento nas creches da rede municipal de ensino, páginas 22 e 23. Disponível em:
https://www.guarulhos.sp.gov.br/uploads/pdf/1004690297.pdf. Acesso em 19 ago.2022.
76

Figura 5 – Corredor central da escola.

Fonte: Elaborada pela autora.

As salas de aula, destinadas a atender as turmas de estágio, possuem estrutura


semelhante, as paredes possuem duas cores, seguindo o modelo do corredor, há um quadro
negro e uma lousa branca, ocupando duas laterais da sala. As mesas e cadeiras são coloridas,
possibilitando um agrupamento de quatro crianças em cada, dispostas no centro da sala de
aula, uma das laterais da sala possui janelas e uma bancada em que é possível armazenar
caixas de brinquedos, materiais escolares, ou mesmo de apoio para atividades secarem, e a
outra parede é ocupada pelos três armários, sendo um para cada professor de uma
turma/período, uma estante móvel de livros e materiais pedagógicos nos cantos.

Figura 6 - Organização do espaço da sala de aula - vista da porta

Fonte: Acervo próprio.

De modo geral, a escola é bem colorida, com boa iluminação e ventilação natural,
além de apresentar estado conservado de grande parte dos equipamentos. A rotina escolar é
dinâmica por ser uma unidade que atende em períodos diversos os estágios e a creche,
havendo constantemente uma movimentação no espaço escolar.
77

5.3.3 Percurso investigativo in loco e os atores envolvidos

Embora a produção dos dados tenha iniciado apenas em fevereiro de 2022, o contato
com a unidade escolar deu-se em setembro de 2021, via e-mail, com a gestão, apresentando o
interesse em realizar a pesquisa e solicitando a autorização. A autorização para realização da
pesquisa pela equipe gestora ocorreu após algumas conversas, via telefone, para explicar mais
sobre os objetivos e o processo de produção dos dados. Uma semana antes de iniciar as
atividades escolares do ano letivo de 2022, entramos em contato com a diretora da unidade
escolar para relembrar o início da pesquisa e verificar a possibilidade de participar da primeira
reunião entre professores e familiares. O início da atividade em campo deu-se, então,
efetivamente, no dia desta reunião, em fevereiro de 2022. O contato com a professora da
turma já havia sido estabelecido devido ao fato dela ser uma das supervisoras do Pibid, e
acompanhar todos os encontros do Pibid, de 2020 a 2022, além de ser integrante do mesmo
grupo de pesquisa da autora. A professora possui formação em Magistério, graduação em
Licenciatura em Ciências da Natureza e Pedagogia, e Mestrado em Ensino de Ciências e
Matemática. Mediante autorização da gestão escolar, solicitamos também a autorização da
professora para participar da primeira reunião com os familiares das crianças.
O contato com as famílias foi feito a partir do primeiro dia letivo do ano, na primeira
reunião. Após apresentação para os familiares com explicação dos tópicos a serem abordados
na reunião, a professora explicou o seu papel enquanto supervisora do Pibid e a dinâmica de
atividades com estagiárias e bolsistas do mesmo programa, que ocorre frequentemente com a
turma de crianças que ela é responsável. Em seguida, apresentou brevemente a importância do
Pibid e de pesquisas na área da Educação envolvendo crianças no contexto escolar,
exemplificando com a nossa proposta de pesquisa. Ao final da reunião, fui convidada a me
apresentar e falar brevemente sobre a pesquisa para os familiares e, em seguida, entregar o
Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE), conforme modelo disponibilizado no
apêndice (A). A professora leu, em voz alta, o termo e permitiu que os familiares tirassem as
dúvidas, além de autorizar a entrega em outra data, para que os familiares pudessem ler com
calma em casa e decidir. Muitas famílias optaram por levar o termo para casa e devolveram o
documento ao longo dos dias seguintes. Algumas pessoas tiraram dúvidas e assinaram o
termo naquele momento. Foi explicado que, enquanto parte das atividades do planejamento da
professora da turma, as atividades seriam realizadas por todos os alunos presentes em aula.
Entretanto, os dados coletados seriam, apenas, os feitos com as crianças que aceitassem
participar, mediante a autorização prévia do responsável.
78

O contato com as crianças foi feito na primeira semana de aula, momento em que pude
me apresentar e pedir autorização para permanecer no espaço da sala com eles. Para as
crianças autorizadas a participarem da pesquisa, pelos familiares, foi possível solicitar
individualmente, conforme descrito o modelo do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido
(TALE) disponibilizado no apêndice (B). Após receber o RCLE assinado pelos familiares, foi
possível realizar a leitura do TALE para as crianças autorizadas a participar da pesquisa,
realizando o registro por meio de gravações de vídeo. Também foi solicitado que cada criança
fizesse a escolha pelo nome pelo qual ela gostaria de ser identificada na pesquisa, respeitando
o sigilo previsto pelo CEP. A maioria das crianças optaram por serem identificadas por
personagens de animação.
Vale lembrar que a atividade de campo foi dividida em duas etapas: o primeiro
semestre consistiu a observação participante, para acompanhar, em período integral de aula, a
dinâmica da turma, com visitas ocorrendo de uma a duas vezes por semana em dias
alternados. O segundo semestre contou com a aplicação das atividades, previamente
planejadas para a pesquisa, ao longo do mês de agosto, setembro e outubro, as quais foram
realizadas em dois dias por semana, com duração aproximada de noventa minutos cada
intervenção. Mesmo em dias de aplicação de atividade, a observação da turma foi feita em
período integral de aula, desde a chegada até a saída de todos.
A rotina escolar é organizada por um cronograma semanal que prevê a realização de
atividades em diferentes espaços para cada turma. Por isso as professoras precisavam seguir o
planejamento para que todas as turmas pudessem frequentar o parque, quiosque e arena.
Apenas o corredor ao lado do parque poderia ser utilizado de maneira livre, desde que não
concomitante aos horários de entrada e saída das turmas. Em relação aos horários fixos
diários, a turma observada tomava café da manhã dez minutos após a chegada na escola,
almoçava às 09:35h, com 20 minutos cada refeição. O horário de saída iniciava às 10:45h,
com a saída primeiramente das crianças que usavam transporte escolar - público ou privado -
seguido daqueles que aguardavam os familiares. Enquanto as crianças aguardavam a saída, na
própria sala de aula, uma funcionária passava organizando e limpando o espaço para a turma
seguinte, que iniciava às 11 horas. Assim que as crianças chegavam na sala de aula, eram
orientadas a deixar a agenda na mesa da professora, bem como guardar a mochila no canto da
sala ou perdurar na respectiva cadeira. A atividade “principal” do dia, em geral, era realizada
no intervalo entre o café e o almoço, sendo exatamente nesse período em que realizamos a
aplicação das intervenções. Ao longo dos dias, foi possível identificar cada vez mais o quanto
as crianças perguntavam ou solicitavam atividades, ou lição, referindo-se a momentos em que
79

eles precisam registrar algo no caderno, folha ou outro material. Outra atividade
frequentemente solicitada era ir ao parque ou brincar com massa de modelar, a “massinha”
como eles denominam.
A sexta-feira era considerada como o “dia de brinquedo” e a maioria das crianças
levavam algum brinquedo de casa para compartilhar e ou apresentar para os colegas da turma.
Esta é uma prática muito frequente nas escolas do município de Guarulhos e costuma ser um
dia muito especial para as crianças. Aquelas que não levam algum brinquedo podem pegar os
brinquedos disponibilizados pela professora, permitindo com que todos pudessem brincar,
compartilhar ao longo do dia. Mesmo sendo um dia destinado a atividades livres, em geral
usando os brinquedos, parte significativa da turma solicitava folhas e canetas e lápis colorido
para que pudessem desenhar, pintar, elaborar jogos etc.
Conhecer a rotina da turma foi fundamental para a organização dos dias de aplicação
das intervenções, uma vez que foi possível observar e identificar os dias mais adequados para
propor as atividades dirigidas, sem interferir nas atividades que as crianças mais gostavam e
aguardavam ansiosas para participar, como o dia dos brinquedos. Sendo assim, ao final do
primeiro semestre decidimos, com a professora da turma, que as intervenções ocorreriam às
terças e quintas-feiras, evitando ocupar os dias de ida ao parque e o dia de brinquedo da
turma. As exceções, em que foi necessário realizar atividade no dia concomitante ao parque e
dia do brinquedo, atentamo-nos para que fossem propostas realizadas em intervalos menores,
de maneira que não impedissem que elas fizessem o que tanto aguardavam ao longo da
semana.
Ao longo das observações realizadas a partir do registro da rotina das crianças, foi
possível observar o quanto eles demonstraram interesse espontâneo por temas de ciência
como fundo do mar, foguetes, céu, entre muitos outros. Estes foram considerados no processo
de reelaboração das propostas de intervenção, partindo do planejamento feito pelo grupo
Pibid-JOANINHA, permitindo com que os interesses das crianças fossem retomados e
aprofundados nas propostas. Parte dos produtos decorrentes das propostas desenvolvidas foi
enviada para um evento externo à escola, denominado Expo Criatividade, e após a seleção
pelo comitê organizador, foi possível realizar uma visita com a turma a uma feira criativa, em
outubro do mesmo ano. Nela foram expostos produtos de projetos desenvolvidos por diversos
estudantes da rede municipal, sendo um deles o trabalho realizado pela própria turma. Assim,
entendemos que a devolutiva para as crianças foi realizada em dois momentos distintos, em
setembro e outubro, sendo respectivamente na escola, contemplando os registros das
80

intervenções coletivamente, por meio de fotos e trechos de vídeos, bem como a visita à feira,
em que eles puderam apreciar parte das suas produções.

