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Phelipe Cardoso

MANUAL DE
DIREITO
PREVIDENCIÁRIO
VOLUME ÚNICO

4a
edição
revista
atualizada
ampliada

2023

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 3 17/04/2023 18:08:55


1
SEGURIDADE SOCIAL

Sumário: 1. Noções gerais – 2. Princípios – 2.1. Princípios da Seguridade Social previstos no


art. 194, parágrafo único, da Constituição – 2.2. Outros princípios da Seguridade Social previstos
na Constituição – 2.3. Princípios da Seguridade Social reconhecidos pela doutrina – Resumo.

1. NOÇÕES GERAIS

De acordo com a Constituição Federal de 1988 (CF/1988), são direitos sociais


a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, bem como
a assistência aos desamparados (art. 6º, CF/1988).
A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-
-estar e a justiça sociais (art. 193, CF/1988).
Dentro do Título VIII, que cuida da ordem social, a Constituição Federal tem
o Capítulo II, que trata especificamente da Seguridade Social (arts. 194 a 204 da
CF/1988). O Capítulo II do Título VIII é dividido em quatro seções, contendo, a
primeira delas, disposições gerais sobre a Seguridade Social, sendo cada uma das
três seguintes dedicadas aos três ramos integrante da Seguridade Social.
A Seguridade Social, como direito social, é um dos instrumentos jurídicos para
concretização do objetivo de alcançar o bem-estar e a justiça sociais.
A Seguridade Social tem por fundamentos a dignidade da pessoa humana,
a solidariedade, a cidadania e os valores sociais do trabalho (art. 1º, II, III e IV,
CF/1988), e se desenvolve em função dos objetivos de construção de uma socieda-
de livre, justa e solidária e de erradicação da pobreza e redução das desigualdades
sociais (art. 3º, I e III, CF/1988).
Assim como os direitos inerentes a cada um dos ramos que a compõem, a
Seguridade Social possui natureza jurídica de direito humano fundamental de se-
gunda geração ou dimensão.

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16 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

Fala-se em direito fundamental porque é um direito humano que está positi-


vado (escrito) e assegurado no texto da Constituição.
Os direitos fundamentais de segunda geração ou dimensão são os direitos de
caráter social, econômico e cultural, caracterizando-se como prestações positivas
proporcionadas pelo Estado (fazer, fornecer), direta ou indiretamente, em favor do
cidadão, como forma de possibilitar melhores condições de vida e realização de
igualdade material (igualização de situações sociais desiguais).
Como definição, “a seguridade social compreende um conjunto integrado de
ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os
direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (art. 194, CF/1988).

Ramos da Seguridade Social

Saúde Assistência social Previdência Social

Note-se que, em seus três ramos, a Seguridade Social não está restrita ao setor
público. Há prestação de serviços de saúde, assistência social e Previdência Social
por meio das iniciativas pública e privada. Como dito, a Seguridade abrange um
conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade.
Quanto à Seguridade Social como um todo (e não os seus ramos individua-
lizados), a competência legislativa é privativa da União (art. 22, XXIII, CF/1988),
sem prejuízo de que lei complementar autorize os estados a legislar sobre questões
específicas em matéria de Seguridade (art. 22, parágrafo único, CF/1988).
O ramo da saúde está previsto nos arts. 196 a 200 da CF. A lei básica de re-
gência desse setor é a Lei nº 8.080/1990, Lei Orgânica da Saúde, que dispõe sobre
as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o
funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas
sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação (art. 196, CF/1988).
A competência legislativa e administrativa para tratar desse assunto é, respectiva-
mente, concorrente (competência legislativa) e comum (competência administrativa)
entre União, estados, Distrito Federal e municípios (art. 23, II; art. art. 24, XII; art.
30, I, II e VII, CF/1988).
Na competência legislativa concorrente, a competência da União para legislar
sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos estados (art. 24,
§ 2º, CF/1988); inexistindo lei federal sobre normas gerais, os estados exercerão
a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades (art. 24, § 3º,
CF/1988); a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia
da lei estadual, no que lhe for contrário (art. 24, § 4º, CF/1988). Na competência
administrativa comum, leis complementares podem fixar normas para a cooperação
entre a União e os estados, o Distrito Federal e os municípios (art. 23, parágrafo
único, CF/1988). Ainda não existem tais leis complementares nas matérias dos ra-
mos da Seguridade Social.

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Cap. 1 • SEGURIDADE SOCIAL 17

O ramo da assistência social está disciplinado nos arts. 203 e 204 da CF/1988. A
lei básica de regência desse setor é a Lei nº 8.742/1993, Lei Orgânica da Assistência
Social, que dispõe sobre a organização da assistência social, e dá outras providências.
Trata-se de direito fundamental e dever do estado de atendimento das neces-
sidades humanas básicas ou essenciais, com o fim de prover os mínimos sociais a
qualquer pessoa que precisar.
Assim como na saúde, a competência legislativa e administrativa para tratar
desse assunto é, respectivamente, concorrente e comum entre União, estados, Distrito
Federal e municípios (art. 23, II, IX e X; art. 24, XIV e XV; art. 30, I e II, CF/1988).
O ramo da Previdência Social está previsto no art. 40 (Regime Próprio de Pre-
vidência Social dos Servidores – RPPS), nos arts. 42, §§ 1º e 2º, e 142, X (Regime
Próprio de Previdência Social dos Militares, que é uma subespécie de Regime Próprio),
no art. 201 (Regime Geral de Previdência Social – RGPS), no art. 202 (Previdência
Complementar), todos da Constituição Federal, além das regras permanentes e de
transição previstas no corpo da EC nº 103/2019 – Reforma da Previdência (bloco
de constitucionalidade).
A legislação infraconstitucional básica é a seguinte:

(i) quanto ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS): Lei nº 8.212/1991


– Plano de Custeio da Previdência (PCPS), Lei nº 8.213/1991 – Plano de
Benefícios da Previdência Social (PBPS) e Decreto nº 3.048/1999 – Regu-
lamento da Previdência Social (RPS)1, que regulamenta o PCPS e o PBPS.
Por imposição da EC nº 103/2019 – Reforma da Previdência, futuras
Leis Complementares federais estabelecerão: a disciplina das aposentado-
rias especiais e do tempo de contribuição dos professores (art. 201, §§ 1º
e 8º, CF/1988); a cobertura de benefícios não programados, inclusive os
decorrentes de acidente do trabalho, que poderá ser atendida concorrente-
mente pelo RGPS e pelo setor privado (art. 201, §10, CF/1988); e vedações,
regras e condições para a acumulação de benefícios previdenciários (art.
201, §15, CF/1988). As Leis nº 8.212/1991 e nº 8.213/1991 consideram-se
recepcionadas como leis complementares nos pontos reservados a esse
tipo de ato legislativo; nos pontos não reservados à lei complementar e
que não contrariam o novo texto constitucional e as disposições contidas
no corpo da própria EC nº 103/2019, os Planos de Custeio e de Benefí-
cios foram recepcionadas pela Reforma da Previdência e permanecem
vigentes como leis ordinárias;
(ii) quanto ao Regime Próprio de Previdência dos Servidores Públicos (RPPS):
Lei nº 9.717/1998 (dispõe sobre regras gerais para a organização e o fun-
cionamento dos regimes próprios de Previdência Social dos servidores

1. O Decreto nº 3.048/1999 – Regulamento da Previdência Social (RPS) recentemente passou por ampla e relevante
revisão através do Decreto nº 10.410/2020, que, dada a sua amplitude, tem sido chamado de “Novo Regulamento da
Previdência Social”. O Decreto nº 10.410/2020 atualiza o Regulamento em razão de mudanças legislativas ocorridas,
inclusive a EC nº 103/2019 – Reforma da Previdência, encampa entendimentos jurisprudenciais sedimentados
na matéria e moderniza o funcionamento da Previdência Social em muitos aspectos que são tipicamente tratados
em nível infralegal.

