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GUARULHOS
2023
PAULA TEIXEIRA ARAUJO
GUARULHOS
2023
Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos autorais n.º
9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório Institucional da
Unifesp ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer ressarcimento dos direitos
autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico para fins de divulgação
intelectual, desde que citada a fonte.
PAULA TEIXEIRA ARAUJO
APROVADA EM:
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________
Prof. Dr. Emerson Izidoro (UNIFESP)
________________________________________________
Bianca S. Guizzo (UFRGS)
________________________________________________
Celi R. Dominguez (USP)
________________________________________________
Daniela Finco (UNIFESP)
__________________________________________________
Viviane Briccia (UESC)
__________________________________________________
Emerson F. Gomes (IFSP)
__________________________________________________
Marina V. Savordelli (UNISANTA)
Dedicatória
BC Banca da Ciência
CEU Centro Educacional Unificado
EI Educação Infantil
EF Ensino Fundamental
EJA Educação de Jovens e Adultos
EPG Escola da Prefeitura de Guarulhos
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
PPP Projeto Político Pedagógico
PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência
PT Partido dos Trabalhadores
SME Secretaria Municipal de Educação
UE Unidade Escolar
STEM Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática
INTERFACES Interfaces e Núcleos Temáticos de Estudos e Recursos da Fantasia nas Artes,
Ciências, Educação e Sociedade
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 8
1 INTRODUÇÃO 11
2 OS SUJEITOS DE PESQUISA: as crianças e a escola de educação infantil 19
APÊNDICES 121
APÊNDICE A - Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE) 122
APÊNDICE B - Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) 126
APÊNDICE C - Estrutura inicial da proposta de intervenção 127
APÊNDICE D – Anotações da coleta de dados 141
ANEXO 238
ANEXO I- Comitê de Ética e Pesquisa - Parecer Consubstanciado 239
14
APRESENTAÇÃO
Relembrar o processo que me fez chegar ao tema de pesquisa me levou para diferentes
momentos da minha trajetória. Nesse longo processo artesanal de produção, de si e da
pesquisa, é possível identificar fios que se conectam e entrelaçam, a partir de experiências do
campo profissional, acadêmico e pessoal. Alguns aspectos são mais facilmente identificados e
nomeados, já outros ainda estão em fase de construção e compreensão. Por isso, fiz o
exercício de apresentar alguns fios que tecem esse percurso inacabado.
A linha de encanto que me conecta à educação, enquanto ferramenta de transformação
social, tem uma semente plantada ainda no início da adolescência, enquanto líder de grupo da
base mais progressista da igreja católica, Pastoral da Juventude, historicamente vinculada com
lutas políticas em defesa pela democracia no período da ditadura militar em nosso país. O
engajamento em diversas ações sociais coletivas em uma comunidade periférica semeou, ao
longo de anos, um despertar para a importância de estar em constante movimento,
reconhecendo nessas vivências o solo fértil que me faz esperançar pela luta pelos Direitos
Humanos e valores democráticos. No campo profissional, embora interesse em ser professora
não existisse, a formação em nível técnico no magistério, CEFAM1, revelou-se uma saída
estratégica: estudar em período integral só foi possível devido ao auxílio financeiro resultado
de uma política pública. Esta bolsa permitiu adiar, por alguns anos, a conciliação de trabalho e
estudos, uma regra na família, somada aos longos períodos de percurso de ida e volta do do
trabalho, em transportes públicos superlotados. Durante esta formação técnica, participei de
um curso de extensão oferecido em parceria com o Programa Mão na Massa, que despertou o
interesse para ações envolvendo ciências nas séries iniciais de forma lúdica. Essa experiência
contribuiu para a escolha do curso de licenciatura em Ciências da Natureza, somado a uma
forte influência de um professor simpático e divertido do magistério, e atual orientador, que
incentivou constantemente a turma a estudar física e matemática, tirando o foco das longas
atividades de confecção de materiais para a construção do ambiente alfabetizador e datas
comemorativas. Consequentemente, parte da turma do magistério cursou a graduação em um
campus da Universidade de São Paulo (USP), recém-inaugurado na zona leste da cidade de
São Paulo. Mais uma vez, a existência de uma política pública tornou acessível o desejo de
1
No estado de São Paulo, o Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (CEFAM) foi
finalizado no ano de 2005. Mais informações sobre “O que foi o CEFAM” em vídeo no canal: UNIVESP.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Tb90Lbj62G4. Acesso em 05 jan.2023.
15
trilhar o caminho do ensino superior público, permitindo uma jornada diária de trabalho e
universitária menos distante.
A graduação revelou um interesse singelo em entender alguns fenômenos naturais,
ampliou minha curiosidade por compreender alguns aspectos fenômenos sociais e culturais,
fornecendo ferramentas enriquecedoras para desempenhar o meu trabalho enquanto
professora de educação básica. Participar da iniciação científica e do grupo de pesquisa,
INTERFACES, igualmente incentivada pelo (ex) professor do magistério e atual orientador,
possibilitou articular os interesses em desenvolver atividades práticas de pesquisa com as
ciências para as crianças, viabilizando a minha participação em eventos acadêmicos e cursos
extracurriculares. Além destes, o meu trabalho de conclusão de curso resultou na publicação
de um livro sobre propostas didáticas de ensino de ciências com literatura infantil para o
ensino fundamental2, distribuído nas escolas brasileiras a partir do Programa Nacional de
Biblioteca na Escola (PNBE) do professor, em 2013.
As muitas descobertas impulsionadas pelas vivências no ambiente universitário, em
especial o encontro com um movimento feminista, causaram muitas rupturas e transformações
internas. Uma delas levou-me a realizar, no mestrado, uma pesquisa articulando o antigo
interesse, a aprendizagem de ciências nos anos iniciais escolares, às relações de gênero,
resultando em uma pesquisa sobre as representações de gênero em livros infantis a partir de
personagens galinha e joaninha que, frequentemente, figuram os papéis de mãe e menina. Por
meio desta experiência, foi possível entrar em contato com a formação inicial e continuada de
professores da rede pública municipal e com o Programa institucional de bolsas de iniciação à
docência3 (Pibid), além de contribuir para o desenvolvimento do material de apoio do curso de
especialização em Gênero e Diversidade na Escola4, destinado a formação de professores de
educação básica. Durante esse percurso, minha identidade profissional foi sendo forjada na
escola pública, em diferentes municípios periféricos da região metropolitana de São Paulo,
presenciar e aprender muito com histórias impactantes e potentes ao longo de uma década.
2
PIASSI, Luis Paulo de Carvalho; ARAUJO, Paula Teixeira. A literatura infantil no ensino de
Ciências: propostas didáticas para os anos iniciais do Ensino Fundamental. Ed. SM, São Paulo, 2012.
3
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência. Disponível em
https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/educacao-basica/pibid/pibid.
Acesso em 05 jan. 2023.
4
Módulo 2 Gênero (2015), do curso de Especialização em Gênero e Diversidade na Escola,
organizado pela UNIFESP em parceria com o Comitê Gestor Institucional de Formato Inicial e
Continuada de Profissionais da Educação Básica - COMFOR / Secretaria de Educação Básica - SEB /
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - SECADI / Secretaria
Estadual de Educação. Disponível em https://repositorio.unifesp.br/handle/11600/39168. Acesso em
15 fev. 2023.
16
Mais recentemente, o convite para atuar com formação continuada sobre tecnologia na
Secretaria Municipal de Educação de Guarulhos permitiu acessar um espaço que
redimensionou a minha possibilidade de atuação e o compromisso pessoal de transformação
social, por meio da Educação. Essa trajetória foi revelando um contínuo interesse de pesquisa
e profissional pautado pelo compromisso pela busca de redução das desigualdades, com foco
nas relações de gênero, a fim de garantir uma educação para a equidade, dignidade e justiça
social.
Esses alinhavos da vida foram tecendo inúmeras transformações, sendo a busca por
construir condições concretas para alcançar a equidade de gênero, nos espaços em que atuo,
um caminho inegociável. O apreço pela escola pública resulta de um processo de
(re)descobrir este como um campo fértil de luta e resistência, seja com o nível básico ou
superior, nas modalidades de formação inicial ou continuada. Compreendo essa batalha
enquanto um ato de esperançar, em busca de construir um mundo em que conseguiremos
ampliar, e não limitar, os sonhos de todo/as e de cada um/a, de poder ser o que se deseja. Tal
posicionamento se fortalece ainda mais em um cenário político alimentado, ao longo dos
últimos anos, por descrença, discursos anticiência e ataque aos princípios democráticos e
inclusivos.
17
1 INTRODUÇÃO
5
Conforme definido na publicação “Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências,
tecnologia, engenharia e matemática (STEM)”. Brasília: UNESCO, 2018. Disponível em
https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000264691. Acesso em mar. 2022.
6
Trailer oficial da animação Ada Batista, cientista. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=5pdKVlvoEU8. Acesso em Fev. 2023.
7
Projeto Evolução para Todes - Compartilhando a Ciência do Laboratório de Arqueologia e Antropologia
Ambiental e Evolutiva (LAAAE). Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=d_4hLpzRh1A Acesso em
Mar. 2023.
8
Exemplo da peça produzida pelo projeto Força Meninas (https://frmeninas.com.br/), apresentado em diferentes
municípios brasileiros via Lei de incentivo à Cultura, sendo um deles Guarulhos, conforme reportagem
publicada em 23/03/2022. Disponível em
https://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/siseduc/portal/site/detalhar/conteudo/5557/ . Acesso em Fev. 2023.
18
2017 a 2019. Essas ações, assim como a presente pesquisa, foram realizadas no âmbito do
projeto de extensão universitária, voltado às ações de comunicação científica destinada ao
público infantil, denominado J.O.A.N.I.N.H.A., cujo significado é Jogar, Observar, Aprender
e Narrar: Investigações em Humanidades e Arte-Ciência. Este projeto é uma das linhas de
ação do programa de extensão universitária Banca da Ciência9 que tem como objetivo
popularizar a educação científica, com cunho sociopolítico, em espaços formais e não-formais
de educação para públicos de diferentes idades (PIASSI, 2013). Ele ocorre a partir de parceria
entre instituições de ensino superior públicas, sendo as principais, Escola de Artes, Ciências e
Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP) e a Escola de Filosofia Letras e
Ciências Humanas (EFLCH) da UNIFESP, contemplando outras universidades públicas do
mesmo estado e de outros estados brasileiros, com maior ou menor grau de articulação. De
maneira articulada, as ações são desenvolvidas a partir de parceria com as ações do Pibid,
subprojeto de Pedagogia da EFLCH/UNIFESP. Tal articulação, entre o Pibid e o JOANINHA,
propõe viabilizar ações concretas a serem produzidas pelas graduandas e aplicadas em sala de
aula da educação básica, a partir do desenvolvimento de ações lúdicas, envolvendo diferentes
linguagens. Reconhecendo que a escola é um espaço onde as crianças devem ter o contato
com as ciências e a tecnologia de maneira mais organizada, enquanto um direito, conforme o
artigo 3º da resolução número 5, de dezembro de 2009, que fixa as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil, que define:
Nesse sentido, nosso interesse foi buscar evidenciar o ponto de vista das crianças em
atividades que envolvem C&T adotando, para essa análise, as lentes das relações de gênero.
Assim, a questão de pesquisa, que norteou o estudo, consiste em buscar compreender: Como
se dão as interações das crianças, entre 5 e 6 anos, na perspectiva das relações de gênero, em
atividades pedagógicas que abordam temáticas de Ciência e Tecnologia no contexto escolar
da educação infantil. Temos como hipótese deste estudo que é possível, desde a primeira
infância, por meio de elementos lúdicos, adequados à faixa etária e ao contexto em que as
9
Projeto de extensão Banca da Ciência. Mais informações em
https://jornal.usp.br/universidade/acoes-para-comunidade/projeto-da-usp-ensina-ciencias-com-material-de-baixo
-custo/. Acesso em 20 fev. 2023.
19
crianças estão inseridas, abordar temas de ciência e tecnologia de forma comprometida com a
equidade (nas relações) de gênero.
A produção de dados foi realizada com uma turma de 32 crianças, entre 5 e 6 anos, de
uma escola de Educação Infantil (E.I.) localizada em um bairro periférico do município de
Guarulhos/SP. Caracteriza-se como uma pesquisa prática, com abordagem qualitativa, que
adotou múltiplos recursos em busca de lidar com os desafios e as diversas etapas do processo
de produção e análise dos dados, enquadrando-se como uma pesquisa participante, do tipo
intervenção. Os instrumentos de registro utilizados ao longo de todo o processo de
investigação foram variados. Sobre o percurso metodológico construído, o primeiro semestre
letivo de 2022 contou, fundamentalmente, com a etapa de observação e registros, em notas de
campo e alguns registros fotográficos. Já no segundo semestre, os registros foram feitos por
meio de gravação de imagem e som, com fotos e gravações de áudio e vídeo,
complementados pelas notas de campo, durante todo o processo de aplicação das intervenções
pedagógicas.
Em busca de encontrar respostas e refletir sobre as nuances do estudo, definimos,
enquanto objetivo geral: investigar como as crianças, entre 5 e 6 anos, de uma determinada
realidade, produzem, espontaneamente e/ou de forma dirigida, discursos, narrativas,
estratégias e interações em intervenções lúdicas que abordam temáticas de C&T, buscando
identificar se, e como, é possível relacionar essas manifestações (interações) com base em
representações culturalmente conhecidas, a partir da interpretação dos processos de criação,
(re)produção e (re)interpretação de atividades pedagógicas realizadas no contexto da
educação infantil. Para isso, destrinchamos os seguintes objetivos específicos, elencados
abaixo:
● analisar as manifestações das crianças acerca dos temas de C&T buscando relacionar
se, e como, essas expressões dialogam/corroboram ou se contrapõem com as
representações culturais estabelecidas no contexto local em que elas estão inseridas,
relacionando com propagandas veiculadas e com produtos culturais como filmes e
brinquedos;
● verificar se foi construído um espaço de diálogo onde as crianças pudessem expressar
suas opiniões e (des)interesses acerca dos temas propostos: C&T e relações de gênero,
identificando elementos nos discursos e manifestações que evidenciam opiniões
diversificadas sobre a proposta.
10
Evento realizado pelo município, vinculado à Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT)
fomentada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia. Disponível em:
https://semanadoconhecimento.guarulhos.sp.gov.br/2022 . Acesso em março de 2023.
21
igualmente impactado pelos avanços da C&T na sociedade, embora nem sempre seja
reconhecido como. O referencial teórico do campo dos estudos sociais da infância possibilita
o diálogo com os campos propostos nesta pesquisa, tanto acerca das relações de gênero na
infância quanto entre a ciência e a infância. Assim, buscamos propor uma articulação entre os
três elementos: infância, as relações de gênero e a ciência no espaço escolar, assumindo que
este é um espaço enriquecedor de trocas. Nesse sentido, ressaltamos que não pretendemos
analisar como as crianças se apropriam, constroem ou elaboram dos conceitos e
conhecimentos científicos e tecnológicos. Ou seja, não pretendemos, com as atividades
propostas, que as crianças nos digam o significado dos conceitos abordados, ou do que elas
entendem por ciência e tecnologia em si. Mas sim, como esses conceitos são vividos e
experienciados pelas meninas e meninos entre 5 e 6 anos no contexto escolar da educação
infantil. Para isso, foram planejadas intervenções com temáticas que contém temas de C&T, a
partir de elementos lúdicos, como a exploração do fundo do mar e do espaço confeccionando
protótipos de foguete e de submarino com materiais de baixo custo; a investigação do
ambiente escolar, utilizando diferentes recursos, como a lupa e imagem via satélite da
estrutura do prédio e entorno; e a observação do céu. Enquanto articulação dessas temáticas, o
foco comum consiste no processo criativo das crianças, que são convidadas a interagir e
brincar, propiciando práticas que “incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o
questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e
social, ao tempo e à natureza” (BRASIL, 2010, p. 26), entre outras experiências.