Figura 7 – Devolutivas: apresentação das fotos das atividades e visita ao evento externo

Fonte: Elaborada pela autora.

A visita ao evento externo (figura à direita) contou com a participação das ex-bolsistas
do Pibid, de maneira voluntária, que participaram da etapa de aplicação de intervenções, e de
familiares, podendo ser caracterizada como uma devolutiva não apenas para as crianças, mas
para todos que participaram do processo. Ainda assim, foi realizada uma devolutiva para as
famílias, que ocorreu na escola em doze de dezembro do mesmo ano, na data destinada à
última reunião para finalizar o ano e apresentar a exposição de projetos realizados pela turma.
Neste dia, foram apresentadas todas as produções da turma no contexto das intervenções
realizadas na pesquisa, além de fotos e descrição resumida dos processos. Devido à limitação
de tempo e espaço, não foi possível apresentar trechos de vídeos. Também foi possível
realizar uma conversa com os familiares para apresentar as próximas etapas da pesquisa e
explicar brevemente o motivo pelo qual foram apresentados apenas resultados parciais sobre
os dados, uma vez que o tempo de conclusão da pesquisa não é concomitante ao ano letivo
escolar. Devido a turma estar no último ano da etapa de educação infantil e a escola atender
fundamentalmente essa etapa de ensino, muitas crianças não frequentarão mais esta unidade
escolar no momento que a pesquisa for concluída, dificultando o contato a longo prazo.
Entretanto, foi reforçado o interesse em convidar as famílias para acompanhar a defesa desta
ou mesmo apresentar o resultado na escola e convidá-los. Esse encontro foi muito
significativo por permitir tirar dúvidas sobre os processos realizados para chegarmos aos
produtos expostos, além de elucidar, brevemente, as etapas que constituem uma pesquisa
81

acadêmica destacando a grande contribuição que eles deram em permitir a permanência de um


pesquisador no espaço escolar. Muitos familiares agradeceram e demonstraram satisfação por
terem participado, agradecendo o convite e parabenizando a iniciativa, além de demonstrarem
interesse pela exposição.

Figura 8 – Devolutiva para familiares

Fonte: Elaborada pela autora.

Ao todo, foram realizadas 107 horas de atividades com a turma, sendo 36 horas de
observação-participante no primeiro semestre, 36 horas de aplicação das intervenções
didáticas entre agosto e setembro, 11 horas de atividades envolvendo diretamente as famílias
no primeiro e segundo semestre, além de interação indireta com as famílias ao longo das
intervenções. Algumas atividades complementares foram realizadas pontualmente apenas com
a presença da professora da turma, totalizando mais 4 dias que as temáticas foram abordadas
com a turma em uma das atividades do dia por meio de registros em desenhos, apresentação
de animação, votação dos espaços a serem explorados.

5.3.4 Em busca de uma aproximação horizontal com a turma

Em estudo sobre infância e educação no Brasil, Quinteiro (2009) descreve como as


pesquisas com metodologias convencionais demonstram insuficiência para dar conta da
complexidade de pesquisar com crianças, ressaltando o quanto o cuidado metodológico
passou a ser exigido ao tratar-se da importância de “ver, ouvir, registrar e interpretar as
82

representações sociais das crianças, buscando compreender como se constitui o seu mundo
cultural e qual o lugar social que a infância ocupa na escola” (QUINTEIRO, 2009, p. 40).
Por isso, ao longo de todo o percurso metodológico, em especial o inicial, de
observação da turma, buscamos estabelecer uma aproximação de maneira mais horizontal
possível com as crianças, de maneira que elas se sentissem mais à vontade com a presença de
uma pessoa externa ao espaço. Essa estratégia de aproximação pode ser identificada enquanto
um recurso metodológico que respeita os diversos níveis de interação estabelecidos por cada
sujeito. Desde os primeiros dias, algumas crianças demonstraram maior interesse pela minha
presença, de maneira mais imediata, solicitando com frequência a minha presença na mesa
delas, além de cobrarem que eu as visitasse mais vezes na escola. Assim, entendemos que
uma parte da turma considerava que uma visita por semana era pouco. Participar das
brincadeiras e jogos propostos pela e para a turma também contribuiu para esse processo de
aproximação, permitindo com que a relação entre pesquisadora-adulta com as crianças fosse
se constituindo de maneira mais horizontal.
O processo de socialização na escola, abordado por Müller (2008), contribui para
perceber a complexidade das relações e trocas inter e intrageracionais que se configuram por
meio das amizades, lutas por poder e negociações. Para a autora, a busca por uma pesquisa
que toma como base a centralidade das crianças, deve permitir com que elas possam se
expressar de maneira ativa a partir dos seus interesses, desejos e sentimentos. Desse modo, é
fundamental uma combinação de métodos distintos para a realização da pesquisa,
possibilitando que as crianças se expressassem por meio de diferentes linguagens. Como
exemplo desse processo, descrevemos o registro do caderno de campo, realizado em quatorze
de março, durante uma atividade livre com bambolês e cordas no corredor de acesso ao prédio
da escola, conforme as imagens abaixo (figuras 10 e 11) em que as crianças puderam explorar
os materiais livremente de diversas formas. Em meio a esse processo, as crianças me
incluíram na brincadeira quando, ao me abaixar para pegar uma corda caída no chão,
aparentando atrapalhar a brincadeira, algumas crianças aproveitaram para me “prender”,
colocando vários bambolês em mim, enquanto riam entre os pares comemorando a conquista.
83

Figura 9 – Crianças brincando no corredor externo da escola

Fonte: Elaborada pela autora.

De acordo com Corsaro (2002), a respeito da reprodução interpretativa no brincar das


crianças, em especial sobre o processo de aceitação do pesquisador pelo grupo, minha
aproximação com as crianças ocorreu de maneira periférica, uma vez que não iniciei, nem
finalizei ou mesmo tentei intervir no episódio, apenas participei da ação na medida em que o
grupo me incluiu. Ao longo dos dias, pude perceber quanto mais crianças me incluíam nas
brincadeiras, conversas e dinâmicas por elas construídas. As imagens abaixo demonstram
situações em que elas passam a desenhar tatuagens na minha mão, já que esta é uma prática
frequente entre os pares, usando canetas coloridas (figura 12); ou ainda o fato de, passado
aproximadamente um mês, foi possível observar pedidos com maior frequência para desenhar
no caderno de campo (figura 13). Apesar desses sinais de aproximação, em alguns momentos,
foi possível notar que algumas crianças se recusaram a interagir comigo, como, por exemplo,
durante uma das intervenções propostas para a coleta, em que um grupo de meninas forma
uma barreira, conforme imagem abaixo (figura 14), para o quarteto conversar internamente,
sem permitir que eu fizesse perguntas sobre o desenho delas. Assim que eu me afasto,
respeitando a decisão delas, elas desfazem o grupinho e continuam a atividade.
84

Figura 10 – Crianças interagindo e se afastando da pesquisadora

Fonte: Elaborada pela autora.

Esse processo de aproximação e convivência, com as crianças, requer um cuidado


ético e adequado que possibilite a livre expressão delas, mas também permita com que o
adulto realize as intervenções necessárias, quando preciso. Isso ficou claro nos momentos em
que precisei negociar o uso do meu caderno de campo pelas crianças e no momento em que
respeitei o grupo de meninas ao não demonstrarem interesse em compartilhar o que estavam
produzindo comigo, naquele momento. Porém, em seguida, ao apresentar o elemento que elas
usariam para incorporar o registro solicitado, todas passaram a dialogar comigo e
compartilhar suas ideias sobre como incluiriam o algodão no registro a partir da observação
do céu.
O retorno das aulas, após o recesso escolar em julho, com duração aproximada de duas
semanas, causou certa preocupação sobre como as crianças iriam me receber após um longo
período que permanecemos distantes, considerando nossos encontros, até então, semanais.
Assim, a retomada das atividades foi realizada, estrategicamente, uma semana após o retorno
das aulas, para acomodação da professora com a turma, e uma semana antes de iniciar as
propostas de atividades em que os dados mais específicos seriam coletados. Logo na chegada,
parte significativa da turma me recebeu como de costume, indo até a porta para me abraçar e
comentando que eu demorei. Após alguns minutos da minha entrada, pedi autorização para a
professora da turma para conversar novamente com as crianças, com o intuito de lembrá-las
do que eu fazia ali, além de me apresentar para duas crianças novas. Também aproveitei para
verificar se a turma me autorizava a realizar a gravação da atividade do dia, enquanto fazia
um teste com os equipamentos de gravação. E eles autorizaram. Além da calorosa recepção,
ao longo da atividade realizada pela turma, sobre criatividade, observei que as crianças, aos
poucos, me introduziram em uma brincadeira de criar enfeites com os materiais que eles
85

estavam usando, para colocar em mim. A primeira criança a colocar um enfeite em mim foi
uma das alunas novas, a Frozen42. Sem dizer uma palavra, ela se aproxima e cola com uma
fita um crachá com o nome dela na minha blusa. Em seguida, algumas outras crianças me
questionam sobre o que é aquilo, e eu explico que foi a Frozen que me deu. Aos poucos, outra
criança traz um crachá para mim, com nomes e desenhos, em seguida passo a ganhar pulseiras
de papel crepom e fita adesiva colorida, ao final do dia recebo dois anéis de fita adesiva
colorida, um em cada mão, dado por crianças distintas. Em outro momento, recebo uma coroa
de peças de monta-monta e, ao ser colocada em minha cabeça, pergunto se a criança gostou e
quer tirar uma foto. Ela afirma que sim e pega o meu celular, se afasta de mim, registra a
imagem abaixo e retorna para me devolver, dizendo que sou uma rainha, e uma princesa.

