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Compra e Venda

Prof. Dra. Maria João Vasconcelos


2º Semestre – 2021/2022
Maria João Costa

14/02/2022 – Aula 1

Parte I – Noção, aspetos gerais e efeitos essenciais do contrato de compra e


venda
1. NOÇÃO DE COMPRA E VENDA
Art.874º CC - “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro
direito, mediante um preço”.
• Este é o primeiro do Título II, dedicado aos contratos em especial.
• Este é um contrato muito importante, não só pela sua tipicidade em termos legais e sociais,
mas também pelo seu regime paradigmático, o art.939º do CC, determina que o regime do
contrato de compra e venda se aplica aos demais contratos onerosos de alienação de bens
(troca e permuta) e frequentemente utilizado em operações sobre imóveis (art.939º CC)

2. ELEMENTOS ESSENCIAIS
• Transmissão da propriedade da coisa ou titularidade do direito
• Mediante o pagamento do preço
O legislador define a compra e venda e podemos retirar da definição os elementos essenciais do
contrato de compra e venda, aqueles que definem o tipo de contrato.

3. EFEITOS DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA (art.879º)


Esta noção dada pelo art.874º é completada pelo 879º CC que tem como epígrafe os efeitos
essenciais do contrato de compra e venda:
a) Transmissão da propriedade da coisa ou titularidade do direito (art.879º, al. a) e
art.408º, nº1);
b) Constituição da obrigação da entrega da coisa;
c) Constituição da obrigação do pagamento do preço;
Estes são os efeitos essenciais, dentro destes, temos:
• Efeito real – transmissão da propriedade – al. a) do art.879º CC;
• Efeitos obrigacionais – constituição da obrigação da entrega e obrigação do pagamento do
preço – al. b) e c) do art.879º CC;
Logo, simultaneamente produz efeitos reais e obrigacionais.

3.1. EFEITO REAL: transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito


(art.879º, al. a) e art.408º, nº1)
• O efeito real, está previsto na al. a) do 879º CC, este dá-se com a mera celebração do contrato
(real quoad efetcum) – ou seja, a constituição ou transferência do direito real dá-se por mero
efeito da celebração do contrato – paradigma da venda real que se opõe ao paradigma da

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venda obrigatória, de acordo com o qual o contrato de compra e venda não transmite a
propriedade mas tem como efeito a constituição de uma obrigação de transferir a
propriedade ou (só) de uma obrigação de transferir a posse.

3.1.1. O sistema do título adotado no ordenamento jurídico português: os princípios da


consensualidade e da causalidade

• No nosso OJ, vigora em matéria de efeitos reais, o sistema do título – ou seja, exige-se e
basta para que o direito real se transmita ou constitua sobre a coisa o ato pelo qual se
estabelece a vontade dessa transferência ou constituição – art.408º, nº1;
• Este sistema do título tem como seus corolários, dois princípios:
1) Consensualidade;
2) Causalidade.
Estes princípios significam que a existência, validade e eficácia do título, são condições
necessárias e suficientes para que o direito real se transmita ou constitua (para que o
direito real se transmita basta que exista um título e que esse título seja válido.)

No direito comparado, temos outros sistemas diferentes:


1) Sistema do modo;
2) Sistema do título e modo (Espanha);

No sistema do título e do modo que é vigente na Áustria (425 ABGB) e na Espanha (609º CC Esp.) a
transferência do direito real depende simultaneamente:
o Da validade, eficácia e existência do título (ou seja, o ato através do qual se exprime
a vontade de adquirir o direito real).
o Mas depende simultaneamente de um modo (o ato pelo qual se realiza a transferência
ou aquisição do direito real – é um ato que é celebrado em execução do primeiro
contrato, através do qual se realiza a transferência ou aquisição do direito real.
Em caso de bens moveis, entrega da coisa e no caso de imóveis, a inscrição do registo.
Este é um sistema causal de transmissão de direitos reais, na medida em que para haver
transferência o título deve ser válido. Embora o título válido por si só, não basta. Ou seja, qualquer um
destes atos por si só é insuficiente.
A realização da traditio só permite transmitir o direito real se tiver sido precedida de um negócio
jurídico que fundamenta essa transmissão (como o contrato de compra e venda). Porém, por
outro lado, se houver só título (como é o caso de apenas a compra e venda ter sido celebrada), o
negócio terá valor meramente obrigacional, sem produzir efeitos reais.
Trata-se de um sistema de transmissão causal dos direitos reais, dado que embora o negócio causal
e a transmissão sejam dois negócios distintos, a validade da transmissão depende do negócio
causal.

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No sistema do modo (Alemanha) – a transferência ou constituição depende exclusivamente do
modo (modus adquirendi), depende apenas do ato posterior através do qual se realiza a
transferência ou aquisição:
• Bens móveis (o ato material de entrega da coisa);
• Bens imoveis (a transferência do direito real depende da inscrição no registo).
Este sistema vigora no CC Alemão, no qual o contrato de compra e venda apresenta um valor
meramente obrigacional, não produz efeitos reais. No Direito Alemão, para o comprador se tornar
proprietário do bem vendido, será necessário caso se trate de uma:
• Coisa móvel, um segundo acordo de transmissão (Einigung) – acordo abstrato translativo,
seguido de uma entrega (ubergabe) da coisa;
• Caso o bem seja imóvel, exige-se igualmente um novo acordo de transmissão (auflassung)
– um acordo abstrato translativo e ainda a inscrição nos registos da propriedade
(eintragung).

No sistema alemão, a compra e venda é obrigatória e produz apenas efeitos obrigacionais e em


matéria de transferência de direitos reais, vigora o princípio oposto ao da causalidade que é o da
abstração (na medida em que o contrato de compra e venda produz apenas efeitos obrigacionais,
compra e venda abstrai de vícios eventuais do título).

● Nos direitos que utilizam o sistema do título, como é o caso do sistema jurídico português,
vigoram os princípios da consensualidade e da causalidade.
⎯ De acordo com o princípio da consensualidade, a produção do efeito real depende
apenas do título de aquisição (titulus adquirendi), ou seja, do ato porque se exprime
a vontade de atribuir e de adquirir em virtude de uma causa reconhecida pelo direito.
Esse título é, por si só, suficiente para produzir o efeito real, pelo que a transmissão
da propriedade se verifica logo com a celebração do contrato de compra e venda,
não sendo necessário qualquer ato posterior de entrega ou qualquer outra
formalidade como, por exemplo, o registo.
⎯ O princípio da consensualidade está ligado ao princípio da causalidade. Como a
existência de título é necessária para a constituição ou transmissão do direito real, a
validade ou regularidade da causa de aquisição é imprescindível para que essa
constituição ou transmissão se opere, pelo que qualquer vício no negócio causal afetará
igualmente a transmissão da propriedade.
● O princípio da causalidade vigora quer no sistema do título, em virtude de a transmissão
do direito real depender apenas do negócio transmissivo, quer no sistema do título e do
modo, dada a conexão causal entre o título e o modo.
● Diferentemente, no sistema do modo vigora o princípio oposto - o princípio da abstração –
segundo o qual os vícios no negócio causal não podem afetar a transferência da
propriedade.

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TRANSFERÊNCIA DO RISCO
Art.796º CC – ‘‘Nos contratos que importem a transferência do domínio sobre certa coisa ou que
constituam ou transfiram um direito real sobre ela, o perecimento ou deterioração da coisa por
causa não imputável ao alienante corre por conta do adquirente’’.

• Temos a regra geral de repartição do risco, de perecimento ou deterioração da coisa –


consagra a regra de que o risco corre por conta do adquirente, ou seja, corre por conta do
proprietário, na medida em que o direito se transfere por mera celebração do contrato.
• Esta é a regra geral, mas que tem desvios no nº2 e 3 do art.796º CC.

3.1.2. Os contratos de compra e venda com eficácia real diferido ou mediata – 408º/2) CC;
Art.408 º CC – “[a] constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada dá-se por mero
efeito do contrato, salvas as exceções previstas na lei”.
⎯ ‘‘exceções previstas na lei’’ - não são exceções ao princípio, estas referem-se às
situações em que há dissociação cronológica entre o momento da celebração do
contrato e da transferência do direito real. Ou seja, refere aos casos em que o
direito real se transfere posteriormente – contrato de compra e venda sem eficácia
real imediata.
• O nosso Código Civil prevê uma dissociação, ainda que meramente cronológica, entre o
momento da celebração do contrato e o momento da transferência do direito real, nos
casos previstos no n.º 2 do art.408.º:
• “Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a
coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem
prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se, porém,
respeitar a frutos naturais, partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica
no momento da colheita ou da separação.”

Estas situações são as seguintes:


• Compra e venda de coisa indeterminada – este transfere quando a coisa for determinada
com o conhecimento de ambas as partes (408º, nº1, 1ª parte), excetuam-se os casos em que as
obrigações alternativas e das obrigações genéricas, nas obrigações alternativas, o direito real
transfere-se com a escolha; nas obrigações genéricas, com a concentração (art.540º e 541º
CC).
• Compra e venda de coisa futura – quando a coisa for adquirida pelo alienante;
• Compra e venda de frutos pendentes – momento da colheita;
• Compra e venda de partes componentes ou de partes integrantes – o direito real apenas
se transfere quando as partes componentes ou integrantes forem separadas;

Porquê que nestes casos a transferência fica deferida para um momento posterior?
Em todas estas situações o direito real não se poderia transferir no final do contrato, porque o
direito de propriedade como direito real tem por objeto uma coisa corpórea com certas

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caraterísticas para ser direito real – coisa certa, determinada e autónoma. Logo, se a coisa é
indeterminada, não é autónoma, nem é certa, falta neste pressuposto de autonomia, falta o efeito real.

3.1.3. CLÁUSULA DE RESERVA DE PROPRIEDADE – 409º CC


Há ainda outra situação em que a compra e venda tem uma eficácia real deferida – art.409º, nº1
do CC.

Art.409º CC - “Nos contratos de alienação é lícito ao alienante reservar para si a propriedade da coisa até
ao cumprimento total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de qualquer outro
evento”.

• Se as partes inserem uma clausula de reserva de propriedade, o direito de propriedade


não se transfere no momento da conclusão do contrato, mas sim em momento
posterior.
• A clausula de reserva de propriedade surge nos contratos de compra e venda a crédito,
em que o vendedor entrega logo no momento da celebração do contrato a coisa ao
comprador a permitir ao comparador o gozo da coisa, mas como o preço ainda não foi pago,
o vendedor reserva para si a propriedade até ao momento do pagamento integral do preço,
da última prestação.
• Função: garantia para o vendedor (o princípio da consensualidade facilita
extraordinariamente a transmissão de bens em prejuízo dos interesses do alienante).
• Natureza jurídica: venda com eficácia translativa diferida ao momento do pagamento do preço,
obtendo o comprador logo com a celebração do contrato uma posição jurídica específica
distinta da propriedade – expetativa real de aquisição.

Posição das partes:


• Art.886º CC – de acordo com este artigo transmitida a propriedade e feita a entrega da coisa,
o vendedor não pode resolver o contrato por falta de pagamento do preço.
• É uma situação em que a venda tem eficácia translativa. Diferida para momento posterior
de pagamento do preço, aqui o comprador obtém com a celebração do contrato, uma posição
jurídica real de aquisição do bem.
• O vendedor consagra na sua esfera jurídica a sua propriedade que não é plena, está
onerada com a expetativa real de aquisição do comprador e que está limitada pela função
de garantia da reserva de propriedade, logo, o vendedor embora continue a ser proprietário,
não pode exercer os seus poderes plenos, porque a sua propriedade está onerada. (não pode
por exemplo, alienar a terceiro, porque não é compatível com a reserva de propriedade).
• O comprador não é proprietário, mas é titular de uma expetativa jurídica de aquisição do
bem que é oponível a terceiros, o comprador já obteve a coisa, logo, pode usar e fruir do bem,
mas não pode alinear o bem, nem dispor deste. Se o fizer o ato de alienação é nulo por se
trata da venda de um bem alheio.

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Oponibilidade a terceiros:
Art.409º/2) do CC – “Tratando-se de coisa imóvel, ou de coisa móvel sujeita a registo, só a cláusula
constante do registo é oponível a terceiros”.
• Se a venda com reserva tiver por base uma coisa móvel ou imóvel sujeita a registo, está
dependente de registo, só é oponível se for registada.
• Se a compra e venda com reserva de propriedade tiver por objeto coisa não sujeita a registo, a
clausula será normalmente oponível a terceiros. (posição defendida pela doutrina
maioritária).

3.2. EFEITOS OBRIGACIONAIS


3.2.1. OBRIGAÇÃO DE ENTREGA DA COISA (OBRIGAÇÃO DE TRANSFERÊNCIA DA POSSE) – 882º
CC e 473º CC;
• Está prevista na al. b) do art.879º CC.
• O devedor é vendedor (alienante) e o credor é o comprador (adquirente). Ou seja, o
comprador, para além de se tornar proprietário da coisa por mero efeito da celebração
do contrato, adquire ainda um direito de crédito à entrega da coisa por parte do
vendedor o qual concorre com a ação de reivindicação (artigo 1311.º), que pode exercer
enquanto proprietário da coisa.
• A obrigação de entrega de coisa especifica, é regulada no 882º CC, segundo a qual, a coisa
deve ser entregue no estado em que se encontrava no momento da venda.
Isto faz recair sobre o vendedor uma obrigação especifica relativamente à custódia da
coisa. Ou seja, isto significa que se depois de vendida e a antes de entregue se deteriorar ou
adquirir vícios ou perder qualidades, presume-se existir culpa do vendedor, no
incumprimento desta obrigação de custódia que recaí sobre o vendedor. Haverá
responsabilidade e contratual do vendedor, a menos que consiga provar que a deterioração
não procede de culpa sua – art.799º, nº1 CC.
• Quanto ao âmbito de obrigação de entrega o nº2 do art.882º do CC, abrange salvo
estipulação em contrário, as partes integrantes, frutos pendentes e documentos relativos à coisa
ou direito. Logo, após a venda, não é lícito ao vendedor proceder à separação de cosias móveis
que se encontrem ligadas materialmente ao prédio vendido com caráter de permanência
(painel de azulejos) ou proceder à colheita de frutos pendentes, ou ainda conservar
documentos relativos à coisa ou direito.

3.2.2. OBRIGAÇÃO DE PAGAMENTO DO PREÇO – 883º; 886º CC; art.466º e 474º CCom;
• É outro efeito essencial da compra e venda e está previsto na al. c) do art.879º CC.
• É uma obrigação pecuniária, sujeita ao regime previsto no art.500º e seguintes e consiste na
entrega na quantia em dinheiro ao vendedor.
• Não é necessário que o preço esteja determinado no momento da celebração do contrato, é
necessário que o preço seja determinável.

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4. CARATERÍSTIACS QUALIFICATIVAS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA
4.1. Contrato nominado e típico
• Contrato nominado - porque a lei o reconhece como categoria jurídica;
• Contrato típico - porque o regime está expressamente previsto na lei, não só na compra
e venda civil (art.874º CC e 939º CC) mas também para a compra e venda comercial (art.463º
e 476º CCom) e compra e venda de bens de consumo (DL 84/2021)1
4.2. Contrato oneroso
• Pressupõe a existência de contrapartida pecuniária para a transmissão de bens,
importa sacríficos económicos para ambas as partes. A atribuição patrimonial do
comprador que se concretiza no pagamento do preço.
• Se não existir qualquer contrapartida, o contrato não pode ser qualificado como
contrato de compra e venda, será sim um contrato de doação. Este que tem também como
efeito a transmissão de bens, não é oneroso, mas sim gratuito.
• Se a contrapartida não consistir num montante pecuniário, o contrato não pode ser
qualificado como contrato de compra e venda, mas sim como contrato de troca ou
permuta, art.839º do CC – as disposições que regulam o contrato de compra e venda com
as necessárias adaptações.
• Este carater oneroso pressupõe uma equivalência ou equilíbrio nas atribuições
patrimoniais das partes, no entanto esta equivalência ou equilíbrio, não é objetivo de
valores, não se exige uma correspondência objetiva de valores, aquilo que é relevante é
a equivalência ou equilíbrio subjetivo, assente numa comum intenção ou comum vontade
das partes.

O contrato de compra e venda em que não haja equilíbrio de valores entre as atribuições
patrimoniais, pode colocar problemas de vária ordem:
• Problemas de interpretação e integração;
• Questões de validade (um contrato desequilibrado pode implicar que a parte prejudicada
tem direto a anulação do contrato, por erro ou por usura);
• Problemas de responsabilidade (pré-contratual): se o contrato concluído apesar de válido
e eficaz, é desvantajoso para uma das partes e se essa resulta da violação de deveres pré-
contratuais de esclarecimento ou de informação;
• Problemas de qualificação: se estiver de tal forma perturbada e o preço deixa de
apresentar uma correspondência, o contrato não pode ser qualificado como de compra e
venda, mas sim um contrato misto de venda e doação.
NOTA: Devemos averiguar se o preço é correspetivo do direito transmitido da coisa
comprada, ainda que seja preço de amigo ou se aquilo que as partes quiseram foi atribuir
benefício ao alienante ou adquirente, então o contrato não pode ser configurado como
típico, mas sim atípico de venda e doação. O que releva é a valência subjetiva.

1 Vd. Ponto 5.

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4.3. Contrato bilateral perfeito ou sinalagmático
• A compra e venda é um contrato bilateral sinalagmático uma vez que as obrigações do
vendedor e do comprador se constituem tendo cada uma a sua causa na outra (sinalagma
genético), o que determina que permaneçam ligadas durante a fase da execução do
contrato, não podendo uma ser realizada se a outra o não for (sinalagma funcional).
• Por exemplo, aplicamos ao contrato de compra e vendas as normas privativas de contratos
bilaterais sinalagmáticos – exceção de não cumprimento do contrato e a resolução por
incumprimento.
• Há, no entanto, aqui uma entorse ao sinalagma que resulta do 886º CC – este prevê que
transmitida a propriedade e feita a entrega o vendedor não pode resolver o contrato por falta
do pagamento do preço, isto retira ao vendedor um importante remédio sinalagmático
que é a possibilidade de exercer o direito potestativo de resolução do contrato. Já se o
comprador não efetua o pagamento, este veda ao vendedor o direito de exercer o direito de
resolução do contrato.

4.4. Contrato consensual quando tem por objeto bens móveis e formal quando versa
sobre bens imóveis (ou real quoad effectum)
• Compra de venda de bens móveis - a regra é da subordinação ao princípio da liberdade de
forma (art.219º CC), com exceções, em que a lei exige, em certos casos a observância de forma
escrita por razoes atinentes à proteção do consumidor.
• Compra de venda bens imóveis – a lei exige a observância de forma – a escritura pública ou
documento particular autenticado (875º CC).
Não é necessária para a perfeição do contrato a entrega da coisa (alias, esta é uma obrigação
que emerge do contrato, mas nem sequer faz parte da noção de compra e venda).

4.5. Contrato comutativo, podendo, em alguns casos, revestir carácter aleatório


• Em termos típicos a compra e venda é um contrato comutativo, em que as atribuições
patrimoniais de ambas as partes se apresentam como certas.
• Esta pode em certos casos revestir um carater aleatório, porque as partes apresentam-
se como certas, no entanto o contrato de compra e venda pode revestir um caracter
aleatório, nos seguintes casos:
⎯ Venda de bens futuros, frutos pendentes e partes componentes ou integrantes, se as
partes atribuírem ao contrato esse carácter aleatório, nos termos do n.º 2 do artigo
880.º,
⎯ Venda de bens de existência ou titularidade incerta (artigo 881.º),
⎯ Venda de herança ou quinhão hereditário (artigo 2124.º e ss)
⎯ Venda de expectativas.

4.6. Contrato de execução instantânea


• Se atendermos aos deveres principais que emergem do contrato de compra e venda é de
execução instantânea porque os deveres principais que emergem deste contrato esgotam-se
num único ato ou num único momento.

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• Este é também mesmo nos casos em que está em causa uma venda a prestações, quando
as partes acordam que o preço seja pago em diversas prestações, porque esta não é uma
prestação duradoura propriamente dita, o comprador está adstrito a uma única prestação,
no entanto, a execução da prestação está repartida por diversos momentos porque
interfere no modo de execução da prestação e não com o seu conteúdo ou extensão.
• NOTA: Se no contrato de compra e venda tivermos em conta a relação obrigacional
complexa, o contrato tenderá a ser de execução duradoura, tenderá a durar todo o tempo
da garantia.

5. REGIMES ESPECIAIS DA COMPRA E VENDA e a SUA ARTICULAÇÃO COM O REGIME GERAL


COMUM
• Além de regulado no CC, é também regulado no Código Comercial no art.463º a 476º CCom.
e é também regulado no âmbito do direito do consumo (Lei de Defesa do Consumidor e o DL
de 67/2013 revogado pelo DL de 84/2021).
• Os três regimes têm alguma semelhança – a noção de compra e venda prevista no art.874.º
vale quer no âmbito do direito comercial, quer no âmbito do direito do consumo - mas
também existem algumas diferenças

5.1. COMPRA E VENDA NO DIRIETO COMERCIAL (art. 463º a 476º CCom)


• Previsto no CCom., foi instituído no CCom. por contraposição ao regime da compra e venda
civil que era o Código de Seabra. Atualmente, se confrontarmos o regime da compra e venda
comercial com o regime civil, esta contraposição perdeu grande parte do seu sentido
porque muitas modalidades de venda que anteriormente estava no CCom., estão
também no CCivil, as diferenças entre estes dois tipos de venda se esbateram com a entrada
do Código Civil atual.
• O CCom. não tem uma definição de ‘’compra e venda comercial ‘’;
• Podemos dizer que esta noção de compra e venda comercial constrói-se recorrendo por um
lado, à noção de compra e venda pelo 874º CC e à noção de ato de comércio (art.2º
CCom.).
• Este art.2º do CCom, diz o que são atos de comércio objetivos e subjetivos – define como
objetivos “todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste código” e define atos de
comércio subjetivos como “todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de
natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar”.
• Deste art.2º CCom. podemos retirar as seguintes conclusões:
⎯ Compra ou venda será um ato de comércio objetivo sempre que esteja regulado no
CCom., ou ainda em alguma lei comercial extravagante.
⎯ Será um ato subjetivamente comercial sempre que seja concluída por um
comerciante no exercício do seu comércio.

5.1.1. CASOS EM QUE A COMPRA E VENDA É UM CONTRATO OBJETIVAMENTE COMERCIAL


Começando pelos casos em que se é um ato objetivo – temos que atender ao disposto no art.463º
e art.464º CCom.

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⎯ O art.463º diz quais as compras e vendas comercias e o 464º quais as compras e vendas não
comerciais.
⎯ Estes dois artigos (463º e 464º) decompõe o contrato de compra e venda, em dois atos, a
compra e a venda. A compra será o ato pelo qual se adquire um direito contra o
pagamento de um preço, a venda será a operação se adquire um preço contra a
alienação de um direito.
⎯ Estes artigos decompõe o contrato de compra e venda em dois atos, não implica
necessariamente a qualificação comercial da venda, não implica que a compra seja
qualificada com comercial.
● Exemplo 1 - Se um consumidor vender a um profissional, comerciante de automóveis,
um veículo usado, a venda será um ato civil por estar em causa uma coisa móvel
destinada ao uso ou consumo do comprador e da sua família (art.464.º, n.º 1 do Código
Comercial); já a compra será qualificada como comercial pois o comerciante, ao comprar
o veículo para o revender, está a praticar um ato de comércio objetivo – está a comprar
uma coisa móvel para a revender (art.463.º, n.º 1).
● Exemplo 2 - Se o consumidor comprar a um profissional um veículo em segunda mão
para seu uso, a venda será comercial por se tratar de venda de coisa móvel, comprada
com o fim de a revender (art.463.º, n.º 3 v); já a compra será um ato civil ou um ato de
consumo por se tratar da compra de uma coisa móvel para seu uso (art.464.º, n.º 1 do
Código Comercial).
● Em qualquer um dos exemplos o contrato de compra e venda será um ato de comércio
unilateral, ou seja, será ato de comercio para uma das partes e não para a outra.

⎯ O art.463º liga a comercialidade da compra e venda a um fim particular que é (o lucro) e liga
esse fim que é o lucro que é a compra para revenda.
⎯ Podemos dizer com base no art.463º a compra será comercial desde que tenha sido feita com
o intuito de revenda da coisa comprada.
⎯ E a venda será qualificada como comercial, desde que, a coisa vendida tenha sido comprada
com o intuito de revenda, aqui a comercialidade da compra ou da venda, está ligada a esta
intenção de revenda, isto implica a necessidade de apurar este intuito de revenda, no lado
do comprador e do lado do vendedor. A compra e venda comercial seja detetada por um
comerciante no exercício da sua profissão.

● Indícios do intuito de revenda:


1. qualidade do comprador, especialmente a sua qualidade de comerciante;
2. “natureza da coisa comprada”;
3. “importância da coisa comprada”, ou seja, “a sua quantidade, qualidade e valor”.
● “Condições subjetivas da comercialidade objetiva” (Ferrer Correia)
● Os processos de compra para revenda estão quase sempre ligados ao exercício de uma
atividade ou profissão – daí que a compra e venda comercial seja quase sempre “detetada
pelo facto de ser praticada por um comerciante no exercício da sua profissão”.

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● No n.º 1, 1.ª hipótese, no n.º 2 e no n.º 4, 1.ª hipótese do art.463.º do Código Comercial,
qualifica-se como ato de comércio objetivo a compra, quando tenha sido feita com um
particular fim – a revenda da coisa comprada.
● No n.º 3 e no n.º 4, 2.ª hipótese, do art.463.º do Código Comercial qualifica-se como ato de
comércio a venda, desde que as coisas que agora se vendem tenham sido compradas com
um particular fim – com o fim de as revender.
● No n.º 1 do art.463.º do Código Comercial qualifica-se ainda como comercial a compra de
coisas móveis para locação (“para lhes alugar o uso”).
● Na compra para revenda qualifica-se como ato de comércio objetivo tanto a compra como a
venda; na compra para locação de coisas móveis, qualifica-se como ato de comércio objetivo
tanto a compra (art.463.º, n.º 1 do Código Comercial) como o aluguer (art.481.º do Código
Comercial); na compra para locação de coisas imóveis, não se qualifica como ato de
comércio nem a compra nem o arrendamento.
● Será lícito aplicar por analogia o disposto no n.º 1 do art.463.º e no art.481.º do Código
Comercial que qualificam como ato de comércio objetivo quer a compra de coisas móveis
para locação, quer o aluguer, à compra de coisas imóveis para arrendamento e ao
arrendamento? É possível o recurso à analogia para a qualificação dos atos de comércio?
● Embora o recurso à analogia seja sustentável, os tribunais portugueses continuam a dar um
tratamento diferenciado à compra para revenda, à compra para aluguer e à compra para
arrendamento.
● A compra para revenda e a compra para aluguer são atos objetivamente comerciais e a
compra para arrendamento é tratada como ato objetivamente neutro, que pode ser regulado
pelo direito comercial, pelo direito civil e pelo direito do consumo.

● O STJ em acórdãos de 8 de outubro de 2015, 24 de maio de 2016 e de 5 de julho de 2016,


considerou que a pessoa que adquire, ou que promete adquirir um imóvel para arrendar é
(pode ser) um consumidor.
● Em acórdão de 13 de julho de 2017, o STJ sustentou que não podia ser considerado
consumidor quem comprasse, ou prometesse comprar, imóveis para arrendamento, desde
que o fizesse com alguma frequência (por exemplo, 3 ou 4 vezes) e, em acórdão de 3 de
outubro de 2017, sustentou que não podia ser considerado consumidor quem comprasse,
ou quem prometesse comprar, imóveis para arrendamento, desde que o fizesse com “escopo
lucrativo que tivesse por objeto o prédio ou fração (p.ex., para arrendamento)”.

NOTA: O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2019, de 12 de fevereiro de 2019,


pronunciou-se sobre o problema em os seguintes termos: “...apenas tem a qualidade de
consumidor...o promitente-comprador que destina o imóvel, objeto de traditio, a uso particular, ou
seja, não o compra para revenda nem o afeta a uma atividade profissional ou lucrativa”. Desde este
acórdão, a promessa de compra para arrendamento deixou praticamente de ser considerada
como contrato de consumo.

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5.1.2. CASOS EM QUE A COMPRA E VENDA É UM CONTRATO SUBJETIVAMENTE COMERCIAL
● O art.2.º do Código Comercial define atos de comércio subjetivos como todos os contratos
e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o
contrário do próprio ato não resultar”.
● O art.13.º do Código Comercial considera como comerciantes todas as pessoas físicas “que,
tendo capacidade para praticar atos de comércio, fazem deste profissão” e algumas pessoas
jurídicas – as sociedades comerciais.
● A comerciante pessoa física poderá praticar atos de natureza exclusivamente civil, que não
têm qualquer conexão com o exercício do seu comércio.
Já as sociedades comerciais, por força do princípio da especialidade do fim (art.160.º do
Código Comercial), não poderão praticar atos que não tenham qualquer conexão com o seu
comércio.
● O legislador concentrou-se na comerciante pessoa física e consagrou uma “presunção
genérica de comercial idade para os atos dos comerciantes”.
● Esta presunção está limitada a atos de carater patrimonial;
● Esta presunção é relativa porque pode ser ilidida, quando o ato seja de natureza
exclusivamente civil, em que não tenha conexão com o comércio do sujeito que o
pratica – negócios de direito familiar ou sucessório.
Ou, será afastada se o contrário resultar do próprio ato, se o ato em concreto não estiver
relacionado com o exercício do comércio ou com o exercício do comércio daquele que o
pratica. Serão atos de comércio quase sempre os atos de comércio celebrados entre
sociedades comerciais, e podemos afirmar que não serão quase nunca atos de comércio os
contratos de compra e venda celebrados entre particulares que não fazem do comércio
profissão, entre consumidores. Já relativamente aos contratos de compra e venda celebrado
pelo comerciante de pessoa física, a qualidade do comerciante sujeito que o celebra.
● Atos de “natureza exclusivamente civil” serão aqueles que por natureza não são
suscetíveis de se conexionar com o comércio em geral (atos de carácter extrapatrimonial,
negócios estritamente extrapatrimoniais, negócios de direito familiar ou sucessório, como o
casamento ou a perfilhação)
● A expressão “Se o contrário do próprio ato não resultar” pretende significar um ato que
em concreto não esteja relacionado com o exercício do comércio ou com o exercício do
comércio dos seus sujeitos.

● Das duas fórmulas do art.2.º do Código Comercial podemos retirar o seguinte:


⎯ Serão quase sempre atos de comércio os contratos de compra e venda entre sociedades
comerciais;
⎯ Não serão quase nunca atos de comércio os contratos de compra e venda entre
particulares que não fazem do comércio profissão (entre consumidores).
(Não serão atos de comércio subjetivos, porque o sujeito que os pratica não tem a
qualidade de comerciante; nem serão atos de comércio objetivos porque o critério do
art.463.º do Código Comercial para a qualificação do contrato de compra e venda

12
como ato objetivamente comercial – a inserção num processo de compra para
revenda - está praticamente ligado à qualidade de comerciante.)