Assim como o percurso realizado na pesquisa de doutorado de Rufino (2012), com o
objetivo identificar como se dão as experiências das crianças na forma de significar do mundo
natural e tecnológico a fim de inserir elementos da cultura científica no espaço da infância,
sem sobrepô-la à das crianças, pretendemos observar como dão-se as interações e as
experiências das crianças com os temas de C&T adotando a perspectiva das relações de
gênero, reconhecendo as especificidades da primeira infância. Nesse processo, buscamos
verificar se, e como, é possível identificar comportamentos semelhantes, ou distintos, acerca
dos temas abordados, reconhecendo as múltiplas linguagens como forma de expressar esse
(des)interesse.
A perspectiva de gênero foi adotada por alguns motivos distintos e complementares:
i) relevância dos estudos de gênero articulados à diferentes aspectos sociais, como a educação
e as áreas de ciências exatas, a fim de entender as dinâmicas da realidade concreta em busca
de (re)configurar e construir possibilidades de ações mais equânimes nos diferentes espaços
comprometidos com a diminuição das desigualdades sociais; ii) resistência ao cenário político
22
em que grupos conservadores têm atacado essa agenda, esvaziando e distorcendo conceitos,
deslegitimando o debate científico, além de ampliar um contexto de permanente ataques sobre
os direitos das mulheres; iii) significativo valor pessoal, reconhecendo a dimensão coletiva,
por identificar os inegáveis atravessamentos que causam no sujeito, por ser mulher,
profissional da educação de crianças, comprometida com os direitos humanos. Assim, os
aspectos das relações de gênero analisados voltados ao público infantil, são reconhecidos
enquanto uma contribuição para um cenário mais amplo, considerando sua relevância para o
avanço dessas reflexões em outras áreas.
Optamos por utilizar a desinência feminina ao referirmo-nos ao grupo de profissionais
que atua nas escolas de educação infantil, as professoras, enquanto uma estratégia política de
evidenciar o quanto essa ainda é uma carreira profissional, predominantemente, ocupada por
mulheres, contribuindo para o uso não sexista da linguagem11. Essa opção evidencia também
uma oposição à realidade das áreas de ciência e tecnologia, ou mais especificamente STEM,
onde a predominância é do público masculino (IWAMOTO, 2022). Esse cenário demonstra
uma organização social do trabalho que resulta de contexto histórico, político, econômico e
social que necessitou incluir as mulheres no magistério para atuar na educação das crianças.
Segundo a pesquisadora Guacira Lopes Louro, esse movimento contou com a construção
estratégica de discursos de representantes do estado, que até então demonstravam
preocupação em conferir a importante função de educar nas mãos de mulheres, pessoas
consideradas inferiores. Posteriormente, devido a urgência por mão de obra, essas falas
necessitaram ser revisitadas (LOURO, 2006).
Vale destacar que, há uns anos, o contexto político e social brasileiro tem pautado as
questões de gênero mobilizando o cenário por meio de ataques em diferentes frentes, em
especial às feministas. Como exemplo, destacamos a perseguição e o discurso de ódio em
torno da cientista Débora Diniz, professora da UNB, que necessitou recorrer ao autoexílio
como estratégia de sobrevivência e proteção das demais pessoas que frequentam a
universidade, por defender o direito reprodutivo das mulheres12. Na contramão, o projeto
11
TOLEDO, L. C.; ROCHA, M. A. K.; DERMMAM, M. R.; DAMIN, M. R. A.; PACHECO, M.
(Org.). Manual para o uso não sexista da linguagem: o que bem se diz bem se entende. Porto Alegre:
Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital, 2012. 112 p. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3034366/mod_resource/content/1/Manual%20para%20uso%
20n%C3%A3o%20sexista%20da%20linguagem.pdf. Acesso em 1 abr. 2023.
12
Conforme destacado em diferentes meios e publicações acadêmicas. Disponíveis em:
https://www.blogs.unicamp.br/covid-19/conheca-debora-diniz-antropologa-referencia-na-discussao-sobre-iguald
ade-de-genero-e-saude-publica-no-brasil-durante-epidemias/ e em artigo publicado em 2021.
https://www.revistas.usp.br/crioula/article/download/196867/184405/567377. Acesso em 10 abr. 2023.
23
Escola Sem Partido13, que ganhou ainda relevância nos últimos anos, deixando um rastro de
medo e preocupação entre professores simpatizantes ou que abordam determinados temas em
suas salas de aula, sendo as relações de gênero um deles. Em contrapartida, reconhecendo
que não há ação sem reação, podemos afirmar também que ações contrárias têm sido
produzidas no país, a partir de projetos que revelam uma resistência em sua existência. Como
exemplo, o projeto denominado Gênero e Educação14 é uma ação conjunta, realizada por
organizações não governamentais e fundações, para incentivar as escolas de educação básica a
promoverem uma educação voltada à equidade de gênero, raça e sexualidade em todos os
níveis de ensino e modalidades, estimulando professores a publicarem suas práticas no site,
além de oferecer cursos, divulgar ações e pesquisas na área e disponibilizar um banco de
relatos de atividades educativas com essas temáticas. Em 2022, participamos do segundo
edital, destinado às práticas realizadas nas modalidades de Educação Infantil e EJA, e, entre
os 80 projetos recebidos e 26 aceitos, tivemos o reconhecimento da nossa proposta como uma
das três propostas mais criativas e originais15, por abordar temas de ciência e tecnologia a
partir da representação feminina negra com crianças da educação infantil16. Entre as muitas
ações, destacamos também a importância de seminários e cursos de extensão universitária que
buscam refletir sobre a urgência do debate sobre relações de gênero na educação básica e no
contexto das ciências, sendo ofertados independentemente do medo e do risco de censura ou
perseguição17.
Na mesma direção, considerando os desafios impostos pelo contexto em que a
pesquisa foi produzida, a pandemia de Covid-19 permeou parte significativa do período desse
estudo, uma vez o início do período do curso de doutoramento deu-se concomitante à
exigência de adotar a quarentena no estado de São Paulo, em março de 2020. As escolas do
13
Conforme destacado em diferentes veículos de informação. Disponíveis em:
https://www4.fe.usp.br/escola-sem-partido; https://profscontraoesp.org/;
https://cienciahoje.org.br/artigo/escola-sem-partido-origens-e-ideologias/. Acesso em: 10 abr. 2023.
14
Projeto Gênero e Educação. Mais informações em: https://generoeeducacao.org.br/. Acesso em 20
fev. 2023.
15
Notícia sobre as propostas selecionadas no segundo edital e reconhecimento público das mais
criativas e originais. Disponível em:
https://generoeeducacao.org.br/edital-igualdade-de-genero-na-educacao-basica-2022-conheca-as-prop
ostas-selecionadas/. Acesso em: 20 fev. 2023.
16
Relato Conhecendo uma astronauta negra. Disponível em
https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola-tipo/materiais-educativos/plano-de-aula/conhecendo-
uma-astronauta-negra/. Acesso em 20 fev. 2023.
17
Como exemplo, citamos o curso “Mulheres cientistas: questões de gênero na educação em ciências”,
que a autora da pesquisa participou em 2021, oferecido pela Universidade Federal do ABC.
Disponível em: https://sites.google.com/view/renaslab/extensao/extensao2021. Acesso em 20 fev.
2023.
24
município de Guarulhos permaneceram fechadas de março de 2020 até julho de 2021, sendo
adotado, enquanto estratégia de comunicação e incentivo a realização de atividades
educativas, um programa televisivo, produzido pela equipe técnica da Secretaria Municipal de
Educação (SME), como uma maneira de validar a carga horária letiva anual. Esta iniciativa
tornou-se uma política pública reconhecida, tendo atividades complementares dos professores
das turmas por meio do contato telefônico e via redes sociais. Assim, as atividades de
produção dos dados, planejadas inicialmente para serem realizadas em 2021, só iniciaram em
2022, quando foi autorizada a retomada das atividades presenciais, pela universidade. Para
além dos muitos desafios impostos pela pandemia, o uso das máscaras revelou-se como um
fator complicador para a produção dos dados tornando difícil ouvir e compreender as falas das
crianças além de nem sempre conseguir observar as suas expressões faciais no início do
processo de registro de dados. Por fim, em meio a todos os desafios impostos, acreditamos
que esta pesquisa busca dialogar e contribuir para o processo de alargamento da compreensão
do contexto social a partir da voz das crianças, evidenciando as percepções e produções delas
acerca de temáticas de C&T em cena. As reflexões acerca das temáticas e do formato em que
se deu o estudo visam reafirmar a necessidade de um ensino público de qualidade desde a
primeira infância, reafirmando a importância de pautas urgentes sejam debatidas amplamente
para alcançarmos uma sociedade mais justa em que os direitos humanos se façam presentes
para todos, respeitando as individualidades e potencializando as dimensões de cada ser.
Nesse sentido, pretendemos que nosso estudo possa contribuir com a análise de
discursos e comportamentos no contexto escolar. As relações de gênero, nesse contexto,
podem ser repensadas por meio de debates e ressignificação de símbolos, pensamentos e
ações - em torno dos conceitos científicos, neste caso - comprometidos com a transformação
da sociedade. Assim, há relevância em produzir práticas pedagógicas que permitam a
interação, a brincadeira e a reflexão sobre tais questões com sujeitos de diferentes idades. Para
isso, algumas questões são norteadoras dessa proposta de pesquisa: as questões acerca da
baixa representatividade de mulheres na ciência são observadas nas interações das crianças ao
final da primeira infância? É possível perceber uma maior apropriação de termos, conceitos e
interesse por temas científico-tecnológicos de determinados grupos de crianças - meninos e
meninas? Quais expressões e produções são produzidas pelas crianças em torno dos temas das
intervenções propostas na pesquisa?
A finalidade em analisar como as crianças interagem com essas questões no espaço
escolar é observar se é possível notar diferenças em relação aos aspectos de gênero para
relacionar com o cenário mais amplo. Dessa maneira, o foco em observar as interações e
25
produções das meninas e meninos não busca quantificar um possível nível de interesse por
temas científicos ou mesmo estabelecer uma comparação, supondo que um grupo deveria se
interessar tanto quanto o outro, se que há diferença perceptível. A proposta de investigação
tem como intuito entender as possibilidades de abordagem desses temas com crianças
pequenas identificando se é possível perceber comportamentos variados em um grupo e
analisar, esses comportamentos, com base nos referenciais de gênero. Nesse sentido, há um
esforço em entender e refletir genuinamente sobre e com as crianças no momento presente,
não querendo necessariamente estabelecer uma comparação com o cenário de outras
gerações/idades. Consideramos, ainda, que pode haver manifestações de outras categorias
identitárias, como raça ou etnia, a depender da diversidade presente na composição do grupo
de crianças. Entretanto, foi definido que as análises serão realizadas com base nas relações de
gênero, dada a necessidade do recorte da pesquisa.
Nosso estudo foi organizado de uma maneira que apresenta os diferentes elementos e
conceitos envolvidos no processo, estando estruturado na ordem descrita a seguir. O capítulo
dois contempla os sujeitos de pesquisa, a concepção de criança e infância com base na
Sociologia da Infância, bem como o contexto em que a pesquisa ocorreu, a escola,
justificando os motivos dessa escolha. O terceiro capítulo apresentará o conceito de gênero
adotado na pesquisa, buscando refletir quais contribuições em adotar as lentes de gênero ao
debruçar sobre um determinado contexto educativo, no caso a educação infantil. Neste,
pretendemos apresentar, na próxima etapa, alguns resultados de pesquisas recentes sobre o
diálogo entre a primeira infância e as relações de gênero, a partir de uma perspectiva da
equidade de gênero. No capítulo seguinte, discutiremos sobre quais os diálogos possíveis
entre ciência e tecnologia e crianças a partir de produções culturais sobre essa temática
destinadas a esse grupo e, mais especificamente, quais implicações, possibilidades e
relevância dessas temáticas fazerem-se presentes no contexto escolar destinado à primeira
infância. O percurso metodológico adotado é apresentado no capítulo quinto, elencando todas
as etapas do processo de pesquisa, bem como o espaço específico em que a produção dos
dados ocorreu, assim como o referencial utilizado na análise dos dados. Em seguida, o
capítulo seis apresenta um esboço de como pretendemos realizar a análise dos materiais
coletados. As considerações finais, bem como sugestões de encaminhamentos de pesquisa,
são apresentadas no sétimo e último capítulo.
26
desde a primeira infância (BIAN, LESLIE e CIMPIAN, 2017; BONDER, 2017; UNESCO,
2018). Assim, nosso interesse recai sobre a percepção das crianças, por reconhecê-las
enquanto atores, agentes presentes que tecem a nossa sociedade.
Nesse sentido, a sociologia da infância nos auxilia a teorizar a infância, na medida em
que compreende que a percepção das crianças enriquece a interpretação do contexto social.
Segundo a pesquisadora finlandesa Alanen, em seu artigo “Teorizando a infância”,
originalmente publicado em 2014 no periódico Childhood e traduzido por Lessa, em 2017, na
Revista Zero-a-Seis, uma das contribuições da área da sociologia da infância para o campo da
sociologia, é a teorização da infância (ALANEN e LESSA, 2017). Uma vez que, para
compreender o contexto social geral, é necessário considerar essa categoria. Para Alanen, a
relevância da área consiste em anunciar “especificidades próprias nos estudos empíricos que
retratam as crianças e as condições sociais de suas infâncias, o que justifica o empenho em
construir a área” (ALANEN e LESSA, 2017, p. 4). A área está em construção e possui
interesse principalmente de outros campos que necessitam mobilizar categoria para analisar e
entender o contexto, como a Educação. Embora o texto original seja um editorial, a autora faz
uma provocação sobre a necessidade desta área ser reconhecida pela sociologia tradicional
enquanto uma importante contribuição para a compreensão do social, a partir da integração
das questões relacionadas à infância e às crianças (idem). Vale destacar que, apesar dessas
definições auxiliar no processo de desenvolvimento dessa pesquisa, reconhecemos o quanto
os estudos sociais da infância não consistem em um bloco homogêneo, possuindo uma
diversidade e divergências nas interpretações sobre esses e outros conceitos, demarcando uma
multiplicidade de olhares e bases teóricas que fundamentam as diferentes áreas que compõem
esse campo (ALANEN e LESSA, 2017).
Embora nossa pesquisa não pertença exclusivamente ao campo da sociologia da
infância, busca estabelecer um diálogo com esta, reconhecendo que as reflexões contribuem
para articular conceitos mobilizados nesse estudo: as crianças da primeira infância, as relações
de gênero e a educação em ciências. Compreendemos, também, que o ponto em comum para
estabelecer um diálogo entre áreas distintas seja a cultura, uma vez que é a partir dos
discursos que circulam em torno desses temas que construímos a nossa pesquisa.
para a cultura do contexto social em que estão inseridas. Assim, o interesse pelo conceito de
cultura da infância deve-se ao fato do reconhecimento desse grupo social enquanto sujeitos
que compartilham algo em comum, a cultura da infância. Para tanto, faz-se necessário
esclarecer o que entendemos por cultura infantil, quais são suas características e elementos
que pertencem ou não a esse corpo.