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18 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

públicos da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios,


dos militares dos estados e do Distrito Federal, e dá outras providências),
Lei nº 10.887/2004 (dispõe, essencialmente, sobre cálculo de benefícios e
sobre contribuições previdenciárias), Lei nº 8.112/1990 (dispõe sobre o
regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias
e das fundações públicas federais, contendo normas específicas sobre o
RPPS federal), Lei nº 6.880/1980 (dispõe sobre o Estatuto dos Militares)
e Lei nº 3.765/1960 (dispõe sobre as pensões militares). Por imposição da
EC nº 103/2019 – Reforma da Previdência, futura Lei Complementar
federal estabelecerá normas gerais de organização, de funcionamento e
de responsabilidade na gestão dos regimes próprios existentes (art. 40, §
22, CF/1988, na redação da EC nº 103/2019 – Reforma da Previdência);
(iii) quanto à Previdência Complementar: Leis Complementares nºs 108/2001
(regula a relação entre entes públicos e entidades fechadas de previdên-
cia complementar, e dá outras providências) e 109/2001 (dispõe sobre o
Regime de Previdência Complementar, e dá outras providências); e Lei
nº 12.816/2012 (institui o regime de previdência complementar para os
servidores públicos federais titulares de cargo efetivo, e dá outras provi-
dências).
A Previdência Social é um seguro com regime jurídico especial, de direito pú-
blico, de caráter contributivo, com natureza estatutária ou contratual (previdência
complementar), que visa assegurar benefícios e serviços em casos de contingências
que impossibilitem a subsistência pelo trabalho. Em outros dizeres, consiste em um
seguro público, estatutário ou contratual, normalmente prestado a quem contribuir,
visando cobrir contingências futuras, programadas ou não, ligadas à incapacidade
laboral (real ou presumida).
Quanto à competência legislativa, a Previdência Social tem peculiaridades. O
art. 24, XII, CF/1988 prevê que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal
legislar concorrentemente sobre a Previdência Social. Contudo, não são todos os en-
tes políticos que legislam sobre todos os assuntos em matéria de Previdência Social.
Da interpretação sistemática da Constituição extrai-se que, em verdade, cada ente
federativo possui competências legislativas privativas; porém, como todos eles, em
alguma medida, legislam sobre o tema, diz-se que, sob uma ótica global, a compe-
tência legislativa é concorrente.
A União legisla privativamente sobre: RGPS (art. 201, CF/1988); normas ge-
rais do regime próprio dos servidores (arts. 40, CF/1988) e das polícias militares
e dos corpos de bombeiros militares (art. 22, XXI, CF/1988, na redação da EC nº
103/2019 – Reforma da Previdência); disciplina plena do regime próprio de seus
servidores e militares (arts. 40 e 142, CF/1988); e previdência complementar (art.
202, CF/1988). Em respeito ao princípio federativo, os demais entes políticos (esta-
dos, Distrito Federal e municípios) legislam privativamente sobre normas específicas
dos regimes próprios de Previdência Social dos seus servidores e militares (estes,
no caso de estados e Distrito Federal), observadas as normas gerais editadas pela
União. As competências administrativas, pelo princípio da execução direta, seguem
a distribuição das competências legislativas.

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Cap. 1 • SEGURIDADE SOCIAL 19

Competências legislativa e administrativa em matéria de Previdência Social

Competência legislativa da União Competência legislativa dos


demais entes da federação

– RGPS (art. 201, CF/1988); – Normas específicas dos regimes próprios de


– Normas gerais do regime próprio dos servi- Previdência Social dos seus servidores e mili-
dores e das polícias militares e dos corpos de tares (estes, no caso de estados e Distrito Fe-
bombeiros militares; deral), observadas as normas gerais editadas
– Disciplina plena do regime próprio de seus pela União.
servidores e militares; e
– Previdência complementar.

Competências legislativa e administrativa em matéria de Previdência Social

Competência legislativa da União Competência legislativa dos


demais entes da federação

Como todos os entes, em alguma medida, legislam sobre o tema, diz-se que, sob uma ótica global,
a competência legislativa é concorrente.

Pelo princípio da execução direta, as competências administrativas seguem a distribuição das


competências legislativas.

Observa-se que existe uma gradação de exigências para o acesso aos diferentes
ramos da Seguridade Social. Essas exigências são crescentes, conforme se trate de
saúde, assistência social e Previdência Social.
Para ter direito à saúde pública, basta precisar, isto é, basta haver uma contin-
gência (necessidade de tratamento preventivo ou curativo). Não é necessário cumprir
requisitos legais, ter qualidade de segurado nem contribuir.
Para fazer jus a uma prestação da assistência social pública é preciso haver uma
contingência (necessidade social elementar) e, além disso, cumprir os requisitos le-
gais para gozo do benefício ou do programa social. Não é necessário ter qualidade
de segurado nem contribuir.
Para acessar a Previdência Social, exige-se uma contingência (incapacidade
laboral efetiva ou presumida), o cumprimento de requisitos legais (requisitos dos
benefícios ou serviços), ter qualidade de segurado junto ao respectivo regime de
Previdência Social e, via de regra, ter contribuído para esse regime. No modelo
brasileiro, a nota da contributividade é inerente (embora de maneira não absoluta)
à Previdência Social, e somente a ela.
Seguridade Social – graduação de exigências
Saúde Assistência Previdência

Contingência Contingência Contingência

– Requisitos Requisitos

– – Qualidade de segurado

– – Contribuições

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20 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

