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Apontamentos contratos ll

Compra e venda -noção e aspetos gerais


-A regulamentação deste contrato serve de paradigma aos demais contratos onerosos (art
939), aplicam-se a regra desta a estes na medida em que sejam conformes que a sua natureza
e não contradigam as disposições legais respetivas.
-Esta encontra-se regulada nos arts 874 a a 939, sendo que o prof Pedro de Albuquerque, vê
nesta regulação sistemática quatro blocos distintos: A-noção e disposições gerais (secções l e
ll); b-modalidades do contrato (lll e Vll a XX); C-três perturbações típicas; D-art 939.
-A noção de compra e venda apresentada pelo legislador tem sido considerada rigorosa pela
doutrina, dizendo-nos o art 874 “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a
propriedade de uma coisa ou outro direito mediante um preço”.
Efeitos essenciais-entre os efeitos essenciais da compra e venda é possível distinguir entre os
efeitos reais (aqueles que implicam a transmissão da titularidade de um direito) e os
obrigacionais (aqueles que criam uma obrigação para uma das partes)
-o art 879 do CC indica-nos quais os elementos essenciais de uma compra e venda:
A-transferência de titularidade de um direito (efeito real)
B-obrigação por parte do vendedor de entregar a coisa vendida (efeito obrigacional)
C-obrigação por parte do comprador de pagar o preço
-Dentro destes limites vale a regra da autonomia privada (art 405), sendo as partes (em
principio) livres de celebrar ou não um contrato de CV, assim como de estabelecer o seu
conteúdo (no respeito por estes elementos essenciais)
Classificação do contrato de compra e venda
-Este é em primeiro lugar um contrato A-nominado (lei reconhece-o enquanto categoria
jurídica); B-típico (lei estabelece para ele um regime), C-fundamentalmente não formal (esta
tendencialmente não é exigida); D-consensual (celebração do contrato não depende da
entrega da coisa, contrariamente aos reais quod constitutionem) -apesar de as partes poderem
estipular que assim seja; E-translativo (têm efeito real); F-oneroso; G-sinalagmático (o que têm
interesse na possibilidade de se invocar a exceção de não cumprimento (art 428); caducidade
por impossibilidade de uma das prestações (art 795) e resolução por incumprimento (art
801nº2, apesar de existir o 886 que limita a sua aplicação); H-execução instantânea-por regra
os seus efeitos esgotam-se num momento; I-comutativo; J-causal e assenta no sistema do
titulo-a constitituição/ modificação de direitos depende validade da sua causa jurídica o
contrato.
Forma do contrato-este está sujeito às regras gerais dos arts 217 e ss do CC quanto á forma,
pelo que em princípio será um contrato meramente consensual que se forma apenas através
do acordo entre as partes (principio geral da liberdade de forma) -art 219.
-Existem casos em que a lei exige a observância de forma, como por exemplo na compra e
venda de bens imóveis onde atualmente se exige que estes sejam realizados através de
escritura pública ou documento particular autenticado (art 875).
-É nulo o contrato de compra e venda que não observe a forma prescrita por lei, não obstante
a generalidade da doutrina admite que desde que verificados certos pressupostos a paralisação
da possibilidade de invocar a nulidade de um contrato por falta de forma.
-além das imposições de forma, a nossa lei exige por vezes um conjunto de formalidades,
nomeadamente no que toca à transmissão de prédios para efeitos de registo etc, a
consolidação da posição do comprador de bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, depende
da realização desse mesmo registo (art 5nº1), não sendo esta uma exigência constitutiva , mas
sendo o registo condição de oponibilidade a terceiro.
Esta norma não têm tanto alcance como possa parecer na medida em que: A-o direito é ainda
sempre oponível independentemente de registo a quem invoque direito incompatível; B-a
quem adquiriu posição incompatível mas não a registou; C-a quem a tenha adquirido a titulo
gratuito; D-a quem a tenha adquirido a titulo oneroso mas de má-fé.
Efeitos essenciais da compra e venda
A-O efeito real
-já vimos que em Portugal a compra e venda têm eficácia real (a transmissão da propriedade
ou de outro direito, transmite-se logo com o contrato não se exigindo qualquer ato posterior) -
esta decorre de arts como o 408, o 874 e o 879 al)a.
-A transferência ou constituição do direito real é, na compra e venda civil sempre efeito do
contrato, se a compra e venda não for acompanhada da transmissão da propriedade de uma
coisa ou da titularidade de um direito , ainda que diferida no tempo então não é uma compra e
venda.
Eventuais exceções à regra da eficácia real
-O art 879 inclui entre os efeitos essenciais da compra e venda a transmissão da propriedade
de uma coisa ou direito e o art 874 que na noção legal que oferece, reforça esta ideia de um
contrato real quod effectum.
-Não obstante o art 408 nº1 do CC que também estabelece a eficácia real dos contratos de
forma genérica fala das “exceções previstas na lei”, pelo que deste preceito têm-se a doutrina
questionado se seria admissível falarmos de uma compra e venda com simples eficácia
obrigacional.
-PDA entende que uma leitura deste preceito que nos leve a concluir que a compra e venda
dotada de eficácia real é a regra geral e a venda obrigatória é uma exceção, não pode ser uma
leitura linear na medida em que analisando as várias modalidades e formas de compra e venda
reguladas no nosso direito civil, observa-se que não existe nenhum modelo que corresponda à
compra e venda obrigatória.