Em um resgate histórico acerca do que se compreende por cultura da infância,
Sarmento (2003) destaca que por volta de 1970, alguns antropólogos a denominaram como o
conjunto de jogos e brincadeiras identificadas em suas pesquisas, demonstrando uma
modificação sobre a mente infantil, não mais concebida de maneira confusa ou apenas
fantasiosa, mas uma mente criando e buscando sentidos, ou “construtora do mundo”. Tal
percepção abriu caminhos para compreender a formulação de interpretações da sociedade, dos
outros e de si, dos pensamentos e sentimentos, por parte das crianças. Convocando uma
desconstrução de bases teóricas, como o conceito de socialização da sociologia clássica, que
remete a uma condição pré-social da criança, ou mesmo a um objeto manipulável, neutro e
passivo ao controle social, que precisava passar por uma enculturação de valores, normas e
comportamentos para o exercício futuro. A desconstrução desse conceito é corroborada
também por estudos que concebem uma antropologia da criança, que reconhecem nesses
sujeitos um papel ativo nas relações sociais, diferenciado da visão em que essa apenas
incorporava os comportamentos sociais (COHN, 2005).
Desse modo, de acordo com Sarmento, o conceito de culturas da infância consiste na
“capacidade das crianças em construírem de forma sistematizada modos de significação do
mundo e de ação intencional, que são distintos dos modos adultos de significação e ação”
(SARMENTO, 2003, p. 03) Assim, não podemos reduzir as culturas da infância aos produtos
da indústria cultural voltados ao público infantil, nem mesmo à cultura escolar, ou, ainda,
restringir àquilo que é produzido apenas entre as crianças, pois elas não surgem do nada, mas
estão enraizadas na sociedade. Pode-se dizer que as culturas da infância resultam da relação
de duas instâncias: 1ª) relações socialmente globais e 2ª) relações inter e intrageracional, que
convergem para a ação concreta da criança que produz uma possibilidade de constituir-se
como sujeito - ator social, em um processo criativo e reprodutivo (SARMENTO, 2003).
Nesse processo, as crianças participam coletivamente na sociedade, entre si e com os adultos,
contribuindo de maneira ativa para a produção de mudanças culturais, introduzindo aspectos
inovadores e criativos.
Dado que as culturas da infância se constituem “no mútuo reflexo de uma sobre a
outra das produções culturais dos adultos sobre as crianças e das produções culturais geradas
30
pelas crianças nas suas interações de pares” (SARMENTO, 2003, p. 07), um dos desafios da
área da sociologia da infância, segundo Sarmento (idem), é compreender o processo de
“reprodução interpretativa”, conceito definido por Corsaro (2011), como uma perspectiva que
abrange aspectos produtivos e reprodutivos, constituindo tanto as identidades individuais de
cada criança quanto o estatuto social da infância como categoria geracional. Para Corsaro,
Logo, a cultura de pares que é produzida pelas crianças não se trata de uma
imitação, mas sim de uma apreensão criativa das informações do mundo adulto (CORSARO,
2009). O autor entende a cultura de pares enquanto “um conjunto estável de atividades ou
rotinas, artefatos, valores e interesses que as crianças produzem e compartilham na interação
com os seus pares.” (CORSARO, 2009, p. 32) Nesse sentido, as crianças são produtoras de
culturas e não apenas produzidas por elas, reafirmando um relativo grau de autonomia que as
crianças possuem no processo de elaboração simbólica de sentidos em relação ao mundo. Por
isso, reafirmamos o nosso interesse em ouvir as crianças sobre um fenômeno social mais
amplo, pois assumimos que as crianças podem trazer outros elementos e relações para
entender a realidade.
Nesse cenário, Sarmento (2003) contribui com a distinção das culturas produzidas
pelas e para as crianças, afirmando que as produções geradas pelos adultos, direcionadas às
crianças, se diferem daquelas construídas nas interações, em uma espécie de “vai e vem”. As
culturas criadas e dirigidas do adulto para as crianças, para além da cultura escolar,
contemplam um conjunto de dispositivos com orientação de mercado, como por exemplo:
literatura infantil, jogos, brinquedos, cinema, quadrinhos, conteúdos digitais (jogos, vídeos,
sites) e serviços variados: festas, espaços tempo livre etc. Diferentemente de outras
definições, Sarmento (2003) entende que não há como separar os elementos simbólicos da sua
materialidade, como uma camiseta de algum personagem mitológico, por exemplo, não
distinguindo esses produtos entre cultura simbólica e cultura material. O processo de difusão
dessa cultura também é destacado por Sarmento (2003), ocorrendo por meio de
compatibilização entre a produção, feita pelos adultos, e recepção pelas crianças, ainda sim,
31
do passado, para que as suas interpretações não se confundam com as apresentadas pelos
sujeitos da pesquisa.
2.3 Educação Infantil: reaprendendo a olhar para o espaço escolar das crianças
pequenas
A revisão de conceitos clássicos acerca do que se entende por crianças e infância tem
possibilitado uma ampliação de perspectivas e de pesquisa, desvendando um vasto campo a
ser explorado, exigindo novos olhares e metodologias que possibilitem uma abordagem
diferenciada e que caminha no sentido de garantir uma participação ativa desses atores. Tal
aspecto é ainda mais relevante quando pensamos em um ambiente tradicionalmente
organizado sob a lógica adultocêntrica por ser uma instituição que reproduz modelos e
padrões estabelecidos socialmente, como a escola. Entretanto, reconhecemos que a escola é,
também, um espaço com potencial transformador devido à possibilidade de trocas múltiplas
entre os sujeitos que a constituem, contemplando muito além do que é proposto em seu
currículo explícito. Por isso, esta pesquisa pretende produzir dados com as crianças em uma
escola de Educação Infantil, em um bairro urbano e periférico do município de Guarulhos,
localizado na região metropolitana de São Paulo. Entretanto, reconhecemos a urgência,
apresentada pelos estudos sociais da infância, em pesquisar outros espaços ocupados pelas
crianças, olhando para elas enquanto unidade de observação, e não apenas em espaços que
essas são vistas como alunos ou filhos (QVORTRUP, 2011; FARIA e FINCO, 2011).
A partir dessas reflexões, voltar à escola de educação infantil ocupando um papel
prioritariamente de pesquisadora revelou um significativo desafio, precisando ser
constantemente analisado e ressignificado. A trajetória enquanto professora, na mesma rede
municipal de ensino, onde atualmente realizo ações de formação continuada, conforme
exposto inicialmente, exigiu um esforço contínuo de (re)aprender a olhar, observar, enxergar,
ouvir, sentir ao perceber as crianças nesse espaço, aparentemente tão próximo e corriqueiro.
Despir-se de roupas antigas, aparentemente confortáveis e tão bem ajustadas, revelou-se um
exercício laborioso e contínuo, igualmente necessário, delicado e transformador. Com o
intuito de representar o esforço contínuo de reaprender a olhar, enxergar e reconhecer esse
espaço, selecionamos a imagem abaixo (figura 1) capturada no primeiro dia de observação da
escola, admitindo a necessidade de adotar outros ângulos e o desconforto e a curiosidade de
ocupá-lo a partir de uma nova perspectiva.
33
Para além dos inúmeros desafios de pesquisar sobre e com as crianças em uma
instituição escolar, dado o histórico da pesquisadora e de toda a carga de significados e
relações complexas estabelecidas nessa instituição, a opção por esse caminho contou com
algumas prerrogativas. A opção por este ambiente deu-se, inegavelmente, pela compreensão
de ser esse um espaço profícuo de troca, além de ser uma estrutura estabelecida e, ao menos,
parcialmente conhecida pelos sujeitos envolvidos no processo. Entretanto, reconhecemos que
o ambiente escolar é apenas um dos locais em que esse estudo poderia ter ocorrido, uma vez
que as crianças frequentam outros lugares. Desse modo, seria possível pensar no
desenvolvimento de propostas semelhantes às realizadas em clubes, praças, parques, ou
espaços em que as crianças se reúnem para brincar e conviver. Essa escolha foi feita
considerando uma série de fatores, sendo alguns deles: I) ser um espaço privilegiado, entre
outros, em que as crianças se encontram diariamente e estabelecem relações afetivas com seus
pares bem como com adultos; II) a obrigatoriedade da instituição em apresentar tais
conhecimentos construídos histórico-socialmente, desde a primeira infância, com a finalidade
de ampliar o repertório, reconhecendo-os como temas de interesse que circundam a vida das
crianças em diversos outros ambientes sociais; IV) reconhecer que a escola possui uma
relevância social, logo possui uma função problematizar as representações daquilo que é
valorizado - ou não - pela sociedade; V) a experiência da pesquisadora enquanto profissional
que atua com formação continuada acerca da temática de tecnologia trouxe ainda mais
propriedade e interesse por analisar as produções neste espaço.
O contato com as problematizações acerca do processo de institucionalização da
infância também tornaram-se enriquecedoras por permitirem um olhar mais atencioso para
este espaço, as relações e os sujeitos que o constituem. Desse modo, corrobora-se com a
34
promova o desenvolvimento integral dos educandos. Em 2013, a lei 12796, alterou a LDB lei
9394/96, e estabeleceu a obrigatoriedade, e gratuidade, da educação básica, ampliando-a dos 4
aos 17 anos. Essa alteração torna a etapa da educação infantil obrigatória para todas as
crianças, em território brasileiro. Até então, tinham a possibilidade de acessar a instituição
escolar, de maneira obrigatória, somente aos 6 anos de idade. Este é um dos aspectos que
determinam a faixa etária do nosso sujeito de pesquisa.
No contexto local, o município conta com o sistema de ensino próprio orientado pelo
documento norteador denominado Proposta Curricular: Quadro de Saberes Necessários QSN18
(GUARULHOS, 2019), que foi construído coletivamente pelo quadro de funcionários da rede
em 2009, sendo esta revisitada em 2019. Este documento, em acordo com os marcos legais da
educação nacional, demarca suas bases referenciais freireanas ao destacar, em sua definição
de concepção, que educar é criar possibilidades de construir e produzir conhecimento,
recusando um processo pautado em uma lógica de transferência. Para tanto, considera de
extrema importância que os aspectos da atualidade e o direito dos educandos a um processo
de ensino e aprendizagem dinâmico e contemporâneo (GUARULHOS, 2019).
Corroboramos com a professora Barbosa (2009), ao refletir sobre as contribuições da
sociologia da infância para as pedagogias das escolas de educação infantil, a partir dos
avanços provocados pelos estudos de Corsaro, ao destacar a relevância de se compreender a
escola de educação infantil enquanto um espaço que aborda os temas sociais e culturais de
maneira ampla e não simplificada, pois.
Assim, entendemos ser relevante abordar os temas propostos nesse estudo com o
público infantil, sendo estes garantidos pelo QSN (2009 e 2019), incluindo a pertinência de
abordar questões de gênero desde a primeira infância, possibilitando uma segurança e garantia
de adequação ao contexto. Sobre o diálogo com a ciência e tecnologia, os documentos
18
A Proposta Curricular Municipal está disponível no Portal da Secretaria de Educação. Disponível em <
https://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/siseduc/portal/site/listar/categoria/8/ >Acesso em 18 jun. 2022.
36
recente problemática que culminou na retirada dos termos gênero e orientação sexual do
Plano Nacional de Educação (PNE) 2014-2024, por exemplo, é uma evidência da importância
dos documentos citados anteriormente. Esse acontecimento motivou a exclusão dos mesmos
termos de vários Planos Municipais de Educação construídos em 2015, apesar da autonomia
dos municípios. Segundo Mendonça (2017), tal reação deu-se pela mobilização de grupos
religiosos e conservadores que se mobilizaram, em nome dos valores da família - tradicional e
heteronormativa, com um discurso contrário à uma suposta “ideologia de gênero” nas escolas
brasileiras, conseguindo a retirada todos os termos que se referiam à gênero e orientação
sexual dos planos municipais e estaduais de educação brasileiros, assim como da Base
Nacional Comum Curricular (MENDONÇA, 2017). Destacamos que o ocorrido contribui
para um significativo retrocesso a desinformação, a polarização do debate e aprofundamento
das desigualdades. Nesse sentido, a escola é chamada para pensar e propor práticas
pedagógicas que se proponham a construir outras realidades. A partir desse contexto,
procuramos responder à seguinte questão que se impõe: o que é gênero, afinal? Do que
estamos falando quando nos referimos às relações de gênero, em especial com as crianças
pequenas?
Nessa perspectiva, os estudos que buscam tratar das relações de gênero, enquanto uma
categoria de análise social, necessitam considerar as categorias classe e raça, visto que elas
estão entrecruzadas nos processos, estando também imersas em um contexto de violência. O
termo mulheres, em muitos contextos, tinha o objetivo de referir-se ao grupo como um todo,
com um viés de universalização. Entretanto, por vezes, o uso dessa nomenclatura se limitou a
exprimir ideias apenas de parte delas, predominantemente, brancas, ou mulheres não-negras,
de classes sociais mais altas. Conforme hooks destaca “o movimento pela libertação da
mulher não só foi estruturado numa plataforma limitada, como chamou a atenção
principalmente para questões que eram relevantes sobretudo para as mulheres
(majoritariamente brancas) com privilégio de classe.” (hooks, 2019, p. viii).
40
Segundo Scott (1995), a busca por encontrar um único elemento em comum que
pudesse reunir a mulheres sistematicamente inferiorizadas nas relações sociais, pautada
inicialmente no marcador “sexo”, permitiu que outras características fundamentais para a
constituição das identidades fossem ignoradas, como a raça e a classe. Refletindo criticamente
sobre a formação do movimento feminista, hooks (2019) evidencia a significativa
contribuição dos trabalhos de mulheres de cor, nas palavras da autora, para ampliar a
compreensão da luta feminista. Nesse processo, evidencia o quanto não há um elemento que
une todas as mulheres, como muitas feministas brancas defendem. Para hooks,
Assim, a escolha por utilizar o termo mulheres, nesse trabalho, é feita considerando a
relevância da adoção de uma perspectiva interseccional. O conceito interseccionalidade foi
cunhado apenas no início da década de 1990 (ROSA e SILVA, 2015) e, embora mais
recentemente popularizado, diversas autoras já indicavam a importância de se pensar em
estratégias de transformação da condição social das mulheres atentando-se para questões de
classe, gênero e raça/etnia. Porém, sem necessariamente cunhar um termo específico.
Embora a pesquisa em curso não pretenda se debruçar sobre os aspectos raciais ou de
classe, considerar tais elementos contribui para que os sujeitos da pesquisa sejam melhor
compreendidos, uma vez que esses aspectos são intrínsecos ao processo de constituição das
identidades e, portanto, das relações sociais. Assim, reforçamos que esse estudo compreende
que as crianças são igualmente atravessadas por discursos relacionados ao gênero, à raça/etnia
e à classe social a que elas pertencem, entre outras. Se todos esses aspectos constituem as suas
identidades, compreendendo que é inegável a necessidade de observá-los mesmo elegendo o
conceito de gênero enquanto central na pesquisa. Nesse sentido, um conjunto de aspecto
apontados por Scott (1995) contribui para explorar e compreender os elementos
interrelacionados ao conceito de gênero, presentes no processo de constituição das relações
sociais, são eles os I) símbolos culturalmente disponíveis, os quais embora muitas vezes sejam
contraditórios, permitem indagar quais os seus significados em um determinado contexto; II)
conceitos normativos referindo-se às interpretações possíveis dos símbolos, buscando limitar
suas possibilidades, tipicamente apresentadas de maneira fixa e binária, por meio de
41
19
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/5 . Acesso em
setembro de 2022.
42
idades. Para isso, algumas questões são norteadoras dessa proposta de pesquisa: as questões
acerca da baixa representatividade de mulheres na ciência são observadas nas interações das
crianças ao final da primeira infância? É possível perceber uma maior apropriação de termos,
conceitos e interesse por temas científico-tecnológicos de determinados grupos de crianças -
meninos e meninas? Quais expressões e produções são produzidas pelas crianças em torno
dos temas das intervenções propostas na pesquisa?