2. PRINCÍPIOS

Os princípios da Seguridade Social são aplicáveis a todos os seus ramos. Sem


prejuízo dos princípios da Seguridade, existem outros que são próprios e específicos
de cada ramo.
2.1. Princípios da Seguridade Social previstos no art. 194, parágrafo
único, da Constituição
O art. 194, parágrafo único, da Constituição prevê que compete ao Poder Pú-
blico, nos termos da lei, organizar a Seguridade Social, com base em um elenco de
sete objetivos.
Esses objetivos são tratados pela doutrina como verdadeiros princípios norte-
adores da Seguridade Social como um todo.
Tais princípios têm grande incidência em provas de concurso, por isso é rele-
vante conhecê-los.
Princípio da universalidade da cobertura e do atendimento:
A universalidade da cobertura visa atingir a maior abrangência possível de
contingências (riscos sociais) a serem cobertas pela saúde, pela assistência social e
pela Previdência Social. É a vertente objetiva do princípio em estudo, porque foca
nos riscos sociais a serem protegidos e não nos indivíduos beneficiados.
No entanto, como os recursos econômicos destinados à Seguridade Social são
finitos, não é possível concretizar o ideal de uma cobertura realmente universal
de contingências, devendo-se ponderar tal valor com outros de igual envergadura
constitucional, à luz do princípio da reserva do possível.
Como exemplos de universalidade de cobertura, observa-se que o acesso à
saúde é universal e igualitário, não sendo necessário ter qualidade de segurado
nem pagar contribuições; no entanto, dada a finitude de recursos, a dispensação
pública de medicamentos que não constem das listas do Sistema Único de Saúde
(SUS) depende do preenchimento de requisitos, entre os quais a incapacidade finan-
ceira do paciente de arcar com o custo do medicamento (STJ, REsp. Repetitivo nº
1.657.156/RJ). Outro exemplo de universalidade de cobertura é a previsão de que a
Previdência Social tem por finalidade assegurar aos seus beneficiários os meios in-
dispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário,
idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles
de quem dependiam economicamente (art. 1º, PBPS); contudo, para viabilizar esse
grau de cobertura, exige-se dos beneficiários qualidade de segurado, pagamento de
contribuições e cumprimento de requisitos de acesso.
A universalidade de atendimento objetiva proteger o maior número possível de
pessoas que se encontrem nas situações de riscos sociais cobertos. Em outros termos,
almeja-se atingir o maior acesso possível de beneficiários às coberturas eleitas. É a
faceta subjetiva do princípio em comento, porque foca nos indivíduos beneficiados
pelo sistema de Seguridade Social.
Um exemplo de universalidade de atendimento é o chamado Sistema Especial
de Inclusão Previdenciária: a Constituição determina que a lei institua tal sistema,

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Cap. 1 • SEGURIDADE SOCIAL 21

com alíquotas diferenciadas, para atender aos trabalhadores de baixa renda, inclusive
os que se encontram em situação de informalidade, e àqueles sem renda própria
que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência,
desde que pertencentes a famílias de baixa renda (art. 201, § 12, CF/1988, na reda-
ção da EC nº 103/2019 – Reforma da Previdência). Outro exemplo é a previsão
da existência do segurado facultativo do RGPS (art. 13, PBPS), o qual, não fosse tal
disposição, estaria excluído da proteção previdenciária. Pode-se lembrar, ainda, dos
sucessivos acordos internacionais celebrados pelo Brasil em matéria previdenciária,
viabilizando o reconhecimento do tempo de contribuição prestado por brasileiros
em outros países signatários.
Princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às po-
pulações urbanas e rurais:
Trata-se de uma derivação do princípio da isonomia (art. 5º, caput e I, CF/1988).
Deve haver cobertura equivalente por parte da Seguridade Social às populações
urbanas e rurais, sem distinção de relevância/importância, ressalvada a desigualação dos
desiguais (igualdade material) do ponto de vista da estruturação/organização da sociedade.
Veda-se a discriminação negativa entre trabalhadores urbanos e rurais pelo
simples critério pessoal ou geográfico. As distinções de tratamento possíveis são
apenas aquelas que sejam justificadas constitucionalmente como forma de imprimir
igualdade material aos individuais em situações desiguais.
Por exemplo: não se pode limitar o acesso ao SUS para populações rurais de
determinada região. No entanto, é cabível um direcionamento ou uma especialização
do serviço de saúde em vista das peculiaridades de determinada região (endemias,
perfil populacional etc.). Ou ainda: não é possível, com base em critério pessoal,
pagar benefícios menores a trabalhadores urbanos ou rurais. Contudo, é lícito um
redutor etário na aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais, dadas as carac-
terísticas próprias do cotidiano laboral sacrificado dos rurícolas.
Princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços:
A seletividade é um limitador da universalidade de cobertura, voltado, sobre-
tudo, ao legislador, visando escolher os riscos merecedores de proteção diante da
finitude econômica de recursos (reserva do possível).
Os requisitos em geral dos benefícios assistenciais e previdenciários são previstos
em função da necessária seletividade dentro do universo de potenciais contingências
sociais a serem cobertas e de beneficiários a usufruírem dessas prestações.
A distributividade, voltada especialmente ao administrador e ao julgador, visa
concretizar a justiça social, a igualdade material e a desconcentração de riquezas a
partir dos critérios de seletividade.
A previsão de concessão de benefício assistencial, no valor de um salário míni-
mo, ao idoso ou ao deficiente que sejam considerados miseráveis, sem possibilidade
de se sustentarem ou de serem sustentados por sua família (art. 203, V, CF/1988),
é manifestação da distributividade. Na mesma linha, lembra-se da concessão de
salário-família e auxílio-reclusão apenas, respectivamente, a segurados e dependentes
de baixa renda (art. 201, IV, CF/1988).

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22 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios:


Protege-se o recebedor de benefício no âmbito da Seguridade Social contra a
redução de seu valor. Adquirido o direito, não são permitidas alterações legais ou
regulamentares que conduzam à diminuição do valor da prestação.
A irredutibilidade é nominal. Isso significa que não há garantia de preservação
do valor da prestação diante do fenômeno inflacionário.
Na Previdência Social, por sua vez, a irredutibilidade é do valor real, conforme
critérios definidos em lei (art. 201, §4º, CF/1988).
Irredutibilidade de valor dos benefícios

Nominal Real

Saúde
Previdência Social
Assistência social

Princípio da equidade na forma de participação no custeio:


Vertente dos princípios tributários da isonomia e da capacidade contributiva
(arts. 150, II, e 145, § 1º, CF/1988), que, por seu turno, são expressões do princípio
geral da igualdade (art. 5º, caput, CF/1988).
Por esse princípio, cada agente chamado ao custeio da Seguridade Social deve
participar equitativamente de acordo com sua capacidade de contribuição, isto é,
proporcionalmente às suas forças econômicas e/ou ao grau de causação de eventos
a serem cobertos pela Seguridade.
São muitos os exemplos:

(i) as contribuições sociais dos empregadores poderão ter alíquotas ou ba-


ses de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da uti-
lização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição
estrutural do mercado de trabalho (art. 195, § 9º, CF/1988);
(ii) como manifestação concreta do art. 195, § 9º, CF/1988, as instituições fi-
nanceiras pagam contribuição previdenciária (cota patronal) com alíquota
adicional de 2,5% sobre a sua folha de pagamentos (art. 22, § 1º, PCPS),
dadas a alta lucratividade e a grande mecanização do setor;
(iii) para o financiamento da aposentadoria especial e dos benefícios conce-
didos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decor-
rente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações
pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e
trabalhadores avulsos, a empresa deve pagar alíquotas adicionais de 1%,
2% ou 3%, conforme o grau de risco de acidente na atividade preponde-
rante seja, respectivamente, considerado leve, médio ou grave (art. 22, II,
PCPS – alíquotas adicionais GIILRAT – Grau de incidência de incapaci-
dade laborativa decorrente de riscos ambientais de trabalho);
(iv) no regime simplificado de recolhimento de contribuição, visando inclusão
previdenciária, os segurados contribuintes individuais que prestem serviço

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Cap. 1 • SEGURIDADE SOCIAL 23

por conta própria e facultativos podem optar por recolher contribuição


com base de cálculo e alíquota reduzidas (art. 201, § 12, CF/1988; art. 21,
§§ 2º a 4º, Lei nº 8.212/1991).