Em circunstância alguma o nosso sistema faz depender a transmissão da propriedade ou
titularidade do direito de um ato translativo posterior ao contrato, mesmo quando não existe
uma coincidência entre o momento de transferência da propriedade da coisa ou titularidade
da coisa e o momento da celebração do contrato.
-Pense-se na venda de bem futuro, a transmissão da propriedade ou titularidade do direito
ocorre apenas quando a coisa for adquirida pelo alienante (art 408nº2 do CC), ficando apenas
o vendedor obrigado a desenvolver as diligências necessárias para que o comprador adquira os
bens vendidos (art 880nº1), não é necessário praticar nenhum ato translativo de propriedade,
quando adquirido o bem a transferência dá-se por efeito do contrato.
-Na venda de coisa indeterminada (genérica ou alternativa) a transferência da propriedade
também se dá apenas com a concentração (mas que depende de um ato que nem sempre
caberá ao vendedor).
Compra e venda com reserva de propriedade-esta é uma hipótese mais discutida, sendo que
Assunção Cristas e França Gouveia entendem que nos casos do art 409 já não se está diante de
uma compra e venda real, na medida em que este regime permitiria às partes estipularem que
a transferência da propriedade dependerá da entrega da coisa, produzindo-se desde logo os
outros efeitos.
-O entendimento é o de que a parte final do art ao permitir que as partes subordinem a
transferência da propriedade à “verificação de qualquer outro evento”, significa que é
juridicamente admissível que se convencione uma compra e venda válida no nosso
ordenamento em que se verificam todos os seus efeitos, menos a transferência da propriedade
(que depende da tradição da coisa), aqui a transferência de propriedade seria ela também uma
simples obrigação decorrente do contrato.
Poder-se-ia até estipular que verificado o evento ao qual se associou o efeito real (entrega da
coisa), este não teria eficácia retroativa, pelo que seria o próprio evento em causa o produtor
da transferência e não o contrato.
-PDA não aceita este entendimento, na medida em que aceitando este entendimento teríamos
de aceitar que houve compra e venda mesmo em situações em que a tradição (e consequente
transferência da propriedade) não se verificou nunca.
Art 409 não pode ser interpretado de forma isolada e a sua conjugação com o 874 faz-nos
concluir que este efeito real é elemento essencial da compra e venda, se essa transferência de
propriedade/ titularidade de direito não se verificar nunca poderíamos estar diante de uma
compra e venda civil.
Só o contrato pode ter por efeito a referida transmissão, assim estes casos de C e V com
reserva de propriedade podem para o prof ser negócios incompletos e/ou simultaneamente
reais quod effectum e quod constitutionem, mas entende não haver no nosso direito civl
margem para uma venda perfeita em que não resulte por efeito do contrato a transmissão da
propriedade.
Venda sujeita a condição suspensiva ou a termo inicial-aqui é o próprio contrato que fica
paralisado nos seus efeitos essenciais e não apenas na transferência da propriedade (assim
esta logicamente também não é uma venda obrigatória)
Qual o significado do 408 “exceções previstas na lei”-para o prof o termo “mero” no art 408
significa que a regra geral é a de que a transmissão da propriedade depende apenas do
contrato, sendo por isso as “exceções” os casos em que esta depende não só do contrato mas
sim ainda do contrato só que somado a outro facto.
-Assim na interpretação do PDA as referidas exceções no 408 são ainda casos de contratos de
compra e venda dotados de eficácia real translativa, em que a única particularidade é a falta de
coincidência temporal entre o momento de celebração do contrato de compra e venda e o
momento de transferência da propriedade (na medida em que esta embora decorra do
contrato, depende da verificação de outro facto posterior), sendo a necessidade de verificação
deste facto que atribui caráter excecional a estas modalidades de compra e venda.
O caráter real da venda nestes casos, não é posta em causa pois esta continua a ser causa da
transmissão, mesmo que completado por outro facto.
-Só esta interpretação para PDA consegue conciliar a parte final do 478, com os arts 879 al)a.
Compra e venda de valores mobiliários-este é um caso mais complexo onde a doutrina se
divide: A-há quem defenda que o registo é constitutivo; B-que esta é uma compra e venda real
quod constitutionem; C-compra e venda obrigacional
-PDA entende não significar esta situação uma quebra no princípio do consensualismo (art 408)
-Alguns autores sustentam não ser esta uma compra e venda real (no sistema do título), mas
antes um caso de sistema do titulo e do modo (merecendo inclusive esta ideia alguma
colhimento jurisprudencial).
-Existem também algumas decisões que entendem que as formalidades exigidas para a
transmissão de ações são autênticas exigências de forma, cuja inobservância gera a nulidade
do negócio.
Isto porque o CVM (Código dos Valores Mobiliários), exige para a transmissão destes sempre
qualquer registo, declaração de transmissão etc.
-PDA sustenta, no entanto que não se deve confundir estas formalidades com exigências de
forma e entende que a sua falta não implicará nem a nulidade do contrato, nem a não
transmissão imediata da propriedade.
Os principais argumentos no sentido de defender estar em causa na transmissão de valores
mobiliários o sistema do titulo e do modo são: A-apelar-se a um paralelo no sistema de
transmissão de ações no direito espanhol (não faz sentido para PDA até porque a compra e
venda de direito civil em Espanha é ela mesma obrigacional); B-o facto de os arts 408 e 409
apontarem no sentido de existirem exceções à regra do sistema do titulo (algo já rejeitado pelo
prof); C-a transmissão da ação (que se dá com a compra e venda) e da participação social nela
incorporada não são individualizáveis entre si.