A finalidade em analisar como as crianças interagem com essas questões no espaço
escolar é observar se é possível notar diferenças em relação aos aspectos de gênero para
relacionar com o cenário mais amplo. Dessa maneira, o foco em observar as interações e
produções das meninas e meninos não busca quantificar um possível nível de interesse por
temas científicos ou mesmo estabelecer uma comparação, supondo que um grupo deveria se
interessar tanto quanto o outro, se que há diferença perceptível. A proposta de investigação
tem como intuito entender as possibilidades de abordagem desses temas com crianças
pequenas identificando se é possível perceber comportamentos variados em um grupo e
analisar, esses comportamentos, com base nos referenciais de gênero. Nesse sentido, há um
esforço em entender e refletir genuinamente sobre e com as crianças no momento presente,
não querendo necessariamente estabelecer uma comparação com o cenário de outras
gerações/idades. Consideramos, ainda, que pode haver manifestações de outras categorias
identitárias, como raça ou etnia, a depender da diversidade presente na composição do grupo
de crianças. Entretanto, foi definido que as análises serão realizadas com base nas relações de
gênero, dada a necessidade do recorte da pesquisa.
Em continuidade a este capítulo, pretendemos aprofundar as reflexões de gênero na
infância, apresentando o que os estudos já demonstram de como as relações de gênero se dão
nessa fase.
43
mundo natural e tecnológico. Por isso, ela destaca que os pontos chave de análise dessas
relações são: “a observação, a linguagem, o registro e as estratégias de ação entre os pares e
com os materiais.” (RUFFINO, 2012, p. 46).
Sobre o conceito tecnologia, buscamos abordá-lo de modo a ampliar a percepção
comumente estabelecida, em geral, associada ao contexto digital, ou ainda como sinônimo de
um produto em si, e não de um processo de dimensões sócio-históricas e culturais. Mammana
(1990), ao realizar uma revisão teórica acerca da natureza antropológica do termo tecnologia,
ressalta que apesar de possuir a mesma estrutura das demais terminologias que designam as
ciências, a tecnologia é confundida com o seu objeto de estudo, e não com o estudo das
atividades que visam satisfazer as necessidades humanas, produzindo alteração no mundo
material. Outro aspecto que nos interessa, nos estudos de Mammana, sobre tecnologia é a
compreensão da sua dimensão étnica e cultural. Para além das definições de leis gerais da
tecnologia, o autor reforça que “toda a atividade tecnológica de um grupo étnico é a interação
coordenada pelo trabalho entre memória coletiva e seus instrumentos de ação.”
(MAMMANA, 1990, p. 17), indicando um ponto fundamental a ser lembrado, diferentes
grupos produzem tecnologias a partir das suas necessidades e modos de vida. O autor também
destaca o quanto os processos de descoberta e invenção estão diretamente relacionados ao
conceito de tecnologia. Tanto a descoberta, enquanto “aquisição, por parte da comunidade, de
um novo conhecimento sobre a natureza” (1990, p. 19), por exemplo, o domínio do fogo
sobre uma matéria ou uma alavanca, quanto a invenção, sendo compreendida como a
“aplicação de uma dada descoberta para cumprir algum fim” (MAMMANA, 1990, p. 19),
corrobora de diferentes modos para a produção de novos engenhos. Assim, o intuito de
evidenciar no título desse estudo os conceitos Ciência e Tecnologia visa indicar o quanto as
intervenções propostas abordam temas e fenômenos do mundo natural e social, tendo como
foco as produções humanas que visam interferir e modificar um determinado meio.
Dado o nosso contexto social, de significativo avanço científico e tecnológico, e as
definições aqui apresentadas por C&T, podemos afirmar a presença de elementos em diversos
locais, sendo a escola de educação infantil uma delas. Segundo Ruffino (2012),
Por isso, para essa reflexão, consideramos relevante mencionar os estudos acerca da
percepção pública que os brasileiros possuem sobre C&T, uma vez que esses dados podem
auxiliar-nos a compreender o contexto geral em que as crianças, seus professores e familiares,
possivelmente, estão inseridos. Conforme levantamento realizado em 2015, pelo Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), apesar de a população brasileira reconhecer a
relevância de pesquisas e inovação tecnológica no país, revelam conhecer pouco sobre essa
estrutura ao não identificarem instituições responsáveis e nem cientistas (BRASÍLIA, 2017).
Essa relação entre o interesse e o nível de informação em C&T dos brasileiros demonstra ser
persistente, conforme estudo realizado por Castelfranchi et al. (2013), que propõe uma
problematização e análise dos dados a partir do levantamento semelhante ao anteriormente
citado, realizado em 2010, e propõe uma medida, a partir das variáveis presentes no
levantamento, para testar a hipótese de que quanto maior o nível de formação e de informação
sobre C&T aumenta a possibilidade de atitude mais otimista e confiança por tais temas.
Entretanto, não é possível estabelecer uma relação direta entre esses aspectos, uma vez que os
dados não apontam uma relação direta e determinante sobre esses dois aspectos. Assim,
possuir pouca informação não garante um comportamento pessimista diante de temas de
C&T, bem como ter altos níveis de formação não garantem um nível otimista
(CASTELFRANCHI et al., 2013).
O interesse em abordar alguns aspectos desses estudos, mesmo não envolvendo
diretamente as crianças, justifica-se pela hipótese de que a impressão de profissionais que
atuam com o público infantil pode aproximar-se dessa percepção coletiva, visto que, em sua
formação inicial, não é exigida uma formação específica nessas áreas de conhecimento.
Entretanto, são elementos exigidos em documentos que norteiam a educação básica, como
descrito nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), ao
descrever o significado de currículo, definindo-o como um “Conjunto de práticas que buscam
articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do
patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o
desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade” (BRASIL, 2010, p. 12).
A escola, enquanto espaço privilegiado de formação humana, tem o dever de
apresentar os conhecimentos históricos da humanidade de maneira consciente e com uma
linguagem apropriada para os diferentes níveis e etapas de ensino. Assim, a perspectiva
adotada ao propor ações que envolvem, mais especificamente, embora não unicamente, os
conhecimentos científicos e tecnológicos no contexto da educação infantil, não assume um
viés de ensino de ciências, mas sim, uma concepção de letramento, reconhecendo que o
46
objetivo de entrar em contato com esses temas na escola da infância visa favorecer a
imaginação, as interações, as descobertas e brincadeiras das crianças. Nesse sentido, mesmo
sem saber decodificar os códigos linguísticos e científicos, compreendemos que o contato
com temáticas dessa natureza permite a ampliação de repertório que as crianças já possuem
por terem contato com esses símbolos e significados em contextos variados desde muito
pequenos, a partir de imagens, brinquedos, histórias etc.
Destacamos que, apesar de os autores referenciados utilizarem os conceitos de
letramento e alfabetização científica para se referir ao conjunto de práticas destinadas a
favorecer o processo de ensino-aprendizagem relacionadas às ciências, permitindo uma
formação para a cidadania, não aprofundaremos tal discussão, uma vez que este não é o foco
da pesquisa. Apesar de reconhecer sua importância para o desenvolvimento de estratégias
mais eficazes, reforçamos que o foco da nossa pesquisa é observar as interações das crianças
em meio ao contexto de práticas pedagógicas que envolvem temáticas científicas e
tecnológicas, com foco em identificar como se dão as relações de gênero. Portanto, nosso
esforço recai, sobretudo, no acesso a essa linguagem enquanto um direito fundamental para
acessar, ler e interpretar o seu entorno, conhecendo a si, o outro e ao mundo, promovendo
experiências que “incentivem a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento,
a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à
natureza” (BRASIL, 2010, p. 26).
Nessa direção, uma pesquisa realizada em 2014 (GOLDSCHMIDT, GOLDSCHMIDT
JUNIOR e LORETO, 2015) sobre a concepção de ciência e cientista, por parte de alunos do
ensino fundamental com idade entre 7 e 10 anos, e em formação docente no curso Normal e
de Pedagogia, ajuda-nos a esboçar o cenário em que pretendemos nos aprofundar ao revelar a
semelhança nas respostas dadas às perguntas: “O que é cientista?” e “O que é a Ciência?”. O
estudo foi realizado no município de Cachoeira do Sul, RS, e buscou estabelecer uma
comparação entre as crianças e os profissionais em formação inicial acerca das representações
prévias que possuem sobre a natureza da Ciência e de cientistas. Apesar de serem grupos
distintos de participantes, os pesquisadores utilizaram a mesma metodologia para coletar os
dados: apresentaram as duas questões mencionadas acima e solicitaram o registro por meio do
desenho, sem maiores explicações. A análise dos registros foi feita considerando os elementos
simbólicos contidos no desenho, revelando as percepções e interpretações do tema por parte
dos participantes. Os resultados obtidos permitem observar o quanto recursos tecnológicos
são usados para representar a ciência e o trabalho de cientistas; os registros dialogam com
temas divulgados recentemente na mídia, sendo carregados de estereótipos, incluindo a
47
Vale destacar que a reflexão do autor possibilita-nos ampliar o olhar para a C&T
reconhecendo a relevância de diferentes povos, etnias e raças na construção desses
conhecimentos. Devido ao objetivo da pesquisa, não será possível abordar o quanto o
desenvolvimento da C&T presente no Brasil foi beneficiada, por exemplo, por saberes
advindos das populações afrodescendentes ou mesmo indígenas, sendo estas pouco
representadas e valorizadas em nossos livros e demais produções culturais.
Por ser o nosso foco de pesquisa articular as representações de gênero no contexto da
C&T, passaremos a olhar mais especificamente para esse aspecto. Buscamos identificar como
as relações de gênero em C&T se fazem presentes em conteúdos midiáticos voltados ao
público infantil, sendo necessário, anteriormente, compreender o cenário mais amplo de como
o debate acerca da presença/ausência das mulheres na C&T.
48
Embora o nosso intuito não seja realizar um amplo debate acerca das mulheres na
ciência, tampouco estabelecer uma relação direta das desigualdades existentes nesse âmbito
para o contexto da infância e culturas infantis, entendemos que esse cenário, enquanto pano
de fundo, intensifica e qualifica o nosso interesse de pesquisa: entender como se dão as
interações das crianças em atividades escolares que abordam C&T na perspectiva das relações
de gênero. Por isso, consideramos relevante apresentar, de modo geral, o quanto o movimento
pela transformação da atual realidade, de falta de equidade representativa das mulheres - e
demais grupos minorizados - na C&T, tem mobilizado diferentes ações e atores sociais,
atingindo inclusive o público infantil. Nesse sentido, em decorrência de mobilizações no
âmbito social, acadêmico, político, cultural, a partir de pesquisas que evidenciam a falta de
equidade entre mulheres e homens em diversos espaços de produção de conhecimento,
diversas ações têm sido realizadas para problematizar a baixa representatividade feminina na
ciência, principalmente nos espaços de poder (SCHIEBINGER, 2008). Parte dessas reflexões
tem-se voltado ao debate envolvendo especificamente essa problematização a respeito das
áreas de Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática (STEM).
No Brasil, em 2005, foi criado o Programa Mulher e Ciência pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com os objetivos de “estimular a
produção científica e a reflexão acerca das relações de gênero, mulheres e feminismos no país
e promover a participação das mulheres no campo das ciências e carreiras acadêmicas”20.
Pretendemos apresentar, como continuidade da pesquisa, uma reflexão sobre a importância de
projetos para a equidade de gênero na educação em STEM como, por exemplo, a iniciativa
realizada em território nacional, financiada por diferentes setores sociais, denominada Elas
nas Exatas21.No cenário mais amplo, temos a criação do Dia Internacional das Meninas e
Mulheres na Ciência em 2015, pela UNESCO22 em parceria com a ONU Mulheres. A data
passou a ser comemorada no dia 11 de fevereiro a partir do ano subsequente e teve o intuito
de evidenciar e refletir sobre a falta de equidade de gênero nas ciências, incentivando as
meninas a seguirem carreiras científicas, superando estereótipos sociais e culturais. Embora
20
Objetivos descritos no site do CNPq, disponível em:
https://www.gov.br/cnpq/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programas/mulher-e-ciencia > Acesso
em 14 jan.2023.
21
Projetos e ações do Programa Elas nas Exatas. Disponível em:
http://www.fundosocialelas.org/elasnasexatas/inicio Acesso em Mar. 2022.
22
Instituído pela UNESCO e ONU Mulheres. Disponível em
https://www.unesco.org/pt/days/women-girls-science. Acesso em 05/12/2021.
49
seja apenas uma das ações, este pode ser um fator que tem impulsionado novas produções que
abordam essa temática, em diferentes contextos e com objetivos distintos, dando um
significativo destaque para a necessidade de pensar a esse respeito desde a infância, conforme
destacado pela palavra “meninas”.
Nessa mesma direção, vale destacar que algumas produções sobre C&T, na
perspectiva da divulgação científica, têm evidenciado uma preocupação em visibilizar o
trabalho realizado por mulheres nessas áreas - assim como de populações minorizadas
historicamente23. Essas não necessariamente possuem a finalidade educativa, para o contexto
escolar formal. Entretanto, é possível observar que parte significativa pode ser adaptada para
tornar-se recurso pedagógico, implicando o seu uso em espaços destinados aos processos de
ensino e aprendizagem sobre conceitos científicos e ou sociais. Um dos exemplos é o livreto
passatempo desenvolvido pelo Projeto de Extensão Universitária "Meninas e Mulheres nas
Ciências", vinculado à Pró-Reitoria de Extensão e Cultura da Universidade Federal do Paraná
(UFPR)24; o gibi Dona Ciência, que tem como protagonista uma senhora negra que apresenta
temas científicos variados, sendo a edição seis voltada ao tema meninas e mulheres (negras)
cientistas25. De modo complementar, vale destacar a iniciativa da ONG Ação Educativa, com
o Projeto Gênero na Escola, que tem publicado uma série de recursos didáticos e formativos
sobre a temática, e estimulando educadores a participarem dos editais que selecionam e
disponibilizam em site próprio - acessível e aberto, as melhores propostas de planos de aula
que abordam os temas voltados à equidade de gênero na educação básica, em que podemos
destacar a proposta intitulada “igualdade de gênero na ciência”26.
Ainda abordando a problemática da baixa quantidade de representações femininas nas
áreas STEM, é possível destacar alguns livros que se destinam a relatar histórias de mulheres
incríveis que atuaram em diversas áreas do conhecimento, como uma estratégia de popularizar
essas representações femininas na imaginação de adultos e crianças. Alguns deles são:
Histórias de ninar para garotas rebeldes (CAVALLO e FAVILLI, 2017); As cientistas: 50
mulheres que mudaram o mundo (IGNOTOFSKY, 2017); entre outros, com enfoque similar.
23
Livro: História preta das coisas: 50 invenções científico-tecnológicas de pessoas negras, autora: Barbara
Carine Soares Pinheiro, ed. L.F., coleção: Culturas, Direitos Humanos e Diversidades nas Educação em Ciências,
publicado em 2021.
24
Livreto passatempo produzido pela UFPR em 2020. Disponível em:
https://meninasemulheresnascienciasufpr.blogspot.com/2020/05/livreto-passatempos-mulheres-nas.html
25
Gibi Dona Ciência, edição nº 6 Meninas e Mulheres Cientistas. Disponível em
https://www.afip.com.br/dona-ciencia-edicao-06/ Acesso em Fev. 2023.
26
Material educativo disponível em
https://generoeeducacao.org.br/mude-sua-escola-tipo/materiais-educativos/plano-de-aula/igualdade-de-genero-na
-ciencia/ Acesso em Fev. 2023.