5.2. O CONTRATO DE COMPRA E VENDA NO DIREITO DO CONSUMO ( Lei nº 25/96, de


31 de Julho (Lei de Defesa do Consumidor), Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de abril,
Decreto-Lei nº84/2021, de 18 de outubro e Decreto-Lei nº 24/2014, de 14 de
fevereiro, sobre os contratos à distancia ou fora do estabelecimento comercial)

• Encontra o regime na lei de defesa do consumidor, quer no DL de 84/2021.


• O 1º do DL foi um diploma que transpôs para a nossa OJ uma Diretiva 1969/44 sobre as
vendas de consumo e garantias a elas relativas, esta foi uma diretiva muito importante
pelo efeito que teve no direito privado dos vários estados-membros que apesar de ser uma
diretiva de proteção do consumidor se inspirou e estava em linha com o disposto na
Convenção de Viena de Compra e Venda Internacional de Mercadorias, com âmbito de
aplicação diferente da diretiva.
• A Diretiva de 1964 foi revogada pela Diretiva 2019/771 que foi aprovada em conjunto com
uma outra Diretiva de 2019/771 UE.
O nosso legislador transpôs as duas diretivas num único diploma – o DL de 84/2021.
• Ao transpor as duas diretivas o legislador nacional aproveitou para inserir uma secção
respeitante à venda de bens imóveis, a diretiva abrange apenas os bens móveis, mas permite
que os Estados Membros possa alargar o regime previsto.

• Estas novas diretivas tem uma diferença – A de 1994 era de harmonização mínima, logo, os
Estados Membros a transpor a diretiva podem consagrar um regime que seja mais favorável
ao consumidor além do que está previsto na Diretiva.
Sucedeu que os EM’s, consagraram uma proteção além ao consumidor, o que gerou
divergências no direito aplicável nos vários EM’s, uma questão surgia no âmbito da hierarquia
dos direitos atribuídos ao consumidor. Não permite que os EM´s excedam a proteção
conferida pela Diretiva. O que implicou um decréscimo na proteção do consumidor,
pretendida garantir um equilíbrio do consumidor e das pequenas e médias empresas.
• Este tem um âmbito de aplicação objetivo e subjetivo:
⎯ O subjetivo, se aplica no âmbito de uma relação de consumo, entre comprador
profissional e um bem adquirido de uso não profissional, veremos depois quando
estudarmos o diploma, as noções de comprador e vendedor e de bem de consumo.
• Quanto à noção de consumidor, o DL apresenta esta definição sendo que é uma noção mais
restrita do que a noção prevista no art.2º da Lei de Defesa do Consumidor e consta das
definições que estão previstas também no art.2º, na al. g) que define consumidor como
pessoa singular que atua com fins que não se adequam na atividade comercial,
industrial ou profissional ou artesanal.
O consumidor é definido como uma pessoa singular, afastando-se da noção que era dada
pela Lei de Defesa do Consumidor, no sentido de saber se as PME’s são consumidoras.

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• Já a noção de profissional é dada pela al. o) do art.2º - pressupõe uma relação de consumo
e na compra e venda que esteja em causa um contrato de compra e venda, celebrada por um
vendedor que é profissional e um comprador que é consumidor.
• Nas relações de consumo, o regime especial prevalece sobre o regime geral ou comum
previsto no CC, prevalece porque é um regime especial e mais favorável ao consumidor do
que o regime geral ou comum.

Aula 2 – 21/02/2022
Parte II – Formação do contrato de compra e venda

1. FORMA DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA


1.1. Compra e venda de coisas móveis – a regra do art.219º CC e as suas exceções.
• Será consensual, por oposição ao formal quando está em causa a compra e venda de bens
móveis, está sujeito ao princípio da liberdade de forma, previsto no artigo 219º do CC.

1.2. Compra e venda de coisas imóveis – a forma exigida pelo art.875º CC


Art.835º CC - “Sem prejuízo do disposto em lei especial, o contrato de compra e venda de imóveis só é
válido se for celebrado por escritura pública ou documento particular autenticado”.
• Já o contrato de bens imóveis, é formal ou solene porque exige documento particular
autenticado ou escritura pública – art.875º CC.

Há exceções ao suprarreferido:
● O Decreto-Lei n.º 255/93, de 15 de julho, permite que o contrato seja concluído por
documento particular não autenticado, desde que estejam preenchidas três condições:
1.º - que o objeto do contrato seja um prédio urbano, ou uma fração autónoma de
um prédio urbano destinado à habitação;
2.º - que o comprador conclua um contrato de mútuo, “com ou sem hipoteca”, para
pagar o preço;
3.º - que o mutuante seja uma instituição de crédito autorizada a conceder crédito
à habitação.
O documento particular, previsto no art.2.º do Decreto-Lei n.º 255/93, de 15 de julho deve em
todo o caso conformar-se com o modelo aprovado pela Portaria n.º 669-A/93, alterada pela
Portaria n.º 882/94, de 1 de outubro, e conter o reconhecimento das assinaturas
● O Decreto-Lei n.º 263-A/2007, de 23 de julho, prevê um procedimento especial de
transmissão, oneração e registo imediato de prédio urbano em atendimento presencial
único, designado de Casa Pronta.
NOTA: O art.4.º do Decreto-Lei n.º 263-A/2007 dispõe que “o procedimento previsto no presente
decreto-lei cabe aos serviços com competência para a prática de atos de registo predial,
independentemente da área da situação do prédio”, o art.5.º, que “o serviço de registo competente
deve iniciar e concluir a tramitação do procedimento no mesmo dia, em atendimento presencial
único” e o art.8.º, n.º 3, que “os negócios jurídicos celebrados nos termos deste decreto-lei estão

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dispensados de formalização por escritura pública quando esta seja obrigatória, nos termos
gerais”.
• O art.12.º do Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de agosto, na redação do Decreto-Lei n.º 180/99, de
22 de maio, estabelece que a alienação ou oneração por ato entre vivos de direitos reais
de habitação periódica depende apenas de declaração das partes no certificado predial.

1.2.1. Documentos exigidos para a celebração do contrato de compra e venda de


imóveis
Estando em causa a compra e venda de imóveis, são necessários documentos relativos às partes e
ao imóvel:
- Quanto às partes:
• No caso de pessoas singulares, é necessário o nº do CC, o NIF, o estado civil (e identificação
do cônjuge) regime de bens e naturalidade;
• A identidade das pessoas coletivas, desde que sejam empresas, é em geral verificada através
da Certidão do Registo Comercial – art. 49.º do Código do Notariado)

- Quanto ao imóvel:
• A certidão da descrição/da não descrição do prédio no registo predial (em regra, a certidão
permanente prevista pela Portaria n.º 1513/2008, de 23 de dezembro);
• A caderneta predial ou, em alternativa, a certidão de teor da inscrição matricial (em regra, a
caderneta predial obtida por via eletrónica)
• O alvará da licença de utilização ou o alvará da licença de construção conforme o caso
• A cópia do anterior documento autêntico ou do anterior documento particular autenticado
porque o vendedor tenha adquirido a propriedade do bem imóvel
• A cópia do contrato-promessa de compra e venda concluído entre vendedores e
compradores;
• A planta do imóvel (incluindo as construções de apoio à habitação como as garagens)
• A planta de localização
• A ficha técnica da habitação
• O certificado SCE
• O comprovativo da liquidação e do pagamento do imposto municipal sobre transmissões
onerosas de imóveis

NOTA: Estando em causa prédios urbanos construídos, o art.1.º do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26
de julho (na redação do Decreto-Lei n.º 116/2008, de 4 de julho, exige que se faça prova da
existência da licença de utilização, perante a entidade que celebrar a escritura ou autenticar o
documento particular; estando em causa prédios urbanos em construção é necessário fazer prova
da licença de construção (art.2.º do Decreto-Lei n.º 281/99). A estas formalidades acrescem ainda
as que são impostas pelo Regime Jurídico da edificação e da urbanização, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º 555/99, de 16 de dezembro.
O Decreto-Lei n.º 118/2013, de 20 de agosto, exige a obtenção de um certificado SCE (sistema de
certificação energética), dos edifícios ou frações autónomas de edifícios vendidos ou arrendados

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Consequências:
● A omissão do alvará da licença de utilização, do alvará da licença de construção ou da ficha
técnica da habitação tem como efeito a nulidade do contrato de compra e venda
● A omissão da comunicação do projeto de venda de imóvel classificado ou em vias de
classificação aos titulares do direito de preferência tem como efeito a anulabilidade do
contrato
● A omissão do certificado SCE não tem consequências sobre a validade ou sobre a eficácia
substantivas da venda.

1.3. Os requisitos de publicidade


• Os contratos de compra e venda de imoveis estão (todos) sujeitos a registo predial;
- Prédios rústicos e urbanos;
- Automóveis, e ainda navios e aeronaves.
• A aquisição de direito de propriedade sobre bens imóveis, o registo funciona como forma
de publicidade provocada, que é necessária tendo em conta a segurança jurídica do
comercio mobiliário.
⎯ É um registo de aquisições (artº.2º e 3.º do CRP)
⎯ É um registo obrigatório (o art.8º-A determina que é obrigatório submeter a registo
os factos referidos no art.º 2.º e que é obrigatório submeter a registo as ações,
decisões e providências referidas no art.3.º)
⎯ É um registo declarativo (O registo não constitui condição de validade e eficácia entre
as partes “Os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados
entre as próprias partes” (art.4.º do CRP); constitui apenas condição de eficácia e
oponibilidade contra terceiros “só produzem efeitos contra terceiros depois da data
do respetivo registo” (5.º do CRP).

1.3.1. Princípios gerais do registo predial


- Princípios internos:
1. Princípio da legalidade – o conservador do registo predial deve apreciar a legalidade
formal e substancial dos factos sujeitos a registo, recusando o registo ‘‘quando for
manifesto que o facto não está titulado nos documentos apresentados’’ ou ‘’ quando for manifesta
a nulidade de facto titulado’’ – art.68º e 69º CRP;
2. Princípio da legitimação e do trato sucessivo (são duas expressões de uma mesma ideia.)
O princípio da legitimação significa que “Os factos de que resulte transmissão de direitos ou
constituição de encargos sobre imóveis não podem ser titulados sem que os bens estejam
definitivamente inscritos a favor da pessoa de quem se adquire o direito o contra a qual se constitui
o encargo” (art.9.º CRP) e o princípio do trato sucessivo significa que “cada registo de
aquisição ou de oneração depende do registo prévio da aquisição por parte do transmitente ou do
constituinte do encargo” (art.34.º do CRP).

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- Princípios externos:
1. Efeito automático e imediato – corresponde ao chamado efeito presuntivo e decorre do art.7.º
do CRP: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos
precisos termos em que o registo o define”
A propósito deste efeito coloca-se a questão da dupla descrição, total ou parcial, de um único
prédio, com inscrição a favor de dois titulares diferentes: deve dar-se preferência à inscrição mais
antiga ou decidir o caso de acordo com os princípios e as regras de direito substantivo?
O acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2017, de 23 de fevereiro de 2016 pronunciou-
se a favor da segunda solução: “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio,
nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do art.7.º do CRP,
devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito
substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções”.

2. Efeito central – corresponde ao efeito consolidativo (arts. 4.º e 5.º, n.º 1 do CRP)
• O art.6.º, n.º 1 consagra a regra da prioridade: “O direito inscrito em primeiro lugar prevalece
sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos e,
dentro da mesma data, pela ordem temporal das apresentações correspondentes”
• Apesar de obrigatório, tem um efeito consolidativo, não é um registo constitutivo. Não é
necessário para a transferência ou constituição de direitos reais, isto resulta do art.4º e
5º do C.Reg.P.
• O art.4º diz que os factos sujeitos a registo ainda que não registados podem ser invocados
pelas partes ou pelos herdeiros.
• Os direitos apenas produzem efeitos contra terceiros depois do registo, o que significa
que o registo não é condição de validade, nem de eficácia entre as partes, é apenas
condição de oponibilidade a terceiros do registo. Esta noção é dada pelo art.5º, nº4 do
C.Reg.Pred.
• O registo tem um efeito consolidativo porque este registo serve para consolidar o direito
adquirido por mero efeito da celebração do contrato, no sentido que torna o direito mais
forte porque oponível a todos mesmo a terceiros que são terceiros para efeito de registo.

3. Efeito aquisitivo – Proteção da confiança de terceiros na chamada “fé pública registal”


• Noção de terceiros para efeitos de registo (art. 5.º, n.º 4) – Consagra a noção restrita de
terceiros para efeitos de registo: “terceiros para efeitos de registo são aqueles que tenham
adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si”
• Corresponde ao conceito restrito consagrado no acórdão uniformizador de jurisprudência
n.º 3/99, de 18 de maio de 1999, que substituiu o conceito amplo por um conceito restrito,
em que se exigia que o autor ou transmitente fosse comum e que o adquirente estivesse de
boa-fé.
• O art.5.º, n.º 4 não exige expressamente a boa-fé do terceiro.
Apesar disso, na esteira do acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 1/2017, de 23 de
fevereiro de 2016, deve entender-se que a má-fé é um requisito negativo da proteção de

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terceiros para efeitos de registo (a tutela concedida a quem confia na aparência criada pelo
registo – a fé pública registal – deve restringir-se aos terceiros de boa-fé).
• O requisito da boa-fé é expressamente exigido pelos artigos 291.º do CC, 17.º, n.º 2 do CRP e
122.º do CRP.
• Em caso, excecional pode ter efeito aquisitivo (art.5º, n´4 do C.Reg. do art.291º CC, e 17º,
nº2 do Creg.), sempre que permite adquirir um direito em desconformidade com a resultante do
direito substantivo.
Por exemplo, se A celebra com B um contrato de compra e venda, sobre um bem imóvel e
este é valido do ponto de vista formal e substancial, isto significa que B se torna proprietário
do imóvel.
Se B não registar e se A posteriormente vender o mesmo imóvel a C, isto significa que quanto
a B, C é um terceiro para efeito de registo, porque adquiriu do mesmo autor um direito
incompatível com o de B.
• Estas são também situações em que se protege o terceiro que registou e o registo permite
que o 3º, desde que reunido os pressupostos, possa adquirir um direito em conformidade
com a resultante do direito substantivo.
⎯ Art.5º, nº4 – situações triangulares como aquela que vimos supra.
⎯ Art.291º e 17º – refere-se a casos lineares, temos contrato entre A e B e depois contrato
entre B e C, o terceiro é o C que está no final da cadeira de transmissões.
Enquanto o 291º protege o 3º quanto a terceiros face à invalidade de negócio jurídico
anterior aquele que é parte. O art.17º, nº2 – aplica-se a situações lineares, mas protege
o 3º quanto a efeitos da declaração de nulidade, se o registo de B for nulo, o 17º., protege
C desde que tenha adquirido a título oneroso e de boa-fé, protege dos efeitos de nulidade
do registo de B.

NOTA: O 192º do C.Reg. é muito similar ao art.17º do C. Reg. Pred;


NOTA: Apesar destes artigos estarem pensados para situações diferentes, ou seja, o art.291º
(protege 3º quanto efeitos da invalidade de registo anterior) e o art.17º (efeitos de declaração de
nulidade de registo anterior) – porém, podemos ter casos em que se preenche os pressupostos de
ambos os artigos.
O 291º e 17º, nº2, tem requisitos que são idênticos, o que se prende por um lado pela aquisição a
título oneroso e do outro lado por estar de boa-fé. E o 17º, exige que tenha registado antes da ação
de nulidade anterior, aqui o 291º, nº2 acrescenta aos requisitos previstos no nº1, um requisito
adicional, diz o 291º, nº2 o 3º só esta protegido depois de 3 anos depois da conclusão do 1º negócio,
o que significa que mesmo se preencha os pressupostos do art.291º, só fica preenchido depois de 3
anos do primeiro negócio (A e B) e o 17º. Não consagra requisito temporal, desde que tenha
adquirido a título oneroso, boa-fé e tenha registado anteriormente, o 3º fica logo preenchido. Logo,
o 291º é mais exigente do que o 17º, nº2.

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2. PROIBIÇÕES DE VENDA
Casos em que a lei veda a celebração do contrato de compra e venda entre determinadas pessoas
tendo em conta as relações que existem entre elas, admitindo que o contrato seja celebrado entre
outros sujeitos, esta refere-se à venda de coisa ou direito litigioso – art.876º CC. E a venda a filhos e
netos, prevista no 877º CC.

2.1. A proibição de venda de coisa ou direito litigioso – 876º CC:


1. Não podem ser compradores de coisa ou direito litigioso, quer diretamente, quer por interposta
pessoa, aqueles a quem a lei não permite que seja feita a cessão de créditos ou direitos litigiosos,
conforme se dispõe no capítulo respetivo.
2. A venda feita com quebra do disposto no número anterior, além de nula, sujeita o comprador,
nos termos gerais, à obrigação de reparar os danos causados.
3. A nulidade não pode ser invocada pelo comprador.

• Este artigo 876º CC remete-nos ao 579º CC que prevê a proibição de cessão de direitos
litigiosos.
• A razão de ser desta proibição é de que as entidades possam atuar com fins especulativos,
quando o comprador seja uma destas entidades, o legislador teme que pode haver
especulação e que leve à venda por valor inferior ao valor real, isto com o receio que
estas entidades podem exercer quanto a este processo.

Sendo esta a razão de ser desta proibição, esta cessa em determinadas situações, estas previstas
no artigo 581º CC:
• quando a venda for feita ao titular de um direito de preferência ou remição sobre o
bem;
• quando a venda se realizar em defesa dos bens possuídos pelo adquirente (venda ao
arrendatário de um prédio em risco de execução);
• quando a venda for feita ao credor em cumprimento do que lhe é devido (venda realizada
em cumprimento de contrato-promessa celebrado antes de o bem se tornar litigioso);
Nestes casos, a proibição cessa porque deixa de haver receio que a entidade que atua como
comprador possa atuar como especulação.

Consequência:
• A consequência é a nulidade, ficando o comprador sujeito à obrigação de reparação dos
danos causados – 876º e 580º, n 1 e 2º CC.
• Neste caso, a nulidade não pode ser invocada pelo comprador porque se trata de uma
nulidade que é estabelecida primordialmente no interesse do vendedor que pode estar
sujeito à especulação do comprador, esta nulidade é uma nulidade atípica, na medida em
que não pode ser invocada pelo comprador.

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2.2. A proibição de venda a filhos ou netos – 877º CC
‘‘1. Os pais e avós não podem vender a filhos ou netos se os outros filhos ou netos não consentirem na
venda; o consentimento dos descendentes, quando não possa ser prestado, ou seja, recusado, é suscetível
de suprimento judicial.
2. A venda feita com quebra do que preceitua o número anterior é anulável; a anulação pode ser pedida
pelos filhos ou netos que não deram o seu consentimento, dentro do prazo de um ano a contar do
conhecimento da celebração do contrato, ou do termo da incapacidade se forem incapazes.
3. A proibição não abrange a dação em cumprimento feita pelo ascendente.’’

• Ratio: evitar que, sob a capa da compra e venda, se efetuem doações simuladas a favor
de algum ou alguns dos descendentes, com o fim de evitar a imputação nas respetivas
quotas legitimárias (assim se protegendo as legítimas dos demais).
• A consequência da violação do disposto no 877º, não é a nulidade, mas sim a anulabilidade.

HÍPOTESES PRÁTICAS:

CASO 1

Em agosto de 2016, António, proprietário de um terreno onde se encontrava um pomar de


laranjeiras, vendeu a Berta, proprietária de uma mercearia, toda a colheita de laranjas
daquele ano. Em outubro do mesmo ano, António vendeu a Carlos, agricultor, o mencionado
terreno. Do contrato de compra e venda constava a indicação de que o terreno tinha uma área
de 1000 m2.

a) Em novembro de 2016, Berta interpelou Carlos solicitando-lhe a entrega da colheita de


laranjas daquele ano. Carlos ficou surpreendido e recusou a entrega pois António nunca havia
mencionado o direito invocado por Berta.

b) Em novembro de 2017, Carlos começou a vangloriar-se na aldeia de que o terreno comprado


a António tem 1500 m2, de modo que havia feito um excelente negócio. António, surpreendido
por esta informação, quer saber se, e como, pode reagir.

• Em causa está um contrato de compra e venda de laranjas, ou seja, um contrato de compra


e venda de frutos pendentes. Qualificado como coisa imóvel, não tem como objeto os
frutos na qualidade imóvel, mas sim como objeto de coisa móvel futura.
• Previsto no art.408º, nº2 CC, é um contrato que não tem eficácia real imediata, ou seja,
tem eficácia real deferida.
• O momento da produção do efeito real seria o momento da colheita – 408º, nº2 CC, logo,
Berta não adquiriu um direito real, mas sim um direito de natureza obrigacional.
• Aplicamos o 280º do CC, este artigo tem como epigrafe bens futuros, bens pendentes, partes
integrantes ou componentes – exercer as diligências necessárias para realizar o contrato, o
António fica obrigado a exercer as diligencias necessárias para que o comprador
adquira os bens vendidos.

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• O que não significa que não pode ser configurada como venda obrigatória, não se obriga a
praticar um ato translativo da propriedade, isto significa que o contrato não vai transferir
imediatamente o direito real e o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para
adquirir os bens vendidos, a transferência da propriedade é um efeito da celebração do
contrato, não será um ato posterior do ato posterior de propriedade.
• Isto significa que Carlos adquiriu não só o direito de propriedade sobre o terreno, mas
também a propriedade sobre os frutos presos à arvore. E, como o direito da Berta é de
natureza obrigacional este não é oponível a Carlos que é o proprietário, do território, das
arvores e dos frutos não colhidos.
• Temos o direito de Berta e Carlos? Não pode exigir de Carlos, mas só de António porque
este é obrigacional. António está obrigado a exercer as diligencias e tentar que Carlos
entregue as laranjas, Berta não pode opor a Carlos, se ele não entregar. Responde António
por incumprimento culposo, mas Carlos não pode opor porque ela tem um direito
meramente de crédito.

CASO 2
Em abril de 2015, Adriano vendeu a Bernardo um automóvel que costumava conduzir, mas
que pertencia à sua avó Deolinda. Adriano informou Bernardo de que o automóvel ainda não
lhe pertencia, mas que esperava adquiri-lo em breve, uma vez que Deolinda estava
gravemente doente e sabia que era contemplado no seu testamento. Adriano entregou o
automóvel a Bernardo e este entregou-lhe o preço convencionado. Em maio de 2015, Deolinda
morreu, mas contra a expetativa de Adriano, legou o automóvel ao seu primo Carlos. Quid
iuris?

• Estamos perante um caso de compra e venda de bens alheios.


• Segundo o art.893º do CC + 904º CC +408º, nº2 do CC, quando a coisa alheia não é vendida
como própria, mas enquanto coisa alheia, aplicamos o regime de venda de bens futuros.
• O que significa que a transferência da propriedade apenas se iria produzir quando o
automóvel fosse adquirido pelo Adriano e não aquando da celebração do contrato.
• Isto significa que para o Bernardo adquirir a propriedade do automóvel seria necessário que
o Adriano adquirisse a propriedade do automóvel, caso o Adriano adquira significa que a
propriedade se transfere para o Bernardo quando Adriano adquirir, e não é necessário
qualquer outro acordo translativo.
• No caso de o Adriano não adquirir significa que estamos perante um caso de
impossibilidade de cumprimento deste contrato, imputada ao Adriano e que Bernardo
poderia exercer o direito de resolver o contrato – art.801º CC.
• Esta venda considera-se ineficaz quanto ao Carlos, assim sendo, este poderia reivindicar o
automóvel no caso de Bernardo não o devolver.

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CASO 3
Em janeiro de 2015 António decide vender um apartamento que herdara do seu pai, tendo
para o seu efeito, colocado um anúncio na internet. Em abril, António recebe uma proposta
de Bernardo, interessado em adquirir o apartamento pelo valor de 75 000 euros.

António celebra de imediato o contrato de compra e venda do apartamento, por documento


particular autenticado, não tendo, no entanto, procedido ao registo. Dois dias depois, António
recebe de Carlos uma proposta do referido apartamento pelo valor de 100 000euros e,
aproveitando-se do facto de Bernardo não ter registado, decide vender o apartamento a
Carlos. Este, desconhecendo sem culpa o negócio anteriormente celebrado entre António e
Bernardo, procedeu de imediato ao registo da aquisição. Diga, justificando, quem adquiriu o
direito de propriedade sobre o apartamento.

• Estamos perante um contrato de compra e venda de um imóvel que exige a observância


da forma prevista no art.875º CC;
• Neste caso, o Bernardo não registou o imóvel, ora, entre nós vigora o sistema do título, ou
seja, e é suficiente para que o direito real se transmita a existência do título – o contrato
de compra e venda, para que este seja válido.
• O registo predial é obrigatório, porém, com valor consolidativo.
• Depois o António que continuava a figurar como inscrito e Carlos regista, do ponto de vista
substantivo por ser um bem alheio. Carlos estava de boa-fé e confiou na boa-fé registal,
adquiriu um direito incompatível com o direito de B o Carlos adquiriu um direito em
desconformidade com o direito substantivo, com a imposta pelo direito substantivo porque
o direito de Carlos prevalece sobre o de Bernardo. O proprietário seria o Carlos.
• Ou seja, não é pelo facto de não ter ocorrido o registo que o direito será colocado em causa,
este terá apenas um efeito consolidativo, no sentido em que consolida o direito que foi
adquirido, sendo eficaz em relação a todos os terceiros.
• A nível substantivo este negócio seria nulo, uma vez que, existe a venda de um bem alheio,
porém, o Carlos estaria de boa-fé, porque não tinha conhecimento do negócio celebrado
entre António e Bernardo e confiou no registo.
• Assim sendo, o registo quanto a Carlos teria um efeito aquisitivo, enquanto situação
excecional em que o registo permite que o terceiro de boa-fé possa adquirir um direito em
desconformidade com a solução que resultaria do direito substantivo.

CASO 4

António e Berta, proprietários de dois prédios contíguos, entraram em conflito em virtude de


demarcação dos respetivos prédios, alegando António que uma parte do terreno ocupado por
Berta era sua propriedade. Numa tentativa de solucionar o litígio, António propôs uma ação
em tribunal contra Berta. Antes da marcação da audiência de discussão e julgamento do
processo, António vendeu o referido terreno à mulher de um juiz daquela comarca. Quid iuris?

22
• Existe aqui uma proibição de venda, ou seja, a proibição de venda de coisa ou direito
litigioso – art.876º CC.
• A sanção para o contrato de compra e venda realizada com desrespeito por esta proibição
será a sua nulidade, de acordo com o art.876º, nº2 CC.
• Esta é uma nulidade atípica, porque não pode ser invocada pelo comprador – art.876º,
nº3.
• Temos aqui de atender no artigo 579º do CC que consagra a proibição de direitos litigiosos,
que será segundo o seu nº3 aquele que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que
arbitral, por qualquer interessado.
• O art.579º, nº1 determina os sujeitos abrangidos por esta proibição, porém, aqui a
compradora é a mulher do juiz onde decorre o processo, não estando abrangida no nº1.
• Porém, o nº2 do artigo fixa que sendo a venda feita ao cônjuge estamos perante uma venda
feita por interposta pessoa, abrangida pelo art.876º, nº1.
• Logo, a compra seria nula e não pode ser invocada pelo comprador – art.876º, nº3.

CASO 5

Em janeiro de 2014, António vendeu ao seu neto Bernardo, de 20 anos, um automóvel antigo,
por 5000 euros. Nessa altura, Carlos, irmão de Bernardo, de 17 anos, tomou conhecimento do
negócio, mas não manifestou qualquer oposição porque Bernardo, por vezes, o levava a dar
umas voltas. No dia 2 de dezembro de 2014, Dinis, tio de Bernardo, reparou que este usava o
automóvel que pensava ser de António (pai de Dinis) e tomou, então, conhecimento do
negócio. Diga se, em janeiro de 2016, alguém poderá reagir contra o negócio celebrado entre
António e Bernardo, sabendo que o pai de Bernardo (José), filho de António, já tinha falecido.

• Estamos perante uma proibição de venda (art.877º), tendo em conta que é celebrado um
contrato de compra e venda entre avô e neto.
• De acordo com o art.877º do CC, este negócio é anulável, o regime subjacente a esta
proteção será o de evitar a celebração de negócios simulados, ou seja, contratos de
compra e venda entre avos e netos e pais e filhos que são na verdade doações, a ratio da
proibição será o de evitar a violação da legitima dos herdeiros legitimários.
• Neste caso, o António não poderia vender o automóvel a Bernardo, sem o
consentimento do seu filho Dinis e do neto Carlos.
• Este consentimento não exige uma forma especial, vigora aqui o princípio da liberdade da
forma, pode ser prestado tacitamente e pode ser judicialmente suprido quando recusado por
alguém descendente ou quando não possa ser prestado.
• Neste caso, o Carlos era menor, o que significa que o seu consentimento poderia ser suprido.
• Não tendo havido consentimento de Carlos, o contrato seria anulável – art.877º, nº2 do CC.
Porém, a legitimidade para invocar a anulabilidade pertenceria apenas ao filho Dinis e ao
neto Carlos.
• O prazo para invocar é de 1 ano, desde o conhecimento da celebração do contrato ou
do termo da incapacidade se forem incapazes.

23
• Neste caso, o Dinis teve conhecimento em Dezembro de 2014, porém, não reagiu até Janeiro
de 2016, o que significa que já passou mais de 1 ano.
• Quanto a Carlos, o prazo de 1 ano para arguir a invalidade apenas começaria a contar quando
fizesse 18 anos, porém, também aqui já decorreu mais de 1 ano dos seus 18 anos, por isso,
o direito de arguir a anulabilidade já caducou.
• A dificuldade de prova da simulação pode ser bastante exigente.
• Esta proibição de venda de pais a filhos e de avos a netos. No caso de venda ser feita por pais
a filhos, exige-se o consentimento dos restantes filhos, mas não dos netos salvo se o neto for
descente de filho já falecido, aí terão que prestar o consentimento por direito de
representação
• Se for a neto, exige-se dos filhos de todas as estirpes e dos netos que sejam irmãos do
comprador.

CASO 6:

Em 1 de Maio de 2018, António comprou a Bernardo um automóvel por 10. 000 euros, o qual
lhe foi entregue de imediato. Bernardo reservou para si a propriedade até ao integral
pagamento do preço. A cláusula de reserva de propriedade foi registada. António obrigou-se
a pagar o preço em dez prestações mensais de igual valor, vencendo-se a primeira no último
dia de maio. Considere as seguintes hipóteses:

a) António pagou a primeira e a segunda prestação, mas faltou ao pagamento da terceira.


Poderá Bernardo resolver o contrato?