Figura 11 – Registro feito pela criança que me deu uma coroa de peças de montar.

Fonte: Elaborada pela autora.

Entre as interações, que aos poucos foram sendo estabelecidas com a turma, foi
possível notar que as crianças dificilmente solicitam alguma permissão para realizar a ação
que desejam, sendo necessário por vezes negociar com algumas delas para estabelecer alguns
pontos em comum. Em outras situações, é possível perceber o quanto elas se comunicam
entre si de maneira fluida, a partir da observação dos pares. A observação permitiu identificar
quais práticas as crianças costumam realizar de maneira espontânea, como desenhar na lousa.
Em geral, uma criança inicia e as demais se dirigem aos poucos, ao perceberem o que os
colegas estão fazendo. Ou, ainda, quando a professora convida uma delas para escrever algo
na lousa: o nome, uma palavra específica da leitura realizada, ou apenas para desenharem

42
Nome escolhido pela aluna após autorização de participação dada pela família e a própria criança.
86

livremente, e as demais se sentem à vontade para realizar a mesma ação. Um movimento


semelhante foi identificado nos momentos de teste dos equipamentos eletrônicos. Em três
datas distintas, antes do início das intervenções, os equipamentos foram levados para a sala de
aula com o intuito de permitir que as crianças explorassem os materiais. Após lembrar a turma
sobre a pesquisa, informei que aqueles objetos pertenciam ao estudo e solicitei autorização do
grupo para instalar na sala. Assim que a turma consentiu, a câmera e o gravador foram
colocados em um canto da sala, e, em seguida, crianças passaram a manusear e tirar dúvidas
sobre os artefatos.

É interessante que o equipamento seja apresentado aos sujeitos da pesquisa


um pouco antes do início oficial do trabalho de campo, a fim de que estes
acostumem-se com a ideia de que serão filmados. Na pesquisa com crianças, é
importante permitir que elas, sob supervisão, manipulem os aparelhos,
filmando umas às outras e assistindo em seguida. Essa introdução ao
equipamento traz várias vantagens: sacia parcialmente a curiosidade e o
fascínio pela novidade, atrapalha menos o andamento das atividades em sala e
mostra respeito pelas crianças, pois permite que compreendam o que está
acontecendo e do que estão participando. (GARCEZ, DUARTE e
EISENBERG, 2011, p. 256)

Como exemplo, na imagem (figura 16) abaixo, a aluna está desenhando de maneira
espontânea o gravador de áudio em seu caderno. Ela demonstra interesse por realizar registros
e é uma das crianças que sempre pega a caneta da pesquisadora para desenhar no caderno de
campo, no entorno das anotações. Na segunda (figura 17), é possível notar que as crianças
passam a brincar com o equipamento, revezando os papéis de gravar e de atuar – em frente à
câmera, demonstrando interesse e familiaridade com o equipamento. Esse mesmo movimento
foi observado por dois meninos em outro momento desse dia. Na terceira imagem (figura 18),
um grupo de crianças se aproxima da câmera e realiza um revezamento para observar a tela
em que é possível enxergar o que está sendo registrado, em um segundo dia de teste dos
equipamentos.
87

Figura 12 – Crianças explorando e interagindo com os instrumentos de registro de dados

Fonte: Elaborada pela autora.

O caráter espontâneo de manusear os equipamentos tecnológicos levados para a sala


de aula podem indicar i) o quanto as crianças têm interesse pelos materiais e demonstram que
aquele espaço pertence a elas, legitimando o manuseio dos instrumentos ali presentes, e que
eles se sentiram à vontade frente a presença desses recursos. Vale destacar que meninas e
meninos demonstraram interesse pelos materiais de gravação, e ambos brincaram e
demonstraram interesse em saber como gravar. Além desses equipamentos, parte da turma
solicitava com frequência o celular da pesquisadora para tirar fotos, visto que frequentemente
era usado para registrar as ações, por meio de fotos ou gravação de áudio. Em alguns
momentos foi possível disponibilizar o celular da pesquisadora para que as crianças
registrassem o que as interessavam naquele instante, mas, em outros, não era possível
emprestar, sendo informado que ao final da atividade elas poderiam solicitar novamente, já
que o registro dos dados não poderia ser prejudicada. O mesmo ocorreu com o caderno de
campo, sendo necessário dialogar e estabelecer um espaço e um tempo para que elas
pudessem usar o caderno. Aos poucos, algumas delas passam a perguntar se poderiam
desenhar naquela hora ou depois. Tal dinâmica estabelecida por eles e posteriormente
negociada entre os sujeitos envolvidos, pode ser um indicativo do quanto parte significativa
do grupo passa a estabelecer uma relação de proximidade comigo, legitimando a minha
presença entre eles.
Compreendemos que a natureza das ações realizadas na etapa seguinte, o processo de
aplicação das intervenções, é modificada, na medida em que as propostas de atividades
passaram a interferir na dinâmica estabelecida inicialmente entre as crianças e a pesquisadora.
88

Entretanto, destacamos que a etapa subsequente foi planejada com o intuito de buscar
compreender como se dão as interações das crianças em torno das temáticas propostas.
89

6 RESULTADOS

Neste capítulo apresentaremos parte dos resultados parciais da pesquisa, considerando


o processo de elaboração e parte da aplicação das intervenções. Inicialmente, apresentaremos
como ocorreram as intervenções, contemplando as adequações, uma vez que elas constituem
parte do que foi produzido para a concretização da pesquisa. Em seguida, indicaremos alguns
aspectos relevantes de uma das aplicações, especificamente da semana três, a fim de esboçar
os caminhos pretendidos para a realização da análise dos dados coletados. Optamos por
apresentar alguns aspectos desta proposta específica por compreendermos haver um
significativo interesse das crianças pela temática, pelos materiais e pela personagem
apresentada, além de ter suscitado interações com elementos explícitos sobre C&T e relações
de gênero nas interações da turma, provavelmente pela presença da boneca astronauta. As
intervenções serão devidamente analisadas após o processo de qualificação, contemplando as
devidas adequações e orientações indicadas nesse processo. Por conta do volume de dados
coletados em cada dia das intervenções, optamos por organizar os registros em arquivo digital
de livre acesso43, contendo as anotações, imagens, vídeos e parte das transcrições, nomeadas
pelos códigos de identificação apresentados ao final do próximo subcapítulo. Parte dos
registros realizados no processo de produção dos dados consta no anexo deste relatório
(Apêndice D).

6.1 Propostas de intervenção

Apresentaremos as propostas de intervenção, em sua versão final, por


compreendermos que o processo de elaboração caracteriza-se como parte dos resultados da
pesquisa. Assim, essa etapa inicial contempla desde o planejamento e elaboração, com auxílio
das pibidianas, até as adaptações realizadas a partir da observação das crianças no primeiro
semestre, considerando a identificação de seus interesses em torno dos temas pré-definidos:
terra, mar, espaço e céu. A ordem da apresentação está de acordo com a sequência
cronológica de aplicação, respeitando a ordem estabelecida pela votação da turma, quando as
crianças indicaram qual ambiente/tema gostariam de conhecer primeiro. A participação foi
feita a partir da escolha de uma das imagens que representavam o céu, o espaço e o fundo do

43
Acesso ao conjunto de dados coletados na aplicação das intervenções. Disponível em
https://drive.google.com/drive/folders/1u0o9LgTUvaA7uzJ-i4xDiROTkrZOP5En?usp=share_link .
Acesso em Abr. 2023.
90

mar como resposta. A primeira intervenção, com o tema terra-escola, foi realizada antes da
votação, estrategicamente, para que realizássemos uma espécie de apresentação de como as
atividades ocorreriam, possibilitando um espaço de diálogo com a turma acerca da dinâmica
estabelecida para as demais intervenções. A escolha dos ambientes foi uma etapa importante
de interação e levantamento de saberes e interesses das crianças sobre cada ambiente. Assim,
será apresentada, brevemente, a estrutura geral de cada intervenção, seguida de um esboço de
análise da terceira semana, abordando especificamente o espaço, a partir do contexto da
exploração espacial.
Destacamos que as atividades identificadas como extra foram planejadas a partir da
decisão, em comum acordo, entre a professora e a pesquisadora sobre a importância de dar
continuidade ao processo de exploração com as crianças sobre o tema abordado, considerando
dois aspectos principais: i) o interesse da turma pelo tema abordado na intervenção, e ii) a não
sobrecarga de atividades no dia planejado. Estas foram realizadas unicamente pela professora,
sendo o produto registrado por fotos posteriormente, no caso de desenhos, ou por
videogravação da professora durante o processo de realização dos diálogos, que foram
enviados para a pesquisadora. Essa parceria estabelecida evidencia a importância de definir
uma conexão prévia entre a pesquisadora e a professora.