50
Também para um público mais amplo, sob um discurso de inovação, a marca de brinquedos
LEGO lançou, em 2016, um kit com cinco personagens que trabalha(ra)m na NASA, a fim de
comemorar um marco na história da exploração espacial. A ideia foi elaborada por Maia
Weinstock, editora do Massachusetts Institute of Technology (MIT), por considerar que a
importância de haver representações femininas nessas áreas para que meninas e meninos
possam compreender que isso é esperado de ambos27. Assim, compreende-se que há um
movimento que demonstra uma produção crescente de conhecimento e produtos com o intuito
de visibilizar a representação feminina nas áreas C&T, partindo de diferentes atores sociais.
Portanto, por caminhos e interesses distintos e ou complementares. Para além do contexto
mais amplo, interessa-nos observar os materiais culturais, destinados ao público infantil, que
buscam abordar temas de ciência e tecnologia contendo o protagonismo de figuras femininas
em filmes, animações, brinquedos, livros, séries, podcasts, plataforma de vídeos, como o
youtube - acessado por um grupos de crianças, ou demais páginas de redes sociais que
veiculam conteúdos inspirados em divulgar as contribuições
sociais-culturais-histórico-científica e tecnológica produzida por mulheres em diferentes áreas
de conhecimento ao longo da história da humanidade.
27
Reportagem do MIT com a Maia, sobre a criação do projeto. Disponível em:
https://news.mit.edu/2017/women-nasa-lego-set-0302 Acesso em Fev. 2022.
51
5 METODOLOGIA
O objeto de pesquisa consiste nas relações de gênero produzidas nas interações pelos
sujeitos-crianças no contexto em que foram abordados temas de ciência e tecnologia, sendo
expressas por meio de diferentes linguagens no contexto do espaço escolar. Para isso, o
procedimento metodológico da pesquisa contou com quatro etapas distintas, porém
complementares: i) elaboração das propostas: considerando o percurso realizado desde as
leituras e reflexão com o grupo de graduandas de Pedagogia do Pibid, sobre C&T, gênero e
ensino de ciências para crianças, até o planejamento; ii) observação-participante da turma:
contemplando o período de inserção na escola, desde o contato inicial com a gestão até o
período de observação da turma, que forneceu condições e elementos para adequar as
propostas de intervenção planejadas a etapa inicial; iii) aplicação das intervenções:
abrangendo o período em que as atividades foram propostas para as crianças, com auxílio das
professora e de parte das integrantes do Pibid, diretamente envolvidas na primeira etapa; e, iv)
organização e análise dos dados, especificamente, coletados na etapa anterior (iii), tendo
como auxílio interpretativo os registros da fase de observação (ii).
O objetivo da primeira etapa foi elaborar as atividades de intervenção, sendo esta
considerada um passo fundamental para a etapa de produção dos dados. De modo geral, as
intervenções foram planejadas contendo: a) apresentação da temática, b) roda de conversa, c)
confecção de materiais, e d) registro individual ou coletivo. Identificamos, nessas etapas, uma
estrutura que propicia situações específicas para criar condições de coletar informações
complementares. Entretanto, possuem um caráter flexível e aberto, de maneira a favorecer as
expressões dos participantes além de possibilitar diferentes níveis de escolha. A fim de
apresentar de maneira aprofundada os elementos, contextos, atores e desafios envolvidos na
etapa um, bem como o produto dela originado, as propostas de intervenção, elaboramos o
subcapítulo específico descrevendo o contexto da pesquisa.
A etapa dois (ii) foi realizada entre o final do ano de 2021 e o início do segundo
semestre de 2022. Adotamos a observação-participante com o intuito de favorecer uma
aproximação com a turma e verificar o nível de aceitação da pesquisadora, pelas crianças, no
espaço escolar. Por meio de anotações em caderno de campo e registro fotográfico de alguns
momentos específicos, foi possível conhecer e registrar parte das dinâmicas que constituem a
rotina escolar, identificando alguns (des)interesses, afeições e valores das crianças, além de
avaliar se, e quanto elas demonstravam curiosidade por temas relacionados à C&T
espontaneamente. Desde essa etapa adotamos as lentes de gênero como uma forma de
identificar como o grupo se organizava, construindo e compartilhando os espaços durante as
brincadeiras, formação de grupos, escolha de materiais, brinquedos etc. Para além de
54
conhecer e se aproximar da turma, essa etapa também foi fundamental para detectar
adequações das propostas planejadas inicialmente, fornecendo subsídios para a análise, ao
contribuir para a interpretação das ações e interações das crianças durante as intervenções.
Na etapa três (iii), realizada entre os meses de agosto a setembro de 2022, foram
aplicadas as intervenções planejadas na etapa um, e adequadas com os elementos observados
na etapa dois, com o objetivo criar um contexto em que os temas de C&T fossem discutidos
coletivamente pelo grupo de crianças, de modo a fazer ver como as relações de gênero
ocorrem nesse contexto específico. Para registrar essa última etapa, foram utilizados
diferentes instrumentos: fotos, gravação de vídeo e áudio, em pontos estratégicos, e registro
das produções das crianças, registros, desenhos, confecção de protótipos com materiais de
baixo custo, etc. Esse agrupamento de produtos auxiliará na confecção de uma espécie de
mosaico, por meio do qual buscaremos compreender o que as crianças expressam sobre as
temáticas abordadas.
Nesse sentido, o corpus de análise consiste no conjunto de dados coletados
fundamentalmente na etapa três, formado por elementos complementares: anotações em
caderno de campo, imagens, transcrição de áudios e vídeos, somado aos registros produzidos
pelas crianças, durante a realização de intervenções. A definição de corpus é aqui
compreendida como um conjunto limitado de materiais que possuem significado social
(BAUER e AARTS, 2002). Muito embora os autores (idem, 2002) descrevem a importância
de compor um material homogêneo de análise, a construção do nosso corpus com elementos
heterogêneos deve-se ao fato de as crianças se expressarem de formas diferentes, utilizando
linguagens variadas, simultaneamente, para demonstrar o que sentem e pensam. A junção
desses elementos constitui, então, um conjunto coerente e integrado que resultou da tentativa
de capturar as mais variadas (re)ações das meninas e meninos da turma em torno das
temáticas abordadas, possibilitando a construção de um corpus que nos permita interpretar as
práticas produzidas pelas crianças no contexto observado. Assim, corroboramos as
contribuições das autoras Garcez, Duarte e Eisenberg (2011), a respeito da estratégia
metodológica de videogravação com crianças, ao destacarem que, em pesquisas qualitativas, é
fundamental que o pesquisador se questione sobre quais recursos e procedimentos são mais
adequados para “produzir registros confiáveis do trabalho de campo e de construir materiais
empíricos válidos, que possam ser tomados como fonte para a compreensão de determinado
fenômeno e/ou problema de pesquisa” (2011, p. 251). Segundo elas,
sentido, o uso do tripé foi essencial para as atividades realizadas em sala de aula, dada a
impossibilidade de haver uma pessoa específica para realizar a gravação. Sobre a disposição
dos materiais, foram utilizadas duas câmeras, posicionadas em cantos opostos da sala de aula,
conforme esquema abaixo (Figura 3), buscando captar os eventos a partir de ângulos
complementares. Uma delas contemplou a maior quantidade de crianças, no decorrer de ações
coletivas, e a outra focou na outra parte da turma, tendo como foco o espaço em que a
professora costumava se posicionar ao realizar as atividades, uma vez que as interações com
ela poderiam gerar inúmeras reações n/do grupo. Algumas atividades externas seguiram a
mesma lógica, entretanto, em alguns momentos sentimos a necessidade de acompanhar mais
de perto as interações de alguns grupos nos espaços como parque, quiosque e a arena, não
sendo possível registrar com a câmera, usando apenas o áudio pela facilidade de locomoção
do equipamento.
A definição do local dos equipamentos foi realizada após um diálogo com a professora
da turma, sendo possível deixar um dos gravadores de áudio com ela, no bolso do avental, e
outro com a pesquisadora. Eventualmente, ambas deslocavam-se com o instrumento em mãos
ou no bolso com o intuito de captar as falas de um grupo ou de uma criança que se
expressavam mais baixo ou por conta do barulho do espaço. De maneira geral, os
equipamentos foram dispostos conforme o esquema a seguir:
28
As escolas da prefeitura de Guarulhos-SP permaneceram fechadas de março de 2020 até julho de
2021.
29
O parecer consubstanciado do CEP está disponível na íntegra no Anexo I.
60
criança, apelido escolhido por cada uma delas e a confirmação (ou não) de entrega do RCLE e
aceitação em participar da pesquisa, indicado pela coluna TALE.
31 menina excluída A. L. ok ok
Essa pesquisa foi produzida no contexto das ações do Pibid, subprojeto de Pedagogia
da EFLCH/UNIFESP, vinculado ao projeto de extensão universitária, voltado à ações de
comunicação científica destinada ao público infantil, denominado J.O.A.N.I.N.H.A.. O
projeto é uma das linhas de ação do programa de extensão Banca da Ciência, que tem como
objetivo popularizar a educação científica, com cunho sociopolítico, em espaços formais e
não-formais de educação para públicos de diferentes idades (PIASSI, 2013). Ele ocorre em
parceria entre instituições de ensino superior públicas, sendo as principais, Escola de Artes,
Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (EACH/USP) e a Escola de Filosofia
Letras e Ciências Humanas (EFLCH) da UNIFESP, contemplando outras universidades
públicas do mesmo estado e de outros estados brasileiros. A articulação entre o Pibid e o
JOANINHA propõe viabilizar ações concretas a serem produzidas pelas graduandas e
aplicadas em sala de aula da educação básica, a partir do desenvolvimento de ações lúdicas,
envolvendo diferentes linguagens. Estas são elaboradas e aplicadas sob a supervisão de um/a
pós-graduando/a do grupo INTERFACES, e a professora supervisora do Pibid responsável
pela turma em que ocorrerá a aplicação da intervenção. As atividades propostas envolvem
aspectos da alfabetização e letramento científico articulado a temas de ciências de interesse
dos educandos - graduandos e estudantes da educação básica, possibilitando um processo de
divulgação científica em diferentes níveis para os sujeitos envolvidos nesse processo.
A proposta inicial desta pesquisa contava com a participação deste grupo de
graduandas - enquanto monitoras do projeto Pibid-JOANINHA - ao longo de todo o processo
desenhado na pesquisa, elaborar, aplicar e produzir os relatórios das intervenções
63
de reflexão sobre o tema, elaboração da primeira versão das propostas e produção de recursos
e artefatos utilizados nas intervenções com as crianças, como a confecção de uma boneca
negra, utilizada para representar a primeira astronauta negra Mae C. Jemison ou a preparação
de material de apoio visual com imagens de animais do fundo do mar. Apenas duas bolsistas
participaram ativamente da etapa de produção de dados, de maneira voluntária em datas
pontuais, visto que o período de bolsa havia finalizado. Entretanto, foi fundamental todo o
processo de reflexão sobre os temas com o grupo para o planejamento e reflexão coletiva das
propostas.
Reconhecemos o quanto este cenário global impactou significativamente inúmeros
serviços e processos cotidianos, incluindo a realização de pesquisas científicas que exigiam o
envolvimento presencial dos sujeitos em um mesmo ambiente, acarretando a necessidade de
inúmeras pesquisas serem revisadas e reformuladas30. Nossa pesquisa precisou ser
reformulada impactando diretamente o período previsto inicialmente, bem como a quantidade
de suporte durante a etapa de produção de dados com as crianças, durante as intervenções.
Entretanto, o encontro semanal com o grupo foi essencial, tanto pelas reflexões profícuas com
o grupo Pibid-JOANINHA, abordando os temas mais voltados à pesquisa, quanto pelos
aspectos emocionais também afetados pela necessidade de isolamento social imposto pela
pandemia. O espaço de troca vivenciado nos encontros semanais online possibilitou a criação
de vínculos entre as participantes, revelando-se um importante ambiente para suprir, mesmo
que insuficientemente, a distância física do coletivo universitário. Conforme relatado pelas
bolsistas, em diversas datas, as reuniões foram fundamentais para manter, de alguma forma,
um vínculo com a universidade no contexto do ensino remoto. Diversas integrantes deste
grupo, assim como a própria pesquisadora, pouco frequentaram o campus da universidade
antes de ser decretada a suspensão das atividades letivas presenciais, informado via Portaria
da Reitoria emitida em de 14 de março de 202031. Este espaço virtual foi vital também para
lidar com a falta de perspectiva sobre a possibilidade de manter, ou não, o foco de pesquisa
com crianças, dada a necessidade efetiva e concreta de contato com elas para a manutenção
deste. A suspensão de qualquer certeza de retorno das atividades presenciais causou excessiva
preocupação, desmotivação e questionamento sobre a possibilidade de continuidade e
30
Reportagem com pesquisadora sobre a necessidade de alteração na pesquisa por conta da pandemia.
https://revistapesquisa.fapesp.br/quando-vi-que-nao-poderia-voltar-a-campo-percebi-o-impacto-que-a-pandemia-
traria-para-a-minha-pesquisa/ acesso em 25/07/22).
31
Portaria da Reitoria nº 668 emitida em de 14 de março de 2020, suspendendo imediatamente as atividades
presenciais nos Campi da UNIFESP. Disponível em <
https://www.unifesp.br/images/DCI/Portaria_668_Unifesp > ou pelo site
https://www.unifesp.br/boletins-anteriores/item/4331-comunicado-3-portaria-n-668-suspensao-imediata-de-ativi
dades-letivas-e-de-eventos-com-aglomeracoes > Acesso em 06 jul. 2022.
65
relevância do estudo. Ao longo dos encontros, pudemos refletir também sobre os diversos
aspectos que influenciam a educação básica, em especial, diante do cenário vivido. Por fim,
este espaço cumpriu com o objetivo inicial, sendo de extremamente significativo para a
reflexão conjunta sobre os temas que dialogam com a pesquisa e a formação das graduandas,
como: a representação social da ciência e tecnologia, ciência na educação infantil e anos
iniciais, alfabetização científica nos anos iniciais, entre outros, além de propiciar a
participação das integrantes em eventos científicos para a divulgação dos trabalhos
desenvolvidos.
Destacamos que, em meio ao contexto de não reabertura das escolas públicas
municipais de Guarulhos - SP, buscamos verificar a possibilidade de adequação desta pesquisa
para o contexto remoto, no qual uma atividade foi desenhada pelo grupo para ser
encaminhada pela professora via redes sociais adotadas pela escola para estabelecer o contato
com familiares e crianças. O processo de planejamento, produção dos materiais audiovisuais e
o desdobramento com as crianças e famílias resultou em um trabalho, em forma de relato de
experiência, submetido ao V Congresso Nacional de Formação de Professores e XV
Congresso Estadual Paulista de Formação de Educadores, realizado em novembro de 202132.
Nele, concluímos que houve uma baixíssima participação e devolutiva das interações
propostas, provavelmente por uma série de motivos que envolvem aspectos amplos e
estruturais. Por meio desta experiência, compreendemos que não seria viável adaptar o
objetivo do estudo para o contexto remoto, sendo necessário o retorno presencial das
atividades escolares para a realização da produção de dados.
Compreendemos que todo o processo aqui relatado com o grupo Pibid-JOANINHA,
além de contribuir com a pesquisa em curso, contempla o tripé proposto pela universidade:
Ensino-Pesquisa-Extensão. Os discursos das participantes do grupo, em diferentes momentos
da reunião ou em desabafos pontuais por mensagens, revelam que a experiência de participar
desse coletivo foi fundamental para fortalecer a formação individual e a manutenção do
interesse e esperança de seguir o percurso educativo. Nessa perspectiva, podemos afirmar que
os objetivos dos programas Pibid e JOANINHA foram, ao menos parcialmente, alcançados na
medida em que as participantes estabeleceram um vínculo com a escola de educação básica e
com a universidade, e promoveram atividades de divulgação científica para as crianças
mesmo em contexto remoto. Esse processo foi ainda mais enriquecedor para todos os
32
Título não divulgado por questões éticas. Anais do V CNFP e XV CEPFE, realizado no período de 24 a 26 de
novembro de 2021, com o tema: Educação para o cuidado do do mundo: dimensões científicas, éticas e estéticas
da formação docente. V. 6. São Paulo: UNESP, 2021. Disponível em: <
https://repositorio.unesp.br/handle/11449/234824 > Acesso em 25 jul.2022.