Princípio da diversidade da base de financiamento:


Também é conhecido como princípio da universalidade do custeio. Segundo
este princípio, a Seguridade Social deve ser financiada por múltiplas fontes de cus-
teio, com participação de diversos setores da sociedade e do governo.
Sendo assim, a própria Constituição estabelece que a Seguridade Social será
financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, me-
diante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos estados, do Distrito
Federal e dos municípios, e das seguintes contribuições sociais (art. 195):
(i) do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada incidente so-
bre:
(i.a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou cre-
ditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço,
mesmo sem vínculo empregatício;
(i.b) a receita ou o faturamento;
(i.c) o lucro;
(ii) do trabalhador e dos demais segurados da previdência social;
(iii) sobre a receita de concursos de prognósticos (apostas e loterias);
(iv) do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele
equiparar.

A Constituição prevê, ainda, que a lei poderá instituir outras contribuições so-
ciais destinadas a garantir a manutenção ou expansão da Seguridade Social, desde
que obedecidos os critérios para criação de impostos residuais da União (art. 195,
§ 4º, CF/1988).
No âmbito do RGPS, a Lei nº 8.212/1991 prevê um rol de outras receitas de
financiamento da Seguridade Social para além dos orçamentos e das contribuições
(arts. 11, III, e 27).
A EC nº 103/2019 – Reforma da Previdência acrescentou ao art. 194, VI, da
CF/1988 a previsão de que o princípio da diversidade da base de financiamento
deverá operar identificando-se, em rubricas contábeis específicas para cada área, as
receitas e as despesas vinculadas a ações de saúde, previdência e assistência social,
preservado o caráter contributivo da previdência social. Não é suficiente o orçamento
diferenciado da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vin-
culados (art. 165, §5º, III, CF/1988); é preciso que, dentro dessa peça orçamentária,
haja segregação contábil do orçamento de cada segmento da seguridade.
Princípio do caráter democrático e descentralizado da administração:
O princípio do caráter democrático e descentralizado da administração se dá
mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos emprega-

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24 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

dores, dos aposentados e do Governo nos órgãos públicos colegiados em que seus
interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.
Trata-se de uma derivação do art. 10 da CF/1988, segundo o qual: “É asse-
gurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos
públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de
discussão e deliberação”.
A Lei nº 8.213/1991 (PBPS) criou o Conselho Nacional de Previdência Social
(CNPS), órgão superior de deliberação colegiada, com os seguintes membros (art. 3º):
seis representantes do Governo Federal e nove representantes da sociedade civil, sendo
três representantes dos aposentados e pensionistas, três representantes dos trabalhadores
em atividade e três representantes dos empregadores. Note-se que, acerca do princípio
em comento, o art. 194, parágrafo único, VII, da Constituição não prevê assento aos
pensionistas, o que somente foi feito pelo legislador ordinário. O Decreto nº 4.874/2003
criou os Conselhos de Previdência Social (CPS), unidades descentralizadas do CNPS
que funcionam no âmbito das Gerências Executivas do INSS.
A Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social) preconiza que as
instâncias deliberativas do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), de caráter
permanente e composição paritária entre governo e sociedade civil, são o Conselho
Nacional de Assistência Social (CNAS), os Conselhos Estaduais de Assistência Social,
o Conselho de Assistência Social do Distrito Federal e os Conselhos Municipais de
Assistência Social (art. 16).
O CNAS é composto por 18 membros e respectivos suplentes, cujos nomes são
indicados ao órgão da Administração Pública Federal responsável pela coordenação
da Política Nacional de Assistência Social, de acordo com os seguintes critérios:
nove representantes governamentais, incluindo um representante dos estados e um
dos municípios; nove representantes da sociedade civil, dentre representantes dos
usuários ou de organizações de usuários, das entidades e organizações de assistência
social e dos trabalhadores do setor, escolhidos em foro próprio sob fiscalização do
Ministério Público Federal (art. 17, § 1º, Lei nº 8.742/1993).
Por último, na saúde, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) foi criado pela
Lei nº 378/1937, tendo como atribuição assessorar o então Ministério da Educação
e Saúde, em conjunto com o Conselho Nacional de Educação. A Lei nº 8.142/1990
instituiu os conselhos e as conferências de saúde como instrumentos do controle
social, com a participação dos diversos segmentos da sociedade, ao lado do governo,
no acompanhamento e na definição de políticas públicas de saúde. Nessa ótica de
participação da sociedade, o Decreto nº 99.438/1990 criou o novo CNS, com base
nos princípios e diretrizes do SUS, cuja disciplina consta, atualmente, do Decreto
nº 5.939/2006. Esse novo CNS congrega diversos segmentos da sociedade: são 48
(quarenta e oito) conselheiros titulares com seus suplentes, representantes de entida-
des e instituições dos segmentos governo, prestadores de serviços privados de saúde,
profissionais de saúde e usuários (art. 3º, Decreto nº 5.939/2006).
Recorde-se que a Medida Provisória nº 1.799-5/1999 extinguiu o Conselho
Nacional da Seguridade Social (CNSS), que era composto por representantes do
governo, dos trabalhadores, dos aposentados e dos empresários, tendo a atribuição

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 24 17/04/2023 18:08:56


6
BENEFICIÁRIOS DO RGPS:
DEPENDENTES

Sumário: 1. Noções gerais – 2. Conceito de dependência e sua prova – 3. Classes de depen-


dentes – 4. Regras sobre as relações entre as classes de dependentes – 5. Membros da classe
1 – 6. Membros da classe 2 – 7. Membros da classe 3 – 8. Classe 4? – 9. Perda da qualidade
de dependente – Resumo.

1. NOÇÕES GERAIS

Os beneficiários das prestações da Previdência Social são os segurados e os


dependentes.
Os dependentes são os indivíduos que necessitam (dependem) economicamente
(de forma presumida ou comprovada) dos segurados. Na falta dos segurados (por
morte ou reclusão), a Previdência Social supre essa ausência provendo a subsistência
dos dependentes.
Os dependentes, nessa condição, não possuem uma filiação direta com a Pre-
vidência Social. Sua relação jurídica com a Previdência Social é derivada da filiação
dos segurados de que dependem.
Atenção! Nada impede que uma pessoa seja ao mesmo tempo segurado e de-
pendente no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Por exemplo: Anita trabalha
como empregada em um escritório de contabilidade (segurada empregada – filiação
ao regime geral) e é casada com Carlos (dependente presumida do marido – relação
derivada com a Previdência Social).
Os dependentes têm direito aos serviços social e de reabilitação profissional,
bem como aos benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão. Os serviços social
e de reabilitação profissional são prestados aos segurados ou aos dependentes que
preencherem os requisitos; já os benefícios de pensão por morte e auxílio-reclusão

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 189 17/04/2023 18:09:02


190 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

são exclusivos dos dependentes, ao passo que os demais benefícios são exclusivos
dos segurados.
Serviços Serviço social
Dependen- (devidos aos segurados
ou aos dependentes) Reabilitação profissional
tes têm
direito a... Benefícios Pensão por morte
(exclusivos dos dependentes) Auxílio-reclusão