-Não faz sentido para o prof este último argumento, como se pode alegar que não existem nas
transferências mobiliárias duas realidades suscetíveis de não coincidirem (o documento ao
qual corresponde a titularidade e os direitos inerentes) e depois entender que na sua
transmissão está em causa o sistema do título e do modo (pois nestas situações quando o
negócio causal se mostra viciado mas houver sido efetivado o modo temos duas realidades não
coincidentes).
-A tese tradicional aqui alega que a transmissão de valores mobiliários se dá por mero efeito do
contrato, sendo que as formalidades (respeitantes ao registo ou à posse), se situam numa
perspetiva de atribuição de legitimidade, não afetando a realidade substantiva (o direito),
sendo que a tese que defende o oposto objeta que sendo assim o direito do adquirente seria
um direito de propriedade sobre ações muito singular e desprovido de conteúdo (acabando
por perder o seu caráter real).idade transmitida está desprovida de conteúdo.
-PDA aponta que em primeiro lugar não está aqui em causa qualquer direito com eficácia real
(mas sim um direito de natureza sui generis) que se mantém no plano substantivo.
Mesmo que se aceitasse ser um direito de propriedade considera incorreta a afirmação de que
este estaria totalmente desprovido de conteúdo (é alegado pelos defensores do sistema do
título e do modo por exemplo a falta de legitimidade para participar em AG, seria o alienante
quem teria direito a dividendos etc, pelo que a titularidade estaria desprovida de faculdades.
-PDA contra depõe que o art 80nº2 do CVM atribui a legitimidade para venda no mercado ao
adquirente independentemente de registo (o que significa que a transferência se opera
necessariamente com o consenso), sobre pena de estarmos a atribuir legitimidade para vender
a quem nem é titular do direito, além do mais o art 210 do CVM desmente a ideia de que os
dividendos na pendência do registo pertenceriam ao vendedor, mesmo que o art 210nº3
permita que as partes convencionem outro regime.
-Assim considera falaciosa a ideia de que enquanto não se preencherem os requisitos para a
legitimação da posição do adquirente de títulos mobiliários, seja a sua posição desprovida de
conteúdo.
O alienante não continua titular da posição, só por estar aparentemente legitimado a exercer
esses direitos, pode existir uma legitimidade formal, mas não existe legitimidade substancial,
este pode inclusive responder perante o adquirente pelos danos causados pelo seu
comportamento ilegítimo.
Assim conclui que também na compra e venda de valores mobiliários não há lugar a uma
compra e venda obrigacional (esta terá sempre eficácia real).
Consequências da transferência imediata da propriedade
-a conclusão de que a compra e venda será no nosso ordenamento sempre real, têm
consequências, nomeadamente a imediata transferência do risco para o comprador (art 796),
mesmo que ainda não tenham sido satisfeitas as obrigações emergentes do contrato de
compra e venda, só não será assim quando a coisa permaneça em poder do vendedor e,
virtude de termo estabelecido em seu favor (art 796nº2), ressalvada a hipótese de mora (art
807 do CC).
Efeitos obrigacionais
B-obrigação de entrega da coisa
-O CC apenas no art 882 regula esta obrigação de entrega da coisa, sendo que este procura
resolver problemas relacionados com o diferimento da entrega da coisa (porque quando esta
entrega não é feita no momento da celebração do contrato, o seu estado pode variar atá à
entrega da coisa).
-O CC diz-nos no 882nº1 que o vendedor deve entregar a coisa no estado em que esta se
encontrava ao tempo da venda, se a coisa se deteriorar no período entre a realização do
contrato e a sua entrega se presume a responsabilidade do vendedor, segundo a regra geral da
presunção de culpa (art 799).
-Existem situações em que não se pode apurar qual a situação, ao tempo da venda da coisa
vendida (venda de coisa futura ou indeterminada), pelo que o momento relevante para
determinar o estado da coisa aqui deve ser: A-o começo da existência da coisa futura; B-
especificação da coisa indeterminada.
-A não observância destas regras o vendedor será sujeito ao regime do incumprimento das
obrigações (art 798 e ss).
PDA fala de duas espécies de condutas que deve o vendedor observar: A-uma negativa (abster-
se de praticar atos que alterem o estado da coisa); B-outra positiva (fazendo o necessário para
a conservação da coisa no seu estado de venda).
-Art 882nº2 estabelece o âmbito da obrigação de entrega, dizendo que salvo estipulação em
contrário esta abrange as partes integrantes, os frutos pendentes e os documentos relativos à
coisa ou direito vendido.
O art não é inequívoco sobre quais os frutos pendentes, partes integrantes e documentos que
se encontram abrangidos nesta obrigação de entrega da coisa (se apenas os existentes ao
tempo da venda ou também os existentes ao tempo da entrega).
-PDA diz-nos que -é a data da venda o momento relevante para a fixação do âmbito da
obrigação de entrega (abrangidos pela obrigação de entrega estão apenas os existentes à data
da venda).
Do âmbito da obrigação excluem-se então as partes integrantes ligadas à coisa em momento
ulterior e os frutos produzidos depois desta data, não obstante o comprador terá direito a eles
mas enquanto proprietário e não por se encontrarem abrangidos na obrigação de entrega (no
caso de estas não lhe serem entregues deve haver então uma ação de reivindicação ou de ação
possessória e não o recurso ao não cumprimento.
-Não obstante todos estes aspetos encontram-se sujeitos ao princípio da autonomia das partes
(art 405 do CC).