6.1.1 Semana 1 - Intervenção: Terra-Escola

As intervenções propostas para a primeira semana foram planejadas com o intuito de


dialogar com o projeto desenvolvido pela turma no primeiro semestre, acerca de conhecer
mais sobre o território escolar e a história da personalidade que nomeia a unidade escolar. Por
isso, adaptamos um dos planejamentos criados inicialmente, pelas pibidianas, para contemplar
o ambiente terra para abordar o espaço escolar a partir de recursos tecnológicos. Esse primeiro
momento, de realizar as intervenções, configurou-se como uma etapa importante para
introduzir uma dinâmica nova que se estabeleceria entre sujeitos crianças, professora e
pesquisadora, uma vez que foi necessário sair do papel de observador participante para um
papel mais propositivo. Vale destacar que algumas crianças perguntavam frequentemente
quando a pesquisadora faria alguma atividade com a turma, e essa primeira semana contribuiu
para a construção desse processo.
91

Semana 1 - Dia 1: “O espião”44

A primeira atividade teve como objetivos identificar os seres e elementos do jardim da


escola com auxílio da lupa; produzir questões no momento da visita ao espaço externo;
registrar os processos e descobertas utilizando diferentes materiais; interagir e atribuir sentido
à utilidade de diferentes tecnologias do cotidiano. A atividade iniciou com a leitura do livro
"Folhinhas" (CALIXTO e GROSSI, 2020), que narra a vida diária de formigas que carregam
folhas enquanto realizam um longo percurso repleto de descobertas e estratégias para retornar
para casa. A turma já conhecia o livro devido a professora ter realizado a leitura no primeiro
semestre e as crianças terem levado o livro para casa, sendo uma das ações do programa
municipal de fomento ao livro, leitura e literatura, denominado Minha sala de leitura45. Esta
etapa foi seguida por uma roda de conversa sobre a história, conduzida pelas questões
norteadoras: Onde podemos encontrar folhinhas como as da história? Na escola, tem algum
lugar que tenha folhas? Será que todas as folhas são iguais? O que podemos usar para
explorar o nosso jardim e as folhas e plantas?

Figura 13 – Roda de leitura da obra Folhinhas

Fonte: Elaborada pela autora.

Após a etapa inicial da conversa, algumas crianças mencionaram alguns objetos que
poderiam ser usados para auxiliar. No momento que fizeram referências à lupa, apresentamos
o recurso e perguntamos: Vocês conhecem esse objeto? Onde viram/usaram? Quem estava
usando? para que ela serve? Uma menina responde demonstrando como usa a lupa
representando alguém procurando algo, e diz “é o espião”.
44
Optamos por nomear algumas intervenções com as falas que das crianças sobre algum dos
elementos da atividade. Neste caso, a Mulher Maravilha 2 identificou a lupa como sendo “o espião”.
45
Programa municipal que tem como princípio democratizar o acesso ao livro e à leitura, conforme apresentado
no Memorando Circular nº 27/2022. Disponível em:
https://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/siseduc/portal/exibir/arquivo/10078/inline/. Acesso em Mar. 2023.
92

Figura 14 – Mulher Maravilha demonstrando como usar o “espião”

Fonte: Elaborada pela autora.

Após uma etapa de exploração do material, convidamos a turma para ir até o local
mencionado por elas para observar as folhas. Como de costume, quando questionados se
queriam realizar a atividade na parte externa à sala de aula, todos demonstraram interesse em
nos acompanhar até o espaço da arena, que tem um jardim em volta. Algumas crianças
passaram a denominar a lupa como “o espião” e seguiram explorando diferentes elementos
encontrados no ambiente externo na escola.

Figura 15 – Exploração do espaço externo da escola

Fonte: Elaborada pela autora.

Após a visita e o momento de explorar o jardim com a lupa, conversamos sobre como
foi ir ao jardim, e se a lupa os ajudou a descobrir algo. Em seguida, convidamos a turma para
registrar as descobertas do dia. Após a escolha da cor do sulfite, elas desenharam o que
descobriram no dia enquanto permaneciam brincando com a lupa.
93

Figura 16 – Produções a partir da exploração com a lupa

Fonte: Elaborada pela autora.

Os registros foram variados, demonstrando diferentes olhares para o recurso


tecnológico. Logo, em seguida, duas crianças tiveram interesse em aprender a escrever a
palavra lupa e, após a palavra ser escrita na lousa, várias crianças se dirigiram para reproduzir
a palavra descoberta, conforme imagem (figura 23) abaixo.

Figura 17 – Crianças escrevendo a palavra descoberta na lousa

Fonte: Elaborada pela autora.

Semana 1. Dia 2: “Olha, a nossa escola!”46

A segunda intervenção teve como intuito fomentar a exploração da estrutura escolar,


ampliando os saberes acerca desse espaço que, diariamente, todas contribuem na construção
da sua história. Essa etapa dialoga com as ações desenvolvidas pela professora no primeiro
semestre, em que a turma conheceu mais sobre a história da patrona utilizando múltiplas
linguagens. De maneira complementar, convidamos as crianças a conhecerem mais sobre a
escola por meio de outra perspectiva, utilizando a ferramenta google maps. O objetivo foi
explorar e identificar alguns pontos específicos da escola no mapa, por meio do uso de
46
Expressão de parte significativa da turma ao identificar a arena, representada pelo arco-íris, na
imagem apresentada, e reconhecer como uma representação da escola.
94

diferentes recursos tecnológicos, além de reproduzir a planta da escola (e do entorno


escolar) usando blocos de construção, brinquedos de interesse da turma, conforme
observado no primeiro semestre. Essa intervenção gerou a elaboração de um relato de
experiência que permitiu a participação da turma em um evento externo denominado Expo
criatividade.
A intervenção iniciou com uma conversa sobre a atividade indicada ao final da
atividade anterior, por meio das questões: Quem se lembrou de observar o caminho
ida/volta para casa? Tinham folhas nesse caminho? Será que tem como ver a nossa escola
e as ruas em volta dela sem sair daqui para ver onde tem mais plantinhas? O que podemos
usar pra fazer isso? Algumas crianças apontaram para a janela, mostrando que seria
possível olhar para fora da escola. Em seguida, apresentamos a imagem da entrada da
escola, utilizando o google maps. As crianças reconheceram e fizeram inúmeros
apontamentos. Em seguida, apresentamos a vista superior da planta da escola.
Questionamos o que significavam as cores e se eles identificavam mais elementos da
imagem. A proposta inicial era realizar a visita ao portão de entrada da escola, e depois
realizar a leitura do mapa. Entretanto no dia da atividade estava chovendo e fazendo frio,
sendo necessário adaptar e realizar a proposta toda com auxílio do Google Maps.

Figura 18 – Explorando as imagens da escola na versão digital

Fonte: Elaborada pela autora.

A mesma imagem apresentada no suporte digital foi impressa para que cada criança
pudesse visualizar individualmente, identificar diferentes pontos, escrever e desenhar
conforme o seu interesse. Em seguida, conversamos sobre Será que nós podemos criar o
nosso mapa? quais materiais podemos usar? O registro foi feito coletivamente, em papel , de
maneira com que as crianças produzissem conjuntamente.
95

Figura 19 – Produção dos registros a partir da leitura do mapa do entrono da escola

Fonte: Elaborada pela autora.

Algumas crianças optaram por desenhar outros elementos, enquanto outras preferiram
brincar livremente com os blocos. Outras encontraram a lupa em uma caixa no armário da
professora e optaram por permanecer brincando com o recurso. Ao longo do processo,
algumas crianças se sentiram interessadas em produzir o registro e passaram a realizar a
proposta de registro.

Figura 20 – Meninos brincando com a lupa

Fonte: Elaborada pela autora.

Após a finalização do registro, as crianças foram para o refeitório e ao retornar foi


proposta uma votação do próximo ambiente a ser explorado. Com o intuito de oportunizar a
participação da turma no processo, a escolha dos espaços a serem descobertos nas semanas
seguintes foi feita ao final dessa intervenção, porém esse processo foi refeito na semana
seguinte, conforme descrito abaixo, e todas as crianças puderam eleger o ambiente que mais
tinham o interesse em explorar. Neste momento foi possível entrar em contato com diversas
ideias, dúvidas e informações sobre os espaços que as crianças escolheram.
96

Semana intermediária

A escolha dos próximos ambientes foi realizada em duas etapas distintas devido ao
primeiro dia ter contemplado poucas crianças, provavelmente devido ao clima de baixa
temperatura e muita chuva, ocasionando uma maior ausência das crianças. A continuação do
processo de escolha do ambiente, que as crianças gostariam de conhecer, foi feita pela
professora da turma, na semana seguinte, em uma data que a pesquisadora não estava
presente, por conta de ter contraído Covid-19.

Figura 21 – Escolha do ambiente a ser explorado

Fonte: Elaborada pela autora.

As crianças puderam escolher novamente os seus ambientes de maior interesse, por


meio das imagens47. Algumas crianças escolheram o mesmo local selecionado inicialmente, e
outras modificaram. O cartaz com as respostas ficou exposto na sala de aula durante todo o
período de realização das intervenções, com a finalidade de as crianças que faltaram nas duas
datas de escolha pudessem votar, além de lembrar a turma sobre o processo vivenciado. Dessa
maneira, as crianças também acompanhavam e indicavam qual ambiente seria o próximo a ser
explorado, além de lembrar de elementos que fizeram parte do ambiente anterior. A
disponibilidade de parceria por parte da professora foi fundamental, permitindo com que toda
a turma pudesse participar da votação.

47
Imagens usadas na semana intermediária, entre a primeira e segunda, para realizar a votação de qual ambiente
as crianças gostariam de explorar primeiro. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1QfgciZQnNBbWHWQt60uH0FOUkR7Elefj/view?usp=share_link
97

6.1.2 Semana 2 - Intervenção: Mar

Em diferentes momentos, ao longo da observação da turma, foi identificado o quanto


as crianças incluíam em suas brincadeiras os elementos do fundo do mar, em especial quando
estavam no parque, onde havia um brinquedo grande, em formato de barco, que possibilita às
crianças subirem em pequenos grupos. Nesse contexto, com frequência a turma brincava de
explorar o fundo do mar, fugindo de tubarões e querendo encontrar piratas que escondiam o
pote de ouro. Assim, identificamos que a proposta de intervenção do tema mar, produzida por
parte das bolsistas do pibid, na etapa inicial da pesquisa, contemplava o interesse da turma. A
principal adaptação sofrida foi a ordem da atividade por identificarmos, a partir de um vídeo
apresentado para a turma ao final da semana um, que as crianças não demonstraram conhecer
um submarino. Assim, a proposta foi invertida, de acordo com o planejamento inicial, e o
ambiente do fundo do mar foi explorado com a turma para, depois, o protótipo de submarino
ser confeccionado.