• Estamos perante a compra e venda com reserva de propriedade e com prestações –


partes acordaram que as prestações (409º CC);
• No que respeita à venda a prestações existem duas normas muito importantes – art.934º e
781º CC.
• A introdução da clausula de reserva de propriedade, introduz a situação segundo a qual, a
eficácia real deferida ou mediata, esta obsta a que a propriedade se transfira no momento.
• As razões desta prende-se com as consequências da adoção no nosso OJ do sistema do
título. E de vigorar entre nós o princípio da causalidade e consensualidade – ou seja, o
direito de propriedade transfere-se por mero efeito do contrato e no momento da celebração
do contrato, logo, a transmissão de bens fica extraordinariamente facilitada. Quando as
partes celebram um contrato de compra e venda, o comprador fica logo proprietário do bem
vendido e o comprador pode se quiser voltar a alienar o bem mesmo que o bem não tenha
sido entregue e o preço não tenha sido pago.
• Tendo havido transferência do bem, há possibilidade de resolver o contrato por falta de
pagamento do preço, o vendedor fica em posição vulnerável porque deixa de ser o
proprietário e se já entregou o bem, também já transferiu a posse e relativamente ao preço
quando não foi pago, o vendedor fica na posição de credor, sem qualquer garantia especial,
sem possibilidade de exercer o direito de resolução do contrato se o preço não for pago.
Sobretudo, nas compras e venda a crédito e prestações, com espera de preço e o bem é

24
entregue ao comprador, por forma a permitir ao comprador o gozo do bem, no momento da
celebração do contrato, é frequente a inserção de cláusula de reserva de propriedade.
• Esta clausula é uma importante garantia para o vendedor - o facto de conservar o direito de
propriedade, significa pode também exercer o direito de resolução do contrato, caso o
preço não seja o pago.
• Segundo o art.781º CC a obrigação pode ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta
de realização de uma das prestações importa o vencimento de todas.
• Esta norma deve ser articulada com o art.934º CC que se aplica à venda a prestações: ‘‘vendida
a coisa a prestações, com reserva de propriedade, e feita a sua entrega ao comprador, a falta de
pagamento de uma só prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá lugar à resolução
do contrato, nem sequer, haja ou não reserva de propriedade, importa a perda do benefício do
prazo relativamente às prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.’’
• O 934º do CC, é uma norma especial do contrato de compra e venda que tem de ser articulada
com as normas gerais relativas ao não cumprimento como é o caso do 886º do CC, quer
também do artigo 781º CC.
• Não obstante, o 934º CC, é especial e prevalece sobre o 781º CC. Esta é uma norma especial
que prevalecem sobre as normas gerais que são derrogadas pelas normas especiais, é o caso
do 781º que se aplica quando se trate de uma divida liquidável em prestações.

Estando em causa uma venda a prestações, temos de procurar no 934º do CC – este artigo diz-nos
quais as consequências da falta de pagamento de uma prestação na venda a prestações e a falta de
pagamento, pode ter duas consequências:

1. resolução do contrato;
2. perda de benefício do prazo relativamente às prestações.

• A 1ª parte do art.934º do CC, só se aplica quando houve reserva de propriedade. É uma


norma especial que tem de ser articulada com o disposto no artigo 886º do CC.
• Quanto à 1ª parte, o artigo 836º do CC afasta o direito de resolução do contrato quando foi
transmitida a propriedade e quando foi efetuada a entrega da coisa. O vendedor não pode
resolver o contrato por falta de pagamento do preço. A contrario, não tendo havido a
transmissão da propriedade passaria a poder haver a resolução do contrato, no entanto, o
art.934º CC vem limitar este exercício, quando estiver em causa uma prestação que não
exceda a oitava parte do preço, neste caso, faltou ao pagamento da terceira prestação e
esta representa um décimo do preço, logo, António não pode resolver o contrato – 934º,
1ª parte, a prestação não excede a oitava parte do preço.
• A segunda parte do 934º do CC articula-se com o artigo 781º CC
• A segunda parte do artigo 934º aplica-se à venda a prestações em geral, haja ou não reserva
de propriedade e determina que a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda
a oitava parte do preço não importa a perda do benefício do prazo relativamente as
prestações seguintes, sem embargo de convenção em contrário.
• Esta 2ª parte deve ser articulada com o 781º, que a norma geral quando se trate de divida
liquidável em prestações, em que a falta de realização de uma delas implica o vencimento de

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todas, por força desta norma geral, se for uma prestação liquidada em duas ou mais
prestações, a falta de uma importa o vencimento de todas.

No nosso caso, o vendedor poderia apenas exigir a prestação que se venceu e que não foi cumprida,
com os respetivos juros de mora e teria que aguardar pelo vencimento da prestação seguinte e só
caso não pague a 4ª prestação, Bernardo já pode exercer o direito de resolução do contrato ou exigir
imediatamente o pagamento de todas as prestações.

b) A resposta à aliena anterior seria idêntica na eventualidade de as partes terem estipulado


que o incumprimento de uma prestação conferiria ao vendedor o direito à resolução do
contrato?

• Uma clausula como esta seria contraria ao 934º, 1ª parte.


• As partes podem afastar o artigo 934º ou trata-se uma norma imperativa?
• O 934º CC, prende-se com a expressão ‘‘sem embargo de convenção em contrário’’.
• Há quem entenda que é uma norma com carater supletivo desde que não haja convenção
em contrário e há quem entenda que a norma tem carater imperativo e que se mantém
mesmo ou apesar de haver convenção em contrário.
• A posição dominante relativamente ao 934º CC, é no sentido de que esta norma tem uma
natureza imperativa, por consistir numa norma de proteção do comprador a crédito, este
que é normalmente a parte mais fraca no contrato e com esta disposição o legislador quis
proteger o legislador a crédito.
• Por isso, deve ter carater imperativo e a proteção não pode ser afastada mediante
convenção antenupcial. Logo, esta clausula seria nula, art.294º CC, e sendo nula, a resposta
dada na alínea anterior mantêm-se.

C) Suponha agora que António faltou ao pagamento de duas prestações. Poderia Bernardo
resolver o contrato?

• Neste caso, estamos perante a falha de pagamento de mais do que uma prestação, logo,
segundo o art.934º CC, o vendedor poderia exercer o seu direito de resolver o contrato.
• No caso de venda com reserva de propriedade, esta conservação da propriedade na esfera
jurídica do vendedor visa uma função de garantia de pagamento do preço. Permitindo ao
vendedor, em hipóteses de não cumprimento pelo comprador, exercer o direito de resolução
do contrato e exigir a restituição da coisa.
• O que não quer dizer que o vendedor adquira de forma imediata o direito à resolução do
contrato, isto significa que deixa de funcionar um obstáculo à resolução do contrato que
levantada pelo art.934º CC.
• Para que isto seja possível será necessário converter a mora em incumprimento
definitivo – art.808º CC.
• Em alternativa e no caso de haver o incumprimento de mais do que uma prestação, o
vendedor pode exigir o cumprimento imediato de todas as prestações, segundo a 2ª

26
parte do art.934º, porém, isto é apenas uma alternativa, ou seja, o vendedor resolve o contrato
ou exige o cumprimento de todas as prestações.

PARTE III – Modalidades específicas de venda

1. A compra e venda com reserva de propriedade

d) Suponha agora que António faltou ao pagamento de duas prestações. Poderia Bernardo
resolver o contrato? E se, perante este incumprimento de António, Bernardo vier a exigir de
António indemnização pelo incumprimento, nomeando à penhora o bem vendido com reserva
de propriedade?

• Por conta de quem corre o risco na compra e venda com reserva de propriedade?
• O artigo 796º CC, consagra a regra geral de que o risco corre por conta do proprietário,
embora existam desvios que resultam do nº2 e do nº3 do art.796º CC.
• Se aplicássemos a regra geral corre por conta do proprietário, o direito de propriedade ainda
não se transferiu, e é o vendedor. Logo, o risco corria por conta do vendedor.
• Na reserva de propriedade compreender que o risco corre por conta do vendedor é uma
solução que se dificilmente se pode aceitar.
• Esta não é uma propriedade plena e que está limitada pela função de reserva de propriedade
que é uma função de garantia e que custaria aceitar que o risco corre por conta do
devedor, que já não tem a posse e mantem uma propriedade, uma função de garantia, não
pode exercer quanto à coisa, uma propriedade que está onerada com a posição do
comprador e que tem apenas uma função de garantia.
• Embora geralmente se interprete este artigo como associada a transferência do risco ao
direito de propriedade (ROMANO MARTINEZ) quando se fala em transferência do domínio,
não é apenas da titularidade do direito, mas também da posse.

Aula 3 – 07/03/2021

(Continuação da aula anterior)

A questão que se coloca é a seguinte – por conta de quem corre o risco do preenchimento ou
deterioração da coisa na compra e venda com reserva de propriedade? A resposta à questão
depende da posição que se adote no que toca à natureza jurídica da venda com reserva de
propriedade.

A propósito desta questão encontramos várias teses:

1. Teoria da venda sob condição suspensiva;


2. Teoria da venda sob condição resolutiva;
3. Teoria da venda com eficácia real diferida ao momento do pagamento do preço;

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Tese da dupla propriedade? (a dupla propriedade não é acolhida na doutrina);

Tese da venda obrigatória? (também não é acolhida na jurisprudência)

As principais teses são as três primeiras (condição suspensiva, condição resolutiva e da eficácia
diferida).

1. Teoria da condição suspensiva

• Esta tese corresponde à posição clássica na doutrina;


• Defendida por Galvão Telles, Almeida Costa, Antunes Varela e Nuno Pinto Oliveira;
• A reserva de propriedade seria venda sob condição suspensiva, na medida em que a
transmissão da propriedade ficaria subordinada a um facto futuro e incerto - seria o
aqui pagamento integral do preço. Esta subordinação ao pagamento integral do preço,
confugira a posição jurídica do adquirente sob condição;
• Esta qualificação teria como consequência a aplicação do regime previsto para a condição
suspensiva – art.273º e 274º CC.
• Assim como, a aplicação do disposto da 2º parte do artigo 796º, nº3 CC, ou seja, o risco do
perecimento da coisa durante esse período correria por conta do vendedor, ainda que a coisa
já tivesse sido entregue ao comprador;

Críticas à tese da condição suspensiva:

• O risco, na venda com reserva de propriedade deve correr por conta do comprador. A
venda com reserva de propriedade não sua configuração típica ocorre nos caos em que a
venda é a crédito, mas em que o vendedor entrega a coisa ao comprador no momento da
celebração do contrato, tendo o comprador o gozo da coisa, não faria sentido então que
não fosse o comprador a suportar o risco do perecimento ou deterioração da coisa.
• Neste caso, não estamos perante uma condição em sentido técnico (art.270º CC). O
cumprimento da obração do pagamento do preço, não pode ser perspetivado com evento
condicional, porque é um elemento essencial do negócio; A obrigação do pagamento do
preço, constitui-se no momento em que é celebrado o contrato e aquisição da
propriedade pelo comprador, em que é efetuado o pagamento da última prestação e não
retroage à data da conclusão do negócio, ao contrário do que resultaria da aplicação do art.276º
CC.
• Na venda com reserva de propriedade não há uma condição em sentido técnico, o efeito
do negócio não se subordina a um evento exterior, há sim é uma alteração na produção
dos efeitos negociais. A reserva de propriedade faz com que a transmissão da propriedade
ocorra em momento posterior ao da conclusão do contrato (momento do pagamento do
preço.)

28
2. Teoria da venda sob a condição resolutiva

• Defendida por Cunha Gonçalves


• A propriedade seria desde logo transmitida para o comprador, mas se houvesse o
incumprimento do pagamento do preço, havia resolução dos efeitos do negócio, com
eficácia retroativa, e propriedade passaria para a esfera do vendedor.
• A vantagem desta tese consiste no facto de permitir uma repartição adequada do risco do
perecimento da coisa, quando está em causa um contrato com condição resolutiva, o risco
do perecimento durante a pendência da condição, corre por conta do adquirente se a coisa
lhe tiver sido entregue.

Apesar de permitir uma repartição do risco, podemos apontar as críticas:

• O mesmo que se apontou para a tese sob a condição suspensiva, também aqui se aplica o
facto de não estarmos perante uma condição em sentido técnico, o pagamento do preço, não
é exterior ao negócio, mas sim elemento essencial.
• Esta tese sob a venda da condição resolutiva, não é compatível com a letra do 409º, nº1 do
CC e art.304º, nº3.

3. Teoria da venda com eficácia translativa diferida ao momento do pagamento do preço;

• Esta tese é defendida pela doutrina maioritária;


• O comprador obtém com a celebração do contrato uma posição jurídica especifica,
distinta da propriedade, qualificada como expetativa real de aquisição;
• Esta tese é a que melhor se adequa à posição jurídica do vendedor e do comprador.

Posição do vendedor:

• O vendedor conserva a propriedade, sendo que este passa a estar onerado pela posição
jurídica do comprador, e limitado pela função especifica da reserva de propriedade que
é uma função de garantia.
• Esta conservação ou manutenção de propriedade visa essencialmente uma garantia de
pagamento do preço, permitindo que o vendedor possa em caso de incumprimento do
pagamento do preço, a resolução do contrato e exigir a restituição da coisa.
• Apesar da propriedade se manter na posição do vendedor, está limitada pela função de
garantia da reserva, logo, só pode exercer o direito de propriedade na medida em que
este seja compatível com a garantia – por exemplo, se coloca em causa a subsistência da
garantia, o vendedor pode exercer o seu direito não só contra o comprador, mas também
terceiros. Mas já não poderá dispor novamente da coisa, porque o ato de disposição não é
compatível coma função de garantia da reserva de propriedade.

29
Posição do comprador:

• Ainda não é proprietário, mas tem uma expetativa jurídica de natureza real (e oponível a
terceiros) de aquisição do bem, oponível a terceiros.
• Alem disso, atribui ao comprador um direito de gozo inerente à coisa e oponível a terceiros –
o comprador embora não seja o proprietário é titular de posição jurídica real que é
dotada das caraterísticas da inerência e da sequela – erga homens;
• Pode ser qualificado como possuidor em nome próprio, não pode é dispor porque esses
seriam incompatíveis com a função de garantia visada pela reserva de propriedade e
manutenção da propriedade na esfera do vendedor.
• Se o comprador com reserva de propriedade vende a terceiro, é uma venda nula, por
se tratar de venda de bem alheio.

Conclusão:

• Então, ambos são titulares de posições jurídicas reais. E o risco deve ser repartido de
acordo com o proveito que cada um retira da sua posição jurídica.
• O vendedor deve suportar o risco da perda de garantia;
• Já o comprador que já se encontrava a tirar aproveita da coisa, deve suportar o risco da
perda ou deterioração.
• Devemos por isso considerar que na venda com reserva de propriedade o risco se transfere
para o comprador, logo, que esta seja entregue e lhe permita o gozo da coisa.

Isto significa que se a coisa vendida com reserva perecer ou deteriorar o comprador não fica
exonerado do pagamento do preço, continua obrigado a pagar o preço.

Como possíveis fundamentos para a manutenção do risco, ou que o risco seja suportado pelo
comprador - argumentos de Romano Martinez:

⎯ 796º, nº1 CC – contratos que importam a transferência do domínio, não apenas como
transferência da titularidade do direito, pressupondo uma relação material da coisa e não
só a titularidade do direito real;
⎯ 796º, nº3 CC – transferência do risco à entrega da coisa;
⎯ A reserva de propriedade constitui em certa medida uma condição resolutiva porque
obsta a aplicação do art.886º, logo, se a reserva de propriedade se pode ser considerada
uma condição resolutiva, poderíamos aplicar a primeira parte, do art.796º, nº3, que
associa o risco à entrega da coisa ao adquirente.

30
2. Compra e venda a prestações

CASO 7:

Em novembro de 2017, António vendeu a Belmira um colar de ouro com diamantes incrustados
pelo preço de 12 000 euros, tendo António reservado para si a propriedade do colar até ao
integral pagamento do preço. António e Belmira estipularam que o preço do colar devia ser
pago em oito prestações mensais de 1 500 euros cada, sendo a primeira devida em novembro
de 2017 e a última em junho de 2018.

a) Em dezembro de 2017, Belmira decide vender e entregar o colar a Carlota que o queria
oferecer de presente à sua neta Diana. António fica furioso ao tomar conhecimento
deste negócio e decide vender o mesmo colar a Elisa, que agora o pretende reivindicar
a Carlota. Entretanto, Belmira não pagou a prestação de janeiro no dia acordado e
António quer aproveitar essa situação para lhe exigir o pagamento de todas as
prestações devidas até junho. Quid iuris?

Vamos analisar três questões: 1) atos de disposição, praticados quer pelo vendedor e comprador
com reserva de propriedade; 2) oponibilidade a terceiros da clausula de reserva de propriedade; 3)
E a falta de pagamento de uma prestação.

• Em causa está um contrato de compra e venda (art.744º CC) entre António e Belmira, este
contrato tem por objeto um bem móvel, não sujeito a registo e não sujeito a forma
(consensual – princípio da liberdade de forma- art.219º CC).
• Identificação dos elementos essenciais do contrato e referência aos efeitos essenciais – art.879º
CC;
• As partes inseriram uma clausula de reserva de propriedade, logo, o efeito real da compra e
venda, não se produziu no momento da conclusão do contrato, mas para momento posterior o
do pagamento da última prestação – 409º CC;
• As partes acordam que o pagamento a ser repartido em 8 prestações – é uma compra e venda
a prestações com reserva de propriedade – art.932º CC;
• A reserva de propriedade prevista no art.409º do CC, pode ser definida como convecção
mediante a qual o alienante reserva para si a propriedade da coisa até ao cumprimento total
ou parcial das obrigações da outra parte ou até verificação de qualquer outro evento.
• Normalmente, o evento que determina a transferência é o pagamento do preço, na configuração
típica da venda com reserva de propriedade, fica subordinada ao pagamento do preço por parte
do comprador, o que não significa que as partes não possam ao abrigo do princípio da autonomia
privada, dependente de outro evento que não o pagamento do preço.
• A inserção desta clausula é frequente na compra e venda a crédito, prestações e esperas de
preço, em que a coisa é entregue e permite o gozo da coisa quando é celebrado o contrato.
• E esta clausula desempenha uma importante função de garantia ao vendedor, porque entre
nos vigora o sistema do título, que tem como corolário os princípios da causalidade e
consensualidade, o que significa que se não houver a cláusula de reserva, com a venda o

31
comprador torna-se logo proprietário e pode alinear a terceiro mesmo que não tenha
pagado o preço.
• O vendedor uma vez transmitida a propriedade e efetuada a entrega da coisa, não pode
resolver o contrato por falta de pagamento do preço, dai a importância nestes contratos, fixar
uma clausula com reserva de propriedade, porque obsta a entrega da propriedade.

Regime da RP:

⎯ É estipulada logo no momento que do contrato de compra e venda, não pode ser
posterior.
⎯ E a forma exigida é a mesma que é exigida para a celebração do contrato de compra e
venda, se não esta sujeito a forma a clausula também não é sujeita a forma.
⎯ Pode ser celebrada quanto a qualquer bem móvel e imóvel, mas tem de ser coisa
especifica e não consumível.

CLAUSULA DE RESERVA DE PROPRIEADDE A TERCEIROS, INCIDENTE SOBRE BENS MÓVEIS NÃO


SUJEITOS A REGISTO – ART.409º, Nº2:

• O nº2 do art.409º CC, fixa que o seguinte – a clausula de reserva de propriedade versa sobre
coisa móvel e imóvel sujeita a registo a oponibilidade a terceiros, está dependente a registo.
Só a clausula que conste do registo é oponível a terceiros.
• Se está em causa clausula que incide sobre bens moveis não sujeitos a registo, podemos
suscitar a questão de saber em que termos esta clausula é oponível a terceiros, porque o
nº2 do art.409º CC, não se pronuncia quanto a esta situação?

⎯ A posição maioritária, considera quando verse sobre bens moveis não sujeita a
registo, é normalmente oponível a terceiros. E esta clausula no fundo é uma
consequência da ação dos princípios da consensualidade e da causalidade. Será
normalmente oponível a terceiros mesmo que esteja de boa-fé. Neste caso, tínhamos
um ato de disposição praticado a Belmira que alienou a Carlota - de acordo com esta
posição, a clausula seria oponível a Carlota, ainda que esta última estivesse de boa-
fé, por desconhecer o conhecimento da clausula. Esta solução é a que é conforme da
adoção dos princípios da consensualidade e da causalidade.

Esta venda que é celebrada entre Belmira e Carlota do ponto de vista substancial, é
nula porque vende um bem alheio, e não tinha legitimidade para vender o bem a
terceiro. porquanto Belmira não era ainda proprietária do colar (a transferência da
propriedade ficou diferida até ao integral pagamento do preço) e, ainda, porque no si
A oponibilidade a terceiros da reserva de propriedade quando ela respeite a bens
móveis não registáveis faz recair sobre o adquirente dos bens móveis o risco da evicção
do vendedor, obrigando assim, a uma sua especial diligência nesta situação sistema
jurídico português não vale a regra “posse vale título”.

32
O art.º.1301º do CC, faz aqui uma restrição em ordem à proteção de terceiro de boa-
fé, que se limita a tutelar o interesse contratual negativo de terceiro.

⎯ Há uma posição em sentido contrário (Romano Martinez), é eficaz entre as partes,


mas não é oponível a terceiros de boa-fé, a sua preocupação seria a tutela da boa-
fé do terceiro. Invoca vários argumentos:

1. preocupação do legislador em tutelar a aparência das situações (exp.: no caso da


coisa comprada a comerciante (art. 1301.º) e no penhor (arts. 669.º e ss.);
2. o princípio da relatividade dos contratos (art. 406.º, n.º 2), segundo o qual, a
cláusula de reserva de propriedade, como cláusula contratual que é, por si (sem
registo), não será oponível em relação a terceiros;
3. o argumento de que não se entenderia que no caso de compra e venda de coisa
sujeita a registo, a falta de registo da cláusula implicasse a sua eficácia só inter
partes (art. 409.º, n.º 2) e sendo vendidas coisas móveis não sujeitas a registo a
oponibilidade da cláusula fosse erga omnes;
4. invocação do art. 435.º, n.º 1 relativo à não afetação dos direitos adquiridos por
terceiros de boa fé em virtude da resolução do contrato.

Quanto ao ato de disposição praticado pelo vendedor:

• Relativamente a adquirentes do vendedor, é manifesto que este não pode legitimamente


tornar a dispor do bem, depois de ter constituído sobre ele uma expectativa real de aquisição
a favor do comprador. Se o fizer, sendo a reserva oponível a terceiros, a posição jurídica do
comprador prevalecerá naturalmente sobre a segunda aquisição, devendo aplicar-se a esta,
por analogia, o regime da venda de bens alheios (art.892.º).
• Com efeito, o direito de propriedade do alienante sob reserva de propriedade encontra-se
limitado para efeitos de garantia do pagamento do preço. A função da cláusula não é permitir
ao vendedor a continuação do gozo sobre o bem – uma vez que este é entregue ao
comprador precisamente com o fim de lhe atribuir o seu gozo – mas apenas defender o
vendedor das eventuais consequências do incumprimento do comprador.
• Haverá também aqui que fazer ressalva do regime especial instituído para a situação da coisa
comprada de boa-fé a comerciante (art.1301.º).
• A venda de António a Elisa qualifica-se pois como uma venda de bens alheios (art. 892.º)
por analogia.
• Na venda com reserva de propriedade o vendedor apenas pode alienar a posição jurídica que
tem, de garantia (transmissão da situação jurídica ativa da reserva de que dispõe); a alienação
apenas pode respeitar à posição de reserva, à propriedade com função de garantia, sob pena
de violação da posição jurídica do comprador que tem natureza real.

33
Quanto à falta de pagamento da prestação:

• Tínhamos visto que ao faltar ao pagamento da prestação, Belmira incorre em mora –


art.805º, nº2, al. a) CC, como é prestação é a prazo, verifica-se independentemente de
interpelação.
• Quanto às consequências, como é compra e venda a prestações o disposto no art.934º
prevalece sobre o que é dito nos termos gerais. De acordo com o art.934º - quer o direito a
resolução e a perda do benefício do prazo, pressupõe que esteja em causa a falta de
prestação de 1/8 parte do preço ou a falta de mais do que uma prestação, independentemente
do seu montante.
• Neste caso, a prestação em falta representa exatamente 1/8 do preço. Resta a António a
possibilidade de exigir judicialmente a prestação em causa, acrescida de juros de mora
(Art.817º CC e 806º), ou aguardar pelo incumprimento de uma segunda prestação para,
então poder exigir judicialmente as demais prestações ou resolver o contrato (convertendo
a mora em incumprimento definitivo).

a) Debate sobre o art.934º - será a norma aplicável aos casos em que não tenha havido
entrega da coisa?

• O art.934.º distingue duas situações:


• Na venda a prestações, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a 1/8 do
preço, não importa a perda do benefício do prazo se:
• A coisa tiver sido entregue ao comprador.
• Na venda a prestações, a falta de pagamento de uma só prestação que não exceda a 1/8 do
preço, não dá lugar à resolução do contrato se:
• Existir cláusula de reserva de propriedade;
• A coisa tiver sido entregue ao comprador.
• A venda a prestações, com reserva de propriedade, em que a coisa não foi entregue ao
comprador, não está prevista no art.934.º. Neste caso, ao vendedor é atribuída em
alternativa, a faculdade de resolver o contrato nos termos gerais (art.801.º) – uma vez que
neste caso, havendo reserva de propriedade e não tendo havido entrega, a resolução não
estaria precludida pelo art.886.º - e a exigência das prestações vincendas (art.781.º). No que
toca à exigência das prestações vincendas é discutível se não se deverá aplicar também aqui,
por analogia, a restrição imposta pelo art.934.º.

b) Suponha agora que Belmira era a plena proprietária do bem quando o decidiu vender a
Carlota. Esta, que não dispunha do dinheiro para a compra do colar, decidiu pedir um
empréstimo ao Banco Amigo para comprar o colar. O Banco Amigo aceitou financiar a compra
do colar, mas pretende reservar a propriedade do bem para si até ao pagamento integral do
mútuo. Quid iuris?

• Neste caso, sendo Belmira a plena proprietária do bem quando o vendeu a Carlota, este
negócio já não se configura como venda de um bem alheio.

34
• O contrato celebrado entre Carlota e o Banco Amigo é um contrato de mútuo.
• Debate: discussão sobre a possibilidade de reserva de propriedade inicial a favor do
terceiro.
• Esta questão tem-se tornado comum nos casos em que o financiamento para a aquisição do
bem não é concedido pelo vendedor, mas antes por terceiro. A doutrina está dividida.

Aulas Direito Cvil CEJ

• A venda de Belmira a Carlota, já não é venda de bem alheio porque já adquiriu a propriedade
tem legitimidade para vender o bem, partimos do princípio de que o contrato é valido do
ponto de vista substancial.
• A questão é a de saber se é possível estipular uma reserva de propriedade a favor de um
terceiro (Banco).
• Esta é uma questão muito comum quando o financiamento não é concedido pelo vendedor,
mas por terceiro (instituição de crédito especializada);
• E há aqui um intenso debate quer na doutrina e na jurisprudência;
• Nestes casos, o esquema contratual é triangular (de um dos lados do triangulo temos o
vendedor e o comprador, que celebram um contrato de compra e venda, e no vértice temos
o terceiro financiador que celebra com o comprador, um contrato de mútuo), temos dois
contratos – compra e venda e contrato de mútuo, por força deste último, o financiador entrega
o dinheiro ao comprador, e pretende-se saber se é possível estipular a reserva de
propriedade a favor do terceiro financiador.
• O acordo entre o vendedor e o financiador de cessão da reserva de propriedade configura-
se como um “pagamento com sub-rogação”.
• Isto é uma forma de evitar que haja enriquecimento do vendedor que recebe o dinheiro
que é entregue pelo terceiro financiador, logo, não faz sentido que a propriedade se
mantivesse no vendedor, mas também não faz sentido que se transfira para o comprador
sem antes pagar o crédito.

35
• Nos casos em que o vendedor é simultaneamente o financiador da aquisição a validade
desta cláusula não suscita quaisquer dúvidas.
• As dúvidas surgem quando o financiador é um terceiro que celebra com o comprador um
contrato de crédito ao consumo, regulado pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, de 2 de junho.
• Parte da jurisprudência e da doutrina têm entendido que a cláusula através da qual se
estipula a reserva de propriedade a favor do financiador é nula com base nos seguintes
argumentos:

⎯ Interpretação literal do art.409.º, n.º 1: o financiador não pode reservar para si uma
propriedade da qual nunca foi titular e que nunca alienou;
⎯ Impossibilidade legal do objeto da estipulação (art.280.º);
⎯ As funções da reserva de propriedade como garantia só se justificam para tutela do
crédito do vendedor, devendo o financiador recorrer a outras garantias.
⎯ Violação de normas imperativas (art.408.º, 409.º e 294.º do Código Civil).

• Há parte da doutrina que admite esta tese:

⎯ Parte de uma interpretação atualista do artigo 409º, nº1 do CC. Considerando


que atualmente o panorama das relações jurídico-económicas é diferente de
quando a entrada em vigor do CC, esta era uma relação bilateral, entre comprador
e vendedor e o financiamento seria financiado pelo próprio vendedor e esta
serviria como garantia para o vendedor. Atualmente, o financiamento não é
assegurado pelo vendedor, mas sim por instituição especializada, logo, aquela
configuração tradicional seria atualmente substituída, por este novo modelo, em
que a aquisição do bem, é financiada por uma instituição especializada.
⎯ Nesta relação trilateral, os dois contratos, de compra e venda e mútuo apenas de
manter autonomia formal e estrutural, são dois contratos que coexistem e
interligados entre si com finalidade comum – facilitação de consumo por recurso
ao crédito.
⎯ O acordo entre as partes deve ser visto como acordo unitário e com base na ideia
de união entre contratos que o DL 133/2009 que regula a compra e venda para
consumo financiada, fixa o regime da compra e venda pra consumo financiada.

Nos termos do art.4.º, n.º 1, al. o) do Decreto-Lei n.º 133/2009 para que exista conexão entre os dois
contratos é necessário que se preencham cumulativamente os seguintes pressupostos:

• O crédito tem de se destinar ao financiamento do pagamento do preço de um bem ou


de um serviço específico, devendo esta finalidade ser exclusiva;
• Exige-se a existência de unidade económica entre os dois contratos. A lei indica várias
situações em que se considera existir essa unidade económica. Considera-se que há unidade
económica sempre que o financiador e o fornecedor do bem ou serviço coincidam, ou seja,
quando o crédito é concedido pelo vendedor. Quando o crédito é concedido por um
terceiro, a lei aponta vários factos dos quais se presume, de forma inilidível, a unidade

36
económica: utilização do vendedor por parte do financiador para a negociação ou a
celebração do contrato de crédito, caso em que, perante o consumidor aparece apenas uma
pessoa; indicação expressa do bem ou serviço no contrato de crédito;

☞ A interpretação atualista do art.409.º tem como consequência a extensão da sua previsão, que se
refere a “contratos de alienação” à compra e venda financiada por terceiro (que é sem dúvida a
situação mais frequente nos nossos dias).

• A favor da validade pode invocar-se ainda a natureza da propriedade reservada como um


direito que assume uma função de garantia de um crédito.
• O contrato de cessão da reserva de propriedade ao terceiro financiador seria possível ao
abrigo do princípio da liberdade contratual.
• Invoca-se a natureza dispositiva e não imperativa dos artigos 408.º e 409.º do Código Civil;
• Invoca-se, ainda, um argumento de ordem prática: a nulidade da cláusula conduziria a um
resultado insólito. A partir do momento em que o financiador paga ao vendedor, ou a
propriedade reservada se mantém na titularidade do vendedor, que fica enriquecido por
manter a propriedade e receber a totalidade do preço do financiador, ou a propriedade se
transfere para o comprador, no momento do pagamento pelo terceiro, adquirindo o
comprador a propriedade plena sem ter pagado o preço, resultado contrário ao fim visado
pelo legislador.