-Esta obrigação acha-se logicamente subordinada às regras gerais do cumprimento e
incumprimento (aplicando-se lhe estes regimes)-art 762 e ss e 798 e ss e aplica-se também a
regra do art 428 (exceção do não cumprimento) uma vez que este é um contrato sinalagmático.
Prescrição-esta sujeita-se à regra geral de cinte anos (art 309 do CC).
Problemática da posse-disute-se se a compra e venda não opera por norma, mesmo sem a
entrega, a transmissão da posse por constituto possessório.
-Menezes Leitão admite que tal possa ocorrer, mas entende que como regra deve valer o
entendimento que o entendimento de que o vendedor é possuidor enquanto exercer poderes
ade facto sobre a coisa (isto por considerar que o art 1251 do CC consagra uma visão
objetivista de posse).
-Assim entende que apenas se convencionado pelas partes que o vendedor a possui em nome
de comprador, se deve entender não ser este o possuidor.
Conceções objetivas vs conceções subjetivas da posse
-A questão traduz-se em saber se será a vontade do comprador e vendedor que transmite a
posse (e o vendedor mesmo sem a entrega da coisa será apenas detentor em nome do
comprador), ou se a transmissão desta apenas opera com a entrega (e o respetivo controlo
material da mesma por parte do comprador).
-PDA entende ser de adotar uma visão objetivista da posse (semelhante à proposta por MC),
este autor sublinha a dificuldade de ser o “animus” das partes a determinar a posse.
-A “teoria da causa” poderia permitir que se ultrapassasse este problema, na medida em que
perante a impossibilidade de controlar o animus, atribuir-se-lhe-ia o titulo de aquisição da
posse (a causa), mas nestas situações tal “animus” já não teria que ver com a vontade, pelo
que esta seria uma construção objetivista.
-Não obstante a ideia de que a posse se transmite “solo consensu” têm tido alguma afirmação
na jurisprudência dos Tribunais superiores, assim como na doutrina sendo que esta ideia
normalmente traduz zauilo que são as conceções subjetivas de posse.
-Assim a ideia é de que o constituto possessório corresponderia na realidade a dois negócios
jurídicos realizados em simultâneo (um que se destina a transferir o direito real sobre a coisa e
outro que permite ao comprador deter o controlo material sobre a mesma), assim rejeita-se a
ideia de que o constituto possessório e o 1264 teriam para a posse um efeito translativo
imediato idêntico ao do 408 para os direitos reais.
-O prof PDA entende no entanto que o 1264 está para a posse como o 408 está para os direitos
reais, isto na linha do entendimento proposto por Oliveira Ascensão para quem os requisitos
do constituto possessório são os seguintes:
A-transmissão do direito real relativo á coisa a que a posse se refere;
B-pelo possuidor;
C-sem haver entregada transmissão
D-não sujeição do direito real a condição suspensiva.
-Entende assim Oliveira Ascensão que preenchidos estes pressupostos o adquirente do direito
real relativo à coisa adquire também a posse (a transferência desta é também um mero efeito
do negócio).
-O argumento é o de que entre a posse e a propriedade sempre existiu paralelismo, pelo que
se já não se exige tradição para a transferência de propriedade, também para a posse este já
não se deve exigir (art 1255 do CC vai no mesmo sentido).
-PDA sublinha ainda que a transferência da posse, por constituo possessório, por mero efeito
do contrato ser a que melhor corresponde ao sentimento de justiça e razoabilidade que deve
presidir a todas as soluções jurídicas.
-Outro argumento importante é que seguindo aquilo que é o entendimento tradicional,
quando A vende a B e convenciona que B pode continuar como detentor da coisa, A já é
possuidor pela figura do constituto possessório (podendo fazer-se valer de ações possessórias),
no entanto se A e B nada convencionarem e B ficar obrigado a entregar a coisa (879), A já não
seria possuidor e gozaria de uma tutela mais fraca por parte da ordem jurídica (teria de
recorrer à ação de reivincicação), apesar de até se encontrar numa posição eu justificava uma
tutela maior.
-Assim a única solução lógica é a de que a transmissão da posse opera com o contrato de
transmissão.
-A referência no art 1264 a “qualquer causa”, não significa que para que o comprador passe a
ser por mero efeito do contrato possuidor, que o antigo possuidor (vendedor) tenha uma causa
jurídica atributiva do direito de conservar a coisa, o sentido do preceito é antes o de que não
deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente ainda que por qualquer causa o
vendedor continue a deter a coisa após a alienação.
-Nalgumas situações em que a coisa vendida já se acha na posse do comprador, ou no caso da
compra e venda respeitar a coisas incorpóreas, nem sequer se afigura necessária a entrega da
coisa, pelo que se questiona se faz sentido a qualificação da obrigação de entrega da coisa
como um “efeito essencial” -art 879 al)b e não apenas um “efeito da venda”.
-PDA questiona se não será possível situações em que se estipula a obrigação de pagar o preço,
a transferência da propriedade da coisa, mas não a obrigação de entrega da coisa.
-Considera que o exemplo extremo proposto por Raul Ventura em que ao vendedor não é
imposta qualquer obrigação de entregar a coisa e ao vendedor é vedada a possibilidade de
tomar por si só a respetiva posse, levaria a que a disposição fosse nula por falta de um efeito
essencial típico do contrato (a própria transferência da propriedade, sem a possibilidade do
comprador usar da coisa não parece verdadeira transferência de propriedade).