Semana 2. Dia 1: Explorando o fundo do mar

A intervenção foi iniciada com a retomada da votação da turma pela votação dos
ambientes a serem explorados. A professora perguntou qual seria o próximo lugar a ser
explorado e as crianças apontaram que seria o mar. Algumas crianças destacam terem votado
no mar, enquanto outras reforçam que votaram no céu ou no espaço. Em seguida, a professora
pergunta o que podemos encontrar no fundo do mar, e rapidamente as crianças passam a
levantar a mão e responder: peixes, peixes dourados, tubarão, terra, água viva, tesouro, entre
outros. Em seguida, perguntamos como é possível descobrir tantas coisas que tem lá no fundo
do mar, e a turma responde que é “mergulhando”, “nadando”, “pulando dentro da água”. Ao
serem questionados se há algum outro jeito de chegar lá, um dos meninos levanta a mão e
responde: “Sim, Submarino!”. A conversa segue com outras questões sendo levantadas pelas
crianças acerca da situação de visitar o fundo do mar, como, não poder comer nesse espaço,
etc. Em seguida, convidamos a turma a observar um conjunto de imagens que representam
diferentes elementos que vivem ou podem permanecer no fundo do mar48 com o intuito de
incentivar ainda mais o levantamento de questões sobre esse ambiente. O objetivo da proposta
48
Imagens usadas na Semana 2, dia 1, para explorar o fundo do mar. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1gCt4dn0KMk7OqvXfZJYiNzUg58bpJdNz/view?usp=share_link
98

foi propiciar um espaço para imaginar, criar e narrar acontecimentos, cenários e personagens
de fatos e histórias vinculados ao contexto explorado, bem como expressar por meio de
diferentes linguagens.

Figura 22 – Explorando as imagens de animais e elementos presentes no fundo do mar

Fonte: Elaborada pela autora.

Durante a leitura das imagens, diversas crianças interagiram, apontando as imagens


que mais chamaram a sua atenção. Também imitaram os elementos apresentados e faziam
perguntas específicas sobre a espécie. Logo após, algumas perguntas foram realizadas: quem
gostaria de fazer uma viagem pelo fundo do mar para descobrir várias coisas? Vamos fazer
um crachá para identificar quem nós seremos no fundo do mar? A professora levou a turma
para uma sala à parte, uma sala de professores, para que os crachás fossem produzidos
enquanto o cenário do fundo do mar era montado na sala de aula. Devido à falta de apoio,
nesse dia, não pudemos acompanhar esta etapa com as crianças para conseguir organizar o
espaço a ser explorado na brincadeira, conforme imagem (figura 29) abaixo.

Figura 23 – Cenário do fundo do mar confeccionado para a etapa da exploração

Fonte: Elaborada pela autora.


99

Após um período fora da sala, as crianças retornaram com os crachás para explorar o
“fundo do mar”, preparado com diferentes materiais, imagens, desenhos, recortes de papel,
um simulador de submarino, e a projeção do fundo do mar na parede com o som ambiente de
água. Assim que as crianças viram o cenário, passaram a interagir com o espaço, explorar os
elementos, e brincar imaginando o fundo do mar.

Figura 24 – Turma explorando o fundo do mar

Fonte: Elaborada pela autora.

Após um tempo, passamos a perguntar sobre os desenhos feitos nos crachás. As


crianças desenharam: foca, tubarão, peixe espinho, a família, sereias, submarino, etc. Ao
serem questionados sobre os crachás, muitas crianças pedem para levar o crachá para casa.
Um dos elementos que chama atenção nesse trecho da proposta de intervenção é que apenas
os meninos desenham o crachá com submarino.

Figura 25 – Crachás dos meninos que escolheram registrar o submarino

Fonte: Elaborada pela autora.

Nessa etapa da intervenção levamos um tempo significativo por identificarmos o


interesse das crianças em permanecer na brincadeira. Essa intervenção dialoga com uma
brincadeira observada na etapa anterior, em que as crianças utilizam um barco de brinquedo
100

no parque para simular uma brincadeira de fuga dos tubarões.

Semana 2. Dia 2: Construindo um “carro de água”49 ou um “barco-marinho”

O objetivo dessa intervenção, em continuidade à temática de exploração do fundo do


mar, foi fomentar a construção novas indagações e hipóteses, a partir das próprias
explorações; estabelecer relações de causa e efeito na interação com o mundo físico por meio
da construção e observação e exploração de experimento com materiais de baixo custo, e
experimentar interações com recursos tecnológicos durante as brincadeiras. No primeiro
momento da intervenção houve uma conversa com a turma sobre qual o ambiente iremos
conhecer hoje? Quem gostaria de ir até o fundo do mar? O que será que encontramos lá?
Como podemos fazer para chegar até lá? Apresentamos o experimento para a turma e
possibilitamos um momento de exploração e levantamento de hipóteses, testes e
questionamentos sobre o funcionamento. Nesse momento foi possível dialogar a partir de
algumas questões norteadoras, como o que vocês acham que é esse meu brinquedo? (mostrar
o experimento); Vocês acham que o nosso brinquedo parece um submarino? Como o
submarino chega ao fundo do mar? Como fazemos para o nosso brinquedo descer e subir,
igual o submarino?

Figura 26 - Grupo de crianças manuseando o experimento

Fonte: Elaborada pela autora.

Em seguida questionamos quais materiais foram usados e se a turma gostaria de


produzir um submarino como aquele. Quem quer fazer um submarino desse? Quais materiais
vocês acham que precisamos? O que fazer primeiro, e depois? A etapa de confecção do
material foi realizada em pequenos grupos formados por crianças agrupadas em cada mesa. O
local da confecção foi a arena, por ser um espaço aberto, coberto, para o caso de começar a

49
Expressões criadas, respectivamente, pelo Pescador de Caranguejo e a Frozen, ambas no momento
de apresentar os desenhos produzidos.
101

chover, e ter uma pia que possibilitou usar a água para a confecção do protótipo. Durante o
processo de construção, as crianças levantaram hipóteses, testaram, relataram os
acontecimentos e processos realizados, ajudaram o colega na confecção. Como todo
experimento, alguns necessitam ser refeitos para que fosse possível observar o movimento do
material que simulava o submarino.

Figura 27 – Etapa de confecção, teste e enfeite dos submarinos

Fonte: Elaborada pela autora.

A proposta de confecção do protótipo de submarino contou com alguns materiais que


as crianças já conheciam como, por exemplo, sendo uma garrafa de plástico, uma tampa de
caneta e massa de modelar. Para confeccionar foi necessário fazer uma bolinha de massa de
modelar e encaixar na porta inferior da caneta e uma menor tampando o furo da parte
superior. Em seguida foi necessário encher a garrafa de água e inserir a tampa da caneta com
cuidado dentro da garrafa, de modo que a parte interna da tampa da caneta mantivesse um
pouco de ar em sua parte interna. O efeito desejado que simula o submarino ocorreria ao
apertar a garrafa devidamente fechada e mantendo a posição vertical, e a tampa da caneta
afundava, voltando a sua posição inicial ao pararmos de pressionar as laterais dela. Esse
movimento ocorre devido a água tentar ocupar o espaço que contém ar dentro da tampa da
caneta, fazendo com que a mesma desça e suba, ao deixar de ser pressionada.
Após o processo de confecção e enfeite do submarino, foi perguntado se as crianças
queriam desenhar o que descobriram no dia. Apesar de toda a turma ter demonstrado interesse
pela construção do submarino, somente algumas crianças demonstraram interesse em produzir
o registo, outras optaram por brincar com o experimento construído.
102

Figura 28 – Produção das crianças a partir da confecção do submarino

Fonte: Elaborada pela autora.

Os registros produzidos foram diversos, contendo níveis variados de detalhes


relacionados ao experimento em si, mas também apresentando elementos da fantasia. Foi
possível dialogar sobre os registros com algumas crianças, e parte desses diálogos serão
contemplados na análise.

Semana 2 - Atividade extra: registrando o fundo do mar

A atividade extra foi feita por interesse da professora em dialogar com as crianças
sobre as intervenções da semana. Por isso, foi realizada em um dia que apenas ela estava na
sala de aula com a turma, ocorrendo um dia após a atividade de confecção do protótipo de
submarino. Conforme relatado por ela, após uma roda de conversa, em que a turma relembrou
as intervenções sobre o fundo do mar e da construção do submarino, as crianças foram
convidadas a desenharem como foi feito o submarino, solicitando que eles registrassem em
um caderno de desenho. Ela escreveu na lousa o ambiente sobre o qual eles estavam
conversando, fundo do mar, e algumas crianças registraram no caderno, junto ao desenho.
Muitas crianças desenharam peixes, tubarões, piranha, submarinos, caçadores e sereias, entre
outros elementos, conforme imagens abaixo (figura 35) abaixo.
103

Figura 29 – Registros sobre o fundo do mar por duas meninas (em cima) e dois meninos (embaixo)

Fonte: Elaborada pela autora.