2. CONCEITO DE DEPENDÊNCIA E SUA PROVA

A dependência econômica consiste na necessidade do dependente de que o


segurado proveja seu sustento.
Em dadas situações a lei presume tal dependência. Nesses casos, basta provar
a condição de dependente, sendo dispensável demonstrar que efetivamente necessita
economicamente do segurado.
Em outras situações, a lei exige que, além da condição de dependente, o inte-
ressado prove que realmente necessita do segurado para prover seu sustento.
A dependência a ser provada é aquela consubstanciada em aporte financeiro ou
material de caráter habitual e substancial para o sustento e manutenção das con-
dições de vida do dependente. Como projeção do princípio contributivo do regime
previdenciário e do princípio do sinalagma da relação jurídica previdenciária (que
fazem refletir, na renda dos benefícios, o padrão de contribuições do segurado),
entende-se por sustento e manutenção das condições de vida a preservação do pa-
drão econômico do dependente, e não a simples preservação do mínimo existencial
à sobrevivência digna.
Não há necessidade de que a dependência seja exclusiva (Súm. 229 do extinto
Tribunal Federal de Recursos – TFR). Ou seja: o dependente pode depender de
mais de uma pessoa para seu sustento. Isso, contudo, não exclui os requisitos de
habitualidade e substancialidade do suporte.
Não configura dependência, de outro prisma, a mera colaboração ou auxílio
financeiro, sem relevância ou indispensabilidade para a sobrevivência de quem recebe.
A Lei nº 13.846/2019 trouxe importantes novidades no âmbito proba-
tório. As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de
prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24
(vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do
segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência
de motivo de força maior ou caso fortuito (art. 16, §5º, Lei nº 8.213/1991, na
redação da Lei nº 13.846/2019). Em se tratando de pensão temporária de compa-
nheiro, de duração determinada em função da idade do dependente na data do
óbito, além da referida exigência do art. 16, §5º, deverá ser apresentado, ainda,
início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois)
anos antes do óbito do segurado (art. 16, §6º, Lei nº 8.213/1991, na redação da
Lei nº 13.846/2019). Essas exigências valem nas vias administrativa e judicial,

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 190 17/04/2023 18:09:02


Cap. 6 • BENEFICIÁRIOS DO RGPS: DEPENDENTES 191

tornando superada a Súmula 63/TNU (“A comprovação de união estável para


efeito de concessão de pensão por morte prescinde de início de prova material”),
que consagrava a compreensão anterior de que o início de prova material seria
exigido apenas administrativamente.
Exclusivamente na via administrativa, para a comprovação do vínculo inter-
pessoal e da dependência econômica, quando for o caso, o Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS) exigirá que sejam apresentados no mínimo 02 (dois) documen-
tos de um rol exemplificativo previsto no Regulamento (art. 22, § 3º, Regulamento
da Previdência Social – RPS, na redação do Decreto nº 10.410/2020). Observe que
antes da reforma de 2020, no referido dispositivo regulamentar eram exigidos, no
mínimo, 03 (três) documentos. Caso o dependente só possua um dos documentos
indicados no rol, produzido em período não superior a vinte e quatro meses ante-
riores à data do óbito ou do recolhimento à prisão, a comprovação de vínculo ou
de dependência econômica para esse período poderá ser suprida por justificação
administrativa (art. 22, §4º, RPS, incluído pelo Decreto nº 10.410/2020). Eis o rol
de documentos do art. 22, § 3º, do RPS:
“I – certidão de nascimento de filho havido em comum;
II – certidão de casamento religioso;
III – declaração do imposto de renda do segurado, em que conste o interessado
como seu dependente;
IV – disposições testamentárias;
V – anotação constante na Carteira Profissional e/ou na Carteira de Trabalho
e Previdência Social, feita pelo órgão competente; (Revogado)
VI – declaração especial feita perante tabelião;
VII – prova de mesmo domicílio;
VIII – prova de encargos domésticos evidentes e existência de sociedade ou
comunhão nos atos da vida civil;
IX – procuração ou fiança reciprocamente outorgada;
X – conta bancária conjunta;
XI – registro em associação de qualquer natureza, onde conste o interessado
como dependente do segurado;
XII – anotação constante de ficha ou livro de registro de empregados;
XIII – apólice de seguro da qual conste o segurado como instituidor do seguro
e a pessoa interessada como sua beneficiária;
XIV – ficha de tratamento em instituição de assistência médica, da qual conste
o segurado como responsável;
XV – escritura de compra e venda de imóvel pelo segurado em nome de de-
pendente;
XVI – declaração de não emancipação do dependente menor de vinte e um
anos; ou
XVII – quaisquer outros que possam levar à convicção do fato a comprovar.”

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 191 17/04/2023 18:09:02


192 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

Novas regras sobre prova de união estável e de dependência econômica


A prova de união estável e de dependência econômica exige início de prova material contempo-
rânea dos fatos.
O início de prova material deve produzido em período não superior a 24 meses anterior à data do
óbito ou do recolhimento à prisão do segurado.
Em se tratando de pensão temporária de companheiro, de duração determinada em função da ida-
de do dependente na data do óbito, deverá ser apresentado início de prova material que comprove
união estável por pelo menos 2 anos antes do óbito do segurado.
Essas exigências valem nas vias administrativa e judicial, superando jurisprudência anterior, que
não exigia início de prova material no processo judicial.
Na via administrativa, o início de prova material deve corresponde a, no mínimo, 02 (dois) docu-
mentos listados no art. 22, § 3º, do RPS.
Caso o dependente só possua um dos documentos indicados no rol, a comprovação de vínculo ou
de dependência econômica poderá ser suprida por justificação administrativa.

Nas situações em que a dependência é presumida, essa presunção é absoluta ou


relativa? A doutrina tradicional1 sustenta que é absoluta (chamada iuris et de iure),
não podendo ser desconstituída por prova em contrário. A jurisprudência é dividida
quanto ao tema. A Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados
Especiais Federais (TNU) fixou tese em precedente representativo de controvérsia no
sentido de que “[a] dependência econômica do cônjuge ou do companheiro relacio-
nados no inciso I do art. 16 da Lei 8.213/91, em atenção à presunção disposta no
§4º do mesmo dispositivo legal, é absoluta” (PEDILEF 0030611-06.2012.4.03.6301/
SP, tema 226). Por outro lado, o STJ tem inúmeros precedentes – não qualificados
– pela relatividade da presunção (p. ex. AgInt no PUIL 62/RJ, Rel. Ministro Bene-
dito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 13/12/2017, DJe 19/12/2017; STJ, AgInt
no REsp 1438702/PR, Rel. Ministro Gurgel De Faria, Primeira Turma, julgado em
14/08/2018, DJe 06/09/2018). Assim, segundo essa concepção, em situações excep-
cionais, a presunção pode ser afastada diante de prova efetiva da inexistência de
necessidade de suporte econômico.
Um exemplo em que julgados da TNU (Processo nº 0500518-97.2011.4.05.8300,
2013 – muito antes do recente tema 226) e do STJ (AgRg no REsp. nº 1.369.296/
RS, AgRg nos EDclno REsp. nº 1.250.619/RS, AgRg no REsp. nº 1.241.558/PR)
relativizam a presunção é o caso do filho que completa 21 anos de idade, adquire
sua independência financeira e familiar, e, anos depois, vem a se tornar inválido;
nesse quadro, havendo falecimento dos pais, a presunção de dependência do filho,
que iniciou vida laboral ativa depois da maioridade previdenciária, fica relativizada.