Posição da Prof. Maria João Vasconcelos:

• entende que é preferível aquela que nega a admissão da clausula a favor do 3º financiador e
clausula deveria ser nula.
• Não só com fundamento na interpretação da literal do 409º, a letra do 409º CC é clara, no
sentido de que é o alienante que pode reservar para si a propriedade, ainda que não exista
uma alienação económica dos contratos, o terceiro financiador pode sempre recorrer a
outras garantias, esta reserva de propriedade tem função de garantia quanto a um
comprador e não deve ser alargada por forma a permitir a estipulação inicial a terceiro
financiador.

Alguma jurisprudência:

☞ Tribunal Relação de Lisboa, de 07-11-2013, Proc. No 558/13.4TBTVR.L1-6 (MARIA TERESA


PARDAL);

☞ Tribunal Relação do Porto, de 18-12-2013, Proc. No 6534/12.7TBVNG-A.P1 (ALBERTO RUÇO);

☞ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30-09-2014, Proc. No 844/09.8TVL.SB.L1.S1


(MARIA CLARA SOTTOMAYOR);

37
CASO 8

Ana comprou num stand de automóveis de que Dinis é o proprietário, um veículo da marca
BMW, pelo preço de 30.000 euros. O financiamento foi concedido pelo “Banco de Crédito”,
instituição financeira especializada, tendo ficado acordado que a restituição da quantia
mutuada seria efetuada em 36 prestações mensais, ao longo de três anos. O valor das
prestações mensais já incluía os juros, calculados em função da aplicação de determinada
taxa de juro sobre o preço convencionado.

a) Será válida a estipulação de uma cláusula de reserva de propriedade a favor do


“Banco de Crédito”?

• Há dois contratos – compra e venda e contrato de mútuo (contrato de crédito ao consumo);


• Temos uma relação trilateral. Com contratos coligados.
• Quanto à questão da estipulação da clausula da reserva de propriedade, temos que ver os
argumentos dados para a resposta anterior.

b) Se ao fim de um ano, Ana deixar de pagar as prestações poderá o “Banco de Crédito” exigir
o pagamento imediato de todas as prestações devidas até ao final, bem como os juros
remuneratórios relativos às prestações vincendas?

• Para que o Banco pudesse exigir o pagamento imediato de todas as prestações teria que
haver perda do benefício do prazo, temos que saber se e em que condições neste contrato,
há perda de benefício do prazo, por falta de pagamento das prestações;
• Artigo 781º CC e 934º CC;

38
• DL 133/2009 – art.20º - regula o contrato do consumo. Este DL tem um regime especial para
a falta de pagamento no contrato de crédito ao consumo, previsto no art.20 º.
• Se a venda for efetuada no âmbito de uma relação de consumo, sendo o crédito concedido
por um mutuante (profissional) a um mutuário (consumidor) o contrato será qualificado
como contrato de crédito ao consumo, sendo aplicável o regime especial previsto no
Decreto-Lei n.º 133/2009.
• Este diploma consagra um regime especial, destinado a proteger o consumidor a crédito:

⎯ prevê direitos de informação do consumidor;


⎯ exige que o contrato seja celebrado por escrito e que no contrato sejam apostas as
assinaturas dos contraentes;
⎯ consagra um direito de arrependimento ou de livre resolução do contrato pelo
consumidor;

O art.20.º deste diploma derroga o regime consagrado no art.934.º. Em caso de incumprimento do


contrato de crédito pelo consumidor, o credor só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a
resolução do contrato se, cumulativamente, ocorrerem as circunstâncias seguintes:

1 - A falta de pagamento de duas prestações sucessivas que exceda 10% do montante


total do crédito;
2 Ter o credor, sem sucesso, concedido ao consumidor um prazo suplementar mínimo
de 15 dias para proceder ao pagamento das prestações em atraso, acrescidas da
eventual indemnização devida, com a expressa advertência dos efeitos da perda do
benefício do prazo ou da resolução do contrato.

⎯ O n.º 2 esclarece que “a resolução do contrato pelo credor não obsta a que este possa
exigir o pagamento de eventual sanção contratual ou a indemnização nos termos
gerais”.

• No crédito ao consumo, a lei equipara os requisitos para a perda do benefício do prazo e para
a resolução do contrato.
• O credor só tem a possibilidade de invocar um destes institutos no caso de falta de
pagamento de duas prestações sucessivas, desde que exceda 10% do montante do crédito.
• Além do requisito ligado ao valor e ao número de prestações incumpridas exige-se ainda do
credor o cumprimento de um dever de interpelação do consumidor para que este cumpra,
só após o decurso do prazo aí definido podendo ser invocada a perda do benefício do prazo
ou a resolução do contrato (ou seja, prevê-se expressamente a necessidade de conversão da
mora em incumprimento definitivo).

Quanto ao vencimento antecipado das prestações e direito ao pagamento de juros


remuneratórios relativos às prestações vincendas:

39
• Importa referir que esta questão quando há perda do benefício do prazo não é tratada no
DL;
• Apesar de não estar expressamente prevista, tem sido tratada pela jurisprudência e doutrina
e que tem suscitado bastante controvérsia.
• No caso de vencimento antecipado de todas as prestações é necessário analisar se o credor
tem direito ao pagamento de juros remuneratórios relativos às prestações vincendas.
• Esta questão, ignorada pelo Decreto-Lei n.º 133/2009, tem sido objeto de tratamento
significativo por parte da jurisprudência, apontando as decisões no sentido de uma resposta
negativa, ou seja, da inexigibilidade dos juros remuneratórios relativos a prestações
vincendas, com poucas exceções.
• O Supremo Tribunal de Justiça veio uniformizar jurisprudência no sentido de que “no contrato
de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de
cláusula de redação conforme ao art.781.º do CC não implica a obrigação de pagamento dos
juros remuneratórios nelas incorporados”.
• O Supremo Tribunal de Justiça consagrou assim a solução maioritária da nossa
jurisprudência, negando ao credor o direito ao pagamento dos juros remuneratórios nelas
incorporados no caso de vencimento antecipado de todas as prestações, ao abrigo do
art.781.º.

☞ A favor da exigibilidade dos juros remuneratórios:

• O facto de o art.20º do DL não distinguir ao falar das prestações entre o montante do crédito
e os juros remuneratórios, não distingue no montante das prestações a pagar pelo devedor,
aquilo que é o montante do crédito, trata as prestações sem os juros;
• A solução contrária (a não exigibilidade dos juros remuneratórios) teria o efeito perverso
de premiar o incumprimento do devedor. No mútuo oneroso, apesar de o prazo ser
estabelecido a favor de ambas as partes, o art.1147.º estabelece que o mutuário pode
antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro. A solução é estranha, mas o
legislador terá entendido que o interesse do credor no estabelecimento do prazo fica
acautelado com o pagamento dos juros por inteiro. Ora, não faria sentido que, na
eventualidade de o mutuário deixar de cumprir o contrato, o credor perdesse o direito a esses
juros relativos às prestações que se vencem antecipadamente, nos termos do art. 781.º ou de
cláusula contratual similar. Se assim fosse, não cumprir poderia tornar-se mais rentável para o
devedor do que cumprir antecipadamente.

☞ Contra a exibiligadade dos juros;

• A circunstância de não se distinguir nas prestações entre o valor relativo à restituição do


montante do crédito e o valor relativo à remuneração do crédito não é relevante tendo
em conta que na fixação do valor das prestações se parte do princípio de que o contrato será
cumprido pontualmente pelas partes.
• Não sendo o contrato voluntariamente cumprido, e recorrendo o credor ao art.781.º ou ao
art.20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009, altera-se a lógica em que se baseou a determinação

40
do valor das prestações. O contrato já não tem um prazo de duração tão longo, pelo que
não se justifica o pagamento da remuneração pressuposta tendo em conta a duração
definida contratualmente.
• O argumento de que a inexigibilidade de juros remuneratórios permearia o devedor que não
cumpre também é rebatível. O recurso ao art.781.º ou ao art.20.º do Decreto-Lei 133/2009
é apenas uma opção do credor permitindo-lhe decidir se pretende manter o prazo do
contrato, recebendo a contraprestação acordada, ou pôr termo à possibilidade de cumprimento
faseado da obrigação, exigindo imediatamente as prestações vincendas e deixando de ter
direito aos juros remuneratórios (diretamente ligados a esse fracionamento da prestação).
Se o credor optar por exigir o cumprimento imediato de todas as prestações, a indemnização
do credor cinge-se aos juros moratórios de acordo com a taxa acordada dentro dos limites
legais e de eventual cláusula penal que tenha sido estipulada.
• Em caso de não cumprimento é, pois, ao credor que cabe decidir se pretende ou não
manter o contrato, ao contrário do que sucede nos casos em que o devedor decide cumprir
antecipadamente em que não é dada ao credor a possibilidade de se opor ao termo do
contrato (limitando-se o legislador a garantir que o interesse do credor na estipulação do
prazo fica suficientemente acautelado com o recebimento dos juros por inteiro). Esta
diferença explicaria a diversidade do regime.
• Com efeito, se em virtude do incumprimento contratual, o credor vier a exigir o cumprimento
imediato de todas as prestações não faria sentido o pagamento de remuneração pelo
devedor relativamente ao período em que o montante do crédito não está disponível.
• O STJ decidiu, no AUJ de 25 de Março de 2009, no sentido da não exigibilidade dos juros
remuneratórios relativos a prestações vincendas.
• Como se refere no AUJ de 25 de Março de 2009, “no contrato de mútuo oneroso liquidável
em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redação conforme ao
art.781.º não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas
incorporados”.
• O STJ consagrou assim a solução maioritariamente defendida pela nossa jurisprudência,
negando ao credor o direito ao pagamento de juros remuneratórios no caso de vencimento
antecipado de todas as prestações, ao abrigo do art.781.º do CC.
• Os juros remuneratórios têm um carácter, além de retributivo, sinalagmático em relação ao
capital mutuado. A exigibilidade da obrigação de juros remuneratórios está efetivamente
associada à efetiva disponibilidade do crédito (é o preço do seu diferimento no tempo). Assim,
o credor tem de decidir, em cada momento, se prefere exigir de imediato o pagamento de
todas as prestações, perdendo o direito aos juros remuneratórios ou se prefere manter a
vigência do contrato e do seu elemento temporal, mantendo o direito a esses juros.
• Nesta decisão considera-se “inaceitável que pretendendo o mutuante usufruir as vantagens
da imediata recuperação do capital disponibilizado ao mutuário, através do mecanismo do
art.781.º do CC, pretenda igual e concomitantemente que este lhe pague o rendimento do
mesmo, preço do seu diferimento no tempo, situação por ele próprio feita cessar”.
• Esta parece ser de facto a solução mais justa tendo em conta os interesses em jogo:

41
• Em caso de incumprimento, recorrendo o credor ao art. 20.º do Decreto-Lei n.º 133/2009,
altera-se de forma radical o equilíbrio do contrato. A restituição deixa de ser faseada e o prazo
é encurtado por vezes significativamente. Tendo em conta que o regime não é meramente
sancionatório é adequado que, para salvaguardar algum equilíbrio entre as prestações, deixe
de ser possível o credor exigir o pagamento de juros remuneratórios.
• O credor pode optar entre a restituição faseada, com juros remuneratórios ou a restituição
imediata, sem juros remuneratórios.

Podem as partes convencionar o pagamento pelo devedor de juros remuneratórios relativos


a período posterior ao do vencimento de todas as prestações?

• Tratando-se de um contrato de crédito ao consumo, a referência deve ser feita ao art.20.º


do Decreto-lei n.º 133/2009.
• Esta norma deve ser interpretada no sentido de que não podem ser exigidos juros
remuneratórios no caso de ser invocada a perda do benefício do prazo, devendo
considerar-se que o conteúdo imperativo abrange este aspeto do regime. A razão de ser
é a proteção exclusiva do interesse do consumidor e esse interesse só é salvaguardado com
eficácia se as partes não puderem estabelecer que são devidos juros remuneratórios.

3. Locação-Venda

Caso 9:

António celebrou com Bernardo um contrato de locação de um automóvel tendo as partes


convencionado que Bernardo se tornará proprietário do automóvel, depois de satisfeitos os
oito alugueres pactuados, no montante de 1000 euros cada.

a) Bernardo paga o primeiro aluguer, mas falta ao pagamento do segundo. Que direitos
assistem a António?

• O contrato celebrado entre António e Bernardo pode ser qualificado como uma locação-
venda, referida no art.936.º, n.º 2: “quando se locar uma coisa, com a cláusula de que ela se
tornará propriedade do locatário depois de satisfeitas todas as rendas ou alugueres pactuados, a
resolução do contrato por o locatário não cumprir tem efeito retroativo, devendo o locador
restituir todas as importâncias recebidas, sem possibilidade de convenção em contrário, mas
também sem prejuízo do seu direito a indemnização nos termos gerais e no do artigo anterior”.
• O contrato apesar de qualificado pelas partes como locação desempenha a mesma função
económica da venda a prestações com reserva de propriedade pelo que é sujeita pelo
legislador ao mesmo regime. (art.936.º, n.º 1).
• Embora a função seja idêntica isto não significa que a natureza da locação-venda possa ser
configurada como uma verdadeira venda com reserva de propriedade pois nesta, a posição
jurídica do comprador (titular de uma expectativa real de aquisição do bem) ultrapassa
a posição do locatário na locação-venda. É preferível configurar esta figura como uma

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modalidade específica de venda em que, sendo diferida a transmissão da propriedade
até ao pagamento do preço, o vendedor se obriga, entretanto, a proporcionar ao
comprador o gozo da coisa, como locatário desta.
• A função principal do art.936.º, n.º 2 é impedir que as partes, através da estipulação de
uma locação, derroguem o regime vigente para a venda a prestações.
• Daí que se apliquem à locação-venda o disposto nos artigos 934.º e 935.º.
• No caso concreto, isto significa que tendo o locatário faltado ao pagamento de um único
aluguer que não excede a oitava parte do preço (corresponde precisamente à oitava
parte), o locador não pode resolver o contrato, nem exigir imediatamente a totalidade dos
alugueres pactuados.

b) E se Bernardo faltar ao pagamento de dois alugueres? Poderá António resolver o


contrato e reter as prestações já recebidas?

• No entanto, o art.936.º, n.º 2 determina que a resolução tem obrigatoriamente efeito


retroativo, não se aplicando consequentemente o regime do art.434.º, n.º 2, vigente para as
prestações de natureza periódica como seria o caso da renda devida por um contrato de
locação.
• É assim imposta ao vendedor, em caso de resolução por incumprimento, a devolução das
prestações recebidas, apenas podendo exigir uma indemnização nos termos gerais, ou
estipular uma cláusula penal nos mesmos termos do art.935.º:
• Neste âmbito será apenas permitido ao vendedor estipular uma indemnização
correspondente a metade do valor total das prestações convencionadas, a qual será
igualmente aplicável no caso de as realizadas excederem esse valor e se tiver convencionado
a não restituição destas. No entanto, havendo prejuízo excedente, este pode ser
ressarcido até ao limite da indemnização convencionada.
• Distinta da locação-venda é a locação convertível em venda, como sucede no caso de se
convencionar uma efetiva relação de locação, com a possibilidade futura e eventual de
aquisição do bem por parte do locatário, mediante o pagamento de um preço suplementar.
Nestes casos, haverá uma efetiva relação de locação, associada a uma opção de compra ou
uma promessa unilateral de venda.
• Nota: Se a locação-venda ou a locação convertível em venda forem celebradas com
consumidores finais, são igualmente consideradas como contratos de crédito, por força do
art.4.º, n.º 1, al. c) do Decreto-Lei n.º 133/2009.
• O art.2.º, n.º 1, al. d) deste diploma não exclui desta qualificação os contratos de locação
de bens móveis de consumo duradouro quando prevejam o direito ou a obrigação de
compra da coisa locada, seja no próprio contrato, seja em contrato separado, o que
ocorre quer na locação-venda, quer na locação convertível em venda.

43
Aula 4 – 14/03/2022

4. A venda a contento e a venda sujeita a prova

CASO 10

António dirigiu-se à ourivesaria de Bernardo, seu amigo pessoal, com intenção de comprar
uma joia para oferecer à sua mulher Célia por ocasião do seu aniversário.

António ficou encantado com um anel de ouro branco e turquesas, mas, receando que Célia
pudesse não gostar, pediu permissão a Bernardo para levar o anel nos seguintes termos: caso
Célia dele gostasse, Bernardo efetuaria o pagamento no dia seguinte, até ao meio-dia; caso
contrário, devolveria o anel dentro do mesmo prazo.

• Qualificação do negócio celebrado entre António e Bernardo como venda a contento,


prevista nos artigos 923.º e 924.º do CC e 470.º do Código Comercial
• Este contrato celebrado entre António e Bernardo é uma venda a contento, sendo que a
questão que se coloca é saber se trata da 1ª ou 2ª modalidade;

⎯ A 1ª modalidade - nº1 do 923º, vale como proposta de venda, o que significa que
apesar de se falar em compra e venda, não há ainda um contrato de compra e
venda, há sim uma proposta de venda. O contrato só se conclui com a aceitação da
proposta, nesta primeira modalidade, a entrega da coisa ao comprador incorpora
uma proposta de venda; através desta entrega consegue-se ao comprador o
direito de experimentar a coisa e em função disso declarar se pretende ou não
concluir o contrato. O contrato apenas fica concluído com a aceitação, a aceitação
pode ser nos termos expresso ou tácita, mas quanto à 1º modalidade, há uma
particularidade que se afasta das regras gerais da aceitação, o facto de o legislador
atribuir ao silencio - valor declarativo;
⎯ Na 2ª modalidade - no 924º CC, já estamos perante um verdadeiro contrato de
compra e venda, já não há apenas uma proposta de venda, já há um contrato de
compra e venda. Só que este está sujeito a uma condição resolutiva e potestativa,
em relação ao comprador. O comprador dispõe aqui da possibilidade de não
manter o contrato de compra e venda caso a coisa não lhe agrade; É facultado
um direito discricionário caso a coisa não lhe agrade – um direito de resolver o
negócio, este direito de fazer cessar os efeitos do contrato é conferido ao comprador
de modo discricionário;

A esta resolução do contrato aplica-se o 432º e seguintes e tem efeito retroativo, e


o facto de ter havido a entrega da coisa, não afasta o direito de o comprador
exercer o direito de resolução do contrato – art.924º, nº2 CC;

44
• No caso concreto estamos perante uma venda a contento na primeira modalidade
(art.923.º).
• Quando António entrega o anel a Bernardo ainda não se encontra celebrado entre eles um
contrato de compra e venda. Existe apenas uma proposta de venda; a entrega do anel
destina-se apenas a que Bernardo o examine e possa tomar a decisão de contratar caso
esse objeto lhe agrade (ou agrade à pessoa a quem o pretende oferecer). O contrato só se
conclui com a aceitação da proposta e relativamente a esta verifica-se uma inversão
das regras gerais.
• Em regra, a aceitação é uma manifestação de vontade por parte do destinatário de uma
proposta assente na liberdade de declaração e, normalmente o silêncio não é entendido
como aceitação (art.218.º do Código Civil).

• Se dentro do prazo estipulado o comprador nada disser presume-se existir aceitação, e


considera-se concluído o contrato. Se Bernardo nada disser até aos 12 dias do seguinte, o
contrato fica concluído e produz os feitos inerentes, nomeadamente, o pagamento do
respetivo preço;
• Nesta primeira modalidade de venda a contento presume-se a existência de uma aceitação,
com a consequente conclusão do contrato, se o comprador, nos prazos do art.228.º nada
disser (cf. art.923.º, n.º 2). O silêncio tem aqui valor declarativo.
• Uma vez que Bernardo nada disse até ao meio-dia do dia seguinte, o contrato de compra e
venda considera-se concluído e produz os efeitos que lhe são inerentes nomeadamente
o dever de pagar o preço por parte de Bernardo (art.879.º)

☞ Ac. STJ 30/06/2011:

• Versa sobre esta primeira modalidade de venda a contento. Neste acórdão estava em causa
uma máquina que foi colocada e instalada à experiência pelo prazo de um mês, nas
instalações do comprador. Sendo que o facto de a máquina ter sido colocada e instalada à
experiência, levou o tribunal a considerar que por força do acordo das partes, haveria não
uma compra e venda, mas uma mera proposta de venda, ficando o vendedor vinculado
sem que o comprador se vinculasse ao período em que a máquina estava em experiência.
• Neste acórdão, o STJ considerou que o contrato de compra e venda ficou celebrado
através do silencio do comprador, ficou instalada pelo prazo de um mês, durante este o
comprador nada disse e teve um valor declarativo e considerou-se celebrado decorrido
o prazo de um mês;
• Sobre o comprador impendia um ónus de declarar ao vendedor, de que não quer celebrar o
contrato ou um ónus de colocar a coisa à disposição para que o viesse buscar. Como o
comprador nada disse, continuou a realizar a máquina, considerou que o conclui ao
pagamento do preço.

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5. A venda a retro

CASO VII

Em 2 de janeiro de 2012, António vendeu a Berta a sua casa de férias por 500 000 euros. No
contrato foi inserida uma cláusula nos termos da qual António poderia resolver o contrato, a
todo o tempo, dentro do prazo de 6 anos, desde que pagasse a Berta a quantia de 550 000
euros. A cláusula foi inscrita no registo predial. Em 3 fevereiro de 2016 Berta vendeu a casa a
Carlos. Quid iuris?

• Trata-se de uma compra e venda a retro de um bem imóvel entre B e A –927º CC e seguintes;
• Noção - contrato de compra e venda em que se confere ao vendedor a faculdade de
querendo resolver o contrato. Este tipo de venda serve, em geral, para financiar o
vendedor que, sem recorrer a outros meios (exemplo: crédito hipotecário) e sem perder
a possibilidade de reaver a titularidade do bem, pode obter o dinheiro de que carece
(em vez de hipotecar, vende a retro, recebe o dinheiro da venda e se mais tarde a sua
situação financeira melhorar e quiser recuperar o bem resolve o contrato) - uma função
de financiamento do vendedor.
• Nesta modalidade de venda a transmissão da propriedade não se apresenta como
definitiva, na medida em que o vendedor se reserva a possibilidade de reaver o direito
alienado, mediante a restituição do preço e o reembolso das despesas feitas com a
venda.
• A função de transmissão da propriedade dá-se com a transmissão do da propriedade, no
entanto a transferência não é definitiva, ou seja, é sujeita a condição resolutiva, na medida em
que o vendedor se reserva a possibilidade de reaver a titularidade do bem, exercendo
o direito de resolução do contrato.
• Em termos económicos, este contrato não desempenha propriamente uma função de
permuta de bens contra dinheiro (função típica da compra e venda), mas antes uma
função creditícia em relação ao vendedor e uma função de garantia em relação ao
comprador.
• Na perspetiva das atribuições patrimoniais das partes, o contrato apresenta-se como uma
operação de financiamento na qual o pagamento do preço substitui a concessão de um
empréstimo pelo comprador ao vendedor, e o exercício do direito de resolução por este
substitui o reembolso desse mesmo empréstimo, reembolso que se apresentou como
garantido, através da prévia atribuição da propriedade ao comprador.
• A venda a retro associa-se muitas vezes a uma modalidade negocial usurária ao
permitir que o proprietário em dificuldades económicas aliene a retro um bem por uma
quantia relativamente baixa, estabelecendo-se que em caso de resolução teria de ser
paga uma quantia muito superior.
• Por outro lado, esta modalidade de venda poderia ser usada como forma de ultrapassar a
proibição legal do pacto comissório (art.694.º, 665.º, 678.º e 753.º) estabelecida em relação
à hipoteca e outras garantiasreais de origem convencional.

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• Com efeito, em lugar da estipulação de uma garantia, que não permite a imediata aquisição
da propriedade em caso de incumprimento pelo devedor, as partes poderiam sempre
estipular uma venda a retro, transmitindo a propriedade para o credor, apenas a podendo
recuperar o devedor com o pagamento do crédito.
• Por estas razões, no Código Civil de 1867 a figura da venda a retro era proibida.
• No Código Civil de 1966 o legislador considerou que esta modalidade de venda, apesar dos
perigos que pode acarretar por facilitar a conclusão de negócios usurários, é uma forma
viável de resolver alguns problemas como o recurso ao crédito.
• No entanto, para evitar abusos, o art.928.º estabelece que, nesta modalidade de venda, as
vantagens patrimoniais para o comprador têm de estar delimitadas. Assim, será nula a
estipulação de pagamento de dinheiro ou de qualquer outra vantagem para este, como
contrapartida da resolução, sendo igualmente nula, quanto ao excesso, a cláusula que
declare o vendedor obrigado a restituir, em caso de resolução, preço superior ao fixado
para a venda (cf. art.928.º).
• Para evitar que a venda a retro seja utilizada como uma modalidade negocial usurária, o
Código Civil proíbe a atribuição ao comprador de qualquer benefício como contrapartida da
resolução.

Significa isto que o comprador não poderá retirar qualquer vantagem da celebração de uma
venda a retro?

• É possível que o comprador obtenha vantagens com a celebração de uma venda a retro,
respeitando os limites do art. 928.º:
• Quando o vendedor/devedor exerce o direito potestativo de resolução do contrato a
propriedade regressa à sua esfera jurídica, no entanto, os frutos que a coisa produziu, desde
que foi celebrada a venda e até ao momento em que o vendedor exerce o direito de
resolução, mantêm-se na esfera jurídica do comprador/credor. Assim, por exemplo, as
rendas de um imóvel, caso o bem objeto da venda a retro seja um imóvel arrendado, assim
como os dividendos distribuídos por uma sociedade, no caso de se tratar de uma compra e
venda a retro de ações.
• O comprador pode ainda, caso não esteja interessado na coisa objeto da venda a retro dá-la
em locação a outrem, de modo a torná-la proveitosa. Com efeito, verifica-se frequentemente
a hipótese de o comprador a retro dar o bem em locação ao vendedor a retro: enquanto o
primeiro torna, deste modo, o bem rentável, o segundo mantém o gozo do bem apesar de o
ter vendido.

☞ Neste caso, ficou estipulado que em caso de resolução do contrato, António pagaria a Berta a
quantia de 550.000 euros, sendo esta estipulação nula na parte em que excede o preço fixado
para a venda (50.000 euros), nos termos do n.º 2 do art.928.º.

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• Apesar de a venda a retro se achar expressamente prevista, pode questionar-se a sua
admissibilidade, em face da proibição do pacto comissório, quando não haja qualquer
intenção de transferir a propriedade contra o pagamento de um preço a receber, mas apenas
a de constituir uma garantia de pagamento de um crédito a favor do comprador.
• A cláusula a retro é uma estipulação do contrato de compra e venda e, por isso, está sujeita
à forma legalmente exigida para este contrato.
• O que caracteriza a venda a retro é o facto de esta atribuir ao vendedor uma posição jurídica
específica que lhe permite resolver o contrato e recuperar o bem.
• A faculdade de resolução terá de ser expressamente convencionada pelos contraentes,
fixando a lei limites legais à estipulação do prazo para a resolução (cf. art.929.º).:

⎯ dois anos para a venda de coisa móveis;


⎯ cinco anos para a venda de imóveis.

• Neste caso, as partes estipularam um prazo de seis anos para o exercício do direito de
resolução, sendo este prazo mais longo do que o previsto no n.º 1 do art.929.º. Nos termos
do n.º 2 do art.929.º, a consequência da convenção de um prazo que excede o limite previsto
na lei é a redução automática do prazo convencionado pelas partes a esse limite (cinco
anos por se tratar de um bem imóvel).

Apesar da redição do prazo, o vendedor tem 5 anos para resolver, quid iuris se antes de
decorrido o prazo este é vendido a um terceiro?

• O art.932º CC, determina que a cláusula a retro é oponível a terceiros, desde que a venda
tenha por objeto bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registo e tenha sido registada
• Deste artigo podemos retirar mediante uma interpretação a contrario que o quando a venda
a retro verse sobre bens moveis não sujeitos a registo, a clausula a retro não será
oponível a terceiros. Ou seja, a clausula a retro só será oponível a terceiros no caso de a
venda ter por objeto bens moveis ou imoveis sujeitos a registo e desde que a clausula tenha
sido registada.
• Se versa sobre bens imoveis não sujeito a registo, tem uma eficácia obrigacional.
• Esta clausula será oponível ao terceiro, neste caso, a Carlos. Aquém o bem foi alienado antes
de decorrido o prazo, antes de poder exercer o direito de resolução do contrato

Como se exerce a eficácia real?

• Neste caso, a venda diz respeito a um bem imóvel e a cláusula foi registada.
• Tendo o comprador alienado o bem a um terceiro (Carlos) antes de terminado o prazo
para o vendedor resolver o contrato, poderá questionar-se como se exerce, neste caso,
a eficácia real.
• Parece que, apesar de já ter ocorrido essa alienação, em caso de resolução, é ao comprador
que esta deve ser notificada, bem como é a ele que deve ser feita a oferta real do preço

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e despesas, devendo depois o vendedor opor o seu direito ao terceiro adquirente que
poderá, por sua vez, reclamar do comprador o reembolso do que tiver pagado.
• Uma vez efetuada a resolução na venda a retro, a propriedade retorna à esfera jurídica
do vendedor, sendo adquirida ex nunc, já que a resolução se processa aqui sem eficácia
retroativa.
• Os frutos que a coisa produziu entre o momento da venda e o da resolução pertencem
ao comprador.
• Sendo a cláusula a retro oponível a terceiros, os bens regressarão à esfera jurídica do
vendedor livres de quaisquer ónus ou encargos com que o comprador tenha onerado os
bens.

☞ Acórdão do STJ de 16-03-2011, Processo 279/2002 E1.S1

(falta a questão do pacto fiduciário)

6. Compra e venda com mandato para adquirir e/ou alienar

• O contrato de compra e venda pode ser celebrado em execução de um contrato de


mandato para adquirir e/ou para alienar
• Art.1157º CC - “[m]andato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais
atos jurídicos por conta da outra”.
• É uma modalidade de contato de prestação de serviços definido como contrato pelo qual
uma das partes pratica um ou mais atos jurídicos por conta da outra.

Desta noção resultam os dois elementos essenciais do contrato de mandato;

1. A obrigação de praticar um ou mais atos jurídicos – se a obrigação assumida tiver por


conteúdo atos materiais ou intelectuais, não se estará perante um contrato de mandato,
mas perante a prestação de serviços atípica (art.1154.º). Os atos jurídicos objeto do
mandato são normalmente negócios jurídicos, mas podem igualmente ser simples atos
jurídicos (como, por exemplo, quando alguém encarrega outrem de interpelar os seus
devedores ou pagar aos seus credores).
2. Atuação do mandatário por conta do mandante – esta expressão atuar por conta que
é um elemento essencial deste contrato significa atuar com intenção de atribuir a
outrem, os efeitos dos atos praticados pelo mandatário. Que em última análise se irão
projetar na esfera jurídica do mandante e não da esfera do mandatário

• É um contrato nominado e típico – 1157º;


• É primordialmente, não formal, no entanto, estando em causa um mandato com
representação, a procuração está sujeita à forma do negócio que o procurador deva
realizar – 262º CC;
• Pode ser gratuito ou oneroso, o 1158º refere a gratuidade ou onerosidade do mandato. O
art. 1158º duas presunções distintas, presume-se oneroso o mandato que envolva atos

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que o mandatário pratique por profissão e presume-se gratuito o mandato estranho à
atividade profissional do mandatário. Ambas as presunções são, no entanto, ilidíveis
mediante prova em contrário.