De modo geral, as crianças demonstraram interesse por registrar a atividade do fundo


do mar. Foi possível observar, a partir dos desenhos e dos relatos da professora e das crianças,
captados por vídeos feitos pela professora, que a maioria das crianças preferiu desenhar
elementos do fundo do mar, sem necessariamente desenhar o experimento. Podemos inferir
que a experiência da intervenção no fundo do mar, proposta no primeiro dia da semana, foi
mais significativa que a confecção do submarino, embora ele esteja presente em algumas
produções.

6.1.3 Semana 3 - Intervenção: Espaço “O meu pai é um astronauta!”50

Essa proposta foi adaptada com base em ações realizadas anteriormente com grupos

50
Fala da Ariel ao participar da roda de conversa sobre a história da astronauta Mae C. Jemison.
104

de crianças da faixa etária semelhante, em escolas de do mesmo município e em São Paulo,


no formato de proposta piloto, em anos anteriores. Vale destacar que, em momentos diversos
durante o processo de observação, as crianças realizaram comentários sobre o céu
demonstrando desejo de alcançar a lua, interesse em observar o céu, além de brincarem com
foguetes de canudo de plástico etc.

Semana 3. Dia 1: Conhecendo a astronauta Mae um o protótipo do foguete

O objetivo desta intervenção foi propiciar momentos de reflexão e conhecimento a


respeito da atuação e contribuição de mulheres negras no contexto da exploração espacial,
inspirada na vida da primeira astronauta negra, Mae Carol Jemison. Iniciamos com uma roda
de conversa sobre a protagonista, com auxílio de uma boneca de pano customizada
representando a Mae. A história foi narrada utilizando imagens de trechos da história, que
passaram de mão em mão das crianças, assim como a própria boneca.

Figura 30 – Turma conhecendo a história da astronauta Mae com a boneca e as imagens

Fonte: Elaborada pela autora.

Após a contação da história, houve uma roda de conversa sobre temas relacionados ao
contexto da narrativa, tendo como questões norteadoras: Vocês conhecem algum astronauta?
Onde você viu ele/a? Como era esse/a astronauta? O que um/a astronauta faz? Como
chegamos até a lua? Quem pode ir ao espaço? Durante a roda de conversa, as crianças
também foram incentivadas a interagirem com a personagem, realizando perguntas para a
Mae sobre a história de vida dela e demais dúvidas sobre a viagem ao espaço.
105

Figura 31 – Momento de tirar dúvidas com a astronauta

Fonte: Elaborada pela autora.

Logo após a roda de conversa, as crianças foram convidadas a confeccionar um


protótipo de foguete com materiais de baixo custo, disponibilizados para a turma. Todas as
crianças tiveram interesse em realizar a proposta de confeccionar um protótipo de foguete
usando papel sulfite e canudinho de plástico.

Figura 32 – Turma respondendo positivamente ao convite de construir um foguete com a Mae

Fonte: Elaborada pela autora.

Cada criança recebeu um quarto de folha de sulfite para desenhar o que pretendia levar
para o espaço, em seguida foram orientados a enrolar e dobrar o papel, formando um cilindro
fino com um ponta em um dos lados. Parte da turma descobriu como realizar o lançamento do
foguete antes mesmo de ser explicado, e diversas crianças passaram a soprar o canudo dentro
da sala.
106

Figura 33 – Confecção do protótipo de foguete

Fonte: Elaborada pela autora.

Assim que todos finalizaram, as crianças foram levadas para um espaço aberto para
brincar com os foguetes e explorar as diferentes maneiras de lançamento.

Figura 34 – Lançamento do foguete

Fonte: Elaborada pela autora.

O momento de lançamento foi realizado de maneira livre, permitindo a exploração do


material e do espaço. Com o intuito de incentivar o levantamento de hipóteses e testes, foi
questionado, para as crianças, como fariam para lançar o foguete mais longe, possibilitando
que eles testassem diferentes maneiras e ângulos para soprar o canudinho.

Semana 3. Atividade extra: Marte, aqui vamos nós!

O planejamento previa uma etapa que não foi possível realizar na intervenção do dia
anterior. Por isso, sugerimos que as crianças assistissem uma animação que aborda uma
viagem espacial, com o episódio “Marte, aí vamos nós!” dos Backyardigans, desenho, em
geral, conhecido pelas crianças.
107

Figura 35 – Turma assistindo à animação sobre viagem espacial

Fonte: Elaborada pela autora.

O episódio narra a história de cinco personagens que iniciam o vídeo se apresentando


enquanto astronautas e simulando uma conversa entre a tripulação e uma torre de controle.
Após um breve diálogo, em que decidem viajar para Marte, seguem cantando uma canção
com o refrão “Marte, aqui vamos nós!”. O termo torre de controle é citado várias vezes, e na
cena seguinte, os personagens passam a usar roupas de astronautas e dois outros usam jaleco
branco enquanto monitoram a torre de controle. O planeta Terra aparece assim que o foguete é
lançado, além de outros momentos na tela da torre de controle. O episódio segue apresentando
a chegada dos personagens em Marte e como eles seguem resolvendo situações problemas,
como se proteger e fugir de uma chuva de meteoros, usando a proteção do carro espacial.
Após a finalização do vídeo, e de uma breve roda de conversa sobre o enredo do
desenho animado, foi proposto que eles desenhassem o que mais gostaram da história do dia
anterior e da animação.

Figura 36 – Produções a partir da animação

Fonte: Elaborada pela autora.


108

Assim como nas atividades extras, mencionadas anteriormente, a professora conseguiu


registrar algumas crianças da turma explicando os desenhos por meio de vídeos, os quais
foram compartilhados com a pesquisadora em seguida.

Semana 3. Dia 2 - Confecção e lançamento do foguete de garrafa PET

O objetivo desse dia de intervenção foi propiciar momentos de relembrar a história da


personagem e se ver enquanto protagonista do processo de confecção e lançamento de um
foguete. A intervenção foi iniciada relembrando a história da primeira astronauta negra
afro-americana, com auxílio das mesmas imagens usadas na intervenção anterior. A proposta
foi contar com a contribuição do grupo para explicar o que cada imagem representava acerca
da história da protagonista, sendo disponibilizadas em um cartaz que ficou na sala de aula
após a atividade. Ao final dessa primeira etapa, a boneca Mae solicitou auxílio da turma para
consertar a sua nave espacial que quebrou durante uma viagem à Lua, para que ela pudesse
retornar à Terra. Esse diálogo, representado nas figuras abaixo, foi norteado por algumas
questões: Vocês lembram da minha história? Como vocês acham que consegui ir para o
espaço? Quem pode me ajudar a consertar o foguete que quebrou lá na lua?

Figura 37 – Relembrando a história da Mae C. Jemison

Fonte: Elaborada pela autora.

Após o convite, para as crianças realizarem a confecção e o conserto do foguete da


Mae, a turma foi organizada em grupos de aproximadamente 4 a 5 crianças e os materiais
foram apresentados. As garrafas PET foram cortadas previamente e cada grupo deveria
encaixar as partes e enfeitar usando diversos papéis coloridos, fitas adesivas, ilustrações de
elementos do espaço como planetas, estrelas, astronautas além de papéis em branco para as
crianças produzirem o que queriam levar no foguete.
109

Figura 38 – Crianças interagindo com a Mae durante a confecção do foguete PET

Fonte: Elaborada pela autora.

Ao longo do processo, as crianças dialogaram sobre a escolha das imagens,


conversaram sobre os planetas, e interagiram com a Mae, convidando-a para observar o
foguete e os desenhos produzidos pelos grupos. Após a conclusão dessa etapa, a turma foi
convidada a realizar o lançamento do foguete, por meio das perguntas: Como será que um
foguete é lançado no espaço? Vocês querem participar de um lançamento de foguete? Na
arena, houve o momento do lançamento, com auxílio da bomba de pneu de bicicleta, cada
grupo foi convidado a manusear o equipamento com auxílio das monitoras, a fim de realizar o
lançamento do foguete de garrafa PET.

Figura 39 – Lançamento do foguete PET pelos grupos

Fonte: Elaborada pela autora.

Após a etapa de lançamento, a turma teve a oportunidade de brincar no parque, por


conta de um intervalo entre o final da intervenção e o horário de almoço. Nesse período as
crianças ficaram livres para guardar ou permanecer com os foguetes enquanto brincavam. Foi
possível observar que algumas crianças permaneceram com o brinquedo e incluíram esse
elemento no espaço do parque, demonstrando o interesse pela proposta realizada. Esses
110

aspectos serão contemplados na etapa de pré-análise dos dados. Ao final dessa intervenção,
uma menina pergunta: a próxima vai ser o céu, né?

6.1.4 Semana 4 - Intervenção: Céu

Semana 4. Dia 1 - Confeccionando a luneta e ou binóculo

Os objetivos dessa intervenção foram construir novas indagações e hipóteses, a partir


das explorações realizadas; observar os fenômenos naturais e levantar hipóteses sobre como
são feitas as nuvens; estimular a criatividade e a imaginação. Após uma conversa inicial sobre
todos os ambientes explorados nas intervenções anteriores, as crianças identificaram que essa
seria a última semana e que o tema seria céu, conforme a leitura do cartaz elaborado para a
votação, pendurado na parede da sala. Para iniciar o diálogo sobre o tema da semana,
convidamos a turma para assistir ao episódio da animação “O Show da Luna” sobre a
observação de constelações com uma luneta.

Figura 40 – Turma assistindo ao episódio da animação da Luna com a Mae

Fonte: Elaborada pela autora.