66
As propostas de intervenção foram planejadas para uma turma de estágio II, crianças
entre 5 e 6 anos, de uma escola do município de Guarulhos SP. Cada dia de atividade teve
uma duração máxima aproximada de uma hora e vinte minutos, considerando o momento de
organização do espaço até a finalização. O planejamento das intervenções teve como intuito a
criação de um ambiente favorável à observação de manifestações de interesses das crianças
por temas de C&T. Assim sendo, a etapa de planejar as propostas objetivou potencializar as
interações das crianças em torno das temáticas abordadas ou relacionadas. O produto
decorrente dessa etapa da pesquisa não constitui o foco da análise, entretanto o reconhecemos
como produto desta pesquisa pois a sua produção foi essencial para o processo de conclusão.
Vale destacar que o planejamento das intervenções foi elaborado em parceria com a
professora da turma observada, visto que ela fazia parte do Pibid como supervisora. Como a
etapa de conclusão do planejamento das intervenções ocorreu no primeiro semestre de 2022,
foi possível identificar elementos de interesse da turma para adequar as propostas, além das
contribuições da professora durante todo o processo. A descrição da versão final será
apresentada nos resultados da pesquisa.
Apresentaremos a seguir uma estrutura geral das propostas de intervenção, indicando
as adequações e os motivos para estas, a fim de tornar compreensível os processos adotados.
Destacamos que a proposta planejada inicialmente, conforme apresentada no apêndice C, foi
entregue para a professora da turma e para a gestão escolar com antecedência para que fosse
possível que a equipe tirasse dúvidas e conferisse a adequação das propostas às aprendizagens
dos campos de experiências. Foram definidos como objetivos gerais das intervenções: i)
conhecer o método científico: observar, formular questões, levantar hipóteses, pesquisar,
testar e apresentar respostas; ii) construir novas indagações e hipóteses, a partir de suas
explorações; iii) explorar relação de causa e efeito na interação com o mundo físico
67
Em geral, as crianças possuem interesses e curiosidades por esses ambientes e isso foi
observado ao longo do primeiro semestre. Em meio ao processo de observação,
esporadicamente, as crianças faziam perguntas, brincavam e simulavam explorações nesses
68
ambientes, demonstrando interesse pelo ambiente do fundo do mar, comentários sobre o céu e
a lua, simulavam o movimento de um foguete, entre outros. De modo complementar, esses
ambientes também foram abordados no material didático adotado pela rede municipal de
ensino, o qual é formado por livros de literatura infantil e um caderno de atividades. Assim, a
sequência de intervenções (Apêndice C) foi elaborada com o intuito de criar um contexto em
que temas de C&T pudessem ser abordados de maneira lúdica em diferentes espaços da
escola, buscando proporcionar espaços e situações lúdicas de aprendizagem envolvendo
saberes acerca de ciências e tecnologia, a partir dos quais as crianças foram motivadas a
pensar sobre ambientes específicos e, por meio da imaginação, interação e brincadeiras, criar
estratégias para explorar mais aquele local.
A aplicação das intervenções ocorreu nos meses de agosto e setembro, de maneira que,
a cada encontro, a turma realizou uma etapa do percurso investigativo, contemplando
diferentes ambientes, um por semana. A proposta foi iniciar a exploração pela escola,
explorando o jardim e o entorno dela, passando pelo mar, o céu e o espaço sideral. A ordem
dos ambientes foi definida por uma votação em que a turma pode escolher a partir das
imagens qual ambiente gostariam de conhecer primeiro. Reconhecemos que o tempo foi
relativamente curto para abordar ambientes com características tão distintas. Porém, o intuito
foi criar condições de enriquecer as interações e as produções das crianças em torno dos temas
de interesse, sendo adotado o caminho da diversidade de ambientes, com a finalidade de
compreender se é possível identificar semelhanças e/ou diferenças de interesse e de
identificação das meninas e meninos por temáticas como: exploração espacial, construção de
experimentos e de protótipos etc.
O foco dos momentos de observação durante a produção dos dados da pesquisa foram
as interações da turma, nos diferentes momentos: rodas de conversa, confecção dos recursos e
exploração dos espaços, com o intuito de registrar, por meio de vídeo, fotos e anotações, as
interações das crianças nestas situações. Ou seja, buscamos identificar quais elementos e
procedimentos são (ou não) mobilizados e produzidos pelas crianças: conceitos científicos,
diálogos, perguntas, manifestações de (des)interesse pelo tema, movimentos corporais,
brincadeiras, dinâmicas de grupo ao longo do desenvolvimento das intervenções. O ponto
inicial do processo de cada dia de descoberta foi conversar com o grupo sobre o que
precisamos para conhecer mais sobre um ambiente? A partir das respostas, destacamos que o
nosso corpo possui muitas funções que nos ajudam a descobrir mais, por meio dos sentidos
que nos auxiliam a observar mais e melhor: olhando o nosso entorno, sentindo os cheiros e as
texturas, experimentando alimentos etc. Além desses, a imaginação ocupa um lugar
69
fundamental, uma vez que podemos imaginar, criar, construir e inventar recursos, com o
intuito de nos ajudar no processo de descobertas. Assim, para realizar algumas observações,
necessitamos de algumas ferramentas tecnológicas, inventadas ou (ainda) não, que nos
permitam aumentar o alcance dos nossos sentidos. Em cada etapa do percurso investigativo,
buscamos dialogar com o grupo sobre: o que já sabemos sobre o ambiente/lugar? quem pode
explorar aquele lugar? quem pode ir até esse ambiente? o que precisamos (roupa,
equipamento/ferramenta, máquina, transporte, etc) para explorar este espaço
(real/imaginário)? O que iremos encontrar lá?
Ao longo da realização das atividades e das brincadeiras, as crianças foram
incentivadas a expressar as opiniões sobre os acontecimentos, ideias, hipóteses e
questionamentos, além de contar e explicar as suas produções bem como os significados a
elas atribuídos; expressar os seus sentimentos, informando se gostaram ou não da atividade,
como se sentiram ao descobrir ou realizar as propostas; interagir com o grupo e participar com
autonomia dos processos, exercendo seu livre direito de escolha de materiais e de
participação; explorar de maneira integral (corporalmente) os movimentos e gestos como
forma de se expressar, além dos sons, cores, palavras, texturas, transformações dos recursos
usados. Ao final de cada atividade, as crianças foram convidadas a registrar: “o que
descobrimos hoje?” utilizando materiais variados: papel sulfite colorido, giz de cera, canetas
hidrocor, massa de modelar, palitos de sorvete, entre outros. As produções foram feitas
individual e/ou coletivamente, dependendo dos materiais e do interesse das crianças, sempre
incentivando-as a trocar experiências entre os pares também no momento dos registros. Ao
longo do processo, algumas aprendizagens foram desenvolvidas como: “Observar, interagir e
descrever os fenômenos e os elementos da natureza (luz solar, vento, chuva, água, ar, solo
etc.)” (GUARULHOS, 2019, p. 36); “Percorrer e narrar trajetos observando pontos de
referência em seu percurso. (QSN, 2019, p. 38)”; e representar por meio de diversas
linguagens objetos bidimensionais e tridimensionais; entre outras. O produto desse processo
será apresentado, com as devidas adaptações realizadas, no capítulo de análise dos resultados.
Apesar da estrutura inicial ter sido construída com a supervisão da professora, foi essencial
realizar a etapa de inserção no campo.
Para o levantamento das informações sobre a escola e o seu entorno, foram utilizadas:
a) as anotações de caderno de campo, a partir das observações da pesquisadora ao longo das
70
configuração, a escola não estabelece nenhuma relação de parceria com as empresas, segundo
a gestão da escola, conforme prática observada, pela pesquisadora, em outras escolas do
município, estreitando parceria entre os setores público e privado. O bairro possui ampla
variedade de estabelecimentos comerciais: supermercados, farmácias, padarias, lojas de
produtos diversos como roupas, produtos eletrônicos, além de academias, igrejas, entre
outros. As ruas são pavimentadas e contam com um fluxo intenso de caminhões devido às
duas avenidas principais que interligam o bairro às rodovias, assim como de transportes
públicos. É possível identificar que o desenvolvimento do comércio local na região atende
tanto a demanda populacional gerada pelas indústrias, quanto pelos moradores, distribuídos
em casas de alvenaria, além de condomínios particulares e populares. A região em que a
escola está inserida possui aparelhos de saúde, como hospital municipal e unidade de Pronto
Atendimento, e outras escolas municipais - rede própria e conveniada, estaduais e
particulares, atendendo diferentes etapas e modalidades de ensino, educação infantil, ensino
fundamental (EF) e Educação de Jovens e Adultos (EJA). Em relação aos espaços de lazer,
não há praças públicas nas proximidades da unidade escolar. Porém, há dois espaços
municipais denominados como Centro Educacional Unificado (CEU), que são utilizados para
lazer, onde é possível realizar algumas atividades extraescolares, além da presença de dois
parques públicos e um shopping center, ambos localizados a uma distância relativamente
pequena.
A escolha da unidade escolar de educação infantil em que ocorreu a produção dos
dados deu-se por três critérios principais: I) ser uma escola municipal da prefeitura de
Guarulhos que aceitou a realização da pesquisa em um contexto incerto de pandemia; II)
pertencer ao quadro de escolas comprometidas em receber os residentes do curso de
Pedagogia da UNIFESP; e III) contar com a experiência de uma professora como supervisora
do Pibid ao longo de anos. Consideramos que o contato prévio entre universidade e escola
poderia facilitar o processo de aceitação de pessoas externas ao contexto escolar, pesquisadora
e bolsistas do Pibid. Tal preocupação intensificou-se devido à realização da pesquisa ocorrer
após um longo processo de retomada das atividades presenciais, no qual o limite de pessoas
em um mesmo espaço permaneceu restrito por um tempo. Os fatores elencados acima foram
considerados essenciais diante do contexto incerto de pandemia em que ocorreria a produção
dos dados, que poderia exigir, novamente, restrições de circulação no espaço escolar. Em
relação à estrutura física, a escola foi fundada em 2005, a partir de uma política de expansão
da rede de ensino do município, realizada pela gestão do governo do Partido dos
Trabalhadores (PT) durante o processo de municipalização do ensino fundamental I -
72
37
Lei nº 14284 de 14/12/2021 que institui o Programa denominado Auxílio Brasil. Disponível em:
https://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:lei:2021-12-29;14284 . Acesso em fev. 2023.
38
Medida Provisória nº 1164 de 02/03/2023, com força de lei, que institui o Programa Bolsa Família novamente
devido ao novo presidente eleito em 2023. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/mpv/mpv1164.htm Acesso em fev. 2023.
73
acordo com a pesquisa realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança
Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN)39.
Não pretendemos propor que sejam programas similares e, embora não seja o foco da
pesquisa, reconhecemos que muitas famílias e crianças foram afetadas por terem a sua renda
reduzida, para além de outros possíveis benefícios atrelados ao Bolso Família. Segundo o
membro da equipe gestora entrevistado, a diferença no número de famílias atualmente
atendidas pelo programa pode ser resultado de inúmeros fatores complexos impostos pela
alteração repentina do programa anterior, que possuía inúmeras ações complementares que
vinculavam um conjunto de políticas públicas para a população mais necessitada
economicamente. Ou seja, inúmeras famílias podem ter perdido o direito ao benefício por
conta das novas regras estabelecidas. Apesar disso, de maneira geral, a unidade escolar não
aparenta atender crianças em situação visível de extrema pobreza, ou em situação de extrema
vulnerabilidade alimentar. Muitas crianças utilizam transporte escolar privado para ir à escola,
incluindo coletivos, e, apenas três crianças da unidade utilizam transporte escolar público,
oferecido pela Secretaria Municipal de Educação (SME) devido à distância de suas
residências em relação à escola. São atendidas na unidade, crianças de três bairros vizinhos e
um mais distante, cujo caráter industrial é ainda mais acentuado e não possui estrutura para
atender a demanda escolar gerada pelo crescimento populacional desenfreado. De acordo com
relatos dos membros da equipe escolar, nos últimos anos houve um crescimento de famílias
migrantes, predominantemente dos países: Venezuela, Bolívia, Haiti e Cuba.
Segundo a equipe gestora, uma das consequências direta do contexto da pandemia foi
o aumento na rotatividade de matrículas de crianças de forma significativa, mesmo após a
retomada de atividades presenciais, desde o ano de 2021, conforme decreto estadual40. Esta é
uma das preocupações por conta de não ser possível acompanhar de maneira mais efetiva e
contribuir para o desenvolvimento das crianças. O número de evasão escolar após a pandemia
cresceu e tem sido objeto de debates, no âmbito local e municipal, buscando encontrar
soluções para reverter esse cenário. Outro fator que diferenciou o ambiente escolar
mencionado pelo entrevistado, após a retomada das atividades presenciais, foi um aumento
significativo de crianças com comportamentos associados às síndromes e deficiências. Esta
observação foi identificada por muitas outras escolas do município, gerando um aumento
39
Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Covid-19 no Brasil. Disponível em:
https://olheparaafome.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Relatorio-II-VIGISAN-2022.pdf . Acesso em fev.
2023.
40
Decreto nº 65849 de 06/07/2021, publicado em Diário Oficial em 07/07/2021, dispõe sobre a retomada das
aulas presenciais no contexto da pandemia de COVID-19 e institui o Sistema de Informação e Monitoramento da
Educação para COVID-19. Disponível em < https://www.al.sp.gov.br/norma/199000 > Acesso em 25 jul.2022.
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acentuado de solicitações por estagiárias, na secretaria de Educação, uma vez que elas
auxiliam no acompanhamento de crianças com deficiência.
O Projeto Político Pedagógico (PPP) da unidade estava em processo de reelaboração,
pela equipe e comunidade escolar, a fim de atualizar a primeira versão elaborada em 2014.
Este é um movimento solicitado para todas as escolas da rede municipal, a fim de atualizar o
documento que revela o projeto desenvolvido na instituição. Em 2022, havia 768 crianças
matriculadas na escola, distribuídas em 217 na creche - crianças com até 4 anos, e 551 na
etapa da pré-escola - crianças entre 4 e 5 anos, conforme quadro abaixo. Não havia dados
específicos quanto aos marcadores de gênero, raça e etnias das crianças disponíveis no PPP ou
em sites da prefeitura.
Berçário I 3 60
Manhã: 7h - 12h
CRECHE Tarde: 13h - 18h Berçário II 3 73
Integral: 07h - 17h
Maternal 3 84
TOTAL 29 768
Fonte: Planejamento escolar anual: mapa de turmas da EPG de 2022.
A produção dos dados ocorreu com uma turma formada entre 30 e 33 crianças, uma
vez que a rotatividade de crianças ao longo do ano é alterada pelas mudanças de horários e
turmas para melhor atender as necessidades dos familiares e crianças. Apesar das orientações
do Referencial Curricular, volume 2, o número de crianças por turma de estágio II, entre 5 e 6
anos, no município de Guarulhos pode chegar a 35 por turma. Embora, o artigo 16 da Portaria
nº 65 de 201841 que dispõe sobre o atendimento das creches e pré-escolas do município,
estabelecer a quantidade máxima de 30 crianças por turma de pré-escola (Estágios I e II), o
artigo seguinte estabelece que diante a uma demanda excessiva o departamento responsável
pode alterar a quantidade máxima de atendimentos por classe.