-Não obstante considera que quando as partes pretendam uma situação para o comprador em
que este venha a ter a possibilidade de ter o bem vendido à sua disposição e sobre ela poder
exercer os direitos típicos da posição de proprietário, então entende que seria esse contrato
válido (é essa situação pretendida que corresponde normalmente à obrigação de entrega da
coisa).
C-o dever de pagar o preço
-Este é o terceiro e último dos efeitos essenciais da compra e venda (art 879 al)c.
Discute-se se o preço têm de consistir em dinheiro (como expressamente referia o Código de
1867 ou se pode corresponder a algo diverso (porque o CC atual não refere preço).
-PDA entende que o preço têm por definição de ser fixado em dinheiro, mesmo que
posteriormente o comprador posteriormente pague em bens diferentes de dinheiro,
distinguindo assim entre a fixação do preço (necessariamente em dinheiro) e a forma de
pagamento (que cabe no âmbito de autonomia das partes).
Tempo e lugar do pagamento do preço-
rege o art 885 do CC, o preço deve ser pago no momento e lugar da entrega da coisa vendida
(art 885 nº1), mas se não tiver sido pago no momento da entrega da coisa, então será efetuado
no lugar do domicílio que o credor tiver ao tempo do cumprimento.
Impossibilidade de resolução
-Estabelece o art 886 que não pode o vendedor resolver o contrato por falta de pagamento do
preço, depois de transmitida a propriedade e feita a respetiva entrega.
-Assim pode o vendedor resolver o contrato com fundamento na falta de pagamento do preço,
apenas em três situações. A-se tal houver sido convencionado; B-se ainda não se tiver assistido
à entrega da coisa; C-caso o vendedor reserve para si a propriedade (art 409 do CC).
-Todas estas exceções se encontram expressamente acauteladas pelo art 886, na medida em
que a impossibilidade de resolução depende de: A-transmissão da propriedade; B-não ter sido
convencionado; C-transferência da coisa ou direito.
Determinação do preço
-podem as partes não ter estipulado preço, nem nenhum critério para a sua determinação,
devendo nesses casos atender-se ao art 883 que fixa os critérios tendentes à sua determinação
nestas situações, segundo o qual releva sucessivamente: A-preço fixado por uma entidade
pública; B-preço normalmente praticado pelo vendedor à data da conclusão do contrato;
C-preço de mercado ou bolsa no momento do contrato e no lugar em que o comprador deve
cumprir; D-tribunal que decide segundo juízos de equidade.
Determinação por uma das partes ou por um terceiro-esta possibilidade resulta do art 400.
-Neste caso se tiverem sido estipulados critérios a ser seguidos na determinação desta
prestação então a parte ou terceiro deve ser chamado a intervir em conformidade com esse
critérios, sendo a equidade critério supletivo quando outros não se tenham fixado (art 400).
-Esta tarefa (seja do terceiro ou de uma das partes), é como alerta PDA é apenas o de
complementar a vontade negocial previamente fixada pelas partes e não o formular qualquer
juízo de vontade autónomo e próprio que não resulte do programa contratual gizado.
-Quando haja critérios predeterminados este não pode optar entre várias possibilidades e
mesmo quando decida segundo a equidade, também não dispõe de um poder de criação
jurídica (constitutivo), mas apenas de fixação da declaração conformadora.
-Dispõe o 400nº2 que se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo
devido então, sê-lo-á pelo tribunal.
Problema da determinação incorreta
-Poderia ser problemática qual a solução a dar às situações em que o terceiro procedeu à
determinação do preço de forma incorreta, por não ter obedecido aos critérios estipulados
pelas partes ou por ter determinado o preço de forma iniqua (se valer o critério supletivo),
para parte da doutrina estamos perante situações não cobertas por fonte legal para as quais
cabe arranjar solução.
-Parte da doutrina defende que a solução terá de ser porque as partes apenas criam ficar
vinculadas aos critérios que estipularam, que se deve aplicar analogicamente o art 400 nº2 a
estas situações.
-Para Raúl Ventura, nestes casos chegou a haver determinação (mesmo que incorreta), pelo
que a parte interessada têm de fazer declarar a nulidade do ato de determinação e deixando
esta de haver requerer a determinação judicial.
-PDA entende (fruto da sua compreensão sobre o problema da interpretação-aplicação do
direito) que nestas situações não existe nenhuma lacuna, nem é necessário impugnar o ato de
determinação incorreta assim como requerer a determinação judicial.
Entende que o sentido normativo do art 400nº2 ao referir as situações em que “ao não poder
ser a determinação feita ou não ter sido feita no tempo devido”, queria na realidade abranger
todas as situações em que existiu uma qualquer perturbação ou incorreção no processo de
determinação do preço para a qual as partes não tenham elas próprias, por interpretação
negocial ou complementadora, previsto uma saída autónoma.
Assim uma determinação que não cumpre os critérios a fixar pelos outorgantes é na realidade
uma determinação insuscetível de utilização (não corresponde ao que foi pretendido pelas
partes ao abrigo da autonomia privada) e é portanto inaproveitável, sendo assim a solução no
plano normativo igual a uma determinação que não pode ser feita, ou não haja sido feita no
tempo devido, assim pode-se aplicar diretamente o art 400nº2 a estes casos.
-Assim logicamente que o respeito pelos critérios de determinação do preço (sejam estes
contratuais ou o critério supletivo da equidade) pode ser apreciado pelo tribunal.
-Os critérios que o tribunal deve observar na fixação do preço serão logicamente os presentes
no art 400 nº1 (aqueles que as partes escolheram e na falta deles a equidade).