Relativamente à sua extensão o mandato pode ser geral ou especial:

• Mandato geral: É considerado mandato geral aquele que seja conferido para gestão dos
interesses do mandante em determinada região do país ou para uma das atividades
económicas a que ele se dedica. Nos termos do art.1159.º, n.º 1, o mandato geral só
compreende atos de administração ordinária, ou seja, atos que correspondam à normal
conservação e frutificação do património, excluindo-se assim atos que se traduzam na
extinção de direitos (como a confissão, desistência ou transação), que envolvam
alienação ou oneração de bens imóveis ou que impliquem a assunção de obrigações de
relevo.
• Mandato especial: Será considerado como mandato especial aquele que abranja certos e
determinados negócios. Nos termos do art.1159.º, n.º 2, o mandato especial abrange, além
dos atos nele referidos, todos os demais necessários à sua execução (por exemplo, o
registo de aquisição relativamente a um mandato para compra).

Relações com terceiros:

Do mandato resulta para o mandatário o dever de praticar atos jurídicos por conta do mandante,
o que não envolve necessariamente a outorga de poderes representativos (procuração) nem
implica a atuação em nome do mandante:

• Mandato com representação – ocorre sempre que o mandatário tenha recebido poderes
representativos (mediante uma procuração) e atue em nome do mandante. O regime da
representação (art.258.º ss.) é igualmente aplicável ao mandato (art.1178.º, n.º 1);
• Mandato sem representação – o mandato sem representação é aquele que é exercido por
conta do mandante em nome do próprio mandatário, mesmo que o mandatário tenha
recebido poderes representativos ou o mandato seja conhecido dos terceiros que
participem nos atos ou sejam destinatários destes.

Repercussão na esfera do mandante dos negócios celebrados entre o mandatário e terceiros

• Quando se trata de um mandato com representação, os efeitos do negócio jurídico


realizados na esfera jurídica do mandatário representam-se imediatamente na esfera do
mandante.
• Se for um mandato sem representação, temos que distinguir consoante seja um mandato
para adquirir ou mandato para alienar:

⎯ o mandato para adquirir:

50
▪ vigora a regra da dupla transferência (arts. 1180.º e 1181.º) – o mandatário
adquire os direitos e assume as obrigações resultantes dos negócios que
celebra, ficando, porém, obrigado a transferir para o mandante os direitos
adquiridos em execução do mandato.

⎯ o mandato para alienar: a lei não faz qualquer referência à situação vigente em sede
de mandato para alienar.

CASO 11

Por incumbência e por conta de António, Bento comprou um apartamento em seu próprio
nome pelo preço de 100.000 euros.

a) Suponha que, ainda antes que Bento conseguisse informar António da compra, já este lhe
havia feito chegar uma mensagem na qual agradecia os esforços desenvolvidos, mas que,
entretanto, tinha pedido a Carlos que fizesse a compra. Quid iuris?

• Entre António e Bento foi celebrado um contrato de mandato.


• Nos termos do art. 1157.º “[m]andato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar
um ou mais atos jurídicos por conta da outra”.

Elementos essenciais do contrato de mandato:

1) Obrigação de praticar um ou mais atos jurídicos – se a obrigação assumida tiver por


conteúdo atos materiais ou intelectuais, não se estará perante um contrato de mandato, mas
perante a prestação de serviços atípica (art. 1154.º).Os atos jurídicos objeto do mandato são
normalmente negócios jurídicos, mas podem igualmente ser simples atos jurídicos (como,
por exemplo, quando alguém encarrega outrem de interpelar os seus devedores ou pagar
aos seus credores).
2) Atuação do mandatário por conta do mandante – a expressão “por conta” significa a
intenção de atribuir a outrem os efeitos do ato celebrado pelo mandatário, que assim se
projetarão na esfera do mandante e não do mandatário.

• Bento comprou o apartamento em seu próprio nome


• Isto significa que o mandato em causa é um mandato sem representação: nos termos do
art.1180.º, o mandato sem representação é aquele que é exercido por conta do mandante
em nome do próprio mandatário, ou seja, sem contemplatio domini.
• No mandato sem representação, a repercussão na esfera jurídica do mandante dos negócios
jurídicos celebrados entre o mandatário e terceiro é indireta já que os atos jurídicos
praticados pelo mandatário produzem os seus efeitos na esfera jurídica do mandatário,
sendo necessário um posterior ato de transmissão para que os direitos correspondentes
possam ser adquiridos pelo mandante (art.1181.º, n.º 1).

51
• Na alínea a), o mandante, António, ao pedir a Carlos para fazer a compra, revoga tacitamente
o mandato nos termos do art.1171.º do Código Civil.
• Ao contrário do que sucede no comum dos contratos, em que a revogação opera por acordo
das partes (art.406.º, n.º 1), o mandato admite uma causa de extinção atípica que é a
revogação unilateral, estabelecendo o art.1170.º, n.º 1, que o mandato é livremente revogável
por qualquer das partes, não obstante convenção em contrário ou renúncia ao direito de
revogação. Temos assim estabelecida, com carácter injuntivo, a faculdade de livre resolução
do mandato. Como o mandato pressupõe uma relação de confiança entre as partes, deve
extinguir-se logo que uma das partes entende que essa confiança já não subsiste. Confere-
se, assim, a ambas as partes uma faculdade de revogação ad nutum, não vinculada.
• O art.1171.º admite, inclusivamente, a revogação unilateral tácita que ocorre quando o
mandante designa outra pessoa para a prática dos mesmos atos, considerando-se, no
entanto, que a eficácia da mesma depende do seu conhecimento pelo mandatário. Assim, a
revogação tácita do mandato não afeta a aplicabilidade dos artigos 1180.º e ss.
• Neste caso, a revogação unilateral do mandato, sem acordo do mandatário, é admitida à luz
do disposto no art.1170.º, porquanto não existem indícios no texto de que o mandato tivesse
sido constituído também no interesse do mandatário.
• A revogação sem justa causa sujeita, porém, o mandante a indemnizar o mandatário, quer o
mandato tenha sido celebrado por certo prazo ou assunto, quer tenha sido celebrado por
tempo indeterminado, pois, neste último caso, não foi feito um pré-aviso (cf. art.1172.º, al. c)).

c) O vendedor Daniel pretende reagir contra António e contra Bento por não ter recebido
o preço que lhe é devido. Quid iuris?

• Está em causa a repercussão na esfera jurídica do mandante dos negócios jurídicos


celebrados entre o mandatário e terceiro. Esta repercussão pode ocorrer por duas formas,
consoante se trate de mandato com ou sem representação.

⎯ No mandato com representação, os atos jurídicos praticados pelo mandatário em


nome do mandante produzem os seus efeitos diretamente na esfera jurídica deste último
(arts. 1178.º e 258.º).
⎯ Já no mandato sem representação, os atos jurídicos praticados pelo mandatário
produzem os seus efeitos na esfera jurídica deste, sendo necessário um posterior ato de
transmissão para que os direitos correspondentes possam ser adquiridos pelo
mandante (art.1181.º, n.º 1).

• Em ambos o caso existe, no entanto, uma atuação por conta do mandante, já que, quer por
via direta, quer por via indireta, vem a ser o mandante o destinatário final dos efeitos
dos atos celebrados pelo mandatário em execução do mandato.
• No caso concreto, estamos perante um mandato sem representação, já que é exercido
por conta do mandante em nome do próprio mandatário.

No âmbito do mandato sem representação poderiam ser adotadas em abstrato duas teses:

52
• Tese da dupla transferência, segundo a qual os efeitos repercutem-se na esfera do
mandatário, sendo necessário um negócio autónomo para os transmitir para o
mandante;
• Tese da projeção imediata, segundo a qual os efeitos repercutem-se diretamente na
esfera do mandante, sem terem que passar pelo património do mandatário. Entre estas
existe, ainda, uma posição intermédia, que sustenta a dupla transferência no mandato
para adquirir e a projeção imediata no mandato para alienar.
• No âmbito do mandato para adquirir, a lei portuguesa adotou claramente a tese da dupla
transferência, ao estabelecer, no art. 1180.º, que se o mandatário agir em nome próprio
“adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra”.
• Os efeitos dos negócios não se repercutem assim diretamente na esfera do mandante, mas
antes na esfera do mandatário, de onde terão que ser posteriormente transferidos para o
mandante.
• Neste caso, o art.1182.º, no que toca às dívidas contraídas pelo mandatário em execução do
mandato, estabelece que o mandante deve assumi-las através do instituto da assunção de
dívidas (arts. 595.º e ss). Se não o poder fazer, deve entregar ao mandatário os meios
necessários para cumprir ou reembolsá-lo do que este houver despendido nesse
cumprimento. Apesar de o dever de pagar pertencer ao mandatário, o mandante pode pagar
diretamente (aplicação do art.767.º).
• Já, o terceiro (Daniel) não pode demandar diretamente o mandante por dívidas
contraídas pelo mandatário, podendo apenas exercer, o direito que o mandatário tem
sobre o mandante constante do art.1182.º nos termos gerais, a ação sub-rogatória (arts.
606.º e ss.). No entanto, esta ação só é permitida quando seja essencial à satisfação ou
garantia do direito do mandatário e, uma vez exercida, beneficiaria todos os credores do
mandatário.

c) Bento recusa-se a entregar o apartamento. Quais os meios legais à disposição de António?

• No que toca à repercussão na esfera do mandante dos atos jurídicos praticados pelo
mandatário em execução do mandato importa distinguir, no mandato sem representação:

⎯ o mandato para adquirir: vigora a regra da dupla transferência (arts. 1180.º e 1181.º)
– o mandatário adquire os direitos e assume as obrigações resultantes dos negócios
que celebra, ficando, porém, obrigado a transferir para o mandante os direitos
adquiridos em execução do mandato;
⎯ o mandato para alienar: a lei não faz qualquer referência à situação vigente em sede
de mandato para alienar.

• Em termos teóricos, no âmbito do mandato para alienar tanto podia ser defendida a tese da
projeção imediata, segundo a qual ocorre uma transferência direta do mandante para o

53
terceiro adquirente do bem alienado pelo mandatário, como a tese da dupla transferência,
que entende que a alienação se efetua através do património do mandatário.
• Esta última tese comporta duas versões:

⎯ tese da dupla transferência instrumental ou simultânea, segundo a qual a


transferência para o mandatário fica sujeita à conditio iuris da retransmissão do bem a
terceiro, sendo instrumental e contemporânea da mesma;
⎯ tese da dupla transferência fiduciária, segundo a qual, a transferência no mandato sem
representação corresponderia a um negócio fiduciário, pelo qual o mandatário adquiriria
previamente a propriedade do mandante, com a obrigação de a retransmitir a terceiro.

• A doutrina portuguesa tem divergido entre a tese da projeção imediata e a tese da dupla
transferência fiduciária.

⎯ A favor da tese da projeção imediata pronunciaram-se Pires de Lima e Antunes


Varela: a venda de bens alheios apenas é nula se o vendedor carecer de legitimidade
para a realizar. Ora, o mandato, mesmo sem representação conferiria ao
mandatário a necessária legitimação para celebrar o negócio de transmissão de
que foi incumbido. A venda seria, assim, válida, embora a coisa fosse alheia,
perdendo o mandante a propriedade e adquirindo-a o terceiro, “como se o mandatário
tivesse poderes de representação”. No mesmo sentido, Manuel Januário Gomes entende
que é o próprio mandato que confere legitimidade para alienar o bem.
⎯ A favor da tese da dupla transferência fiduciária pronunciaram-se Galvão Telles,
Castro Mendes e Maria João Tomé. O mandato sem representação coloca problemas
de legitimidade sempre que o ato, seja de administração, seja de disposição,
pressupõe a titularidade de um direito determinado, como sucede na alienação ou
oneração de bens. Neste caso, uma vez que o mandatário celebra o ato em nome
próprio, só terá legitimidade se se apresentar como titular do direito, o que implica
que o mandato tenha de ser acompanhado da alienação pelo mandante ao
mandatário dos bens sobre que se exercerá a atuação do mandatário. Ocorrerá,
assim, uma alienação fiduciária prévia, na medida em que através desta não se visa
tornar o mandatário proprietário pleno dos bens, mas apenas atribuir-lhe uma
propriedade limitada, em ordem a conferir-lhe legitimidade para lhes dar o
destino previsto no mandato. Assim, o mandante deverá previamente transferir
fiduciariamente a propriedade ao mandatário (art. 1167.º a)), que, por sua vez, assume
o encargo de a retransmitir a terceiro.

• Se não ocorrer essa transferência prévia, deverá considerar-se que o mandatário celebra uma
venda de bens alheios (art.892.º), a qual poderá ser convalidada mediante a aquisição do bem
ao mandante (art.895.º), podendo o mandatário exigir que o mandante convalide esse
negócio, ao abrigo do art.1182.º.

54
• No que toca ao conflito que opõe Bernardo e Carlos, importa tomar posição na
controvérsia sobre o modo como se processam os efeitos do mandato sem
representação para alienar:
• Quem defende a tese da projeção imediata, tem necessariamente de se opor à penhora,
dando assim razão a Bernardo dado que o bem nem sequer terá entrado no património deste
último.
• Quem sustentar a tese da dupla transferência fiduciária, nem por isso terá de se conformar
com a penhora do relógio dado que, neste caso, se deverá aplicar analogicamente à aquisição
de bens pelo mandatário o regime do art.1184.º: o facto de o mandatário ter adquirido os
bens em execução do mandato para os transmitir a terceiros justifica igualmente que os
mesmos não sejam executados pelos credores pessoais do mandatário, desde que o
mandato conste de documento anterior à penhora dos bens e não tenha sido efetuado o
registo da aquisição, quando esta esteja sujeita a registo.

☞ Acórdão 16/03/2016

1. A exceção do caso julgado pressupõe a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de


pedir.
2. A determinação dos limites do caso julgado e da sua eficácia passam pela interpretação do
conteúdo da sentença e, concretamente, dos fundamentos que se apresentem como
antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.
3. A venda à consignação é um contrato atípico, no qual uma das partes (consignador) remete
à outra (consignatário) certa mercadoria, para que esta a venda, com o direito a uma
participação no lucro e a obrigação de restituir a coisa não vendida.
4. Este contrato é regulado pelas estipulações acordadas e, na sua falta, pelas regras do
mandato sem representação e da compra e venda, devidamente ajustadas ao pretendido
pelas partes.
5. Na falta de estipulação nesse sentido, a transferência da propriedade da coisa do
consignador para o consignatário não ocorre. Uma tal vontade de transmissão exigirá das
partes uma manifestação clara.

Entre A e B temos uma venda à consignação, a entrega a B para vender ou revender as mercadorias
a terceiros, sendo que se B revender, fica com a parte do lucro se não restitui a A essas mercadorias.
Este é um contrato atípico e aplica-se as regras do mandato sem representação e também regras da
compra e venda que se ajustem ao que é pretendido pelas partes. A regra, é que não há transferência
da propriedade para o consignatário, logo, quando este vende a terceiro, este passa da esfera do
consignador para a esfera jurídica do terceiro, sem que os bens entrem no património do
mandatário.

55
Parte IV - PERTURBAÇOES TÍPICAS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA:
1. A venda de bens alheios (art. 892.º a 904.º do CC e 467.º, n.º 2 do CCom)
2. A venda de bens onerados (arts. 905.º a 912.º do CC)
3. A venda de coisas defeituosas (arts. 913.º a 922.º do CC). Confronto entre o regime
consagrado no Código Civil e o regime da compra e venda de bens de consumo (Decreto-
Lei n.º 67/2003, de 08/04 com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de
21/05 de 8 de abril)

I. Venda de bens alheios:


1. Noção
• Artigo 892.º - Nulidade da Venda
• “É nula a venda de bens alheios sempre que o vendedor careça de legitimidade para a realizar;
mas o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa-fé, como não pode opô-la ao
vendedor de boa fé o comprador doloso”
• Este artigo estabelece a consequência da nulidade para a celebração da venda de bens
alheios, porquê que entre nós a venda de bens alheios é nula?
⎯ É um contrato real quad effectum, como já vimos entre nos em matéria de constituição
e de transferência dos direitos reais, e que tem como princípios o da consensualidade
e da causalidade e para isso, basta que exista um título e que este seja valido,
⎯ Se o direito de propriedade se transfere por mero efeito da celebração co contrato, e
sendo o direito de propriedade um direito real, é necessário um requisito de
legitimidade, que já não se exige para a constituição ou transferência de direitos de
crédito, ninguém pode transferir um direito que não tem ou mais do que tem;
2. Pressupostos:
• Venda como própria de uma coisa específica e presente fora do âmbito das relações
comerciais (a venda comercial de bens alheios é válida no direito comercial – art.467.º, n.º 2
CCom.)
• Ausência de legitimidade para a venda – 892º CC –
⎯ há determinados casos em que a ausência de legitimidade para vender, na determina
a nulidade, vd. 893º CC.
⎯ Artigo 893.º - Bens alheios como bens futuros: “A venda de bens alheios fica, porém,
sujeita ao regime da venda de bens futuros, se as partes os considerarem nesta qualidade”.
⎯ Ou seja, se a coisa alheia não for vendida como coisa própria, mas sim como coisa
alheia não será aplicável o regime da venda de coisa alheia, mas sim da venda de bens
futuros, neste caso, será válida a obrigação assumida pelo vendedor. Neste caso, o
vendedor fica obrigado a adquirir os bens vendidos.
⎯ É preciso que o contrato se realize na perspetiva ou suposição de que a coisa venha a
entrar no património do alienante, podemos retirar isto do 893º CC. Ou seja, na
suposição de que a coisa venha a entrar no património do alienante, isto acontece se
o vendedor for um promitente comprador dos bens ou titular de um direito legal de
preferência, na alineação que venha a ser feita pelo proprietário.

56
O regime da venda de bens futuros encontra-se estabelecido no art.880.º.
“Artigo 880.º - Bens futuros, frutos pendentes e partes componentes ou integrantes
1. Na venda de bens futuros, de frutos pendentes ou de partes componentes ou integrantes de uma coisa,
o vendedor fica obrigado a exercer as diligências necessárias para que o comprador adquira os bens
vendidos, segundo o que for estipulado ou resultar das circunstâncias do contrato.
2. Se as partes atribuírem ao contrato carácter aleatório, é devido o preço, ainda que a transmissão de
bens não chegue a verificar-se.”

Não se aplica apenas a venda de bens futuros, também a frutos pendentes, partes componentes ou
partes integrantes.

• Nos termos do art. 904.º, o regime da venda de bens alheios apenas se aplica nos casos
em que o vendedor vende a coisa alheia como própria, não se aplica aos casos em que o
vendedor vende a coisa na sua qualidade de coisa alheia. Neste caso, fica sujeito ao regime
da venda de bens futuros.
• Logo, se alguém vende um prédio em nome de outrem, sem poderes para o fazer (268º) ou
se abusar dos poderes de representação se a outra parte ou podia conhecer o abuso (269º) ,
não se aplica o regime de bens alheios, aqui a consequência é a ineficácia ao verdadeiro
proprietário não o ratificar, nem ao verdadeiro proprietário enquanto não ratificar e quanto
ao representante, uma vez que, este não é parte do negocio, porque não o celebra em seu
nome mas em nome de outrem, até que o vdd proprietário ratifique o negócio pode revogar
o negocio, exceto se ate lá conhecia a falta de poderes do represente vendedor, ou falta de
poder de representação.
• Já estaremos no âmbito do regime jurídico da venda de coisa alheia (arts.892.º e ss.) quando
o vendedor vende um determinado bem que não lhe pertence, sem poderes de
representação para tal, mas intitulando-se como proprietário do bem.

Situações excecionais em que, apesar de existir falta de legitimidade para a venda o regime
da venda de bens alheios, não aplica por expressa determinação da lei;
• Aquisições "a non domino" de bens da herança, previstas no art. 2076°, n°s 2 e 3, por
terceiro que adquire a herdeiro aparente;
• Art. 291.º do CC – proteção do terceiro de boa-fé, que adquiriu a título oneroso dos
efeitos da ação de invalidade de um negócio anterior;
• Situações que resultam do funcionamento das regras próprias do registo destinadas a
proteger a boa-fé do adquirente, que confiou na legitimidade do vendedor, por via da
publicidade registral - art. 5º, n.º 4 do CRP

3. Efeitos:
• Nulidade da venda e obrigação de restituição – arts. 892.º e 894.º (desvio relativamente às
regras gerais)
• “o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa-fé, como não pode opô-la ao
vendedor de boa-fé o comprador doloso” (art. 892.º parte final.

57
3.1. Legitimidade do proprietário para requer a nulidade da venda de bens alheios –
interpretação da limitação introduzida pela parte final do art.892º CC.
Terá o verdadeiro proprietário legitimidade para requerer a declaração de nulidade da venda
de bens alheios?
• A nulidade pode ser invocada a todo tempo e por qualquer interessado porem, a
nulidade de bens alheios não é típica, a 2ª parte do nº2 do 892º introduz uma
especificidade;

Discute-se se o proprietário terá legitimidade para requerer a nulidade da venda:


⎯ Para alguns AA. (Paulo Olavo Cunha, Menezes Leitão, Nuno Pinto Oliveira) o
verdadeiro proprietário não pode requerer a declaração de nulidade da venda,
mas apenas reclamar a ineficácia da venda em relação a si, reivindicando o bem
diretamente do adquirente (art. 1311.º) ou propondo uma simples ação declarativa
do seu direito.
Pode intentar enquanto proprietário uma ação de reivindicação ou uma ação
declarativa do seu direito de propriedade.
⎯ Outros AA. (Raul Ventura, Pedro Romano Martinez) defendem que o verdadeiro
proprietário tem legitimidade para requerer a declaração de nulidade da venda
sem prejuízo de, enquanto titular do direito real, poder intentar uma ação de
reivindicação ou, eventualmente, uma ação de restituição da posse, se ainda não
tiver perdido a posse. Para estes autores o facto de o vdd proprietário pode
recorrer aos meios de defesa da propriedade e posse, não significa que não
possa ter legitimidade para requerer a venda.

O verdadeiro proprietário tem legitimidade para requerer a nulidade da venda:


• A letra do art.892.º não estabelece qualquer limitação quanto à legitimidade do verdadeiro
proprietário para requerer a nulidade da venda. O desvio que a parte final da norma introduz
ao art.286.º aplica-se apenas às relações estabelecidas entre vendedor e comprador,
podendo o vendedor, como os demais interessados, invocar a nulidade da venda nos termos
do art.286.º.
• Seria de estranhar que o real proprietário pudesse discutir a nulidade da venda numa ação
declarativa do seu direito de propriedade, mas já não pudesse propor uma ação que visasse
a declaração de nulidade do contrato.

4. Convalidação do contrato
• Art.895.º - Convalidação do contrato “Logo que o vendedor adquira por algum modo a
propriedade da coisa ou o direito vendido, o contrato torna-se válido e a dita propriedade ou
direito transfere-se para o comprador”
• Estando o comprador de boa-fé, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade da venda,
adquirindo a propriedade da coisa ou o direito vendido (art.897.º do CC);

58
• Em caso de dolo, o contraente que houver procedido de boa-fé tem direito a ser indemnizado
nos termos gerais. A indemnização afere-se pelo interesse contratual positivo ou negativo
consoante venha ou não a ser sanada a nulidade (art.898.º)

Aula 5 – 21/03/2022

Acórdão do STJ de 09/10/2003- Nulidade de acórdão Omissão de pronúncia Venda de bens


alheios Contrato de consignação Mandato sem representação
• Não ocorre nulidade de acórdão por omissão de pronúncia, prevista no art.º 668, n.º 1, al. d),
do CPC (ex vi do art.º 716) quando nele se não conhece de questão cuja decisão se mostra
prejudicada pela solução dada anteriormente a outra.
• A venda de bem alheio só é nula, face ao disposto no art.º 892 do CC, se o vendedor carecer
de legitimidade para a realizar.
• A venda à consignação (e mesmo o contrato de consignação) consiste na entrega de
mercadorias a um negociante para que as venda ou revenda por conta de quem lhas
entrega, razão pela qual o consignatário efetua as vendas em nome próprio, mas por
conta do consignante.
• Configura-se um mandato sem representação, nos termos e para os efeitos dos art.º 1180
e seguintes do CC, quando, concertadamente, e sem outorga da procuração específica, o
mandatário celebra um dado negócio jurídico em seu próprio nome (nomine próprio) mas
por conta do mandante, ocorrendo em tal situação uma interposição real de pessoas.
• A declaração negocial integrante do mandato (com ou sem poderes de representação) pode
ser expressa ou tácita, revestindo esta última forma quando se deduz de factos (factos
concludentes) que, com toda a probabilidade, a revelem.
• O mandato, mesmo sem representação, confere ao mandatário a legitimidade e o
poder de vender, pelo que a venda, embora o bem seja alheio, é válida, perdendo o
mandante o domínio sobre ela, como se o mandatário tivesse poderes de representação.
Adoção da tese da projeção imediata;

CASO
A é proprietário de um prédio rústico que herdou do seu pai. B falsifica uma escritura de
justificação notarial, com base na aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre o
referido prédio, e com base nessa escritura obtém registo do imóvel a seu favor.
B, por sua vez, aliena o prédio em causa a C, que, em seguida, o aliena a D, que estava de boa-
fé.
Sabendo que o prédio em causa se encontra duplamente descrito no registo predial (a favor
de A e B) poderá A invocar a nulidade da aquisição a favor de D?
• Relaciona-se com alguns acórdãos no que respeita a casos em que o registo tem efeito
aquisitivo e afasta a aplicação do regime de venda de bens alheios;
A questão de saber se o terceiro pode ser protegido ou se podemos admitir que o
proprietário pode requerer a anulação da venda? Isto é, o verdadeiro proprietário tinha

59
legitimidade para invocar a nulidade da venda celebrada com terceiro, por se tratar de
um bem alheio?
• A particularidade desta situação é que este prédio estava duplamente inscrito no registo
predial, ou seja, este prédio estava inscrito no registo predial em nome de A e em nome de D
(que falsificou a assinatura de justificação notarial e como base nisso conseguiu obter um
registo de um direito sobre o prédio).
• Podemos equacionar a aplicação do 291º CC e do artigo 17º do C.Registo Predial;
• A venda de bens alheios será́ sempre ineficaz relativamente ao verdadeiro proprietário, mas
se estiverem preenchidos os pressupostos para aplicar o artigo 291º este vai paralisar a
aplicação do regime de venda de bens alheios; no fundo, o direito que o terceiro adquire por
forca do artigo 291o vai prevalecer sobre o direito do verdadeiro proprietário.
• Quanto aos pressupostos, o 291º este exige que: 1) esteja em causa um negócio quanto a
bens moveis e imoveis sujeitos a registo; 2) tenha adquirido a título oneroso; 3) e exige que o 3º
esteja de boa-fé; 4) exige que o terceiro tenha registado a sua aquisição antes da ação nulidade;
• O 291º acrescenta um requisito temporal, estes não são reconhecidos se ação for proposta
dentro dos 3 anos posteriores à conclusão do negócio, se a ação for registada dentro destes
3 anos, os direitos dos terceiros não serão protegidos, este só fica protegido depois de 3 anos
a contar da celebração do negócio;
• O 17º, n º2 C. Registo Predial - protege da nulidade de registo anterior, e quanto aos requisitos
exige que: 1) terceiro tenha adquirido a titulo oneroso; 2) esteja de boa fé; 3) tenha registado
a aquisição antes da ação de nulidade do registo anterior. Este artigo ao contrário do 291º,
não consagra qualquer requisito temporal. O terceiro fica imediatamente protegido;
• A proteção de terceiro em ambos artigos será da proteção do terceiro em que em termos de
direito substantivo seria o verdadeiro proprietário, quando esta é desencarda pelo próprio
proprietário, se no momento em que desencadeia os negócios inválidos, se fosse o
verdadeiro proprietário, poderia o 3º ficar protegido no âmbito destas normas;
• O terceiro não pode ficar protegido, nem pelo 291º CC, nem pelo 17º, nº 2 C. Reg. Predial,
porque está fora da cadeia negocial, o verdadeiro proletário pode continuar a intentar uma
ação de nulidade e fica afastada a possibilidade de proteger o terceiro, e este não tem efeito
aquisitivo e prevalece a solução de direito substantivo;
• Ac. TRP de 11/04/2013:
⎯ O regime do art.º 291.ºdo Código Civil regula os efeitos da invalidade dos negócios
jurídicos, enquanto o regime do art.º 17.º do CRP tem na sua base uma nulidade
registal.
⎯ Não é terceiro, para efeitos do registo, quem adquire um direito de quem nunca foi
titular e não é terceiro, para efeitos do art.º 291.º, quem adquire a partir de uma cadeia
de negócios inválidos que não foi originada pelo verdadeiro titular.
⎯ Estando o verdadeiro proprietário fora da cadeia de negócios inválidos, não é
aplicável o regime do art.º 291.º, nem o do art.º 17.º, n.º 2, já citados, podendo, a todo
o tempo, antes de completado o prazo da usucapião, invocar a nulidade da alienação
de bens alheios, contra qualquer terceiro de boa-fé.
• Ac. STJ, de 06/12/2018:

60
⎯ Verificada uma situação de dupla descrição de um mesmo prédio no registo predial
e de inscrições de atos de aquisição, a favor de adquirentes diferentes, lançados em
ambas as descrições, a determinação de qual é o direito que prevalece resulta das
regras do direito substantivo aplicável – no caso, o regime da venda de bens alheios
–, e não dos princípios registais.
⎯ Impugnada eficazmente a escritura de justificação notarial da aquisição da
propriedade de um determinado imóvel por usucapião, a sua venda pelos
justificantes, que não lograram provar a usucapião, não transfere o direito de
propriedade; tal como a não transfere a permuta que se lhe seguiu.
⎯ A proteção conferida pelo art.291.º do CC a terceiros adquirentes a título oneroso e
de boa-fé não se aplica em casos de ineficácia do ato aquisitivo, como sucede, em
relação ao verdadeiro proprietário, com a venda de coisa alheia.
⎯ Basta considerar que a dupla descrição do mesmo prédio anula a proteção que o
terceiro poderia pretender retirar da inscrição no registo da sua aquisição a non
domino para afastar a alegação de inconstitucionalidade por violação do princípio
constitucional do Estado de Direito.

O STJ em casos como este tem entendido que o artigo 291º só́ é aplicável, apesar de todos os
pressupostos estarem preenchidos, nos casos em o terceiro adquire a partir de uma cadeia de
negócios inválidos que foi desencadeada pelo verdadeiro proprietário. Quando o verdadeiro
proprietário está fora desta cadeia de negócios inválidos, já não se pode aplicar o artigo 291º, porque,
neste caso, o verdadeiro proprietário tem legitimidade para requerer a declaração de nulidade da
venda de bens alheios.