Em relação a estrutura física da unidade, na parte externa possui um parque com
grama sintética contendo diversos brinquedos e uma casinha de alvenaria, uma arena e um
quiosque. Os muros e as paredes da escola, na parte externa e interna, são coloridos com
desenhos que remetem ao nome da patrona da escola, fazendo referência também ao universo
infantil. Há desenhos de formas geométricas, animais, palavras, personagens, alimentos, seres
da natureza, entre outros. As portas das salas de aula são igualmente coloridas e cada uma
possui um animal desenhado, já as demais portas estão pintadas com uma cor única. O prédio
é constituído por um piso único, térreo, dividido em 3 corredores largos conectados entre si,
conforme imagem abaixo (figura 5), dois deles formados por salas de aula e um com o
refeitório, cozinha e secretaria. O espaço possui 10 salas de aula propriamente, e uma sala
projetada para ser de vídeo, utilizada como sala de aula devido ao aumento da demanda de
atendimento da creche, conforme orientação da SME, de acordo com a equipe gestora. Há
uma cozinha e um refeitório com mesas coloridas, além dos banheiros divididos para meninos
e meninas, devidamente identificados pelo desenho das portas. A escola possui materiais para
uso com as crianças, brinquedos variados, jogos, livros infantis etc. Não há computadores
para o uso de professores, seja para pesquisa em horários formativos ou para atividades de
pesquisa com as crianças. Há apenas uma televisão e uma caixa de som para ser utilizada pela
escola, uma vez que outros televisores foram furtados, conforme relatado pela equipe.
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Portaria 65/2018 da Secretaria da Educação, Cultura, Esporte e Lazer que dispõe sobre o
atendimento nas creches da rede municipal de ensino, páginas 22 e 23. Disponível em:
https://www.guarulhos.sp.gov.br/uploads/pdf/1004690297.pdf. Acesso em 19 ago.2022.
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De modo geral, a escola é bem colorida, com boa iluminação e ventilação natural,
além de apresentar estado conservado de grande parte dos equipamentos. A rotina escolar é
dinâmica por ser uma unidade que atende em períodos diversos os estágios e a creche,
havendo constantemente uma movimentação no espaço escolar.
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Embora a produção dos dados tenha iniciado apenas em fevereiro de 2022, o contato
com a unidade escolar deu-se em setembro de 2021, via e-mail, com a gestão, apresentando o
interesse em realizar a pesquisa e solicitando a autorização. A autorização para realização da
pesquisa pela equipe gestora ocorreu após algumas conversas, via telefone, para explicar mais
sobre os objetivos e o processo de produção dos dados. Uma semana antes de iniciar as
atividades escolares do ano letivo de 2022, entramos em contato com a diretora da unidade
escolar para relembrar o início da pesquisa e verificar a possibilidade de participar da primeira
reunião entre professores e familiares. O início da atividade em campo deu-se, então,
efetivamente, no dia desta reunião, em fevereiro de 2022. O contato com a professora da
turma já havia sido estabelecido devido ao fato dela ser uma das supervisoras do Pibid, e
acompanhar todos os encontros do Pibid, de 2020 a 2022, além de ser integrante do mesmo
grupo de pesquisa da autora. A professora possui formação em Magistério, graduação em
Licenciatura em Ciências da Natureza e Pedagogia, e Mestrado em Ensino de Ciências e
Matemática. Mediante autorização da gestão escolar, solicitamos também a autorização da
professora para participar da primeira reunião com os familiares das crianças.
O contato com as famílias foi feito a partir do primeiro dia letivo do ano, na primeira
reunião. Após apresentação para os familiares com explicação dos tópicos a serem abordados
na reunião, a professora explicou o seu papel enquanto supervisora do Pibid e a dinâmica de
atividades com estagiárias e bolsistas do mesmo programa, que ocorre frequentemente com a
turma de crianças que ela é responsável. Em seguida, apresentou brevemente a importância do
Pibid e de pesquisas na área da Educação envolvendo crianças no contexto escolar,
exemplificando com a nossa proposta de pesquisa. Ao final da reunião, fui convidada a me
apresentar e falar brevemente sobre a pesquisa para os familiares e, em seguida, entregar o
Registro de Consentimento Livre e Esclarecido (RCLE), conforme modelo disponibilizado no
apêndice (A). A professora leu, em voz alta, o termo e permitiu que os familiares tirassem as
dúvidas, além de autorizar a entrega em outra data, para que os familiares pudessem ler com
calma em casa e decidir. Muitas famílias optaram por levar o termo para casa e devolveram o
documento ao longo dos dias seguintes. Algumas pessoas tiraram dúvidas e assinaram o
termo naquele momento. Foi explicado que, enquanto parte das atividades do planejamento da
professora da turma, as atividades seriam realizadas por todos os alunos presentes em aula.
Entretanto, os dados coletados seriam, apenas, os feitos com as crianças que aceitassem
participar, mediante a autorização prévia do responsável.
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O contato com as crianças foi feito na primeira semana de aula, momento em que pude
me apresentar e pedir autorização para permanecer no espaço da sala com eles. Para as
crianças autorizadas a participarem da pesquisa, pelos familiares, foi possível solicitar
individualmente, conforme descrito o modelo do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido
(TALE) disponibilizado no apêndice (B). Após receber o RCLE assinado pelos familiares, foi
possível realizar a leitura do TALE para as crianças autorizadas a participar da pesquisa,
realizando o registro por meio de gravações de vídeo. Também foi solicitado que cada criança
fizesse a escolha pelo nome pelo qual ela gostaria de ser identificada na pesquisa, respeitando
o sigilo previsto pelo CEP. A maioria das crianças optaram por serem identificadas por
personagens de animação.
Vale lembrar que a atividade de campo foi dividida em duas etapas: o primeiro
semestre consistiu a observação participante, para acompanhar, em período integral de aula, a
dinâmica da turma, com visitas ocorrendo de uma a duas vezes por semana em dias
alternados. O segundo semestre contou com a aplicação das atividades, previamente
planejadas para a pesquisa, ao longo do mês de agosto, setembro e outubro, as quais foram
realizadas em dois dias por semana, com duração aproximada de noventa minutos cada
intervenção. Mesmo em dias de aplicação de atividade, a observação da turma foi feita em
período integral de aula, desde a chegada até a saída de todos.
A rotina escolar é organizada por um cronograma semanal que prevê a realização de
atividades em diferentes espaços para cada turma. Por isso as professoras precisavam seguir o
planejamento para que todas as turmas pudessem frequentar o parque, quiosque e arena.
Apenas o corredor ao lado do parque poderia ser utilizado de maneira livre, desde que não
concomitante aos horários de entrada e saída das turmas. Em relação aos horários fixos
diários, a turma observada tomava café da manhã dez minutos após a chegada na escola,
almoçava às 09:35h, com 20 minutos cada refeição. O horário de saída iniciava às 10:45h,
com a saída primeiramente das crianças que usavam transporte escolar - público ou privado -
seguido daqueles que aguardavam os familiares. Enquanto as crianças aguardavam a saída, na
própria sala de aula, uma funcionária passava organizando e limpando o espaço para a turma
seguinte, que iniciava às 11 horas. Assim que as crianças chegavam na sala de aula, eram
orientadas a deixar a agenda na mesa da professora, bem como guardar a mochila no canto da
sala ou perdurar na respectiva cadeira. A atividade “principal” do dia, em geral, era realizada
no intervalo entre o café e o almoço, sendo exatamente nesse período em que realizamos a
aplicação das intervenções. Ao longo dos dias, foi possível identificar cada vez mais o quanto
as crianças perguntavam ou solicitavam atividades, ou lição, referindo-se a momentos em que
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eles precisam registrar algo no caderno, folha ou outro material. Outra atividade
frequentemente solicitada era ir ao parque ou brincar com massa de modelar, a “massinha”
como eles denominam.
A sexta-feira era considerada como o “dia de brinquedo” e a maioria das crianças
levavam algum brinquedo de casa para compartilhar e ou apresentar para os colegas da turma.
Esta é uma prática muito frequente nas escolas do município de Guarulhos e costuma ser um
dia muito especial para as crianças. Aquelas que não levam algum brinquedo podem pegar os
brinquedos disponibilizados pela professora, permitindo com que todos pudessem brincar,
compartilhar ao longo do dia. Mesmo sendo um dia destinado a atividades livres, em geral
usando os brinquedos, parte significativa da turma solicitava folhas e canetas e lápis colorido
para que pudessem desenhar, pintar, elaborar jogos etc.
Conhecer a rotina da turma foi fundamental para a organização dos dias de aplicação
das intervenções, uma vez que foi possível observar e identificar os dias mais adequados para
propor as atividades dirigidas, sem interferir nas atividades que as crianças mais gostavam e
aguardavam ansiosas para participar, como o dia dos brinquedos. Sendo assim, ao final do
primeiro semestre decidimos, com a professora da turma, que as intervenções ocorreriam às
terças e quintas-feiras, evitando ocupar os dias de ida ao parque e o dia de brinquedo da
turma. As exceções, em que foi necessário realizar atividade no dia concomitante ao parque e
dia do brinquedo, atentamo-nos para que fossem propostas realizadas em intervalos menores,
de maneira que não impedissem que elas fizessem o que tanto aguardavam ao longo da
semana.
Ao longo das observações realizadas a partir do registro da rotina das crianças, foi
possível observar o quanto eles demonstraram interesse espontâneo por temas de ciência
como fundo do mar, foguetes, céu, entre muitos outros. Estes foram considerados no processo
de reelaboração das propostas de intervenção, partindo do planejamento feito pelo grupo
Pibid-JOANINHA, permitindo com que os interesses das crianças fossem retomados e
aprofundados nas propostas. Parte dos produtos decorrentes das propostas desenvolvidas foi
enviada para um evento externo à escola, denominado Expo Criatividade, e após a seleção
pelo comitê organizador, foi possível realizar uma visita com a turma a uma feira criativa, em
outubro do mesmo ano. Nela foram expostos produtos de projetos desenvolvidos por diversos
estudantes da rede municipal, sendo um deles o trabalho realizado pela própria turma. Assim,
entendemos que a devolutiva para as crianças foi realizada em dois momentos distintos, em
setembro e outubro, sendo respectivamente na escola, contemplando os registros das
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intervenções coletivamente, por meio de fotos e trechos de vídeos, bem como a visita à feira,
em que eles puderam apreciar parte das suas produções.
Figura 7 – Devolutivas: apresentação das fotos das atividades e visita ao evento externo
A visita ao evento externo (figura à direita) contou com a participação das ex-bolsistas
do Pibid, de maneira voluntária, que participaram da etapa de aplicação de intervenções, e de
familiares, podendo ser caracterizada como uma devolutiva não apenas para as crianças, mas
para todos que participaram do processo. Ainda assim, foi realizada uma devolutiva para as
famílias, que ocorreu na escola em doze de dezembro do mesmo ano, na data destinada à
última reunião para finalizar o ano e apresentar a exposição de projetos realizados pela turma.
Neste dia, foram apresentadas todas as produções da turma no contexto das intervenções
realizadas na pesquisa, além de fotos e descrição resumida dos processos. Devido à limitação
de tempo e espaço, não foi possível apresentar trechos de vídeos. Também foi possível
realizar uma conversa com os familiares para apresentar as próximas etapas da pesquisa e
explicar brevemente o motivo pelo qual foram apresentados apenas resultados parciais sobre
os dados, uma vez que o tempo de conclusão da pesquisa não é concomitante ao ano letivo
escolar. Devido a turma estar no último ano da etapa de educação infantil e a escola atender
fundamentalmente essa etapa de ensino, muitas crianças não frequentarão mais esta unidade
escolar no momento que a pesquisa for concluída, dificultando o contato a longo prazo.
Entretanto, foi reforçado o interesse em convidar as famílias para acompanhar a defesa desta
ou mesmo apresentar o resultado na escola e convidá-los. Esse encontro foi muito
significativo por permitir tirar dúvidas sobre os processos realizados para chegarmos aos
produtos expostos, além de elucidar, brevemente, as etapas que constituem uma pesquisa
81
Ao todo, foram realizadas 107 horas de atividades com a turma, sendo 36 horas de
observação-participante no primeiro semestre, 36 horas de aplicação das intervenções
didáticas entre agosto e setembro, 11 horas de atividades envolvendo diretamente as famílias
no primeiro e segundo semestre, além de interação indireta com as famílias ao longo das
intervenções. Algumas atividades complementares foram realizadas pontualmente apenas com
a presença da professora da turma, totalizando mais 4 dias que as temáticas foram abordadas
com a turma em uma das atividades do dia por meio de registros em desenhos, apresentação
de animação, votação dos espaços a serem explorados.
representações sociais das crianças, buscando compreender como se constitui o seu mundo
cultural e qual o lugar social que a infância ocupa na escola” (QUINTEIRO, 2009, p. 40).
Por isso, ao longo de todo o percurso metodológico, em especial o inicial, de
observação da turma, buscamos estabelecer uma aproximação de maneira mais horizontal
possível com as crianças, de maneira que elas se sentissem mais à vontade com a presença de
uma pessoa externa ao espaço. Essa estratégia de aproximação pode ser identificada enquanto
um recurso metodológico que respeita os diversos níveis de interação estabelecidos por cada
sujeito. Desde os primeiros dias, algumas crianças demonstraram maior interesse pela minha
presença, de maneira mais imediata, solicitando com frequência a minha presença na mesa
delas, além de cobrarem que eu as visitasse mais vezes na escola. Assim, entendemos que
uma parte da turma considerava que uma visita por semana era pouco. Participar das
brincadeiras e jogos propostos pela e para a turma também contribuiu para esse processo de
aproximação, permitindo com que a relação entre pesquisadora-adulta com as crianças fosse
se constituindo de maneira mais horizontal.
O processo de socialização na escola, abordado por Müller (2008), contribui para
perceber a complexidade das relações e trocas inter e intrageracionais que se configuram por
meio das amizades, lutas por poder e negociações. Para a autora, a busca por uma pesquisa
que toma como base a centralidade das crianças, deve permitir com que elas possam se
expressar de maneira ativa a partir dos seus interesses, desejos e sentimentos. Desse modo, é
fundamental uma combinação de métodos distintos para a realização da pesquisa,
possibilitando que as crianças se expressassem por meio de diferentes linguagens. Como
exemplo desse processo, descrevemos o registro do caderno de campo, realizado em quatorze
de março, durante uma atividade livre com bambolês e cordas no corredor de acesso ao prédio
da escola, conforme as imagens abaixo (figuras 10 e 11) em que as crianças puderam explorar
os materiais livremente de diversas formas. Em meio a esse processo, as crianças me
incluíram na brincadeira quando, ao me abaixar para pegar uma corda caída no chão,
aparentando atrapalhar a brincadeira, algumas crianças aproveitaram para me “prender”,
colocando vários bambolês em mim, enquanto riam entre os pares comemorando a conquista.
83
estavam usando, para colocar em mim. A primeira criança a colocar um enfeite em mim foi
uma das alunas novas, a Frozen42. Sem dizer uma palavra, ela se aproxima e cola com uma
fita um crachá com o nome dela na minha blusa. Em seguida, algumas outras crianças me
questionam sobre o que é aquilo, e eu explico que foi a Frozen que me deu. Aos poucos, outra
criança traz um crachá para mim, com nomes e desenhos, em seguida passo a ganhar pulseiras
de papel crepom e fita adesiva colorida, ao final do dia recebo dois anéis de fita adesiva
colorida, um em cada mão, dado por crianças distintas. Em outro momento, recebo uma coroa
de peças de monta-monta e, ao ser colocada em minha cabeça, pergunto se a criança gostou e
quer tirar uma foto. Ela afirma que sim e pega o meu celular, se afasta de mim, registra a
imagem abaixo e retorna para me devolver, dizendo que sou uma rainha, e uma princesa.