3. CLASSES DE DEPENDENTES

A lei divide os dependentes em três grandes classes, cujos membros são os


seguintes (art. 16, Plano de Benefícios da Previdência Social – PBPS):

1. P.ex. MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 1997, t. II, p.
137.

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 192 17/04/2023 18:09:02


Cap. 6 • BENEFICIÁRIOS DO RGPS: DEPENDENTES 193

Classes de dependentes
Classe 1 Classe 2 Classe 3
– Cônjuge ou companheiro (inclui o homoafetivo); – Pais. – Irmãos não emancipados
– Ex-cônjuge ou ex-companheiro (inclui o homoa- menores de 21 anos ou in-
fetivo); válidos ou deficientes.
– Filho não emancipado menor de 21 anos ou invá-
lido ou deficiente;
– Equiparados a filhos: enteado e melhor tutelado.
Dependência presumida, salvo duas exceções: Dependência Dependência comprovada
– Ex-cônjuge e ex-companheiro comprovada
– Equiparados a filhos

Os membros da 1ª classe, em regra, são dependentes presumidamente pela


lei (art. 16, § 4º, PBPS). Nessa classe, apenas o ex-cônjuge, o ex-companheiro e os
equiparados a filhos precisam provar a sua dependência econômica.
Os membros da 2ª e da 3ª classes devem obrigatoriamente provar concretamente
sua dependência econômica.

4. REGRAS SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE AS CLASSES DE DEPENDENTES

As relações entre as classes de dependentes possuem algumas regras de regên-


cia muito importantes.
São elas:
1ª Regra: a existência de dependentes de classe superior (preferencial) exclui o
direito de eventuais dependentes de classe inferior (art. 16, § 1º, da Lei nº 8.213/1991).
Por exemplo: havendo dependentes na 1ª classe, exclui-se o direito dos depen-
dentes das demais classes.
2ª Regra: a ordem de vocação é determinada no momento do evento gerador
do benefício (óbito na pensão por morte e recolhimento no auxílio-reclusão).
Ordem de vocação é a que define em qual classe será fixada a concessão do
benefício.
3ª Regra: os dependentes de mesma classe sempre concorrem entre si em
igualdade de condições. O rateio da cota familiar da pensão por morte e do auxílio-
-reclusão se dá em frações iguais.
Por exemplo: se na 1ª classe figuram o cônjuge, um ex-cônjuge, dois filhos e
um enteado, a cota familiar do benefício será rateada em cinco partes iguais. Além
da cota familiar, cada dependente terá sua cota pessoal de dez pontos percentuais.
4ª Regra: quando um dependente perde esta condição, sua fração na cota familiar
do benefício é revertida em favor dos dependentes que remanescem da mesma classe.
Por exemplo: se na 1ª classe figuram o cônjuge, um ex-cônjuge, dois filhos e
um enteado, quando um dos filhos atingir a maioridade previdenciária, sua cota
individual (10%) se extinguirá e sua fração na cota familiar do benefício (20%, por
serem 5 dependentes) reverterá aos demais dependentes ativos.

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 193 17/04/2023 18:09:03


194 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

5ª Regra: a reversão de cotas somente acontece dentro de uma mesma classe.


6ª Regra: extinta a classe, cessa o direito ao benefício, não se transmitindo
para as demais classes.

5. MEMBROS DA CLASSE 1

Diz o art. 16, I, do PBPS, na redação dada pela Lei nº 13.146/2015, que são
beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes
do segurado, o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado,
de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha
deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave. Em complemento, o art. 76,
§2º, do PBPS dita que o cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato
que recebia pensão de alimentos concorrerá em igualdade de condições com os
dependentes referidos no inciso I do art. 16.
Decompondo as previsões legais, são dependentes na primeira classe (a mais
relevante):

(i) o cônjuge ou companheiro (inclui o homoafetivo);


(ii) o ex-cônjuge ou ex-companheiro (inclui o homoafetivo);
(iii) o filho não emancipado menor de 21 anos ou inválido ou deficiente; e
(iv) os equiparados a filhos, nas mesmas condições destes.

Impende detalhar o estudo de cada membro.


Cônjuge ou companheiro (inclui o homoafetivo):
Cônjuges são as pessoas casadas formalmente.
Companheira ou companheiro é a pessoa que, sem ser casada, mantém união
estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da
Constituição Federal – CF/1988 (art. 16, § 3º, PBPS). Tal dispositivo constitucional
prevê que, para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre
o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão
em casamento.
Segundo o regulamento (art. 16, § 6º, na redação do Decreto nº 10.410/2020),
considera-se união estável aquela configurada na convivência pública, contínua e
duradoura entre pessoas, estabelecida com intenção de constituição de família, ob-
servados os mesmos impedimentos do casamento (art. 1.521, Código Civil – CC);
não há, contudo, vedação à união estável no caso de a pessoa casada se achar se-
parada de fato ou judicialmente.
A inclusão do cônjuge ou companheiro homoafetivo já é pacífica tanto na via
administrativa quanto na judicial (STF, ADI nº 4277 e ADPF nº 132; STJ, RESP
1.183.378/RS; CNJ, Resolução nº 175/2013). Nessa linha, o Decreto nº 10.410/2020
evoluiu a redação do art. 16, §6º, do RPS, que, no caso da união estável, deixou de
mencionar união entre homem e mulher para aduzir à união entre pessoas.

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 194 17/04/2023 18:09:03


Cap. 6 • BENEFICIÁRIOS DO RGPS: DEPENDENTES 195

Resta a pergunta: o(a) concubino(a) é dependente previdenciário?