II. VENDA DE BENS ONERADOS – art.905º a 912º CC;


• O regime da venda de bens onerados encontra-se previsto nos artigos 905º a 912º do Código
Civil. Diz-nos o artigo 905º que “se o direito transmitido estiver sujeito a alguns ónus ou limitações
que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria”.
• Está em causa os vícios de direito, que afeta a situação jurídica e não as qualidades
fácticas da coisa;
• Exemplo – existência de direitos reais de gozo (usufruto, uso e habitação, servidões prediais)
ou de garantia sobre a coisa vendida (consignação de rendimentos, penhor, hipoteca,
privilégios ou retenção), o facto de a coisa ter sido locada a outrem ou objeto apreensão
judicial (penhor, arresto);
• Já não podem determinar a aplicação deste regime, por constituírem limites normais aos
direitos da mesma categoria, as restrições derivadas das relações de vizinhança (arts. 1346.º ss.),
as servidões legais ou restrições à edificabilidade impostas por planos diretores.
• Entende-se, ainda, que o regime poderá́ ser aplicado à venda de imoveis construídos sem a
respetiva licença de construção ou utilização. E apenas por analogia, há́ hipótese de o
vendedor assegurar ao comprador a existência de especiais vantagens jurídicas em relação
à coisa que excedam o normal nos direitos da mesma categoria, mas que depois se verifica

61
não existirem. Por exemplo: se o vendedor assegura a existência de benefícios fiscais relativo
aquele imóvel e, posteriormente, se verifica que esses benefícios não existem, poderá́ haver
lugar a uma aplicação analógica deste regime.

CASO
A e B celebraram um contrato nos termos do qual o primeiro vendeu ao segundo duas frações
autónomas (habitação e garagem) de um prédio urbano sobre o qual incidia uma servidão
administrativa a favor do Município do Porto, numa área de 1.200 m2, para construção, no
prazo de 10 anos, de um viaduto. Apesar de inserida na escritura publica uma cláusula a este
respeito, B alega que não se apercebeu da cláusula, que a servidão e o viaduto lhe causam
imensos incómodos e danos e que a atitude de A foi intencional e reveladora de má-fé, tanto
que, na mesma escritura, A afirma vender o imóvel “livre de quaisquer ónus ou encargos”.
B pretende exercer o direito à redução do preço, na medida da desvalorização imposta pela
servidão, exigindo de A a restituição da respetiva quantia. Quid iuris?

• B invoca o regime da venda de bens onerados, pedindo a redução do preço - artigo 911º. No
sentido que o direito que foi transmitido por forca deste contrato está sujeito a ónus ou
limitações que excedem os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria; a
limitação resultaria aqui da servidão a favor do município que, sendo B alega, causa
incomodo e danos, invocando também uma conduta de má-fé́ por parte de A.
• Isto foi um caso discutido no Tribunal da Relação. O tribunal de primeira instância julgou a
ação improcedente, ou seja, considerou que não se podia aplicar aqui o regime de bens
onerados porque efetivamente da escritura publica de compra e venda constava uma
clausula na qual se fazia referência a esta servidão. O autor recorreu e invocou que de
facto sabia da clausula, mas não tinha noção do alcance da mesma: e o Tribunal da Relação
considerou aplicável o regime da venda de bens onerados.
• Sendo aplicável o regime de venda de bens onerados, a consequência da venda consiste, em
primeiro lugar, na anulabilidade do contrato por erro ou dolo. Em caso de venda de bens
onerados, o artigo 905º prevê̂ que o contrato é anulável por erro ou dolo, desde que se
verifiquem, no caso concreto, os requisitos gerais da anulabilidade.
⎯ Em caso de erro, exige-se a essencialidade e a cognoscibilidade dessa
essencialidade do erro para o declaratário;
⎯ Em caso de dolo, basta que o dolo tenha sido determinante da vontade do
declarante, salvo se o dolo provier de terceiro caso em que se exige igualmente que o
destinatário conhecesse ou devesse conhecer a situação – artigo 254º.
• O artigo 906º refere-se à eventual convalescença do contrato: podemos dizer que o nº1 deste
artigo consagra um desvio ao artigo 288º, estabelecendo que a anulabilidade fica sanada se
vierem a desaparecer os ónus ou limitações a que o direito estava sujeito. Contudo, a
anulabilidade persiste se a existência dos ónus ou limitações já́ tiver causado prejuízo ao
comprador ou se o comprador já tiver pedido em juízo a anulação da compra e venda, nos
termos do artigo 906º, no2.

62
• O artigo 907º refere-se à obrigação de fazer convalescer o contrato e ao cancelamento
do registo. Neste artigo, o legislador estabelece para o vendedor a obrigação de sanar a
anulabilidade do contrato, mediante a expurgar dos ónus ou limitações existentes. O
comprador pode requerer, em lugar da anulação do contrato, a expurgação dos ónus ou
limitações existentes. Esta obrigação de efetuar a expurgar dos ónus ou limitações existentes,
depende da existência de erro do comprador relativamente à existência desses ónus ou
limitações, já́ que se o comprador tivesse conhecimento dos mesmos tal significaria que o
bem foi vendido já́ nessas condições e que consequentemente o preço do bem já́ foi fixado,
tomando em consideração a desvalorização que os ónus e as limitações implicam. Uma vez
que esta expurgação dos ónus ou limitações é uma obrigação do vendedor, cabe ao
comprador exigir do vendedor o cumprimento desta obrigação. Não sendo possível ao
comprador substituir- se ao vendedor neste ato, exigindo depois o reembolso daquilo que
despendeu. O comprador poderá expurgar, mas será à sua própria conta.
• No regime de venda de bens onerados, prevê̂-se ainda um direito do comprador a uma
indemnização pelos danos que eventualmente tenha sofrido, tal como acontece na venda de
bens alheios, o legislador prevê três fundamentos de indemnização:
⎯ A indemnização em caso de dolo – artigo 908º: é uma indemnização limitada ao
interesse contratual negativo e abrange os danos emergentes e os lucros
cessantes;
⎯ A indemnização em caso de simples erro – artigo 909º: a indemnização abrange
apenas os danos emergentes sofridos pelo comprador;
⎯ A indemnização por incumprimento da obrigação de fazer convalescer o
contrato – artigo 907º: nos termos gerais da responsabilidade civil contratual.
• É consagrado, ainda, o direito à redução do preço, no artigo 911º, nº1, como uma alternativa
ao exercício de anulação do contrato em consequência de erro ou dolo. Esta alternativa é
imposta ao comprador sempre que se possa comprovar que os ónus ou limitações não
influíram na decisão de comprar o bem, mas apenas no preço que o comprador estaria
disposto a pagar pelo bem.
• Na hipótese prática apresentada, B pretendia exercer o seu direito à redução de preço na
medida da desvalorização imposta pela servidão e o Tribunal da Relação considerou que B
poderia exercer o direito à redução de preço, em virtude de considerar aplicável o regime de
bens onerados à questão.

CASO
Em agosto de 2018, António vendeu a Bernardo (que se encontrava a viver em Bruxelas) uma
moradia por € 200.000.
Em dezembro de 2018, quando Bernardo regressa a Portugal e pretende passar a viver na
moradia, constata que a mesma se encontra habitada por Carlos, que a tinha arrendado a
António em agosto de 2017, pelo prazo de seis anos. Quid iuris?
• Aqui temos de saber quais os direitos que assistem a Bernardo que é comprador de
imóvel que estava arrendado, sendo que Bernardo desconhecia a existência do
arrendamento;

63
• Este contrato que foi celebrado não é prejudicado pela venda a Bernardo, nos termos do
1757º a venda não prejudica a locação, logo, o contrato de arrendamento (locação)
mantem-se apesar da venda, e o Bernardo sucede na posição do locador, ou seja, na
posição do António, pois este adquiriu a propriedade com base no qual o contrato de
arrendamento tinha sido celebrado;
• O contrato de arrendamento é uma limitação ao gozo da coisa por parte de Bernardo,
podemos configurar esta situação como compra e venda de bem onerado, o bem vendido
está sujeito a uma limitação que excede os limites normais, inerentes aos da mesma
categoria. O que limita o poder do gozo sobre o imóvel;
• Esta situação pode ser configurada como venda de bem onerado. O comprador tem o
direito a anular o contrato, por erro ou por dolo, art.905º CC.
• Se o vendedor intencionalmente ocultou a existência do contrato de arrendamento, se
o comprador por lapso não se apercebeu da existência do contrato, pode existir erro por
parte do comprador;
• Sobre o comprador, tem o dever de eliminar os ónus, de convalescer o contrato – art-
907º. Se este desaparecer fica sanada a anulabilidade;
• Nem todos os ónus são suscetíveis de ser eliminados por vontade unilateral do vendedor,
neste caso, o ónus é a existência de um direito de terceiro, sendo que este direito emerge
de um direito de que o vendedor já não é parte;
• Esta transmitiu-se para o Bernardo, logo, o vendedor não pode fazer nada para eliminar
os ónus. Portanto, aqui o contrato foi celebrado em Agosto de 2017, por um prazo de 6 anos,
o que Bernardo pode fazer é opor-se à renovação do contrato, prevista no 1097º do CC, e
que seria um prazo de antecedência de 1 ano;
• Poderia ser equacionado a redução do preço, se demonstrar que Bernardo teria adquirido
o prédio por um preço inferior, se o adquirisse por preço inferior tendo conhecimento do
arrendamento, cabe-lhe o direito à redução do preço – art.911º;
• Não se verificando essa hipótese e não estando disposto a adquirir por preço inferior, e se
decide invocar a anulação do negócio, tem direito a ser indemnizado, ou nos termos do
909º CC (mero erro) ou nos termos do 908º CC (dolo);

III. VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS (913º e seguintes):

Art.913º CC – Remissão
‘’1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada,
ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim,
observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja
modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
2.Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal
das coisas da mesma categoria”
• Este artigo manda aplicar o regime da venda de bens onerados quando a coisa vendida sofrer
de um vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada ou não tiver
as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.

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Art.918º CC – Defeito superveniente
‘’Se a coisa depois de vendida e antes de entregue, se deteriorar, adquirindo vícios ou perdendo qualidades,
ou a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada de certo género, são aplicáveis as regras
relativas ao não cumprimento das obrigações”

• Este artigo 913º conjugado com o artigo 918º que tem como epigrafe “defeito superveniente”
permitem-nos traçar o âmbito de aplicação do regime de venda de coisas defeituosas. O
artigo 918º diz que: “se a coisa, depois de vendida e antes de entregue, se deteriorar,
adquirindo vícios ou perdendo qualidades, ou a venda respeitar a coisa futura ou a coisa
indeterminada de certo género, são aplicáveis as regras relativas ao não cumprimento das
obrigações”. Conjugando isto com o artigo 913º podemos concluir que o regime de venda de
coisas defeituosas só é aplicável, quando o defeito for um defeito originário (um defeito que
já existe no momento da celebração do contrato) e quando estiver em causa a venda de coisa
especifica e presente.

• Ao delimitar desta forma o âmbito de aplicação do regime de coisas defeituosas, atribui-se


uma importância ao momento de conclusão do contrato – o regime da venda de coisas
defeituosas aplica-se à venda de coisa especifica, mas apenas aos defeitos contemporâneas
de celebração do contrato de compra e venda; aos defeitos supervenientes – posteriores
à venda e anteriores à entrega são aplicáveis as regras relativas ao não cumprimento das
obrigações (art.918.º);
• Do mesmo modo, se a venda respeitar a coisa futura ou a coisa indeterminada de certo
género, são aplicáveis as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (art.918.º);
• Se perguntarmos qual é razão de ser desta dualidade de regimes, concluiremos que esta
dicotomia traçada pelo artigo 913º e 918º e relevância decisiva que o legislador atribui ao
momento de conclusão do contrato, prende-se com a discussão acerca do fundamento do
regime do regime da venda de coisas defeituosas.
• Porque é que se discute este fundamento? Porque ao remeter no artigo 913º para o regime
de venda de bens onerados, isto significa que em caso de venda de coisas defeituosas um
dos direitos do comprador é o direito de anulação do contrato por erro ou dolo. Isto
leva-nos a considerar que a vontade do nosso legislador foi efetivamente a de associar o
problema da venda de coisas defeituosas aos institutos do erro e do dolo. Alias, no anteprojeto
refere-se que estes vícios não são vícios autónomos do contrato de compra e venda,
integram-se sim nos institutos do erro e do dolo. A este propósito, o Professor Batista
Machado vem criticar o enquadramento do regime de venda de coisas defeituosas nos
institutos de erros e de dolo e vem defender que o verdadeiro fundamento deste regime não
é o erro e o dolo, mas sim o próprio acordo negocial.
Pedro Romano Martinez defende que o fundamento do regime de coisas defeituosas se
integra no cumprimento defeituoso da obrigação, chegando mesmo a dizer que, quando
no artigo 905º se fala em direito anulação de contrato, deve entender-se que não é um direito
de anulação, mas sim um direito de resolução.

65
1. Noção de defeito e pressuposto do regime da venda especifica de coisa defeituosa –
art.913º CC:
• A noção defeito, consagrada no art.913.º, engloba, sem distinguir, os vícios e a falta de
qualidades.
• Nos termos do art.913.º, a coisa vendida é defeituosa quando:
(i) sofre de vício que a desvaloriza ou impede a realização do fim a que é destinada, ou
(ii) não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização
daquele fim. Quando, do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina,
atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria
• Esta noção abrange os vícios e falta de qualidade. O vício corresponde a imperfeição da
qualidade normal de coisas daquele tipo e a falta de qualidade é desconformidade quanto ao fim
acordado.
• Noção funcional de defeito: vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a
que se destina; falta de qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a
realização do fim a que a coisa se destina.

REGIME DA VENDA DE COISAS DEFEITUOSAS – art.913º:

Este regime da venda coisas defeituosas constrói-se desta remissão para o disposto na secção
relativa à renda de bens onerados, pelo que os direitos que assistem ao comprador de coisas
defeituosas são os direitos previstos em sede de venda de bens onerados (embora, em sede de
venda de coisas defeituosas se consagre um direito específico deste regime – o direito à reparação
ou substituição da coisa);

2. Efeitos da venda específica de coisas defeituosas:

Anulação do contrato;
• Por força da remissão feita pelo artigo 913.º para o disposto na secção respeitante à
“Venda de bens onerados”, em particular para o disposto no artigo 905.º, o comprador de
coisa defeituosa tem o direito de anular o contrato por erro ou dolo, desde que no caso
concreto se verifiquem os requisitos legais da anulabilidade.
• Assim, em caso de erro, exige-se a essencialidade e a cognoscibilidade dessa
essencialidade do erro para o declaratário (artigos 251.º e 247.º). Em caso de dolo, basta
que o dolo tenha sido determinante da vontade do declarante (artigo 254.º, n.º 1), salvo
se se tratar de dolo de terceiro, caso em que se exige igualmente que o destinatário
conhecesse ou devesse conhecer a situação (artigo 254.º, n.º 2).
Indeminização
• No caso de anulação da venda de coisa defeituosa, o comprador tem ainda direito a uma
indemnização pelos danos eventualmente sofridos (artigo 908.º, aplicável por remissão
do artigo 913.º), embora limitada ao interesse contratual negativo
• Em caso de dolo, a indemnização abrange quer os danos emergentes, quer os lucros
cessantes (art.564.º, n.º 1). Em caso de anulação por simples erro, a indemnização
encontra-se limitada aos danos emergentes do contrato (artigo 909.º).

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• O artigo 915.º, porém, vem restringir as condições em que pode ser exigida esta
indemnização, esclarecendo que não será devida a indemnização nos casos em que o
vendedor ignorava sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece (está
dependente da existência de culpa por parte do vendedor).
Redução do preço
• Porém, nos termos do artigo 911.º, aplicável ex vi artigo 913.º, se as circunstâncias do
contrato “mostrarem que, sem erro ou dolo, o comprador teria igualmente adquirido os
bens, mas por preço inferior, apenas lhe caberá o direito à redução do preço, além da
indemnização que no caso competir”.
Reparação ou substituição da coisa
• Nos termos do art.914.º o comprador tem ainda o direito de exigir do vendedor “a
reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela”.
• Todavia, esta obrigação não existe se o vendedor “desconhecia sem culpa o vício ou a falta
de qualidade de que a coisa padece” (art.914.º parte final);

Art.921.º Garantia de bom funcionamento:


“Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos a garantir o bom
funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la ou substituí-la, quando a substituição for necessária
e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador”.
• Pode resultar da convenção das partes ou dos usos, e esta será independente da culpa do
vendedor;

2.1. Forma e prazo de exercício do direito


☞ Devem ser exercidos por determinada ordem de precedência ou podem ser exercidos de
forma discricionária?
• O entendimento não é unânime.
• Para Calvão da Silva existe uma concorrência eletiva de pretensões: o comprador poderá
anular o contrato, se se verificarem os requisitos legais da anulação por erro ou dolo,
ou reduzir o preço, com eventual indemnização (art. 911.º, ex vi art. 913.º), ou exigir o
exato cumprimento mediante a eliminação dos defeitos ou a substituição da coisa (art.
914.º).
• A concorrência eletiva sofre em certos casos atenuações e a escolha deve ser conforme ao
princípio da boa-fé.
• Num contrato de compra e venda, para pedir a reparação/eliminação de um defeito, o
comprador terá de provar (art.342.º, n.º 1), a existência do defeito e, por outro lado, que o
mesmo, pela sua gravidade, é de molde a afetar o uso ou a acarretar uma desvalorização
da coisa.
• Uma vez provado o defeito e a sua gravidade, presume-se, uma vez que é contratual a
responsabilidade do vendedor – que o mesmo é imputável ao vendedor (art.799.º, n.º 1), isto
é, presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao vendedor.

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• A obrigação do vendedor de reparar ou substituir a coisa não existe se o vendedor alegar e
demonstrar que “desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa
padece” (art.914.º parte final)

Prazos de exercício dos direitos do comprador perante o vendedor:


• Ónus de denúncia – O comprador deve denunciar ao vendedor os defeitos da coisa, salvo
se este tiver usado de dolo. A denúncia deve ser efetuada dentre de trinta dias depois de
conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa (se estiver em causa um
bem móvel). Se o bem for imóvel a denúncia deve no ano seguinte ao conhecimento do
defeito e dentro de cinco anos a contar da entrega da coisa.
• Prazo de garantia – Seis meses (coisa móvel) ou cinco anos (imóvel) a contar da entrega –
começa a contar do momento em que o bem é entregue;
• Prazo para a propositura da ação – A ação de anulação deve ser interposta no prazo de seis
meses a contar da denúncia, salvo se o contrato ainda não estiver integralmente cumprido,
caso em que poderá ser instaurada a todo o tempo (art.917.º e 287.º, n.º 2). Este prazo aplica-
se não apenas à ação de anulação, mas também aos demais direitos que o comprador pode
exercer.

Isto é: Todos estes prazos são prazos de caducidade o que significa que se estes prazos não forem
observados, o direito do comprador caduca. Relativamente à denuncia, logo que o comprador tome
conhecimento de que a coisa comprada é defeituosa começa a contar o prazo de 30 dias para efetuar
a denúncia do defeito ao vendedor. Este prazo está expressamente previsto no artigo 916º do CC.
Este prazo corre dentro de um prazo de garantia que é de 6 meses que se conta a partir da entrega
da coisa (artigo 916º, nº2). Isto significa que no momento em que o comprador toma conhecimento
do defeito faltar apenas 15 dias para o prazo de garantia fica concluído, então a denúncia apenas
podeŕ ser efetuada dentro desses 15 dias. Se as partes não chegarem a um acordo no sentido de
cada uma delas desenvolver à outra aquilo que dela recebeu, o comprador tem ainda 6 meses a
contar da data de denuncia para intentar uma ação em tribunal destinada de fazer falar os seus
direitos (o direito à anulação do contrato com base em erro, neste caso).

CASO
António decidiu comprar um automóvel novo e vender o seu automóvel antigo. Para o efeito,
celebrou com Bernardo, seu vizinho e amigo, um contrato de compra e venda do seu
automóvel antigo, que se encontrava há alguns meses estacionado na sua garagem.
O automóvel foi entregue a Bernardo no dia seguinte, tendo este constatado, na primeira
viagem que realizou, que o automóvel tinha um importante desvio no sistema de direção que
impedia a sua circulação em segurança na via pública. Que direitos poderá Bernardo exercer
contra António?
• Foi celebrado um contrato de compra e venda de um automóvel antigo, propriedade de
António, sendo que o automóvel na primeira viagem que realizou, apresenta um desvio na
direção que coloca em causa a sua segurança;

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• Está em causa a colocação à venda de coisa defeituosa, porque impede o fim a que se
destina, e em face a este defeito, Bernardo pode exercer os direitos previstos no regime
da compra e venda de coisa defeituosa, se for o regime aplicável;
• Em causa, esta um defeito originário que já existia no momento da celebração do
contrato, apesar de se ter manifestado no momento em que o automóvel circulou pela
primeira vez;
• Perante este defeito o comprador pode exercer os direitos previstos na secção de bens
onerados, por remissão da parte final, do nº1 do art,913º CC;
• Pode exercer o direito de anulação do contrato (905º), pode ainda exigir ou exercer o
direito à indeminização (908º) em caso de dolo, pelo interesse contratual negativo que visa
colocar em causa o comprador estaria se o contrato não fosse celebrado. Em caso de dolo
compreende o dano emergente e lucro cessante.
• Outro direito, é o da redução do preço, previsto no 911º CC, se a circunstância demonstra
que sem erro ou dolo teria adquirido, afasta-se o direito de resolução do contrato e pode
reduzir o preço, que pode ser cumulável com o direito de indeminização. E ainda no 914º, a
reparação ou substituição da coisa, no entanto, este direito fica afastado se o vendedor
desconhece sem culpa do vicio que a coisa padece.
• Está em causa a venda de um bem móvel, com prazo de 6 meses desde a entrega, e o prazo
da denuncia é de 30 dias a contar do conhecimento do defeito. O prazo para propor a ação é
um prazo de 6 meses desde que foi efetuada a denuncia;

CASO
António, advogado, comprou à livraria Mundo Jurídico os primeiros dez volumes da primeira
edição do “Novo Código Civil Anotado”, que no momento ainda se encontrava em produção e
que seria colocado à venda dois meses mais tarde, tendo pagado de imediato o respetivo
preço.
Quando António recebe no seu escritório os livros adquiridos, constata que alguns exemplares
apresentam páginas em branco e outros páginas com impressão pouco nítida, não permitindo
a leitura. Que direitos assistem a António nesta situação?

• Estamos perante a venda de coisa defeituosa, uma vez que os códigos comprados sofrem de
um vicio que os desvaloriza e impede a realização do fim a que se destinam. Estamos perante
um contrato de compra e venda celebrado entre dois profissionais e, por isso, o regime
aplicável será o consagrado no código civil.
• No momento em que foi celebrado este contrato, os livros ainda se encontravam em
produção, o que significa que está em causa uma venda de coisa futura. Estando em causa
uma venda de coisa futura, aplicam-se as regras do cumprimento e não cumprimento
das obrigações (artigo 918º).
• Entre as regras relativas ao não cumprimento das obrigações, destaca-se o artigo 799º, nº1
do CC que consagra a presunção de culpa do devedor e, portanto, cabe ao devedor provar
que a falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação não procede de

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culpa sua. Isto significa que, teria de ser, neste caso, a editora a ilidir a presunção de culpa
prevista no artigo 799º, nº1. Se o devedor não conseguir afastar a presunção de culpa,
o vendedor será́ responsável pelo cumprimento defeituoso do contrato, havendo
responsabilidade do devedor o comprador poderia exercer o direito de resolução do
contrato previsto no artigo 801º, nº2 e poderia exigir uma indemnização pelos prejuízos
sofridos.
• Neste caso, sendo o vendedor um profissional poderia ser ainda invocado a garantia do
bom funcionamento prevista no artigo 921º do CC. Diz-nos o artigo 921º que “se o vendedor
estiver obrigado por convenção das partes ou por força dos usos a garantir o bom funcionamento
da coisa vendida, cabe-lhe reparar ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa
tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador. ‘’ embora, no
caso concreto não tenha havido um acordo expresso de as partes no sentido da editora
garantir o bom funcionamento dos bens vendidos, pode entender-se por ser o vendedor
profissional que esta garantia decorre dos usos comerciais.
• Também, aqui, António teria de proceder à denúncia dos defeitos. Esta denuncia, no caso
de existir garantia de bom funcionamento, teria de ser efetuada no prazo de 30 dias a
contar do conhecimento dos defeitos e dentro de um prazo de 6 meses a contar da
data da entrega dos livros. Se a editora não substituir os livros voluntariamente, o
comprador teria ainda o prazo de 6 meses a contar da data da denúncia para propor
uma ação contra a editora, exigindo judicialmente a substituição de livros defeituosos
por outros que não apresentem defeitos nos termos do nº4 do artigo 921º.

Aula – 28/03/2022

V. O regime da venda de bens de consumo


1. REGIME APLICAVEL À VENDA DE BENS DE CONSUMO:
1.1. A Diretiva 2019/771/EU e DL 84/2021
• Se estivermos perante uma relação de consumo, o regime específico desta relação será o
regime aplicável em causa, o que significa que fica afastada o regime do 413º e seguintes,
para a compra e venda civil;
• A compra e venda de coisas de consumo, encontra-se regulada na Lei de Defesa do
Consumidor (Lei 24/96) e em particular pelo Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril (alterado
pelo Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio), que transpôs para a ordem jurídica nacional a
Diretiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, sobre
certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas
• Esta Diretiva (99/44) foi muito importante pela influência que teve no direito privado nos
vários EM’s, há quem diga que foi a maior incursão do legislador europeu nos vários
EM’s.
• O legislador europeu decidiu legislador sobre a venda de bens de consumo, porque entendeu
que para o bom funcionamento do mercado interno, seria essencial reforçar a confiança
dos consumidores. E só seria possível reforçar esta confiança garantindo o mínimo de
proteção em todos os EM’s. Daí que esta seja considerada uma diretiva de proteção do

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consumidor, se bem que se atendermos nos fundamentos e bases da diretiva, não é só a
norma do tratado que visa o consumidor, e sim o bom funcionamento do mercado
interno.
• O legislador quis garantir o bom funcionamento do mercado interno e para isso seria
essencial reforçar a confiança dos consumidores.

• Mas com esta Diretiva 99/44, não foi só este o proposto do legislador, se lermos o seu
preâmbulo verificamos que o legislador quis com esta Diretiva, contribuir para a
modernização dos regimes de coisas defeituosas, que considerava que estava nos vários
EM´s estavam regulados em modos passados e paradigmas passados. Contribuir para
modernizar o regime de venda de coisas defeituosas dos vários EM’S.
• Isto foi acolhido por exemplo, no OJ Alemão, em que se aproveitou de transpor esta Diretiva
para modernizar o CC, e fazer a reforma de 2001. E estendeu o regime consagrado na
Diretiva que seria aplicação apenas a contrato de consumo, a toda a compra e venda, tendo
alterado grande parte das normas do não cumprimento das obrigações. Aproveitando a
transposição da primeira Diretiva para modernizar o CC e Compra e venda de coisas
defeituosas.

• Em PT, o nosso legislador embora na altura a maior parte da doutrina estivesse de acordo
que seria útil transpor a diretiva no próprio CC, para modernizar o regime da compra e venda
de coisas defeituosas, o legislador acaba por transpor em diploma avulso – DL 67/2003.
• E, portanto, com a entrada em vigor deste DL, passamos a ter dois regimes diferentes de
consumo, aplicável no âmbito das relações de consumo e de bens defeituosos, no CC.
• São dois regimes diferentes, porque o regime do CC suscita questões que vimos,
nomeadamente, a sua associação com o regime do erro e do dolo.
• Já o de DL 67/2003, assentava no princípio da conformidade dos bens com o contrato,
assente no âmbito do não cumprimento, o DL 67/2003, consagrava a entregado e bem em
conformidade com o contrato, com responsabilidade do vendedor em caso de falta de
conformidade dos bens com o contrato.
• A Diretiva 1999/44 foi revogada em 2019, pela Diretiva 2019/771 e pela Diretiva 770/219. A
1ª Diretiva foi transposta pela DL 84/2021, de 18 de Outubro que entrou em vigor no dia 1
de Janeiro de 2022.

Quanto à nova Diretiva 771/2019, afasta-se da anterior porque:


• Harmonização mínima – dá liberdade aos EM’s podem aumentar o nível de proteção dos
consumidores, que confiram ao consumidor uma proteção conferida pela diretiva, não
podendo diminuir a proteção, podem ir além da proteção estabelecida, com padrão
mais exigente.
• Já a nova Diretiva, é de harmonização máxima, ao significa que os EM’s ao transpor a diretiva
não podem ir além do móvel de proteção conferido pela Diretiva, esta harmonização máxima,
permite assegurar um padrão uniforme do consumidor e coordenar a política de

71
proteção do consumidor com outros interesses como a proteção das pequenas e médias
empresas.
• O facto de se tratar de uma diretiva de harmonização máxima, fez com que em certos EM’s,
a transposição desta nova diretiva implicou a diminuição da proteção dos consumidores,
relativamente ao DL 67/2003.
⎯ A anterior Diretiva estabelecia quais os direitos que se poderiam exercer em caso de
desconformidade do contrato, e esta estabelecia uma hierarquia;
⎯ Esta ordem consistia em dois patamares, num 1ª patamar, direito à reparação e
substituição, estes que permitiam conservar o contrato; 2º patamar, poderia o
consumidor exercer o direito de resolução do preço ou redução do preço, só
poderia exercer se não fosse possível a reparação ou substituição.
⎯ Como era de harmonização mínima, poderia consagrar um nível de proteção
superior, não traspondo a ordem hierárquica que era estabelecida;
⎯ Perante a não transposição, havia na vigência deste DL saber se existia ou não
alguma hierarquia.
+ Alguns autores entendiam que deveria ser interpretado no sentido de
estabelecer uma ordem hierárquica, retirando-se aqui a hierárquica do abuso
de direito.
+ Havia muitos autores que entendiam não existir uma ordem hierárquica,
porque era de harmonização mínima, tendo o legislador querido e
possibilidade de escolha;
⎯ Havendo uma Diretiva de harmonização máxima, com uma ordem hierárquica,
embora não tao rígida prevista na anterior Diretiva, ao transpô-la os EM’s, encontra-
se obrigados a transpor a ordem hierárquica da diretiva, isto implicou uma
diminuição da proteção do consumidor, antes poderia o consumidor exercer
livremente, a partir de agora, existe uma ordem hierárquica, e não é livre de
escolher o direito que pretende exercer.

Diretiva 2019/770:
• Esta é sobre certos aspetos relativos a contrato de fornecimento de conteúdo e serviços
digitais, esta colmate uma lacuna que existe na nossa OJ interna;
• Até à transposição desta diretiva, não havia regulação no que respeita a fornecimento de
conteúdo e serviços digitais;

São, pois, três os regimes consagrados no novo diploma (art. 1.º, n.º 2):
• O regime aplicável aos bens móveis – relativamente ao qual se verificou uma diminuição da
proteção dos consumidores portugueses por referência ao Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de
abril
• O regime aplicável à falta de conformidade no fornecimento de conteúdos e serviços
digitais, relativamente ao qual não existia regulamentação específica. O diploma aplica-se
quer aos contratos que tenham por objeto um único ato de fornecimento (compra de um e-
book, de um filme, de uma aplicação), uma série de atos individuais de fornecimento

72
(subscrição de publicações periódicas) ou um fornecimento contínuo (um serviço de
streaming).
• O regime aplicável a bens imóveis (que não está previsto na nova Diretiva e relativamente
ao qual se manteve praticamente inalterado o regime anteriormente consagrado no Decreto-
Lei n.º 67/2003).
• O legislador regulou ainda a responsabilidade do produtor (art. 40.º) e a responsabilidade
dos prestadores de mercados em linha (art. 44.º).