Figura 11 – Registro feito pela criança que me deu uma coroa de peças de montar.
Entre as interações, que aos poucos foram sendo estabelecidas com a turma, foi
possível notar que as crianças dificilmente solicitam alguma permissão para realizar a ação
que desejam, sendo necessário por vezes negociar com algumas delas para estabelecer alguns
pontos em comum. Em outras situações, é possível perceber o quanto elas se comunicam
entre si de maneira fluida, a partir da observação dos pares. A observação permitiu identificar
quais práticas as crianças costumam realizar de maneira espontânea, como desenhar na lousa.
Em geral, uma criança inicia e as demais se dirigem aos poucos, ao perceberem o que os
colegas estão fazendo. Ou, ainda, quando a professora convida uma delas para escrever algo
na lousa: o nome, uma palavra específica da leitura realizada, ou apenas para desenharem
42
Nome escolhido pela aluna após autorização de participação dada pela família e a própria criança.
86
Como exemplo, na imagem (figura 16) abaixo, a aluna está desenhando de maneira
espontânea o gravador de áudio em seu caderno. Ela demonstra interesse por realizar registros
e é uma das crianças que sempre pega a caneta da pesquisadora para desenhar no caderno de
campo, no entorno das anotações. Na segunda (figura 17), é possível notar que as crianças
passam a brincar com o equipamento, revezando os papéis de gravar e de atuar – em frente à
câmera, demonstrando interesse e familiaridade com o equipamento. Esse mesmo movimento
foi observado por dois meninos em outro momento desse dia. Na terceira imagem (figura 18),
um grupo de crianças se aproxima da câmera e realiza um revezamento para observar a tela
em que é possível enxergar o que está sendo registrado, em um segundo dia de teste dos
equipamentos.
87
Entretanto, destacamos que a etapa subsequente foi planejada com o intuito de buscar
compreender como se dão as interações das crianças em torno das temáticas propostas.
89
6 RESULTADOS
43
Acesso ao conjunto de dados coletados na aplicação das intervenções. Disponível em
https://drive.google.com/drive/folders/1u0o9LgTUvaA7uzJ-i4xDiROTkrZOP5En?usp=share_link .
Acesso em Abr. 2023.
90
mar como resposta. A primeira intervenção, com o tema terra-escola, foi realizada antes da
votação, estrategicamente, para que realizássemos uma espécie de apresentação de como as
atividades ocorreriam, possibilitando um espaço de diálogo com a turma acerca da dinâmica
estabelecida para as demais intervenções. A escolha dos ambientes foi uma etapa importante
de interação e levantamento de saberes e interesses das crianças sobre cada ambiente. Assim,
será apresentada, brevemente, a estrutura geral de cada intervenção, seguida de um esboço de
análise da terceira semana, abordando especificamente o espaço, a partir do contexto da
exploração espacial.
Destacamos que as atividades identificadas como extra foram planejadas a partir da
decisão, em comum acordo, entre a professora e a pesquisadora sobre a importância de dar
continuidade ao processo de exploração com as crianças sobre o tema abordado, considerando
dois aspectos principais: i) o interesse da turma pelo tema abordado na intervenção, e ii) a não
sobrecarga de atividades no dia planejado. Estas foram realizadas unicamente pela professora,
sendo o produto registrado por fotos posteriormente, no caso de desenhos, ou por
videogravação da professora durante o processo de realização dos diálogos, que foram
enviados para a pesquisadora. Essa parceria estabelecida evidencia a importância de definir
uma conexão prévia entre a pesquisadora e a professora.
Após a etapa inicial da conversa, algumas crianças mencionaram alguns objetos que
poderiam ser usados para auxiliar. No momento que fizeram referências à lupa, apresentamos
o recurso e perguntamos: Vocês conhecem esse objeto? Onde viram/usaram? Quem estava
usando? para que ela serve? Uma menina responde demonstrando como usa a lupa
representando alguém procurando algo, e diz “é o espião”.
44
Optamos por nomear algumas intervenções com as falas que das crianças sobre algum dos
elementos da atividade. Neste caso, a Mulher Maravilha 2 identificou a lupa como sendo “o espião”.
45
Programa municipal que tem como princípio democratizar o acesso ao livro e à leitura, conforme apresentado
no Memorando Circular nº 27/2022. Disponível em:
https://portaleducacao.guarulhos.sp.gov.br/siseduc/portal/exibir/arquivo/10078/inline/. Acesso em Mar. 2023.
92
Após uma etapa de exploração do material, convidamos a turma para ir até o local
mencionado por elas para observar as folhas. Como de costume, quando questionados se
queriam realizar a atividade na parte externa à sala de aula, todos demonstraram interesse em
nos acompanhar até o espaço da arena, que tem um jardim em volta. Algumas crianças
passaram a denominar a lupa como “o espião” e seguiram explorando diferentes elementos
encontrados no ambiente externo na escola.
Após a visita e o momento de explorar o jardim com a lupa, conversamos sobre como
foi ir ao jardim, e se a lupa os ajudou a descobrir algo. Em seguida, convidamos a turma para
registrar as descobertas do dia. Após a escolha da cor do sulfite, elas desenharam o que
descobriram no dia enquanto permaneciam brincando com a lupa.
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A mesma imagem apresentada no suporte digital foi impressa para que cada criança
pudesse visualizar individualmente, identificar diferentes pontos, escrever e desenhar
conforme o seu interesse. Em seguida, conversamos sobre Será que nós podemos criar o
nosso mapa? quais materiais podemos usar? O registro foi feito coletivamente, em papel , de
maneira com que as crianças produzissem conjuntamente.
95
Algumas crianças optaram por desenhar outros elementos, enquanto outras preferiram
brincar livremente com os blocos. Outras encontraram a lupa em uma caixa no armário da
professora e optaram por permanecer brincando com o recurso. Ao longo do processo,
algumas crianças se sentiram interessadas em produzir o registro e passaram a realizar a
proposta de registro.
Semana intermediária
A escolha dos próximos ambientes foi realizada em duas etapas distintas devido ao
primeiro dia ter contemplado poucas crianças, provavelmente devido ao clima de baixa
temperatura e muita chuva, ocasionando uma maior ausência das crianças. A continuação do
processo de escolha do ambiente, que as crianças gostariam de conhecer, foi feita pela
professora da turma, na semana seguinte, em uma data que a pesquisadora não estava
presente, por conta de ter contraído Covid-19.
47
Imagens usadas na semana intermediária, entre a primeira e segunda, para realizar a votação de qual ambiente
as crianças gostariam de explorar primeiro. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1QfgciZQnNBbWHWQt60uH0FOUkR7Elefj/view?usp=share_link
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A intervenção foi iniciada com a retomada da votação da turma pela votação dos
ambientes a serem explorados. A professora perguntou qual seria o próximo lugar a ser
explorado e as crianças apontaram que seria o mar. Algumas crianças destacam terem votado
no mar, enquanto outras reforçam que votaram no céu ou no espaço. Em seguida, a professora
pergunta o que podemos encontrar no fundo do mar, e rapidamente as crianças passam a
levantar a mão e responder: peixes, peixes dourados, tubarão, terra, água viva, tesouro, entre
outros. Em seguida, perguntamos como é possível descobrir tantas coisas que tem lá no fundo
do mar, e a turma responde que é “mergulhando”, “nadando”, “pulando dentro da água”. Ao
serem questionados se há algum outro jeito de chegar lá, um dos meninos levanta a mão e
responde: “Sim, Submarino!”. A conversa segue com outras questões sendo levantadas pelas
crianças acerca da situação de visitar o fundo do mar, como, não poder comer nesse espaço,
etc. Em seguida, convidamos a turma a observar um conjunto de imagens que representam
diferentes elementos que vivem ou podem permanecer no fundo do mar48 com o intuito de
incentivar ainda mais o levantamento de questões sobre esse ambiente. O objetivo da proposta
48
Imagens usadas na Semana 2, dia 1, para explorar o fundo do mar. Disponível em:
https://drive.google.com/file/d/1gCt4dn0KMk7OqvXfZJYiNzUg58bpJdNz/view?usp=share_link
98
foi propiciar um espaço para imaginar, criar e narrar acontecimentos, cenários e personagens
de fatos e histórias vinculados ao contexto explorado, bem como expressar por meio de
diferentes linguagens.
Após um período fora da sala, as crianças retornaram com os crachás para explorar o
“fundo do mar”, preparado com diferentes materiais, imagens, desenhos, recortes de papel,
um simulador de submarino, e a projeção do fundo do mar na parede com o som ambiente de
água. Assim que as crianças viram o cenário, passaram a interagir com o espaço, explorar os
elementos, e brincar imaginando o fundo do mar.
49
Expressões criadas, respectivamente, pelo Pescador de Caranguejo e a Frozen, ambas no momento
de apresentar os desenhos produzidos.
101
chover, e ter uma pia que possibilitou usar a água para a confecção do protótipo. Durante o
processo de construção, as crianças levantaram hipóteses, testaram, relataram os
acontecimentos e processos realizados, ajudaram o colega na confecção. Como todo
experimento, alguns necessitam ser refeitos para que fosse possível observar o movimento do
material que simulava o submarino.
A atividade extra foi feita por interesse da professora em dialogar com as crianças
sobre as intervenções da semana. Por isso, foi realizada em um dia que apenas ela estava na
sala de aula com a turma, ocorrendo um dia após a atividade de confecção do protótipo de
submarino. Conforme relatado por ela, após uma roda de conversa, em que a turma relembrou
as intervenções sobre o fundo do mar e da construção do submarino, as crianças foram
convidadas a desenharem como foi feito o submarino, solicitando que eles registrassem em
um caderno de desenho. Ela escreveu na lousa o ambiente sobre o qual eles estavam
conversando, fundo do mar, e algumas crianças registraram no caderno, junto ao desenho.
Muitas crianças desenharam peixes, tubarões, piranha, submarinos, caçadores e sereias, entre
outros elementos, conforme imagens abaixo (figura 35) abaixo.
103
Figura 29 – Registros sobre o fundo do mar por duas meninas (em cima) e dois meninos (embaixo)
Essa proposta foi adaptada com base em ações realizadas anteriormente com grupos
50
Fala da Ariel ao participar da roda de conversa sobre a história da astronauta Mae C. Jemison.
104
Após a contação da história, houve uma roda de conversa sobre temas relacionados ao
contexto da narrativa, tendo como questões norteadoras: Vocês conhecem algum astronauta?
Onde você viu ele/a? Como era esse/a astronauta? O que um/a astronauta faz? Como
chegamos até a lua? Quem pode ir ao espaço? Durante a roda de conversa, as crianças
também foram incentivadas a interagirem com a personagem, realizando perguntas para a
Mae sobre a história de vida dela e demais dúvidas sobre a viagem ao espaço.
105
Cada criança recebeu um quarto de folha de sulfite para desenhar o que pretendia levar
para o espaço, em seguida foram orientados a enrolar e dobrar o papel, formando um cilindro
fino com um ponta em um dos lados. Parte da turma descobriu como realizar o lançamento do
foguete antes mesmo de ser explicado, e diversas crianças passaram a soprar o canudo dentro
da sala.
106
Assim que todos finalizaram, as crianças foram levadas para um espaço aberto para
brincar com os foguetes e explorar as diferentes maneiras de lançamento.
O planejamento previa uma etapa que não foi possível realizar na intervenção do dia
anterior. Por isso, sugerimos que as crianças assistissem uma animação que aborda uma
viagem espacial, com o episódio “Marte, aí vamos nós!” dos Backyardigans, desenho, em
geral, conhecido pelas crianças.
107
aspectos serão contemplados na etapa de pré-análise dos dados. Ao final dessa intervenção,
uma menina pergunta: a próxima vai ser o céu, né?
eles produziam, passamos pelas mesas auxiliando no processo de corte e colagem, caso
solicitado pela criança, além de dialogar sobre as produções. Ao serem questionados sobre
onde poderíamos usar aqueles materiais para observar o céu, algumas crianças foram até a
janela dizendo que seria possível observar daquela posição da sala.
Figura 41 – Confecção do binóculo ou luneta e crianças testando o recurso observando pela janela
Durante a confecção e a observação do céu, um dos meninos pediu para ficar com a
Mae, enquanto realizava a atividade proposta.
112
explorar o céu hoje novamente? A turma demonstrou interesse e algumas crianças destacaram
que permaneceram com o recurso confeccionado na intervenção anterior.
Na arena, a turma fez uma roda e, em seguida, se deitou no chão para observar o céu;
permitir que as crianças falassem sobre o que estavam vendo, procurando analisar se é
semelhante com algo que elas conhecem. Nesse processo dialogamos sobre quais sentidos
usamos para descobrir mais sobre o céu: visão e audição, caso eles falassem sobre elementos
que passam no céu, como aviões ou pássaros. Em seguida, no mesmo espaço, perguntamos
sobre: O que vocês viram no céu? Do que vocês acham que as nuvens são feitas?
03 Extra Votação votação para a turma Vídeos feitos pela prof. S1.Extra
processo de coleta, foram indicados no quadro resumo, porém não foram contabilizados.
Destacamos que, devido ao significativo volume de dados, optamos por organizar o conjunto
dos registros produzidos, a partir de cada dia de intervenção, em um arquivo digital de livre
acesso51, contendo as anotações, imagens, descrição dos vídeos e parte do processo de
transcrição em arquivos específicos, identificados pelos códigos indicados no quadro acima.
Os áudio e vídeos não estão disponíveis nessa pasta por falta de espaço na nuvem. Parte dos
registros realizados na produção dos dados consta no anexo deste relatório (Apêndice D).
Como o processo de análise será realizado após o exame de qualificação, optamos por
apresentar neste subcapítulo alguns episódios que contém elementos registrados a partir da
intervenção da semana três, com a temática espaço. A escolha de apresentar brevemente
alguns dados desse tema se deu por identificarmos uma quantidade maior de interações e
demonstrações de interesse da turma pelos temas de C&T e de gênero, sendo mobilizadas
tanto por questões previamente elaboradas quanto por dúvidas apresentadas pela turma a
partir do contato com o contexto da proposta.
51
Acesso ao conjunto de dados coletados na aplicação das intervenções. Disponível em
https://drive.google.com/drive/folders/1u0o9LgTUvaA7uzJ-i4xDiROTkrZOP5En?usp=share_link .
Acesso em Abr. 2023.
117
Mulher Maravilha, e juntas passam a dizer enfática e repetidamente: “Planeta anão! Planeta
anão”, formando uma espécie de competição entre as duplas.
Ao longo da atividade proposta sobre a astronauta Mae, foi possível observar que
algumas crianças, meninos e meninas, demonstraram interesse em permanecer com a boneca
enquanto realizavam as ações, no espaço da sala de aula, enquanto a turma confeccionou o
foguete e no lançamento dele, realizado na área externa. Ao longo das ações realizadas pelos
grupos, diferentes crianças manipularam a boneca para que ela participasse dos processos,
conversando com os grupos, contribuindo com a pintura dos desenhos que serviriam para
personalizar os foguetes, bem como contribuindo no lançamento deste, conforme apresentado,
respectivamente, na sequência de imagens abaixo (fig. 54).
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Após a etapa de lançar os foguetes de cada grupo, as crianças foram para o parque,
conforme previsto no cronograma das turmas da escola. Nesse momento, algumas crianças
optaram por entregar o foguete ou deixar em algum local, para que pudessem brincar no
parque, como fazem de costume. Assim como as crianças, optamos em deixar o equipamento
usado em um canto do parque, de maneira que não atrapalhasse a turma, para que a
observação da turma continuasse, como de costume. Aos poucos, alguns meninos começaram
119
D) Registros espontâneos
52
Nome fictício definido por cada criança participante.
121
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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