Em seguida, realizamos uma conversa norteada pelas seguintes questões: Gostaram do


desenho? O que a Luna e o irmão dela estão fazendo? Quem conhece o objeto que ela usou?
Para que servem? Quem será que usa esses objetos? Onde usamos esses objetos? e para
que? Como usamos? Será que há outros objetos para observar melhor o céu? Nós podemos
criar algum objeto para olhar o céu? Alguns materiais foram apresentados para que as
crianças criassem um recurso. Como exemplo, apresentamos um modelo de luneta e de
binóculo, feitos com rolos de papel, e convidamos a turma a produzir um material próprio
para observar o céu. Destacamos que não precisava ser igual àquele, e que eles poderiam
construir outros. Os materiais foram apresentados para que eles pudessem criar. Enquanto
111

eles produziam, passamos pelas mesas auxiliando no processo de corte e colagem, caso
solicitado pela criança, além de dialogar sobre as produções. Ao serem questionados sobre
onde poderíamos usar aqueles materiais para observar o céu, algumas crianças foram até a
janela dizendo que seria possível observar daquela posição da sala.

Figura 41 – Confecção do binóculo ou luneta e crianças testando o recurso observando pela janela

Fonte: Elaborada pela autora.

Após a etapa de confecção, as crianças foram convidadas a observar o céu em um


espaço aberto e brincar com as suas produções. Todos demonstraram interesse em utilizar a
sua respectiva produção, permanecendo na arena da escola brincando e criando situações a
partir da proposta.

Figura 42 – Turma observando o céu com as produções

Fonte: Elaborada pela autora.

Durante a confecção e a observação do céu, um dos meninos pediu para ficar com a
Mae, enquanto realizava a atividade proposta.
112

Figura 43 – Pescador caranguejo com a Mae observando o céu

Fonte: Elaborada pela autora.

Ao final da intervenção, a professora conversou com a turma sobre as crianças


apresentarem o que elas fizeram na escola para os familiares e os convidarem a observar o céu
nos próximos dias e noites. Como proposta complementar, enviamos um recado na agenda
das crianças, pedindo o auxílio das famílias para realizar a observação, com algumas
perguntas de sugestão, sobre os aspectos do céu à noite. Também foi enviada uma folha de
sulfite para o caso de a criança querer desenhar o que observou e trazer no próximo dia de
aula, sendo após um feriado. Algumas crianças demonstraram interesse e realizaram os
registros, a partir da observação realizada com a família para a escola, apresentando com
entusiasmo os elementos identificados, no momento da entrega.

Semana 4. Dia 2 - Observação do céu: brincando e imaginando com as nuvens

O objetivo dessa última intervenção foi contribuir para o processo de construção de


novas indagações e hipóteses, a partir de suas explorações e observação dos fenômenos e
elementos naturais, como as nuvens, fomentando a criatividade, a imaginação e o registro em
diferentes suportes e espaços, utilizando diversos materiais e técnicas, como o algodão.
Iniciamos a intervenção realizando a leitura do livro de literatura infantil denominado A
nuvem (MAZZONI e BEGÊ, 2021). O livro possui um formato de poema ilustrado que nos
convida a brincar de observar as nuvens e imaginar diversas imagens sendo formadas.
Durante a leitura, as crianças se dirigiram até a estante de livros da sala e pegaram outros
livros que se aproximavam do tema abordado, contendo céu, lua e nuvem. Conforme
combinado previamente pela professora e a turma, os livros foram colocados sobre a mesa da
professora para que ela fizesse a leitura quando possível, no mesmo dia ou no seguinte. Em
seguida, uma roda de conversa foi feita com a turma contemplando as questões: Gostaram da
história? Vocês gostam de observar o céu? O que tem no céu? Vocês querem observar e
113

explorar o céu hoje novamente? A turma demonstrou interesse e algumas crianças destacaram
que permaneceram com o recurso confeccionado na intervenção anterior.

Figura 44 – Observação e registro das nuvens

Fonte: Elaborada pela autora.

Na arena, a turma fez uma roda e, em seguida, se deitou no chão para observar o céu;
permitir que as crianças falassem sobre o que estavam vendo, procurando analisar se é
semelhante com algo que elas conhecem. Nesse processo dialogamos sobre quais sentidos
usamos para descobrir mais sobre o céu: visão e audição, caso eles falassem sobre elementos
que passam no céu, como aviões ou pássaros. Em seguida, no mesmo espaço, perguntamos
sobre: O que vocês viram no céu? Do que vocês acham que as nuvens são feitas?

Figura 45 – Outras maneiras de observar as nuvens

Fonte: Elaborada pela autora.

Ao retornar para a sala, as crianças organizaram-se em grupos de 4 a 5 crianças, para


realizar o registro. Apresentamos os materiais sugeridos e após um período de produção,
explicamos que os registros poderiam ser complementados com o uso do algodão.
114

Figura 46 – Registros após a observação das nuvens

Fonte: Elaborada pela autora.

O processo de produção dos registros, a partir da observação do céu, foi enriquecido


com a presença do algodão, tornando a proposta muito mais atrativa, considerando o interesse
de algumas crianças por retomar o desenho. Ao final, os trabalhos foram expostos em uma
bancada, de maneira que os demais colegas pudessem apreciar as produções dos colegas. De
modo geral, as intervenções foram bem recebidas pelas crianças, sendo possível destacar
sinais e comportamentos que indicam um maior ou menor grau de interesse por parte de
grupos específicos ou pela turma frente ao que foi sugerido. Em relação ao primeiro semestre,
em que foi realizada a observação utilizando apenas o caderno de campo como instrumento de
registro dos dados, foi possível notar que, aos poucos, conseguimos nos aproximar da turma,
estabelecendo uma relação mais aproximada. Esse apresentou uma dificuldade específica, de
ouvir o que as crianças, devido ao contexto da pandemia exigir o uso das máscaras de
proteção. Além dos ruídos da escola, e das crianças falarem baixo, a máscara facial dificultava
a compreensão do que falavam. Esse fator reforçou ainda mais a necessidade de haver um
período de adaptação da pesquisadora à realidade escolar, criando estratégias para tentar
entender melhor o que as crianças diziam.
O material de análise contempla todas as notas e registros realizados na coleta. Porém,
no quadro abaixo (quadro 5), optamos por identificar apenas o produto gerado na atividade,
destacando o elemento principal da intervenção. Também é possível identificar a organização
das datas de aplicação das intervenções bem como a decodificação elaborada, para a
identificação dos dados, e a distribuição da carga horária realizada no segundo semestre, ao
longo dos meses em que foi desenvolvida a aplicação das intervenções, bem como a atividade
externa e as devolutivas para as crianças e familiares.
115

Quadro 3: Sistematização do processo de produção dos dados - 2º semestre de 2022.


Nº DATA TEMA PROPOSTA PRODUTO CÓDIGO DE
PRINCIPAL IDENTIFICAÇÃO

01 09/08 Escola Lupa: investigar jardim Desenho individual S1.D1

02 11/08 Escola Mapa da escola e Desenho coletivo S1.D2


entorno

03 Extra Votação votação para a turma Vídeos feitos pela prof. S1.Extra

04 23/08 Mar Viagem ao fundo do mar Crachás personagem S2.D1

05 25/08 Mar Protótipo submarino Registro da confecção S2.D2


garrafa PET do experimento

06 26/08 Mar Desenho: fundo do mar Desenho individual no S2.Extra


Extra caderno

07 30/09 Espaço Astronauta e protótipo Registro da produção e S3.D1


de foguete (canudo) brincadeira

08 01/09 Espaço O que encontramos na Desenhos individuais e S3.Extra


Extra viagem ao espaço? vídeos explicando

09 02/09 Espaço Lançamento foguete Registro da confecção e S3.D2


PET lançamento

10 06/09 Céu Animação Luna + Registro da confecção S4.D1


binóculo e luneta de recurso

11 07/09 Céu Observação noturna Desenho em casa com S4.Extra


Extra famílias

12 08/09 Céu Observação céu e Registro da observação S4.D2


registro c/ algodão e desenho individual

13 14/09 Devolutiva Conversa com crianças Registro durante a Devolutiva.1.


para a tuma apresentação de fotos crianças

14 20/10 Devolutiva: Visitação à Expo Fotos e notas de campo Devolutiva.2.


evento externo Criatividade crianças e famílias

15 12/11 Devolutiva Exposição na escola Fotos e notas de campo Devolutiva.3.


família e escola Comunidade Escolar
Fonte: Elaboração própria.

A quantidade de atividades no ano, com as crianças e famílias, totaliza 27 encontros,


sendo 16 dias, 63 horas, no primeiro semestre e 11 dias, 44 horas, no segundo semestre. Ao
todo, foi possível realizar um total de 107 horas em atividades de campo, sendo 36 horas, 9
encontros de intervenções dirigidas para/com crianças; 3 encontros com as famílias, 11 horas
diretamente, considerando as reuniões, atividade externa e devolutiva ao final do ano letivo.
Os dias com atividades somente com a professora da turma, abordando as temáticas do
116

processo de coleta, foram indicados no quadro resumo, porém não foram contabilizados.
Destacamos que, devido ao significativo volume de dados, optamos por organizar o conjunto
dos registros produzidos, a partir de cada dia de intervenção, em um arquivo digital de livre
acesso51, contendo as anotações, imagens, descrição dos vídeos e parte do processo de
transcrição em arquivos específicos, identificados pelos códigos indicados no quadro acima.
Os áudio e vídeos não estão disponíveis nessa pasta por falta de espaço na nuvem. Parte dos
registros realizados na produção dos dados consta no anexo deste relatório (Apêndice D).