2. Âmbito de aplicação do DL 84/2021


2.1. Âmbito objetivo de aplicação – art.3, nº1:
• O legislador pretendeu ultrapassar as dificuldades de qualificação que podem surgir em
determinadas situações entre venda de bens futuros e o contrato de empreitada e ao
mesmo tempo clarificar que no que diz respeito a contratos de prestação de serviços o
regime só é aplicável quando haja lugar ao fornecimento de bens (exclui-se a prestação
de serviços simples – por exemplo, a lavagem de um automóvel)
• Relativamente aos contratos que tem por objeto bens corpóreos cumpre distinguir entre os
que têm por objeto bens corpóreos tout court e os que tem por objeto bens móveis
corpóreos com elementos digitais. Estes últimos são aqueles que incorporam ou estão
interligados com um conteúdo ou serviço digital (art. 2.º h) e r)). Exemplo: televisão inteligente
ou relógio inteligente.
• O regime dos bens móveis corpóreos - arts. 5.º a 21.º - aplica-se, pois, aos conteúdos ou
serviços digitais que estejam incorporados em bens, ou que com eles estejam
interligados, e sejam fornecidos, pelo profissional ou por um terceiro, com os bens, no
âmbito de um contrato de compra e venda.
• Nos casos em que tenha lugar o fornecimento de conteúdos ou serviços digitais incorporados
ou interligados com a venda de bens, se presume que os mesmos se encontram abrangidos
pelo contrato de compra e venda.
• O novo regime legal relativo aos bens móveis corpóreos aplica-se ainda aos bens novos, aos
bens usados e aos bens recondicionados.
• Atendendo às particularidades dos bens móveis usados, o Decreto-Lei nº 84/2021 introduz
na ordem jurídica portuguesa um conceito novo: o de bem recondicionado, referente aos
“bens que foram objeto de utilização prévia ou devolução e que, após inspeção, preparação,
verificação e testagem por um profissional, são novamente colocados para venda no mercado
nessa qualidade” (artigo 2.º alínea e). No essencial, estes bens ficam sujeitos ao regime dos
bens novos, sendo obrigatória a menção da sua qualidade na fatura de venda e ficando
sujeitos ao prazo de garantia daqueles.

2.2. Âmbito subjetivo de aplicação:


• Os contratos referidos estão sujeitos ao regime ora em análise quando lhes subjaza uma
relação de consumo, isto é uma relação entre um profissional e um consumidor.

73
• O conceito de profissional abrange qualquer pessoa singular ou coletiva, pública ou privada,
que atue, inclusivamente através de outra pessoa em seu nome ou por sua conta, para fins
relacionados com a sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional.
• O consumidor é definido como “uma pessoa singular que, no que respeita a contratos
abrangidos pelo presente decreto-lei, atue com fins que não se incluam no âmbito da sua
atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”
• Trata-se de uma noção menos ampla do que a noção consagrada no art. 2.º da Lei n.º
24/96, de 31 de julho, que abrangia “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados
serviços ou transmitidos quaisquer direitos”, permitindo assim acolher outras entidades como
pequenas associações ou condomínios de edifícios constituídos em propriedade
horizontal.
• No que respeita ao uso não profissional, o art.º. 49.º determina que “A verificação de um uso
profissional dos bens conteúdos ou serviços digitais pelo consumidor, desde que a finalidade
comercial não seja predominante no contexto global do contrato, não obsta à aplicação do regime
previsto no presente decreto-lei”
• Não são consumidores, as associações e as fundações;
• Os direitos atribuídos ao consumidor, resultantes do contrato de compra e venda ou do
fornecimento do conteúdo ou serviço digital, cristalizam na coisa que é objeto de garantia,
no momento da sua constituição, e transmitem-se ao terceiro adquirente do bem ou do
conteúdo ou serviço digital, a título gratuito ou oneroso (artigos 12.º, n.º 10, 24.º, n.º 4, e 35.º,
12).
• Este conceito não parece, no entanto, a possibilidade de se qualificar como consumidor o
condomínio, naqueles casos em que pelo menos um dos condomínios seja uma pessoa
singular que destine a sua fração a um uso não profissional;
• Podemos continuar a prever o condomínio como consumidor? Quando estão em causa
defeitos em regime de propriedade horizontal, a legitimidade para exercício cabe ao
condomínio, na jurisprudência encontramos muitas decisões relativas a defeitos de imoveis,
intentadas pelo condomínio quanto a defeitos do imóvel.
• A jurisprudência entende que podem ser consumidores desde que um dos condomínios seja
consumidor, destine a um uso não profissional, isto porque o condomínio é uma figura ficção,
nem é coletiva, nem pessoa singular, e na propriedade horizontal existe o direito incindível
que é um direito de propriedade relativamente à fração, que cada um dos condomínios tem
e é comproprietário relativamente as partes comuns do edifício, isto forma, um direito novo
– direito de propriedade horizontal;
• Quanto aos casos de uso misto, em que o bem se destina em parte a uso profissional e em
parte a uso não profissional, o art.49º deste DL, determina que o uso profissional dos bens,
conteúdos ou serviço digital não obsta a aplicação deste regime, desde que a finalidade
profissional, não seja preponderante no contexto global do contrato. Em caso de uso misto,
se este uso for predominantemente não profissional a pessoa pode ser qualificada como
consumidor.
• O regime deste DL, é imperativo o que significa que é nulo qualquer acordo ou clausula
contratual, pela qual exclui ou limita direitos previstos neste DL. As nulidades apenas podem

74
ser imputadas pelo consumidor ou representantes que ainda assim podem optar pela
manutenção do contrato quando algumas clausulas forem nulas;
• No que diz respeito à qualidade de consumidor, relembre-se a jurisprudência do Acórdão
Faber, onde o Tribunal de Justiça dispôs que a Diretiva 1999/44/CE “deve ser interpretada no
sentido de que o órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar-se sobre um litigio
relativo a um contrato suscetível de ser abrangido pelo âmbito de aplicação desta diretiva
está obrigado, sempre que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para tal ou
deles possa dispor mediante mero pedido de esclarecimento, a verificar se o comprador pode
ser qualificado de consumidor na aceção da mesma diretiva, ainda que este não tenha
expressamente invocado essa qualidade”.
• O regime consagrado no presente diploma é imperativo sendo nulo o acordo ou cláusula
contratual pelo qual se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos neste
diploma.
• A nulidade apenas pode ser invocada pelo consumidor ou seus representantes, que podem
optar pela manutenção do contrato quando algumas das suas cláusulas forem nulas.

2.3. Âmbito temporal de aplicação:


• Por último, o Decreto-Lei n.º 84/2021 aplicar-se-á em matéria de contratos de compra e venda
de bens móveis e de bens imóveis aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, o
dia 1 de janeiro de 2022.
• As disposições em matéria de contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais
aplicam-se igualmente aos contratos celebrados após essa data.

3. Dever de conformidade, noção de conformidade e direitos do consumidor em caso de


falta de conformidade.
3.1. Regime aplicável ao regime de bens móveis corpóreos – art.5º ao 21º DL:
● O artigo 5.º do Decreto-lei n.º 84/2021 impõe ao profissional o dever de entregar ao
consumidor bens conformes com o contrato de compra e venda.
● O legislador regulou no regime ora em análise o cumprimento do dever de entrega,
nomeadamente quanto à definição do que se considera entrega, o prazo para a realizar e a
associada transferência de risco.
● Assim, determina o artigo 11.º que o bem se considera entregue ao consumidor “quando este
ou um terceiro por ele indicado, que não o transportador, adquire a posse física do bem”. Nos
casos em que o contrato preveja a instalação do bem por conta do profissional, o bem
considera-se entregue quando a instalação se encontrar concluída. No caso de bens com
elementos digitais, considera-se que o bem é entregue quando a componente física dos bens
seja entregue e o ato único de fornecimento seja efetuado ou, no caso de fornecimento
contínuo do conteúdo ou serviço digital, este seja iniciado.
● Quanto ao prazo para a entrega, o n.º 4 do art. 11.º dispõe que o profissional deve entregar
os bens na data ou dentro do período especificado pelo consumidor, salvo convenção em
contrário. O n.º 5 do mesmo preceito estabelece que, na falta de fixação da data para a

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entrega do bem, o profissional deve entregá-lo sem demora injustificada, fixando, todavia, o
prazo supletivo de 30 dias apos a celebração do contrato.
● Havendo mora na entrega do bem, o consumidor deve interpelar (“direito de solicitar”, na
formulação legal) o profissional para entregar o bem num prazo adicional adequado às
circunstâncias, conferindo a falta de entrega, ao consumidor, o direito de resolver o contrato.
● O direito à resolução imediata, em caso de mora na entrega do bem, só existe se o
profissional se recusar a entregar os bens, ou se resultar, atendendo a todas as circunstâncias
que rodearam a celebração do contrato ou quando o consumidor haja informado o
profissional, antes da celebração do contrato, que a entrega dentro de um determinado
prazo ou em determinada data era essencial.
● Após a resolução do contrato, o profissional deve restituir ao consumidor a totalidade do
montante pago no prazo de 14 dias; não o fazendo, o consumidor tem o direito à sua
devolução em dobro, sem prejuízo da indemnização por danos patrimoniais e não
patrimoniais a que haja lugar, nos termos gerais do artigo 12.º da Lei da Defesa do
Consumidor.

Transferência do risco:
• Quanto à transferência do risco nos contratos de consumo, o n.º 12 do art.11.º, dispõe
expressamente que nos contratos em que o profissional envie os bens para o consumidor, o
risco de perda ou dano dos bens transfere-se para o consumidor quando este ou um terceiro
por ele indicado, que não o transportador, adquira a posse física dos bens, a não ser que o
consumidor haja confiado o transporte a pessoa diferente da proposta pelo profissional, caso
em que o risco se transfere para o consumidor com a entrega do bem ao transportador.
• Se for compra e venda de coisa genérica, a transferência do risco de acordo com o regime do
CC, não ocorre no momento da conclusão do contrato porque se o contrato tiver por
obrigação genérica, a transferência do direito de propriedade, a obrigação passa de genérica
a especifica. E a concentração dá-se (539º e ss’s) com o cumprimento, com a entrega do bem.
E o fundamento deste regime, de uma interpretação a contrário do artigo 541º CC, em qie a
obrigação se concentra antes do cumprimento, assim sendo, podemos a contrario deferir
que a regra é que a obrigação se concentra com o cumprimento, com a entrega. Por outro
lado, o art.540º, permite afastar o momento da escolha, como momento de concentração da
obrigação genérica. Ainda que o devedor separa as coisas a cumprir, não por isso que o
devedor fica exonerado, pelo facto de perecer aquelas coisas a que se dispunha a cumprir, a
escolha não é relevante pra efeitos de concentração.
• Esta regra no nº12 – da transferência do risco quando o consumidor adquire a posse física
dos bens, não será diferente da regra aplicada das obrigações genéricas, o problema é que o
CC foi construído com base na venda especifica, e muitas regras do CC não correspondem ao
paradigma atual da CV.
• Nº13 – confia o transporte a pessoa diferente pelo profissional. Isto é que o corre no âmbito
do CC, quando está em causa uma dívida de envio. No art.541º que diz quando é que a
obrigação se concentra antes do cumprimento, é nos termos do art.797º, relativo às dívidas
de envio, sempre que esteja em causa que por convenção das partes deve enviar para lugar

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diferente do cumprimento, os riscos transferem-se conforme (..). Esta solução do nº13,
corresponde ao caso do envio do 797º CC;

Dever de conformidade:
● No que diz respeito aos bens móveis corpóreos, o profissional deve entregar ao
consumidor bens que cumpram os requisitos de conformidade constantes dos artigos 6.º
a 9.º (como preceitua o art. 5.º) e, salvo acordo em contrário, os bens devem ser entregues
na versão mais recente à data da celebração do contrato.
● Não existe, contudo, falta de conformidade quando o consumidor haja sido previa e
inequivocamente informado de que uma característica particular do bem se desviava dos
requisitos de conformidade e tenha aceitado, de forma expressa e inequívoca, esse desvio
(pense-se, por exemplo, na compra de um “bem com defeito”)
● Considera-se existir falta de conformidade dos bens quando aquela resulte de instalação
incorreta do bem, se a instalação for assegurada pelo profissional ou efetuada sob a sua
responsabilidade; ou, quando realizada pelo consumidor, se a instalação incorreta se ficar a
dever a deficiências nas instruções de instalação fornecidas pelo profissional, ou também
pelo fornecedor do conteúdo ou serviço digital, no caso de bens com elementos digitais.
● Se existirem direitos de terceiros restritivos da utilização dos bens, em especial direitos de
propriedade intelectual, que impeçam ou limitem a utilização dos bens, o consumidor tem
igualmente direito aos meios gerais de ressarcimento previstos para a falta de conformidade,
exceto nas situações previstas em legislação especial nos termos da qual se determine a
invalidade ou a resolução do contrato de compra e venda.
● No que diz respeito à conformidade que se espera dos bens que o profissional entrega em
cumprimento do contrato, esta apresenta agora uma vertente subjetiva e uma vertente
objetiva.
● O art.6.º consagra os requisitos subjetivos de conformidade
● O art.7.º consagra os requisitos objetivos de conformidade
● No caso específico dos bens com elementos digitais, o artigo 8.º coloca requisitos adicionais
de conformidade, respeitantes às atualizações do conteúdo ou serviço digital.

Responsabilidade pela falta de conformidade dos bens:


● Tendo sido celebrado o contrato e entregue o bem ao comprador, nos casos em que se
verifique uma falta de conformidade nos termos descritos no ponto anterior e que se
manifeste no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a imediata
substituição do bem ou a resolução do contrato. O legislador chamou a esta faculdade
“direito de rejeição” (art.16.º), claramente inspirado na figura anglo-saxónica “right to reject”.
● Não é o direito de arrependimento dos contratos celebrados à distância porque aqui o que
se pretende tutelar é a livre formação da vontade do consumidor, mas permite que se esta
falta de conformidade 30 dias após a imediata substituição ou resolver.
● O exercício deste direito não prescinde, quanto ao seu fundamento, da verificação material
da falta de conformidade.

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● Nos casos em que o contrato segue o seu rumo normal, como determina o artigo 12.º, o
profissional é responsável por qualquer falta de conformidade que se manifeste no prazo de
três anos a contar da entrega do bem móvel corpóreo (este é um prazo de garantia legal).
É um prazo mais longo estabelecido pelo DL de 2003, que consagrava um prazo de 2 anos.
Nos contratos de compra e venda de bens móveis usados e por acordo entre as partes, o
prazo de garantia pode ser reduzido a 18 meses.
• No caso de bens com elementos digitais - sem prejuízo do dever de assegurar a
comunicação e o fornecimento das atualizações, o profissional é responsável por qualquer
falta de conformidade, respeitante ao conteúdo ou serviço digital, que ocorra ou se
manifeste: (i) no prazo de três anos, a contar da data em que os bens com elementos digitais
foram entregues, quando o contrato estipule um único ato de fornecimento do conteúdo ou
serviço digital; (ii) no prazo de três anos, quando o contrato estipule o fornecimento continuo
do conteúdo ou serviço digital durante um período até três anos; (iii) durante o período do
contrato, quando este estipule o fornecimento continuo do conteúdo ou serviço digital
durante um período superior a três anos.
• Para desencadear a responsabilidade do profissional, o consumidor deve, em primeiro lugar,
comunicar a falta de conformidade, designadamente, por carta, correio eletrónico, ou por
qualquer outro meio suscetível de prova, nos termos gerais. Trata-se de uma verdadeira
denúncia do defeito, que, em certo sentido, é prevista a favor do profissional, na
medida em que tomar conhecimento da falta de conformidade lhe permite
desencadear o processo de reposição da conformidade e, em algumas situações, uma
intervenção rápida evitará o agravamento dos efeitos da falta de conformidade. O
legislador português abdicou da imposição de um prazo obrigatório para a denúncia (que no
âmbito do Decreto-Lei n.º 67/2003, era de dois meses) e da consequente caducidade dos
direitos do consumidor. Isto diverge do DL anterior, em que se estipulava um dever de
denúncia e prazo para a denuncia, de 2 meses.
• Em segundo lugar, deve o consumidor colocar o bem à disposição do profissional, sem
demora injustificada. No que diz respeito à disponibilização do bem ao profissional, nos
termos do artigo 18.º, n.º 1, para efeitos de reparação ou substituição, o consumidor deve
fazê-lo, sempre a expensas do profissional.
• Sublinhe-se que ao consumidor caberá provar a falta de conformidade dos bens: o
consumidor deve fazer prova de que o bem vendido não está em conformidade com o
contrato e que a falta de conformidade se revelou materialmente no prazo de garantia
do bem que é o prazo de três anos a contar da entrega do bem.
• O consumidor não está, em princípio, obrigado a provar a causa dessa falta de conformidade
nem que a origem da mesma é imputável ao vendedor – valerá neste âmbito a presunção de
falta de conformidade estabelecida no artigo 13.º, segundo a qual a falta de conformidade
que se manifeste num prazo de dois anos a contar da data de entrega do bem presume-se já
existente no momento da entrega do bem.
• Nos casos em que as partes tenham reduzido por acordo o prazo de garantia de bens móveis
usados para 18 meses, a presunção vigora apenas durante um ano.

78
• Só decorridos estes prazos, em que vigora a presunção, que será de dois anos ou 1 ano (nos
bens usados, é que caberá ao consumidor a prova da causa da falta de conformidade e que
ela já existia à data da entrega do bem.
• Demonstrando-se a falta de conformidade, o consumidor tem direito à reposição da
conformidade, através da reparação ou da substituição do bem; à redução proporcional do
preço; ou à resolução do contrato.
• O artigo 15.º consagra uma das principais alterações do regime: onde antes se verificava uma
livre escolha, pois o consumidor poderia, dentro dos limites da possibilidade e da
proporcionalidade, escolher qualquer um dos remédios disponíveis, agora a hierarquização
é de iure, porquanto se impõe a tentativa de reposição da conformidade fáctica do bem, e só
num segundo momento ou como segunda hipótese, se permite a afetação do contrato:
através da mera alteração, rectius, redução do preço, ou da sua própria extinção, por
resolução.
• Assim, o consumidor pode escolher, em primeiro lugar, entre a reparação ou a substituição
do bem, salvo se o meio escolhido para a reposição da conformidade for impossível ou, em
comparação com o outro meio (proporcionalidade relativa), impuser ao profissional custos
desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias (incluindo o valor que os bens
teriam se não se verificasse a falta de conformidade, a relevância da falta de conformidade e
a possibilidade de recurso ao outro meio de reposição da conformidade sem inconvenientes
significativos para o consumidor).
• Nestes casos, como refração dos limites impostos ao consumidor, o profissional pode, por
sua vez, recusar repor a conformidade dos bens por reparação ou substituição.
• A reparação e a substituição são efetuadas a título gratuito para o consumidor, este não
terá que suportar qualquer custo com a reparação e com a substituição, nomeadamente, de
transporte, mão de obra e material. Estes são suportados pelo profissional, dentro do prazo
razoável, dentro do prazo em que tenha sido informado da falta de conformidade que não
deve exceder os 30 dias, salvo nas situações em que a natureza e complexidade dos bens, a
gravidade da falta de conformidade e o esforço necessário para a conclusão da reparação ou
substituição justifiquem um prazo superior; e sem grave inconveniente para o consumidor,
tendo em conta a natureza dos bens e a finalidade a que o consumidor os destina.
• De acordo com o princípio da gratuitidade da reposição da conformidade, quando a
reparação exigir a remoção do bem que tenha sido instalado de uma forma compatível com
a sua natureza e finalidade antes de a falta de conformidade se ter manifestado, a obrigação
do profissional abrange a remoção do bem não conforme e a instalação de bem reparado ou
substituto, a expensas suas.
• Em caso de reparação, o bem reparado passa a beneficiar de um prazo de garantia adicional
de seis meses, por cada reparação, até ao limite de quatro reparações, devendo o
profissional, aquando da entrega do bem reparado, transmitir ao consumidor essa
informação. Deve entender-se este preceito como consagrando um aumento da garantia
legal do bem, não số porque esta é a interpretação que resulta do teor literal do preceito (que
se refere ao bem reparado), mas também porque é aquela que melhor se coaduna com a sua
leitura sistemática, pois caso a conformidade não tenha ficado reposta com a reparação, o

79
consumidor terá direito à redução do preço ou à resolução do contrato, nos termos do artigo
20.º.
• Havendo substituição do bem, ao consumidor não pode ser cobrado qualquer valor pela
utilização do bem substituído. Esta é a doutrina que melhor se coaduna com o princípio da
gratuitidade da reposição da conformidade do contrato e que foi consolidada pela
jurisprudência do TJUE.
• Num segundo momento ou num segundo plano, o consumidor pode escolher entre a
redução proporcional do preço (a redução do preço deve ser proporcional à diminuição do
valor dos bens que foram recebidos pelo consumidor, em comparação com o valor que
teriam se estivessem em conformidade) e a resolução do contrato, salvo, neste último caso
pode o seu exercício ser afastado, se o profissional provar que a falta de conformidade é
mínima.
• A escolha por estes expedientes, que afetam o próprio contrato, é possível, nos termos do
artigo 20.º, caso o profissional:
⎯ Não tenha efetuado a reparação ou a substituição do bem, ou não a tenha
efetuado nos termos do disposto no artigo 18.º;
⎯ tenha recusado repor a conformidade dos bens;
⎯ ou tenha declarado, ou resulte evidente das circunstâncias, que não vai repor os
bens em conformidade num prazo razoável ou sem grave inconveniente para o
consumidor.
• O consumidor pode ainda escolher entre a redução proporcional do preço e a resolução do
contrato quando: a falta de conformidade tenha reaparecido apesar da tentativa do
profissional de repor os bens em conformidade; quando ocorra uma nova falta de
conformidade; ou quando a gravidade da falta de conformidade justifique a imediata
redução do preço ou a resolução do contrato de compra e venda.
• Se a falta de conformidade for de tal forma grave que coloque em causa por exemplo,
confiança do consumidor naquele produto ou marca, poderá justificar a imediata redução do
preço ou resolução do CV. Daí que apesara de este novo DL consagrar uma ordem
hierárquica, esta ordem é muito menos rígida do que a prevista na Diretiva, pq o consumidor
dispõe sempre quando esta manifesta nos 30 dias após a entrega (art.16º), mas também pq
há situações em que o consumidor pode numa primeira fase exercer a redução do preço ou
resolução do contrato. NEM SEMPRE O CONSUMIDOR ESTÁ VINCUALDO A ESTA HIERARQUIA;
• A resolução do contrato opera por declaração à contraparte, de acordo com a regra geral
do artigo 436.º, nº 1, do Código Civil.
• Nos termos do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 84/2021, o direito de resolução é exercido
através de declaração ao profissional, designadamente, por carta, correio eletrónico, ou por
qualquer outro meio suscetível de prova, nos termos gerais, na qual o consumidor informa
da sua decisão de pôr termo ao contrato de compra e venda.
• Os efeitos da resolução do contrato são também os gerais, nomeadamente, nos termos do
artigo 289.º, n.º 1, ex vi artigo 433.º, aquela produz efeito retroativos, devendo ser restituído
tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor
correspondente.

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• Nos termos do n.º 9 do artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 84/2021, contudo, o direito à resolução
do contrato pode ser exercido quando a falta de conformidade tenha levado ao perecimento
ou deterioração do bem por motivo não imputável ao consumidor.
• O exercício do direito de resolução do contrato, no seu conjunto ou em relação a alguns dos
bens, determina para o consumidor a obrigação de devolver os bens ao profissional, a
expensas deste, e a obrigação de o profissional reembolsar o consumidor do preço pago
pelos bens após a sua receção ou de prova do seu envio, apresentada pelo consumidor.
• No prazo de 14 dias a contar da data em que for informado da decisão de resolução do
contrato, o profissional deve reembolsar o consumidor de todos os pagamentos recebidos,
incluindo os custos de entrega do bem, que deve ser feito através do mesmo meio de
pagamento que tiver sido utilizado pelo consumidor na transação inicial, salvo havendo
acordo expresso em contrário e desde que o consumidor não incorra em quaisquer custos
como consequência do reembolso.
• O profissional deve, ainda, proceder à remoção dos bens sempre que a resolução do
contrato de compra e venda assim o exija, a título gratuito. Salvo situações em que incumba
ao profissional a recolha do bem, o profissional pode proceder à retenção do reembolso
enquanto os bens não forem devolvidos ou o consumidor faça prova do seu envio.

Prazo para o exercício dos direitos – art.17º:


• O artigo 17.º consagra o prazo para o exercício dos direitos do consumidor. Os direitos
atribuídos ao consumidor, nos termos do artigo 15.º, caducam decorridos dois anos a contar
da data da comunicação da falta de conformidade, suspendendo-se nas seguintes situações:
a) desde a colocação do bem à disposição do profissional com vista à realização
das operações de reparação ou substituição até à reposição da conformidade e
disponibilização do bem ao consumidor;
b) durante o período temporal em que durar a tentativa de resolução
extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao profissional ou ao
produtor.
• Note-se que o consumidor tem o direito de recusar o pagamento de qualquer parte
remanescente do preço ao profissional até que este cumpra os deveres impostos pelo
Decreto-Lei n.º 84/2021. Não tem, todavia, o direito à recusa de prestações que estejam em
mora
• Por fim, cabe mencionar a obrigação de serviço pós-venda e disponibilização de peças,
prevista no artigo 21.º.
• Determina este preceito que, sem prejuízo do cumprimento dos deveres inerentes à
responsabilidade do profissional ou do produtor pela falta de conformidade dos bens, “o
produtor é obrigado a disponibilizar as peças necessárias à reparação dos bens adquiridos pelo
consumidor, durante o prazo de 10 anos após a colocação em mercado da última unidade do
respetivo bem”
• No caso de bens móveis sujeitos a registo, o profissional deve, durante o prazo de dez
anos após a colocação em mercado da última unidade do respetivo bem, garantir
assistência pós-venda em condições de mercado adequadas.

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• Em ambos os casos, no momento da celebração do contrato, o profissional deve informar o
consumidor da existência e duração da obrigação de disponibilização de peças aplicável e, no
caso dos bens móveis sujeitos a registo, da existência e duração do dever de garantia de
assistência pós-venda.

☞ O regime de bens móveis corpóreos, afasta-se de vários pontos do DL 67/2003, há diferenças


importantes entre estes DL’s. Nomeadamente, a definição de conformidade, a hierarquia de
direitos e no que toca ao prazo de garantia legal que é mais longo.
Além de que, o DL 67/2003, aplicava-se a bens móveis corpóreos apenas, e também os que
integram elementos digitais, o próprio conceito de bem móvel é diferente daquele a que se
aplicava o DL 67/2003.

Aula – 04/04/2022

HIPÓTESE PRÁTICA

No dia 1 de Fevereiro de 2022, António celebrou com a empresa “x” um contrato de compra e
venda de um computador portátil produzido pelo fabricante Y.
O computador foi entregue a António no dia 3 de Fevereiro. Quando António abriu a
embalagem verificou que algumas teclas estavam partidas e que o monitor tinha uma imagem
desfocada.
Carateriza o contrato celebrado entre António e Maravilhas da Eletrónica. Poderá António
exercer imediatamente o direito de resolução de contrato?
⎯ Compra e venda de bens de consumo.
⎯ Temos que verificar se está em causa uma relação de consumo – âmbito de aplicação
subjetivo e objetivo;
⎯ Se estivermos no âmbito de uma relação de consumo. Se não se aplica o regime do Código
Civil;
⎯ Quanto à questão de saber se está em causa uma relação de consumo – DL 84/2021 apenas
se aplica se estiver uma relação de consumo, entre vendedor profissional e comprador
consumidor, ambos os conceitos de consumidor e profissional, estão no art.2º do DL;
⎯ Podemos dizer que este contrato pode ser configurado como de consumo desde que esta
seja profissional para efeitos deste DL, e que António seja consumidor, com fim que não se
inclui no âmbito de atividade industrial, profissional, artesanal ou comercial.
⎯ Nos casos de uso misto, em parte profissional e em parte não profissional, o critério
estabelecido é o critério do uso preponderante. Logo, ainda que António utilize com fim
profissional, não obsta o regime do DL, desde que a essa finalidade profissional não seja
preponderante, no contexto global do contrato. Em princípio, estamos aqui perante uma
relação de consumo, assim, o regime previsto no DL prevalece sobre o do Código Civil.
⎯ Quanto à questão de saber quais os direitos do António em caso de desconformidade do
bem, são os que resultam expressamente do DL.

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⎯ Quais ao direito de resolução, temos que atender na hierarquia, porque a nova diretiva da
venda de bens é de harmonização máxima.
⎯ Porém, o art.16º prevê um direito que não existia no anterior DL, o chamado direito de
rejeição. Se a falta de conformidade se manifesta 30 dias após a entrega do bem, pode
resolver o contrato ou a imediata substituição do bem. No fundo o que está em causa não é
de um direito novo, este direito de rejeição apesar da designação não é um direito novo, é
sim a possibilidade de o consumidor exercer o direito de resolução sem observar a ordem
hierárquica do art.15º, se a falta de conformidade se manifesta nos 30 dias após a entrega,
não tem que exercer o direito de substituição, pode resolver o contrato ou a imediata
substituição, também não é um direito novo, este já tem o direito, a diferença é que pode ser
imediata substituição. Em princípio, esta ocorre num prazo razoável, mas se for nos 30 dias,
é imediata substituição, o profissional já não tem um prazo de 30 dias, mas sim
imediatamente.
⎯ O direito de rejeição é um direito à imediata substituição a possibilidade de exercer
imediatamente o direito à resolução.
⎯ Embora se diga no 16º se refira a 30 dias, devemos fazer uma interpretação restritiva, não
deve ser 30 dias após a entrega, mas sim comunicada ao vendedor no prazo de 30 dias. Até
pq este DL 84/2021, determina a comunicação da falta de conformidade ao profissional, mas
não impõe prazo para que o consumidor efetue esta comunicação. Logo, para exercer este
direito, não só a falta de conformidade deve manifestar-se no prazo de 30 dias, e comunicada
no prazo de 30 dias.
⎯ Se manifestar depois destes 30 dias, neste caso, poderia exigir a reparação ou substituição
do bem, aqui exerce os direitos conferidos pelo art.15º;
Num primeiro patamar, temos direitos que visam a reposição dos bens com o contrato
(reparação e substituição), os direitos que se destinam a repor a conformidade com o
contrato. Num segundo patamar, redução do preço e resolução do contrato.
O consumidor tem que exercer primeiro a reparação ou substituição e só subsidiariamente,
quando se verifique as situações previstas no nº4 do art.15º, porém, nas als. b, c, d do art.15º,
podem exercer logo os direitos do segundo patamar.
⎯ Isto leva-nos a concluir que foi consagrada uma hierarquia, no entanto, não é uma hierarquia
tao rígida, como era a imposta pela anterior diretiva de 1999/44, porque como já vimos o
consumidor goza do direito de rejeição. E também porque há determinados casos em que o
consumidor pode exercer o direito da resolução do preço ou do contrato. Quando a falta de
conformidade reapareceu apesar da tentativa de reparação, nova falta de conformidade, e
gravidade da falta de conformidade.
⎯ A ordem hierarquia favorece o princípio da consagração dos negócios jurídicos e do princípio
da proporcionalidade, e também é sustentável do ponto de vista ambiental, relativamente ao
direito de resolução do contrato.
⎯ E se o vendedor recusar porque se deve a queda e os danos foram consequência do mau
uso?
⎯ Teríamos que atender no disposto do art.13º - temos uma presunção segundo a qual se
manifesta 2 anos após a entrega do bem, se presume existente á data da entrega do bem

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⎯ Esta presunção do art.13º, faz com que o consumidor só tenha que provar a falta de
conformidade e celebração do cotrato, não tem que provar que a falta de conformidade já
existia no momento da entrega. Presume-se que já existia
⎯ Terá que ser o devedor a provar a existência de um facto posterior que não lhe seja imputável,
ou seja, o vendedor para não ser responsável, teria que provar que a falta de conformidade
não existia no momento ad entrega.
⎯ Este argumento é procedente? Temos que atender no art.40º do DL – esta é fixada em
benefício do consumidor, em que este se pode dirigir ao profissional e do produtor, no
entanto, esta última não é tao ampla quanto a do consumidor, perante o produtor apenas
pode exercer o direito de reparação e substituição.

a. O regime dos bens imóveis está previsto nos artigos 22.º a 25.º do Decreto-Lei n.º
84/2021

1. Trata-se de um regime assente no princípio da conformidade dos bens com o contrato


● O art. 22.º consagra um dever de conformidade: “O profissional tem o dever de entregar ao
consumidor os bens imóveis que sejam conformes com o contrato de compra e venda e que
apresentem características de qualidade, de segurança, de habitabilidade, de proteção ambiental
e de funcionalidade de modo a assegurar a aptidão dos mesmos ao uso a que se destinam durante
o período de vida útil técnica e economicamente razoável”.
● As características de qualidade, de segurança, de habitabilidade, de proteção ambiental e de
funcionalidade mencionadas no n.º 1 são descritas na ficha técnica da habitação a que se
refere o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 68/2004, de 25 de março (n.º 3 do art. 22.º do Decreto-
Lei n.º 84/2021);
● Contudo, não se considera existir violação do dever de entrega de um bem em
conformidade com o contrato caso o consumidor haja tido conhecimento dessa falta de
conformidade aquando da celebração do contrato, não a pudesse razoavelmente ignorar,
ou se aquele decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.
● O art. 22.º, n.º 2 reitera a presunção de não conformidade que já era adotada pelo Decreto-
Lei n.º 67/2003, e distinta da seguida para os bens móveis corpóreos e para os conteúdos e
serviços digitais (para estes o novo diploma consagra requisitos subjetivos e objetivos de
conformidade). Assim, presume-se que os bens imóveis não são conformes com o
contrato caso se verifique algum dos seguintes factos:
⎯ a) Não sejam conformes com a descrição que deles é feita pelo profissional ou não
possuam as qualidades do bem que o profissional tenha apresentado ao consumidor
como amostra ou modelo;
⎯ b) Não sejam adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine,
desde que o profissional tenha sido informado de tal uso aquando da celebração do
contrato e o tenha aceitado;
⎯ c) Não sejam adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
⎯ d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo
tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem

84
e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas
feitas pelo profissional, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na
publicidade.