Redução, cumprimento e incumprimento da obrigação de entrega de pagar o preço
-o art 884 disciplina as situações de redução do preço estabelecido em virtude de limitação do
objeto, por força do art 292, sendo que o preço respeitante à parte válida do contrato é o que
neste figurar se houver sido discriminado ex: vendo A por 10 e B por 15, sendo o neg´´ocio
afetado quanto a um deles é válido para o outro.
-Os critérios para a redução do preço quando as partes nada hajam convencionados, será em
princípio o da proporcionalidade (art 793 nº1; 887; 88nº2; 902 e 991nº1.
Outros deveres pendentes sobre o comprador
-Sobre este recai ainda o dever de suportar as despesas relativas à celebração do contrato
(878), mas apenas estas e não as concernentes à sua execução que em princípio impendem
sobre o devedor (é este que deve suportar as despesas ligadas à guarda e conservação).
Modalidades típicas da compra e venda
Venda com reserva de propriedade
Generalidades, forma, publicidade e oponibilidade da reserva
-aquando da celebração de um contrato de compra e venda, a coisa vendida passa a pertencer
ao comprador, sendo este um resultado da eficácia real da compra e venda.
-O art 409 nº1 do CC permite ao vendedor reservar para si a propriedade “até ao cumprimento
total ou parcial das obrigações da outra parte ou até à verificação de outro qualquer evento”.
-A reserva de propriedade reveste-se da maior importância para o vendedor, na medida em
que nas hipóteses em que o pagamento é diferido no tempo, esta permite-lhe uma maior
tutela da sua posição (em caso de incumprimento este conserva para si a coisa objeto do
contrato).
-Em caso de insolvência do comprador não poderão os seus credores fazer-se pagar pelo valor
da coisa vendida com reserva de propriedade (que permanece na titularidade do vendedor),
assim este encontra-se protegido perante os riscos de insolvência do comprador.
-A cláusula de reserva de propriedade está sujeita às mesmas exigências e formalidades que o
contrato no qual se acha inserida, podendo ser consensual se a própria venda for, não obstante
no caso de insolvência do comprador, o art 104 do CIRE impõe a forma escrita como condição
de oponibilidade à massa insolvente.
Oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade, não sujeita a registo, a terceiros
-Tratando-se de bens não sujeitos a registo, Romano Martinez entende ter a cláusula de
reserva de propriedade eficácia inter partes, mas já não ser oponível a terceiros.
-Para a doutrina maioritária, não havendo obrigatoriedade do registo, a cláusula de reserva de
propriedade é sempre oponível a terceiros (mesmo que de boa-fé).
Romano Martinez-argumenta (para justificar esta inoponibilidade a terceiros):A-necessidade de
tutela da aparência; B-relatividade dos contratos (se a reserva de propriedade é apenas uma
cláusula contratual não pode ser oponível a terceiros); C-não se compreenderia que nos bens
móveis sujeitos a registo esta cláusula dependa do registo para ser oponível a terceiros e nos
bens móveis fosse oponível erga omnes; D-o art 435 nº1 diz-nos que a resolução do contrato
em caso de incumprimento (art 886) não prejudica terceiros de boa-fé.
Pedro de Albuquerque- para a compra e venda de bens alheios existe uma solução legal
expressa para o problema no art 892 dizendo-nos ser nula a venda de um bem que o vendedor
careça de legitimidade para realizar (apenas é dito posteriormente que o vendedor não pode
opô-la ao terceiro de boa-fé) -sendo sempre nulo em relação ao proprietário.
-Tentar alegar a relatividade da forma que RM o faz, também nada prova, se este princípio
valesse de forma tão absoluta nem mesmo a transferência de propriedade (enquanto efeito de
um contrato relativo) poderia ser feito perante terceiro.
Se a cláusula de reserva de propriedade têm como efeito a criação de um determinado direito
real (uma propriedade ainda que limitada à função de garantia) esta ideia depõe precisamente
no sentido oposto (da eficácia erga omnes da cláusula).
-Relativamente ao argumento de não fazer sentido que o registo seja condição de
oponibilidade no caso da cláusula de bens móveis sujeitos a registo e não o ser nos restantes
casos de bens móveis, torna-se muito lógico compreender que tal facto decorre da
circunstância de a própria oponibilidade destes negócios (sobre bens móveis sujeitos a registo)
depender do registo.
-Também a alegação do disposto no art 435 não faz sentido na medida em que o preceito fala
dos “direitos adquiridos pelo terceiro de boa-fé”, se o vendedor mantém a propriedade (com a
reserva de propriedade) a venda é nula e nem sequer se afeta nenhum direito adquirido.
-Por último o art 104nº4 do CIRE também se opõe à tese de Romano Martinez, na medida em
que mesmo nestas situações em que manifestamente se aumenta as exigências de
oponibilidade da cláusula de reserva de propriedade (exige-se que a mesma para ser oponível
esteja escrita, afastando a regra geral da consensualidade), nem assim se exige o registo como
condição de oponibilidade, mas apenas que esteja escrita.
Ana Maria Peralta defende que o vendedor não se pode valer da reserva de propriedade para
obter a declaração de nulidade da venda feita pelo comprador, pois seria estranho o vendedor
poder interpor esta ação de nulidade e antes mesmo da sentença (ou logo a seguir) o
comprador obter a propriedade sanando assim a falta de pressuposto necessário para a venda
ser válida.