Concubinato é a relação afetiva entre duas pessoas em que uma delas ou ambas
estão impedidas de contrair um casamento ou união estável em razão da existência
dos motivos previstos no art. 1521 CC/2002, notadamente em decorrência de um
casamento ou união estável paralelo(a) anterior. Segundo o art. 1.727 do Código
Civil, as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar,
constituem concubinato. Atente-se que a pessoa casada, porém separada de fato ou
judicialmente não está impedida de constituir união estável (hipótese que não se
trata concubinato) (art. 1723, §1º, CC/2002).
Há duas correntes em resposta à questão apresentada. A corrente minoritá-
ria, que aceita o(a) concubino(a) como dependente previdenciário, sustenta que a
situação de risco social a ser coberta pela previdência é a mesma em se tratando de
companheiro(a) e de concubino(a), ainda que o concubinato não seja protegido do
ponto de vista do direito de família. Ocorrendo um relacionamento afetivo com as
características próprias de uma união estável, o fato de um ou de ambos os parcei-
ros serem impedidos à luz do direito civil não anula o risco social – constitucional
(art. 201, I, CF/1988) – subjacente no caso de morte da pessoa provedora. Dentro
desta corrente minoritária, uma parcela exige a boa-fé subjetiva do(a) concubino(a),
consistente no seu desimpedimento e no desconhecimento do impedimento do par-
ceiro, como condição para ser dependente (o parceiro sobrevivente acreditava estar
em uma união estável verdadeira e que disso adviria a proteção social em caso de
morte); outra parcela não exige a boa-fé subjetiva do(a) concubino(a) como con-
dição de acesso ao benefício, servindo ela apenas como reforço da necessidade de
incidência da proteção social.
A corrente majoritária rejeita o(a) concubino(a) como dependente previden-
ciário, ao argumento, em síntese, de que o impedimento previsto no art. 1521, VI,
do Código Civil (CC/2002), que obsta a constituição de união estável superveniente,
paralela a outra união estável ou a um casamento, aplica-se ao direito previdenciário.
Em simples termos, entende-se que o(a) concubino(a) não pode ser compreendido(a)
no conceito de companheiro para fins previdenciários. Nesse sentido, há precedentes
do STJ (REsp 674176) e da TNU (Pedilef 05040703620124058300). O STF decidiu o
tema com alinhamento à corrente majoritária, independentemente de serem relações
hétero ou homoafetivas, fixando a seguinte tese em precedente com repercussão
geral: “É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos
previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e
com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se
equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento
e da união estável” (RE 883.168, tema 526). A compreensão da Suprema Corte está
alinhada com precedente qualificado anterior, em que o STF assentou, para outras
finalidades jurídicas que não as especificamente previdenciárias, a impossibilidade
de reconhecimento formal de novo vínculo em caso de preexistência de casamento
ou de união estável de um dos conviventes: "A preexistência de casamento ou de
união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, parágrafo
1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo
período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 195 17/04/2023 18:09:03


196 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro" (RE


1.045.273, tema 529).
Ex-cônjuge ou ex-companheiro (inclui o homoafetivo):
Frise-se que esses membros (ex-cônjuge e ex-companheiro) não estão contem-
plados juntamente com os demais no rol art. 16 do PBPS; eles figuram no art. 76,
§ 2º, do PBPS.
Ex-cônjuge e ex-companheiro equivalem a pessoa separada de fato, de direito
ou divorciada.
De novo, a inclusão do ex-cônjuge ou ex-companheiro homoafetivo já é pacífica
tanto na via administrativa quanto na judicial.
Como os membros de cada classe sempre concorrem em igualdade de con-
dições, existe a possibilidade de rateio de pensão entre cônjuge ou companheiro e
ex-cônjuge ou ex-companheiro.
A peculiaridade é que o ex-cônjuge e o ex-companheiro têm que provar a
dependência econômica no momento do óbito ou do encarceramento (fato gerador
do benefício).
Uma das formas (não é a única) de se provar a dependência econômica é
mediante a demonstração de percepção de pensão alimentícia ao tempo do fato
gerador do benefício.
Sobre isso, o STJ editou a antiga Súmula nº 336: “A mulher que renunciou aos
alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do
ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente”. Essa súmula deve
ser interpretada da seguinte maneira: ainda que o dependente (homem ou mulher)
não estivesse recebendo pensão alimentícia (por renúncia ou qualquer outro motivo)
no momento do fato gerador do benefício, fará jus ao benefício se provar a efetiva
necessidade ao tempo do óbito ou da reclusão.
Filho não emancipado menor de 21 anos ou inválido ou deficiente:
A chamada maioridade previdenciária ocorre aos 21 anos, não se aplicando,
aqui, a maioridade civil de 18 anos.
Diante da taxatividade da Lei nº 8.213/1991, a maioridade previdenciária não
se estende até os 24 anos se o dependente estudar em curso de nível superior (STJ,
tema 643, REsp. nº 1.369.832/SP; Súmula nº 37 da TNU). Essa consequência de
extensão da duração da pensão se projeta apenas no plano da pensão de alimentos
regida pelo direito civil.
A emancipação, nos termos da legislação civil, faz cessar, para os menores, a
incapacidade (art. 5º, Código Civil). De regra, a emancipação civil exclui, também,
a condição de dependente previdenciário. O dependente menor de vinte e um anos
de idade apresentará declaração para atestar a não ocorrência das hipóteses de
emancipação (arts. 17, III, 22, §10, RPS, na redação do Decreto nº 10.410/2020).
No entanto, dentre as hipóteses de emancipação previstas no art. 5º, parágrafo
único, do Código Civil, o RPS (art. 17, III) não considera a mera colação de grau
em curso de ensino superior como hipótese de perda da qualidade de dependente,
por não se poder presumir, nessa circunstância, a capacidade de sustento próprio.

Manuais-Vol Unico-Cardoso-Manual de Dir Previdenciario-4ed.indb 196 17/04/2023 18:09:03


Cap. 6 • BENEFICIÁRIOS DO RGPS: DEPENDENTES 197

O filho inválido é aquele, de qualquer idade, avaliado do ponto de vista laboral


(aptidão ou não para o trabalho).
Por fim, o filho deficiente (“que tenha deficiência intelectual ou mental ou
deficiência grave”) é o que se encaixa no conceito de deficiente contido na Con-
venção de Nova Iorque (Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência), internalizada no Brasil pelo Decreto nº 6.949/2009, e na Lei nº
13.146/2015 – Estatuto da Pessoa com Deficiência, que regulamenta a referida con-
venção no plano interno.
Assim, de acordo com os mencionados diplomas legais, considera-se pessoa com
deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,
intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições
com as demais pessoas. A Lei nº 14.126/2021 determinou que a visão monocular
fica classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos
legais, devendo como tal ser considerada nos instrumentos criados para avaliação
da deficiência (art. 1º). No entanto, a existência biológica de visão monocular não
ensejará automática condição de pessoa deficiente; a situação concreta deverá ser
cotejada de acordo com o conceito legal mencionado.
Atenção! O conceito de filho deficiente não tem mais correlação e não mais
pressupõe incapacidade civil absoluta ou relativa. São conceitos distintos e inde-
pendentes.
O CC/2002 foi reformado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência de modo
que, atualmente, são absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da
vida civil apenas os menores de 16 anos (art. 3º, CC) – situação já englobada pelo
filho menor de 21 anos. Logo, não existe mais, no sistema privado brasileiro, pessoa
absolutamente incapaz que seja maior de idade.
No novo rol dos relativamente incapazes (art. 4º, CC) não há menção aos defi-
cientes. São relativamente incapazes: I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito
anos; II – os ébrios habituais e os viciados em tóxico; III – aqueles que, por causa
transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; e IV – os pródigos.
No caso de dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave,
a invalidez será comprovada por meio de exame médico-pericial a cargo da Perícia
Médica Federal e a deficiência, por meio de avaliação biopsicossocial realizada por
equipe multiprofissional e interdisciplinar (art. 22, §9º, RPS, na redação do Decreto
nº 10.410/2020).
Uma nota sobre pluriparentalidade. O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu
que “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede
o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica,
com os efeitos jurídicos próprios” (STF, Plenário, RE nº 898.060/SC, rel. Min. Luiz
Fux, julgado em 21 e 22.09.2016, Informativo nº 840).
Se na ordem constitucional uma pessoa pode ser considerada como filho de dois
pais simultaneamente, sendo um na condição de pai biológico e outro na condição
de pai socioafetivo, tal reconhecimento potencialmente se espraia por todas as outras
situações contempladas pelo Direito. Logo, seria possível ser dependente, para fins