• Responsabilidade pela falta de conformidade:


• Nos termos do art. 23.º, o profissional responde perante o consumidor por qualquer falta de
conformidade que exista quando o bem imóvel lhe é entregue e se manifeste no prazo de:
⎯ a) 10 anos, em relação a faltas de conformidade relativas a elementos construtivos
estruturais; (superior ao DL 67/2003).
⎯ b) Cinco anos, em relação às restantes faltas de conformidade.
• Este prazo suspende-se a partir da data da comunicação da falta de conformidade pelo
consumidor ao profissional e durante o período em que o consumidor estiver privado do uso
do bem.
• Havendo substituição do bem imóvel, ou de alguma das suas partes integrantes, o
profissional é também responsável por qualquer falta de conformidade que ocorra no bem
sucedâneo.
• A falta de conformidade tem de ser comunicada ao vendedor, mas o legislador não dispôs
sobre a forma de comunicação (que permitirá o recurso aos meios de prova legalmente
admissíveis).
• A falta de imposição de um prazo para esta comunicação poderá levar a um agravamento
da responsabilidade do vendedor, num contexto em que os prazos de garantia se situam
entre os cinco e os dez anos. O profissional poderá provar, nos termos gerais, que a inércia
do consumidor agravou os efeitos da falta de conformidade.
• Ao contrário do que aconteceu relativamente aos bens móveis, no que toca aos bens imóveis
o legislador português manteve a associação do prazo de garantia à presunção de que a
falta de conformidade que se manifeste dentro daquele prazo, já existia aquando da
entrega do bem imóvel, salvo quando seja incompatível com a natureza da coisa ou com as
características da falta de conformidade.
• Inverte-se o ónus da prova durante todo o período da garantia e impõe-se ao profissional
o encargo de a ilidir, isto é, de demonstrar que a falta de conformidade não existia no
momento da entrega do bem.
• No regime de bens imóveis o legislador manteve a ausência de hierarquização dos
remédios que o consumidor pode exercer em caso de falta de conformidade dos bens com
o contrato. Assim, nos termos do art. 24.º, em caso de falta de conformidade do bem imóvel,
o consumidor tem direito a que esta seja reposta, a título gratuito, por meio de reparação
ou de substituição (que devem ser realizadas dentro de um prazo razoável, tendo em conta
a natureza da falta de conformidade e sem grave inconveniente para o consumidor), à
redução proporcional do preço ou à resolução do contrato.
• O consumidor pode exercer qualquer dos referidos direitos referidos, salvo se tal se
manifestar impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais. A referência ao
abuso de direito convoca um juízo de proporcionalidade e remete para uma
hierarquização prática dos direitos.

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• Estes direitos transmitem-se ao terceiro adquirente do bem imóvel a título gratuito ou
oneroso.
• Nos termos do art. 25.º, 1 “Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo anterior
caducam decorridos três anos a contar da data da comunicação da falta de conformidade”. Este
prazo suspende-se desde essa data até à conclusão das operações de reparação ou
substituição e ainda durante o período temporal em que durar a tentativa de resolução
extrajudicial do conflito de consumo que opõe o consumidor ao profissional ou ao produtor.

PRAZOS DE CADUCIDADE:

Aplicação do regime dos defeitos da obra em imóveis de longa duração:

1) Empreiteiro ----Dono da obra/vendedor ---- Comprador (1225.º, n.º 1 parte final)


● A responsabilidade do empreiteiro estende-se ao terceiro adquirente do imóvel onde
se realizou a obra.
● Configura-se como uma “cessão de créditos resultantes da responsabilidade contratual,
imposta por lei”.
● É indiferente o número de alienações do imóvel, o empreiteiro responde sempre perante
o último adquirente, dentro do prazo de 5 anos após a entrega da obra ao respetivo dono.
(ou 3º que tenha adquirido o imóvel, entretanto).
● O terceiro adquirente pode exercer contra o empreiteiro os direitos à eliminação dos defeitos,
à construção de nova obra (1221.º) e à indemnização (1223.º). Por não ser parte no contrato,
não pode exigir nem a redução do preço, nem a resolução do contrato (art. 1222.º).

Empreiteiro/construtor-vendedor ---- Comprador (1225.º, n.º 4)

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● O regime dos defeitos da obra em imóveis destinados a longa duração, previsto no art. 1225.º,
“é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado” (art.
1225.º, n.º 4)
● Há situações em que o vendedor é o construtor do imóvel, a figura de vendedor e empreiteiro
confundem-se, neste caso, se o construtor aliena o imóvel a B, o contrato entre A e B, continua
a ser de compra e venda, mas como A é construtor-vendedor, por força do nº4, aplica-se as
regras de responsabilidade contratual pelos defeitos da obra.
● O contrato continua a ser qualificado como contrato de compra e venda, mas são-lhe
aplicáveis as regras do contrato de empreitada que regulam a responsabilidade contratual
do empreiteiro pelos defeitos da obra.
● Relativamente ao construtor-vendedor o comprador pode exercer todos os direitos
previstos nos artigos 1221.º a 1223.º:
⎯ 1.º Direito à eliminação dos defeitos (art. 1221.º, 1.ª parte); se os defeitos não forem
elimináveis,
⎯ 2.º Direito a nova construção (art. 1221.º, 2.ª parte); se os custos da eliminação dos
defeitos ou da nova construção forem desproporcionados, ou o empreiteiro
incumprir definitivamente qualquer uma destas obrigações,
⎯ 3.º Direito à redução do preço, ou à resolução do contrato, se a obra se revelar
inadequada ao fim a que se destina (art. 1222.º, n.º 1)
⎯ 4.º Direito à indemnização (art. 1223.º) que pode ser subsidiário (residual) ou
complementar relativamente aos outros direitos

Defeitos de imóveis em regime de propriedade horizontal:


• Construtor – vendedor ------------------ Comprador (1225º, n. º4)
• Defeitos nas frações autónomas;
• Defeitos nas partes comuns do edifício
• (?) Legitimidade para o exercício dos direitos conferidos no 1221º;
• Qual o momento para consideração a obra entregue, para efeitos de início da contagem do
prazo de caducidade de 5 anos, previsto no art.1225º, nº1 CC;
• Na propriedade horizontal coexistem de modo incindível dois direitos reais distintos: um de
propriedade singular e outro complementar, ou instrumental, de compropriedade.
• Art. 1420.º, n.º 1: “Cada condómino é proprietário exclusivo da fração que lhe pertence e
comproprietário das partes comuns do edifício”.
• Todavia, o direito de propriedade horizontal, ou o condomínio, é um direito real novo, não se
reduzindo à mera soma dos direitos de propriedade que o integram.

Legitimidade para o exercício dos direitos:


● Defeitos existentes nas frações autónomas – é o proprietário que tem legitimidade
para exercer perante o construtor todos os direitos (arts. 1221.º e ss), porque é ele
que tem o poder de administrar a sua fração;
● Defeitos existentes nas partes comuns do edifício – Importa distinguir:

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⎯ (i) exercício dos direitos de eliminação dos defeitos ou realização de nova
obra (art º. 1221.º.)
O exercício dos direitos previstos no art.º 1221.º (eliminação dos defeitos e
realização de nova construção) insere-se no poder de administração das
coisas, que abrange os atos de conservação. Assim, é o titular (ou titulares) do
direito de administração do edifício em propriedade horizontal que terá
legitimidade para acionar os referidos direitos perante o construtor. A
legitimidade para o exercício destes direitos cabe assim ao administrador do
condomínio devidamente mandatado pela assembleia de condóminos (a
administração das partes comuns compete-lhe em exclusivo);
⎯ (ii) redução do preço e resolução do contrato (art.º. 1222.º) porque
pressupõe a posição de comprador só os condóminos os podem exercer
individualmente.

Início da contagem do prazo de caducidade:


a) Defeitos existentes nas frações autónomas – entrega da fração pelo construtor-
vendedor a cada um dos condóminos
b) Defeitos existentes nas partes comuns do edifício – normalmente o construtor-
vendedor procede à alienação das frações autónomas a terceiros em momentos
diferentes. Quando se devem considerar entregues as partes comuns aos
condóminos adquirentes, de modo a poderem ser exercidos os direitos previstos nos
arts. 1221.º e ss., relativamente aos defeitos existentes nas partes comuns do edifício?
- Com a entrega da primeira fração? Com a entrega da última? Com a entrega da maioria das
frações?
● Quanto aos direitos a serem exercidos pelo administrador do condomínio (art. 1221.º e 1223.º,
apenas quanto aos danos sofridos pelo condomínio) o momento relevante para o início da
contagem do prazo de caducidade é o momento da constituição do condomínio (transmissão
dos poderes de administração das partes comuns do construtor para os órgãos de
administração do condomínio).
● O prazo de um ano para a denúncia também se inicia, nos termos do art. 1225.º, n.º 2, com o
conhecimento daqueles defeitos pelo administrador do condomínio.
● Quanto aos direitos a serem exercidos individualmente pelos condóminos relativamente a
partes comuns do edifício (art. 1222.º) releva o momento da entrega da fração, desde que
posterior à transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os órgãos de
administração do condomínio; caso contrário, é este último que releva.

Questões relativas à aplicação do diploma:


• Identificação de uma relação de consumo:
⎯ Compra e venda: vendedor/profissional ----- comprador/consumidor que adquire o imóvel
para uso não profissional;
⎯ Empreitada: empreiteiro/profissional ---- dono da obra/consumidor que destina a obra a uso
não profissional;

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⎯ Empreito/profissional --- dono da obra/profissional ---- comprador/consumidor?

JURISPRUDÊNCIA:
● Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-10-2019 (Oliveira Abreu)
● Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 05-12-2019 (Maria Rosa Tching)
● Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10-12-2019 (Nuno Pinto Oliveira)
Poderá o condomínio ser qualificado como consumidor?
● O condomínio não é pessoa coletiva, não tem “profissão”, é difícil descodificar a intenção no
destino não profissional das obras contratadas: estando em causa obras nas partes comuns
de um edifício constituído em propriedade horizontal a finalidade das mesmas deve ser
determinada pelo tipo de utilização a que se destinam as frações que compõe esse
edifício.
● Se as frações têm maioritariamente um destino de utilização profissional (exercício do
comércio ou indústria ou escritórios), o contrato relativo à realização de obras nas partes
comuns, outorgado pelo administrador do condomínio não pode ser qualificado como uma
empreitada de consumo. Mas, se as frações que integram o condomínio têm um destino
maioritariamente não profissional (habitação), já aquele contrato deve ser qualificado como
de empreitada para consumo.
● O condomínio é “uma figura de ficção - verdadeiramente um órgão - que não é nem
uma pessoa coletiva nem uma pessoa singular que se encontra devidamente
representada em Juízo, pelo respetivo administrador, para a realização dos direitos que
competem a todos os condóminos”
● “Seria, de todo, incongruente, admitir que num prédio constituído sob o regime de
propriedade horizontal todos os condóminos fossem consumidores relativamente à sua
fração e deixassem de o ser relativamente às partes comuns que adquirem por efeito da
aquisição da sua fração, não se destinando esta a uso profissional”.

Empreiteiro/profissional --- dono da obra/profissional --- comprador/consumidor:


● Podemos qualificar esta relação tripartida como empreitada de consumo?
● Nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 17-10-2019 (Oliveira Abreu) e de 10-
12-2019 (Nuno Pinto Oliveira) o STJ entendeu que sim:
● “Pese embora reconheçamos que a Ré/Construções, BB, S.A. construiu o ajuizado
edifício a solicitação da dona da obra (CC, Imobiliária, Lda.) que promoveu a venda
aos condóminos, no âmbito da sua atividade profissional do ramo imobiliário,
desenvolvendo uma atividade económica lucrativa de acordo com o respetivo objeto
social, ter-se-á que admitir que a transmissão dos direitos ao terceiro adquirente, para
a aplicação do regime decorrente da Lei de Defesa do Consumidor, depende de este
poder, mesmo ficcionando-se, ser qualificado como consumidor se tivesse sido parte
no primeiro contrato, qualidade que, conforme já adiantamos, deve ser reconhecida
ao aqui Autor/Condomínio”
● “Na verdade, não se poderá atribuir ao adquirente subsequente aquilo que não
lhe era devido se se tratasse de um adquirente originário. Assim, para que possa

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fazer uso destes direitos o adquirente terá de ser qualificado como consumidor
à luz das circunstâncias inerentes ao primeiro contrato”
● “A relação entre empreiteiro e comprador deve considerar-se como uma relação de
consumo desde que o empreiteiro conhecesse ou devesse conhecer, o fim do dono
da obra de dividir o edifício em frações autónomas e de vender cada uma das frações
autónomas a consumidores”.
Nesta relação tripartida em que momento se inicia o prazo de garantia do art.º. 5.º, n.º 1?
• III. — Em relação aos defeitos das partes comuns do edifício, o prazo de garantia do
art.º. 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril deverá contar-se a partir da
constituição da administração do condomínio.
• IV. — Em relação aos defeitos das partes próprias, das frações autónomas, o prazo
deverá contar-se a partir da entrega da coisa ao primeiro adquirente — ao primeiro
comprador / consumidor — de cada uma das frações. (Acórdão do STJ de 10-12-2019)

Configuram a relação tripartida como de consumo, e fixionam o contrato celebrado diretamente


entre empreiteiro e comprador consumidor. Isto depois condiciona a contagem dos prazos, pois o
que se discutia era se o direito do condomínio já tinha ou não caducado. Estes dois acórdãos como
configura o contrato, não inicia o prazo de caducidade no momento da entrega da obra, mas sim no
momento em que se constitui o condomínio e a fração foi entregue ao respetivo proprietário.

Em sentido contrário decidiu o STJ no Acórdão de 05/12/2019:


⎯ II. Nos casos em que a dona da obra transmite a um terceiro a propriedade do imóvel
cuja construção contratou com um empreiteiro e este adquirente/consumidor
pretende, ao abrigo do disposto no artigo 1225º, nº4 do Código Civil e no artigo 4º, nº
1, do DL nº 67/2003, de 8 de abril, alterado e republicado pelo DL nº 84/2008, de 21
de maio, exigir do empreiteiro a eliminação dos defeitos da obra por meio de
reparação ou de substituição, o prazo de garantia de 5 anos previsto no nº1 do
citado artigo 1225º e no art. 5º, nº1 do citado DL nº 67/2003, conta-se desde a
data da entrega da obra, pelo empreiteiro, à respetiva dona e não da data de
aquisição a esta do imóvel pelo terceiro adquirente/consumidor.
⎯ II. É que, tratando-se de um prazo de garantia, relacionado com o momento legal
imposto para a verificação da obra, o mesmo não se renova após cada transmissão
da propriedade, ficando o terceiro adquirente na mesma posição que o dono da obra
tinha perante o construtor.
⎯ III. Portanto, se, na data da venda do imóvel, o vendedor/dono da obra já não tiver
sobre o empreiteiro nenhum direito à eliminação dos defeitos, à realização de obra
nova ou à indemnização correspondente ao custo da reparação destes defeitos,
também já não poderá ceder nenhum destes direitos ao terceiro adquirente do
imóvel, pois a não ser assim, isso implicava que os terceiros adquirentes de
imóveis destinados a longa duração tivessem sobre os empreiteiros mais
direitos do que os donos de obra têm sobre estes e, consequentemente, que os

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deveres do empreiteiro passassem a ser mais do que aqueles que têm perante
os donos da obra, o que não resulta da lei”

Estamos perante dois contratos distintos, e o consumidor pode responsabilizar o empreiteiro, mas
isto resulta da cessão da posição contratual do dono da obra, se no momento que vai exercer os
direitos, então o comprador consumidor não pode ter mais direitos do que o dono da obra
profissional teria.

☞ A questão que levou o STJ, nos dois primeiros acórdãos foi pragmática, porque o dono da obra
estava insolvente, o comprador não tinha possibilidade de responsabilizar o dono da obra, só
poderia acionar o empreiteiro, e. única forma de o condómino exercer direito perante o empreiteiro,
seria o exercício do prazo de garantia a partir do momento em que se constitui o condomínio, E
assim permita que o condomínio ainda podia exercer direitos quanto ao empreiteiro. Embora se
tivermos em conta esta posição é difícil de sustentar, porque não estamos perante a figura do
construtor-vendedor. Talvez a última posição seja preferível em termos de sustentação dogmática,
mas também se compreende os outros dois acórdãos, porque era a única forma de o condomínio
exercer um direito.

16/05/2022
RESOLUÇÃO CASOS DE EXAME:

No dia 1 de fevereiro de 2020, Beatriz, amiga de António, foi visitá-lo e ficou encantada com
um painel de azulejos italianos que decoravam o hall de entrada da casa de António. Nesse
mesmo dia, Beatriz propôs a António a compra do painel pelo preço de € 25.000,00 a pagar em
25 prestações mensais de € 1.000,00 cada. António aceitou, tendo ficado acordado que os
azulejos seriam removidos passados dois dias e entregues na casa de Beatriz uma semana
depois.

Considere as seguintes hipóteses independentes:

a) No dia seguinte, um sismo de grande intensidade provocou a destruição da parede e


dos azulejos. António pretende que Beatriz pague o preço dos mesmos, uma vez que
não se considera já proprietário dos mesmos. Quid iuris?
b) Em junho de 2020, Beatriz, que se encontrava numa situação de graves dificuldades
financeiras, vendeu a Carlos, por escritura pública, um apartamento de que é
proprietária, na zona da Boavista, por um preço de € 200.000,00. No contrato celebrado
ficou estipulado que Beatriz, vendedora, “goza do direito potestativo de resolver o
contrato, durante um prazo de 7 anos, mediante a restituição ao comprador do preço
e acessórios, bem como de um acréscimo correspondente a 5% do valor do preço”. Quid
iuris?
c) Suponha agora que, depois dos azulejos serem removidos, Beatriz vem a descobrir que
os azulejos pertenciam a Dário, irmão de António e legítimo possuidor do imóvel, que

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os reivindica a Beatriz. Beatriz recusa-se a entregar os azulejos invocando que
procedeu a um custoso restauro dos mesmos, o que em muito os valorizou. Quid iuris?

Alínea a)
• Teríamos de começar por classificar o contrato como um contrato de compra e venda.
• Entre nós é um contrato real quod effectum, art. 408º/1 e art. 879º a).
• Temos determinados casos em que a eficácia do contrato de compra e venda fica diferida
para momento posterior como é caso. Uma vez que o objeto é uma parte integrante e,
portanto, não tem autonomia relativamente ao prédio. Não tendo autonomia não pode ser
objeto de um direito real diferente daquele que é do prédio. Este contrato tem como objeto
o painel de azulejos, mas sim na sua qualidade de coisa móvel futura. No momento em que
é celebração o contrato tem eficácia obrigacional e adquirindo autonomia relativamente ao
prédio.
• Se não se transmitiu a propriedade, ainda não se transmitiu o risco.
• Não tendo havido transferência do risco, o proprietário do painel ainda é António, portanto
será ele que vai suportar o risco de perecimento do painel de azulejos.
• Os azulejos terem ficado destruídos, determina uma impossibilidade de incumprimento do
contrato, tratando-se de uma impossibilidade não imputável, entende-se que o devedor
ficará desobrigado da sua obrigação, art. 795º/1 CC.
• Se já tivesse pagado o preço poderia exigir a sua restituição nos termos descritos para o
enriquecimento sem causa.

Alínea b)
• Nesta alínea b) o contrato poderia ser qualificado como venda a retro e vimos que esta
desempenha uma função de financiamento para o comprador que por se encontrar numa
situação de dificuldade pode ter interesse em vender o bem e resolver o contrato.
• A venda a retro pode funcionar como uma venda negocial usurária.
• No CC atual o legislador admite a venda a retro, mas estabelece um regime com grandes
limitações.
• Aos limites que constam neste regime estabelece por um lado um prazo pelo qual pode ser
exercido um prazo de resolução do contrato, não pode ultrapassar os 5 anos. As partes
estipularam que poderia ser no prazo de 7 anos, este prazo excede o prazo de 5 anos e que
é limite máximo. A consequência desta fixação resulta do art. 929º/2, neste caso a convenção
considera-se reduzida a este limite.
• Por outro lado, as partes estipulam ainda a obrigação do exercício de resolução, e um
acréscimo de 5% do preço. A questão coloca-se quanto ao acréscimo de 5% do valor do preço.
Neste caso o comprador terá de fazer uma oferta real, mas não se permite que as partes
estipulem qualquer outra vantagem patrimonial como contrapartida do direito de resolução
do contrato. Esta cláusula seria nula nos termos do art. 928º CC.
• Esta estipulação seria também ela nula.

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Alínea c)
• Está em causa o regime jurídico da venda de bens alheios. Se os azulejos pertenciam a Dário
esta venda teria de ser uma venda de bem alheio. O regime aplicável seria o regime do art.
892 e ss CC. A consequência seria neste caso a nulidade da venda. Esta nulidade é uma
nulidade atípica tendo em conta a restrição que resulta da segunda parte do art. 892º CC.
• Relativamente a Dário, verdadeiro proprietário do bem, a venda é ineficaz. Dário pode
intentar uma ação de reivindicação, sendo que o que se discute é se tem legitimidade para
arguir a nulidade da venda nos termos art. 892º CC.
• Mas é uma restrição que apenas se circunscreve às relações do vendedor e comprador.
• Nada impede que na segunda parte do art. 892 e a possa arguir.
• Em princípio o vendedor encontra-se de má-fé, estando o comprador de boa-fé.
• Se Beatriz estiver de boa-fé pode invocar perante António a invalidade da venda. Estando o
vendedor de má-fé, o vendedor não poderá impor a nulidade ao comprador de boa-fé.
• Sendo nula, Beatriz tem de entregar a coisa a Dário por se encontrar de boa-fé no art. 894º
CC. Beatriz tem ainda o direito a ser indemnizado nos termos do art. 897º caso António tenha
procedido com dolo ou nos termos do art. 899º CC.
• Esta indemnização pode ser cumulada com uma indemnização de não convalidação do
contrato se for compatível do art. 900º CC.
• Quanto ao restauro de Beatriz, tem direito as benfeitorias do restauro dos azulejos. Pode
reter a coisa até que estas benfeitorias sejam pagas ou por Dário ou António.

António e Berta, casados, celebraram mediante escritura pública, no dia 1 de abril de 2020,
um contrato de compra e venda com a sociedade “Casas de Sonhos, Lda”, empresa dedicada à
construção e comercialização de imóveis, de uma fração autónoma, de tipologia T3, de um
edifício constituído em regime de propriedade horizontal. O preço do imóvel foi de € 350.000,00
e a respetiva chave foi entregue a António e Berta no próprio dia da celebração do contrato.

António e Berta instalaram-se no apartamento no dia 5 de maio de 2020, tendo detetado


imediatamente infiltrações em várias divisões e manchas amareladas na pedra mármore que
reveste as casas de banho. Aperceberam-se ainda que vários dos azulejos que revestem o hall
de entrada do prédio se encontravam partidos.

António e Berta pretendem saber quais são os direitos que lhes assistem, contra quem os
podem exercer e dentro de que prazos. O que lhes diria?

• Neste caso, como resulta do enunciado o imóvel que foi vendido apresenta defeitos, entre
estes conta-se as infiltrações em várias divisões bem como nos azulejos no hall de entrado
do prédio se encontram partidos.
• Relativamente a estes defeitos poderíamos ver o regime da venda de coisas defeituosas.
• Apesar deste contrato ser qualificado como de compra e venda o regime aplicável seria o
regime dos defeitos da obra no contrato de empreitada. Porque estamos perante a figura do
construtor vendedor.

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• Sobre os defeitos existentes na fração desde logo as infiltrações, António e Berta poderiam
demandar o construtor vendedor, sendo que os direitos que podem exercer perante o
construtor vendedor são o regime dos defeitos no contrato de empreitada.
• A estes direitos acresce ainda o direito a uma indemnização nos art. 1223º CC.
• O prazo de garantia da empreitada será um prazo de 5 anos a contar da entrega.
• A denuncia é de um ano a contar da denuncia.
• São prazos mais favoráveis ao comprador do que os prazos para a CV de coisas defeituosas.
• Poderíamos qualificar a relação em causa A e B e a associação como uma relação de consumo
e na medida em que estivesse em causa uma relação de consumo.
• O regime aplicável a venda de bens de consumo iria prevalecer por ser um regime especial.
• Aqui iriamos aplicar o regime relativo aos bens imoveis que foi um regime que o nosso
legislador acrescentou. O regime aplicável aos bens imóveis é muito idêntico ao anterior.
• A falta de conformidade de bens imóveis está no art. 22.º e ss.
• Não existe uma hierarquia dos direitos.
• Temos um prazo de garantia de 10 ou 5 anos dependendo da falta.
• É um prazo mais amplo do que o prazo do CC, nomeadamente, na empreitada, o DL 84/2021
prevê um prazo de 3 anos para o exercício dos direitos.
• O DL 84/2021 não prevê qualquer prazo para efetuar a denuncia. No CC, na empreitada
temos 1 ano para denunciar o defeito. De acordo com o regime previsto no DL 84/2021 não
se estabelece qualquer prazo para a denuncia.
• Os azulejos que estão partidos é um defeito na parte comum do edifício. Quem tem
legitimidade para exercer os direitos previstos no art. 24º DL 84/2021 já não será A e B, mas
será o condomínio nesta situação.
• Teríamos de equacionar a possibilidade de qualificar o condomínio como consumidor. O
novo DL consagra um conceito mais restrito do que aquele que está na nossa LDC, definindo
o consumidor como pessoa singular. Não obsta a qualificação do condomínio por
consumidor, uma vez que é uma figura de ficção.

No dia 10 de janeiro de 2022, A celebrou com a empresa X um contrato de compra e venda de


um computador portátil produzido pelo fabricante Y, pelo valor de 1200 euros. O contrato foi
celebrado através da internet. O computador foi entregue a A no dia 12 do mesmo mês.

Considere as seguintes hipóteses independentes:

a) A empresa X reservou para si a propriedade do computador até ao integral pagamento


do preço por parte de A, tendo ficado acordado que o preço seria pago em 8 prestações
mensais de igual valor. A pagou as duas primeiras, mas faltou ao pagamento da terceira
e da quarta. Que direitos assistem à empresa X?
b) A foi informado por um amigo de que podia arrepender-se e envia uma carta neste
sentido à empresa X, no dia 15 de janeiro. Quid iuris?

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c) No dia 12 de janeiro, quando A abriu a embalagem verificou que o monitor estava
riscado e depois de ligar o computador constatou que este se encontrava avariado,
sendo a imagem pouco nítida. Quid iuris?
d) António exige da empresa X a reparação do computador, mas esta alega que não tem
qualquer responsabilidade pois esta, a existir seria sempre do fabricante Y. Quid iuris?
Alínea a)
• Teríamos de explicar em que consiste a CV com reserva de propriedade.
• Trata-se de uma venda em que a eficácia real fica diferida para um momento posterior que
será o momento do pagamento integral do preço, mas o comprador adquire uma expectativa
jurídica real de aquisição do bem.
• Teríamos de equacionar a norma geral com o disposto no art. 934º CC. Este artigo já vimos
que é uma norma de proteção do credor a crédito, esta norma versa quer sobre o exercício
da resolução do contrato, quer a perda do benefício do prazo.
• Relativamente ao art. 934º CC podemos dizer que se o comprador faltar ao pagamento da
prestação que não exceda a 1/8 prestação do prazo não pode resolver o contrato. Se for uma
prestação que exceda a 1/8 o vendedor já pode exercer o direito de resolução do contrato.
• Estando em causa uma relação de consumo teríamos de equacionar o art. 20º do DL
133/2009 que nos diz que o credor só pode invocar a resolução se se verificarem as
circunstâncias seguintes.
• Estando em causa uma relação de consumo, este DL sobrepõe-se ao CC. Uma vez que se trata
de um diploma de defesa do consumidor é ainda mais exigente para que o vendedor possa
exercer o direito de resolução do contrato é preciso que se verifiquem estes pressupostos.
Bem como o vendedor tenha convertido a mora em incumprimento definitivo.
• No art. 934º CC podemos remeter para o art. 20º DL 133/2009.

Alínea b)
• É um contrato celebrado através da internet e o DL 24/2004 o consumidor goza de um direito
de arrependimento. Este direito pode ser exercido no prazo de 14 dias a contar da entrega
do bem e não é necessário que o consumidor invoque qualquer fundamento.
• Este direito sendo exercido tem de reembolsar o consumidor de todos os custos. O
consumidor terá um prazo de 14 dias para devolver ou entregar o ao fornecedor ou à pessoa
autorizada para o efeito.

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