Pedro de Albuquerque-argumenta que essa transferência de propriedade só se dará se se
assistir ao evento ao qual as partes subordinaram a transferência de propriedade (o vendedor
poderá intentar a ação justamente para prevenir a possibilidade de o evento não vir a ter
lugar), por outro lado o argumento principal de Ana Maria Peralta levado ao limite levara-nos-
ia a extrair as mesmas consequências para os casos de compra e venda de bens alheios quando
o vendedor (que não é proprietário) também tenha remotas possibilidades de adquirir o bem
(por ser o herdeiro forçoso de um bem), por haver um contrato de promessa de aquisição do
bem em seu favor, por gozar de um direito de preferência etc).
-O facto de a ligação do vendedor (que não é proprietário) à coisa vendida ser algo mais
remota nestes casos não é o suficiente para tirarmos conclusões diferentes daquelas que já
foram aqui mencionadas.
Cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro-a prática têm demonstrado que muitas
vezes se estabelece cláusulas de reserva de propriedade a favor do mutuante (em contratos de
crédito ao consumo) ou de outra entidade financiadora que não procedeu a nenhuma
alienação de um bem para elas reservado, sendo muito discutida a sua admissibilidade jurídica.
A nível jurisprudencial, diversos acórdãos já se manifestaram no sentido da admissibilidade
deste tipo de cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro que não o alienante.
Considera-se nestes acórdãos que são situações equiparáveis às de reserva de propriedade a
favor do alienante e que existe uma grande conexão entre a compra e venda (celebrado entre o
comprador e o vendedor) e o mútuo (entre o vendedor e a entidade financiadora) na medida
em que objeto mediato do segundo constitui elemento preço do primeiro.
Existiram também diversos acórdãos proferidos em sentido contrário negando a
admissibilidade desta cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro que não o
alienante, onde se argumenta que apenas seria admissível que a cláusula de reserva de
propriedade a favor do alienante ficasse condicionada ao pagamento a terceiro, que poderia
ser celebrado um contrato de mútuo com garantia real (hipoteca) onde ainda assim o
comprador já seria proprietário (sendo que esta solução já garante o suficiente a entidade
mutuária) e solução contrária não têm correspondência no texto da lei.
A nível doutrinário também muito se discute esta questão da admissibilidade da cláusula de
reserva de propriedade a favor de terceiro.
Pedro De Albuquerque-entende não ser possível o estabelecimento desta cláusula, não porque
na letra da lei esta solução não se encontra expressamente consagrada mas sim porque:
A-impossibilidade dogmático-conceptual de estabelecer reserva de propriedade a favor de
quem nunca foi proprietário (argumento que considera insuficiente por si só), apesar deste ser
o argumento decisivo para ML.
B-Nestas situações não vigora o princípio da autonomia privada, mas antes o da tipicidade dos
direitos reais, na medida em que a reserva de propriedade atribui ao comprador uma
expectativa real de aquisição (limitando assim o âmbito do direito de propriedade do
alienante), não pode por isso o intérprete-aplicador criar novas figuras jurídicas com esta
natureza.
C-o “prius metodológico” não exige que cheguemos à solução da admissibilidade desta
cláusula, na medida em que efeito similar ao da reserva de propriedade a favor do financiador
pode-se obter com recurso às tradicionais garantias reais de crédito.
Além disso considera o prof possível a transmissão da reserva de propriedade por sub-rogação,
assim como a estipulação de reserva de propriedade ainda a favor do alienante mas sujeita ao
pagamento ao financiador.
Argumenta ainda com o art 694 que proíbe o pacto comissório (estipulação que determina que
o credor da hipoteca fará sua a coisa onerada em caso de incumprimento do devedor),
entendo que esta solução se deve estender às outras garantias reais.
Transmissibilidade da reserva de propriedade-outra questão é saber se a posição jurídica
emergente da reserva de propriedade (que para PDA só pode ser validamente constituída a
favor do alienante) pode ser transmitida.
Nuno Pinto Oliveira manifesta-se afirmativamente, defendendo que o alienante pode sub-rogar
o terceiro financiador nos termos dos respetivos direitos (o que importa a tranmissão para o
terceiro das garantias e outros acessórios do crédito que não sejam inseparáveis da pessoa do
devedor), assim a propriedade reservada transmitir-se ia enquanto acessória do crédito.
Outros autores que entendem a cláusula de reserva de propriedade apenas como cláusula
contratual determinante do diferimento de transferência da propriedade, pronunciam-se no
sentido da sua intransmissibilidade é o caso p.ex do prof Rui Pinto Duarte.
-A ideia é que a reserva não geraria um direito diferente do próprio direito de propriedade e
portanto não seria em si mesmo transmissível.
-Gravato Morais entende que nesta situação não existem relevantes interesses a ponderar que
nos façam concluir pela admissibilidade destas cláusula, os termos da união dos contratos se
mostrarem demasiado indefinidos e existirem outros meios suscetíveis de ultrapassar os
prejuízos da intransmissibilidade da reserva.
Pedro de Albuquerque-entende que a ideia de que intransmissibilidade da reserva de
propriedade não têm qualquer base defensável e encerra em si um erro de perspetiva.
A reserva de propriedade, mais do que uma mera cláusula do contrato, têm como efeito a
criação de uma determinada situação jurídica para o alienante (mantêm consigo a propriedade
ainda que limitada a fins de garantia).
Esta situação jurídica daqui emergente, é uma posição concreta e juridicamente tutelada
referente a um direito subjetivo do vendedor (direito subjetivo naturalmente transmissível).