6.2 Exemplos de episódios a serem explorados no processo de análise

Como o processo de análise será realizado após o exame de qualificação, optamos por
apresentar neste subcapítulo alguns episódios que contém elementos registrados a partir da
intervenção da semana três, com a temática espaço. A escolha de apresentar brevemente
alguns dados desse tema se deu por identificarmos uma quantidade maior de interações e
demonstrações de interesse da turma pelos temas de C&T e de gênero, sendo mobilizadas
tanto por questões previamente elaboradas quanto por dúvidas apresentadas pela turma a
partir do contato com o contexto da proposta.

Exemplos de interações observadas durante a proposta de intervenção

A) Planeta anão X Saturno

Durante a etapa prática, de confecção do artefato, em que as crianças foram


convidadas pela boneca Mae a identificar os seus respectivos foguetes de garrafa PET, foi
possível observar um grupo conversando sobre o destino deste, utilizando conceitos
científicos não apresentados durante a apresentação. Os meninos Naruto e M.B. definem que
o destino será o planeta Anão, enquanto a Mulher Maravilha prefere que o destino seja
Saturno. É possível observar que Rapunzel, inicialmente, só acompanha a conversa, sem se
posicionar. Porém, ao perceber que a dupla de meninos passa a dizer com ênfase,
repetidamente: “Saturno! Saturno!”, decide acompanhar a opção de destino definida pela

51
Acesso ao conjunto de dados coletados na aplicação das intervenções. Disponível em
https://drive.google.com/drive/folders/1u0o9LgTUvaA7uzJ-i4xDiROTkrZOP5En?usp=share_link .
Acesso em Abr. 2023.
117

Mulher Maravilha, e juntas passam a dizer enfática e repetidamente: “Planeta anão! Planeta
anão”, formando uma espécie de competição entre as duplas.

Figura 47 – Grupo definindo qual o destino do foguete

Fonte: Elaborada pela autora.

B) A participação da astronauta durante a intervenção

Ao longo da atividade proposta sobre a astronauta Mae, foi possível observar que
algumas crianças, meninos e meninas, demonstraram interesse em permanecer com a boneca
enquanto realizavam as ações, no espaço da sala de aula, enquanto a turma confeccionou o
foguete e no lançamento dele, realizado na área externa. Ao longo das ações realizadas pelos
grupos, diferentes crianças manipularam a boneca para que ela participasse dos processos,
conversando com os grupos, contribuindo com a pintura dos desenhos que serviriam para
personalizar os foguetes, bem como contribuindo no lançamento deste, conforme apresentado,
respectivamente, na sequência de imagens abaixo (fig. 54).
118

Figura 48 – Crianças garantindo a participação da boneca Mae nas atividades

Fonte: Elaborada pela autora.

Nas imagens acima observamos o Lobisomen levando a boneca Mae em um dos


grupos para observar a confecção dos foguetes, em seguida, a Mulher Maravilha convida a
Mae para contribuir com a pintura do desenho, e o grupo formado por Hulk 2, Pescador
caranguejo e o Tanos optam por levar a Mae para o momento do lançamento do foguete,
colocando-a em movimento junto a eles durante o processo de manusear a bomba de
bicicleta, aumentando a pressão dentro da garrafa para que esta se soltasse da base, simulando
o lançamento.

Exemplos de interações observadas após o final das etapas da proposta de intervenção

C) A astronauta e os foguetes no parque: novas propostas de lançamento

Após a etapa de lançar os foguetes de cada grupo, as crianças foram para o parque,
conforme previsto no cronograma das turmas da escola. Nesse momento, algumas crianças
optaram por entregar o foguete ou deixar em algum local, para que pudessem brincar no
parque, como fazem de costume. Assim como as crianças, optamos em deixar o equipamento
usado em um canto do parque, de maneira que não atrapalhasse a turma, para que a
observação da turma continuasse, como de costume. Aos poucos, alguns meninos começaram
119

a manusear o material, explorando suas características e, em seguida, passaram a tentar


realizar novamente o lançamento, conforme imagens abaixo.

Figura 49 – Meninos brincando com o foguete espontaneamente

Fonte: Elaborada pela autora.

A brincadeira do grupo de meninos seguiu durante todo o período em que a turma


permaneceu no parque. Outros meninos se aproximaram para brincar com esse grupo,
participaram lançando o foguete uma ou duas vezes e seguiram para continuar usando os
demais brinquedos do parque, entretanto os meninos J.P., Naruto e Flash II permaneceram
desde o início da interação até o momento que a turma foi chamada para o lanche.
Outra interação das crianças com os artefatos, observada durante o período da turma
no parque, foi a de dois meninos que permaneceram brincando com o foguete e a boneca
dando-lhes outros significados no contexto do parque. Nesse processo, Hulk II me convida
para brincar de lançar o foguete soltando o objeto no escorregador, conforme ele me mostra
com gestos. Eu aceito brincar e aproveito para registrar o momento com uma foto. Em
seguida, ele me pediu para realizar o mesmo movimento que acabara de fazer. Perguntei se ele
gostaria de tirar uma foto do meu lançamento e ele respondeu rapidamente: "Não precisa!”.
Afirmo que tudo bem, e seguimos brincando. Em seguida, o Pescador caranguejo chega com a
boneca Mae e passa a brincar com o colega Hulk II, lançando o foguete e a astronauta pelo
escorregador.
120

Figura 50 Pescador Caranguejo e Hulk II brincando com o foguete e a Mae no parque

Fonte: Elaborada pela autora.

D) Registros espontâneos

Após a atividade no parque, seguida do horário de lanche, a turma retornou para a


sala. Por ser um intervalo de tempo relativamente curto até o horário da saída, as crianças
puderam explorar os diferentes espaços da sala, optando por utilizarem brinquedos, realizar
leituras de livros disponíveis, ou desenhar. Em uma mesa, um grupo de meninas optou por
realizar desenhos e usar os brinquedos ao mesmo tempo. A partir dos registros, observamos
que o grupo manteve o interesse pelo tema da proposta, utilizando de diferentes linguagens
para explorá-lo: A. L. decidiu desenhar foguete, planetas; Frozen52 desenha uma estrela; Bela
Adormecida está brincando de levar a boneca para viajar, encaixando as pernas da boneca no
foguete PET. Todas as ações se deram espontaneamente.

52
Nome fictício definido por cada criança participante.
121

Figura 51 – Meninas produzindo desenhos e histórias após a atividade de lançamento do foguete

Fonte: Elaborada pela autora.

De modo geral, destacamos que os nomes apresentados foram escolhidos pelas


crianças logo após o processo de leitura do Termo de Assentimento, no período das
observações realizadas no primeiro semestre. Algumas crianças solicitaram a troca do nome
após um tempo, e a lista foi sendo atualizada, respeitando as escolhas de cada uma. As
meninas decidiram serem identificadas como: Frozen, Bela Adormecida, Ariel, Mulher
Maravilha 1 e 2, Hello Kit, Rapunzel, Sereia 1 e 2, e apenas uma das meninas optou por ser
identificada como Veterinária. Conforme esperado, os meninos decidiram pelos personagens,
Sonic, Pescador de Caranguejo, Spider Man, Thanos, Naruto, Hulk 1 e 2, Homem de Ferro e
Fredy. Quando mais de uma criança escolheu o mesmo nome, sugeri que fosse indicado pelo
número 2, e todas elas aceitaram. Seis crianças não decidiram um nome para serem
identificadas, ou optaram por serem identificadas pelo próprio nome, por isso, optamos por
identificá-las com as letras iniciais do nome. A escolha dos nomes pela turma revela o
interesse e a identificação das meninas e meninos por personagens voltados aos respectivos
grupos.
122

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa pesquisa buscamos evidenciar o quanto enxergamos as crianças enquanto


participantes ativos em uma sociedade que, cada vez mais, passa por processos de
desenvolvimento das ciências e tecnologias. Em diferentes momentos do nosso cotidiano
muitos desses elementos estão presentes, por isso, partimos do pressuposto que é direito das
crianças participarem dessas práticas, interagindo, criando e reinterpretando alguns aspectos
dos elementos científicos, uma vez que elas demonstram interesse por temas da cultura
científica. Nesse sentido, consideramos relevante investigar quais as representações sociais
das crianças em torno desses temas de maneira articulada às relações de gênero estabelecidas
culturalmente.
As próximas etapas da pesquisa consistem em: complementar os capítulos teóricos
possibilitando uma articulação mais efetiva dos conceitos principais do estudo: crianças,
gênero e ciência e tecnologia; concluir as transcrições e analisar as intervenções e seus
desdobramentos, buscando indicar trechos das falas das crianças, bem como a descrição das
demais linguagens utilizadas, para apresentar como as crianças realizaram os processos
interativos e criativos em torno dos temas abordados; em seguida, relacionar se há uma
correlação dessas produções com as relações de gênero estabelecidas em nosso contexto.
Reconhecemos que os subtemas em torno da C&T foram definidos tendo como base
uma visão científica e tecnológica presente em produtos culturais, com marcas de uma
concepção eurocêntrica dessa área. Entretanto, compreendemos que a escolha por temas
específicos se deu por haver uma necessidade de um recorte para a pesquisa, bem como a
tentativa de partir de possíveis modelos e referências que as crianças possuem por meio do
contato com animações, vídeos do Youtube etc. Assim, buscaremos apontar essa
problematização no texto de maneira mais sistematizada, por entendermos a necessidade de
haver uma ampliação dos conceitos em torno da C&T na sociedade, contemplando os
conhecimentos produzidos por outras culturas e etnias, como as africanas e indígenas, por
exemplo.
123

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