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198 MANUAL DE DIREITO PREVIDENCIÁRIO • Volume Único – Phelipe Cardoso

previdenciários, na condição de filho, de mais de uma pessoa na qualidade de pai,


toda vez que se verificar situação semelhante à do julgamento proferido pelo STF.
Para finalizar, o nascituro é dependente em caso de falecimento de um dos
pais? A lei previdenciária é omissa; porém, a lei civil põe a salvo, desde a concep-
ção, os direitos do nascituro, muito embora a personalidade civil da pessoa comece
do nascimento com vida (art. 2º, Código Civil). Os direitos postos a salvo desde
a concepção são os direitos de cunho existencial, ligados à sua condição essencial
para adquirir personalidade, como o direito à vida, à saúde, à integridade física,
incluindo o direito de reclamar alimentos. Por isso, a Lei nº 11.804/2008 disciplina
o direito a alimentos gravídicos e a forma como ele é exercido; embora atribua o
direito à mulher gestante, o legislador visou à proteção do nascituro, possibilitando-
-lhe o nascimento com dignidade. Nesse cenário há precedentes reconhecendo o
direito do nascituro à pensão previdenciária, por vezes desde o nascimento com
vida (TRF-4, 5ª. Turma, AC 200104010648529/RS, Rel. Des. Paulo Afonso Brum
Vaz, DJ 08.01.2003, p. 278), ou, por vezes, desde o fato gerador do direito (óbito ou
requerimento administrativo), sendo pago à mãe gestante até o nascimento (processo
n° 0001211-38.2017.4.01.3807 – JEF Adjunto à 1ª Vara Federal de Montes Claros/
MG, j. 24/01/ 2019).
Equiparados a filhos, nas mesmas condições destes:
Os equiparados a filhos, nas mesmas condições destes, fazem jus a benefícios
mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econô-
mica (art. 16, § 2º, PBPS; art. 16, § 3º, Regimento da Previdência Social – RPS).
Quem são os equiparados a filhos?
Segundo a literalidade do art. 23, § 6º, da EC nº 103/2019 – Reforma da
Previdência, equiparam-se a filho, para fins de recebimento da pensão por morte,
exclusivamente o enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependên-
cia econômica. O texto da Reforma menciona apenas o recebimento de pensão por
morte, mas deve-se lembrar que o auxílio-reclusão é devido nas mesmas condições
da pensão; logo, a norma sobre equiparados a filhos se aplica aos dois benefícios.
De acordo com o art. 16, § 2º, do PBPS, são equiparados a filhos somente o
enteado e o menor tutelado, mediante declaração do segurado e desde que compro-
vada a dependência econômica. O menor sob tutela somente poderá ser equiparado
aos filhos do segurado mediante apresentação de termo de tutela (art. 16, § 4º, RPS).
Repare que a lei ordinária não porta a restrição “para fins de recebimento da pensão
por morte”, tal como contida na emenda constitucional.
Há enorme polêmica em torno do menor sob guarda como equiparado a
filho. O menor sob guarda figurava como dependente na condição de equiparado
a filho na redação original do art. 16, § 2º, do PBPS. No entanto, ele foi excluído
do rol dos dependentes do PBPS pela reforma feita pela Medida Provisória (MP)
nº 1.523/1996, reeditada e convertida na Lei nº 9.528/1997. Paralelamente, desde a
edição da Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), o seu
art. 33, §3º, prevê expressamente que a guarda confere à criança ou adolescente a
condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previden-
ciários. Estabeleceu-se, assim, um conflito aparente de normas entre o art. 16, §2º,

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Cap. 6 • BENEFICIÁRIOS DO RGPS: DEPENDENTES 199

do PBPS, na redação da Lei nº 9.528/1997 e o art. 33, §3º, do ECA. O que deveria
prevalecer? A redação original do ECA, de 1990, ou a reforma do PBPS, de 1996?
O STJ (REsp. nº 1.411.258/RS, tema 732 dos recursos repetitivos) julgou que de-
veria prevalecer o ECA sobre a modificação legislativa promovida na lei geral da
previdência social, em nome dos princípios da vedação do retrocesso, da proteção
integral e da prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227, CF/1988).
Pelo referido precedente vinculante, calcado no art. 33, §3º, do ECA, o menor sob
guarda seria dependente previdenciário no RGPS, mesmo após a reforma de 1996.
A matéria foi, então, analisada pelo STF nas ADIs 5083 e 4878, que, em linha com
o que já julgado pelo STJ, conferiu interpretação conforme ao § 2º do art. 16 da Lei
nº 8.213/1991, para contemplar, em seu âmbito de proteção, o menor sob guarda;
entendeu-se por conferir prevalência à norma protetiva específica do ECA sobre a
lei geral previdenciária, a fim de dar concretude à previsão constitucional de abso-
luta prioridade à criança e ao adolescente quanto ao gozo de direitos, sobretudo os
sociais, como o previdenciário.
Resta saber como compatibilizar o novo art. 23, § 6º, da EC nº 103/2019 –
Reforma da Previdência com a interpretação conferida pelas Cortes Superiores ao
art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/1991.
O tema 732/STJ ficou parcialmente superado com a nova disposição contida
no art. 23, § 6º, da EC nº 103/2019 – Reforma da Previdência, que excluiu menor
sob guarda da condição de dependente previdenciário no RGPS para fins de rece-
bimento da pensão por morte. A exclusão “para fins de recebimento da pensão por
morte”, como dito, implica igual exclusão para o recebimento de auxílio-reclusão,
que é devido e pago nas mesmas condições da pensão. No entanto, por força do
tema 732/STJ e do ECA, o menor sob guarda continua sendo considerado como
dependente para outros fins previdenciários, como, por exemplo, para viabilizar o
recebimento de salário-família pelo segurado de baixa renda com encargos fami-
liares (na proporção do respectivo número de filhos ou equiparados; art. 65, caput,
PBPS) e para compor o núcleo familiar do segurado especial (art. 11, §6º, PBPS).
Apesar de essa parecer ser a interpretação mais razoável à luz da literalidade
da legislação vigente e de precedente qualificado na jurisprudência, o Decreto nº
10.410/2020, ao alterar o Regulamento da Previdência Social, equiparou a filhos,
exclusivamente (e sem restringir essa menção ao acesso à pensão por morte), o
enteado e o menor tutelado, desde que comprovada a dependência econômica (art.
16, §3º, RPS).
Os pedidos formulados nas ADIs 5083 e 4878, por sua vez, não contempla-
ram a redação do art. 23 da EC nº 103/2019, razão pela qual não se procedeu à
verificação da constitucionalidade do dispositivo. No entanto, consta obiter dictum
do voto vencedor do Min. Edson Fachin, redator do acórdão, segundo o qual “[d]e
toda sorte, os argumentos veiculados na presente manifestação são em todo aplicá-
veis ao art. 23 referido”. Em suma, quanto a enquadramento do menor sob guarda,
o cenário jurídico posterior ao advento da EC nº 103/2019 – Reforma da Previ-
dência não está pacificado e provavelmente será objeto de novos pronunciamentos
pelas Cortes Superiores.

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