-Os direitos subjetivos que não tenham natureza exclusivamente pessoal são em regra
transmissíveis, pelo que é errada a afirmação de que a reserva de propriedade não é
transmissível pois nenhuma disposição específica prevê essa possibilidade (a inferência deve
ser precisamente a contrária), o direito subjetivo do alienante que beneficia de reserva de
propriedade deve ser transmissível.
Não é procedente o argumento de Gravato Morais de que não é possível a cessão de crédito
(do vendedor ao financiador), na medida em que este argumento apenas vale quando já tenha
havido pagamento do preço por parte do alienante e mesmo nos outros casos esta pode ser a
contrapartida do financiamento a realizar.
-Também é possível a sub-rogação do tertius efetuada pelo vendedor, só não basta apenas a
entrega do preço pelo financiador para esta ter lugar ipso facto (como parecem defender Isabel
Meneres Campos e Nuno Pinto Oliveira).
Mas por não operar ipso facto, nada impede que o vendedor recebendo a prestação de
terceiro, o sub-rogue expressamente até ao momento do cumprimento da obrigação nos seus
direitos, sendo que com esta sub-rogação opera também a transmissão de garantias e
acessórios (art 582 e 594 do CC).
Admitindo-se a transmissão da hipoteca e do penhor, por maioria de razão terá de se admitir a
transmissão da propriedade do alienante ao terceiro (com reserva de propriedade a seu favor).
A estipulação de reserva de propriedade a favor do alienante, mas sujeita ao pagamento de
terceiro-o art 409, prevê que o alienante reserve para si a propriedade até ao “cumprimento
total ou parcial das obrigações da outra parte” ou até à “produção de algum outro evento”,
pelo que não parece decorrer da letra da lei uma impugnação séria da possibilidade de reserva
de propriedade a favor do vendedor, mas sujeita ao pagamento a terceiro.
-A nível jurisprudencial, diversos acórdãos também já se pronunciaram no sentido da
admissibilidade desta possibilidade, sendo o argumento principal o de que a letra da lei
claramente o permite ao admitir que se sujeite a reserva “até à produção de algum outro
evento”.
Gravato Morais-não admite que se possa sujeitar a reserva de propriedade ao pagamento a
terceiro, argumentando em favor desta posição com o regime do incumprimento:
A-financiador pode resolver o contrato de mútuo, mas não pode exigir a restituição da coisa;
B-vendedor não pode resolver o contrato de compra e venda, pois não houve incumprimento
do adquirente relativamente a esse negócio.
C-financiador não pode socorrer-se do procedimento cautelar de apreensão do veículo
automóvel, pois não é o titular do registo de reserva de propriedade, também não podendo o
vendedor fazê-lo pois não têm motivo para isso.
Pedro de Albuquerque-sublinha que existe uma união interna voluntária entre a compra e
venda e o contrato de mútuo e que por isso as vicissitudes de ambos os negócios refletem-se
sobre as do outro.
-Assim o argumento de Gravato Morais peca por analisar de forma autónoma os dois contratos
quando entre estes existe uma clara união funcional.
-Assim demonstrada esta união, o incumprimento do contrato de mútuo acaba por ter
incidência direta na compra e venda com reserva de propriedade (permitindo-se ao vendedor a
possibilidade de exigir a entrega da coisa).
-Será no entanto necessário demonstrar no caso concreto estarem preenchidos os requisitos
da união interna voluntária, sendo este feito segundo as regras interpretativas do art 236 (não
sendo esta uma demonstração difícil de fazer).12
-Por outro lado argumenta-se ainda que nada impediria as partes de preverem que o
incumprimento do contrato de mútuo, fosse causa de resolução da compra e venda (o art 409
ao falar em “qualquer outro evento” e o art 432 ao dizer-nos que a resolução se funda em
convenção.
Pedro Múrias e Maria Lurdes Pereira-entendem que a tese da união contratual é algo vada e
preferem falar de um sinalagma trilateral nas vendas financiadas por terceiro, onde as regras
do cumprimento/ incumprimento e mora valem de forma trilateral e que por isso melhor
explica a possibilidade das vicissitudes que afetem um determinado negócio, se fazerem
repercutir nos outros.
A nomeação para execução pelo alienante do bem objeto de reserva- discute-se se pode o
alienante que beneficie de reserva de propriedade, nomear o bem para execução.

1 Discute-se no entanto quem terá legitimidade para requerer a apreensão do veiculo objeto de reserva
de propriedade, sendo que a jurisprudência tendencialmente entende só o vendedor ter essa
legitimidade (pois só este têm direito de propriedade) -posição de PDA, existem no entanto alguns
acórdãos que entendem também a entidade financiadora ter esta legitimidade.
2 Os critérios estabelecidos na lei para existir um contrato de créditi coligado são: A-crédito concedido
servir exclusivamente para financiar o pagamento do preço do contrato; B-ambos os contratos
constituírem uma unidade económica
-sublinha PDA que esta questão se prende em larga medida com o entendimento sobre a
natureza da reserva de propriedade, sendo que quem entende tratar-se de uma:
condição resolutiva a favor do alienante (por entender que o bem já se transferiu
imediatamente com o negócio real e apenas voltará ao património do vendedor se não for
pago o preço ou não se verificar o outro evento previsto), então não terá problemas em aceitar
que o alienante possa nomear o bem para execução.
Pedro de Albuquerque-entende a cláusula de reserva de propriedade como o diferimento de
um efeito essencial (transferência da propriedade no tempo) e investe o comprador apenas
numa expectativa real de aquisição.
-Assim entende PDA que só seria possível a execução do bem alienando em caso de renúncia à
reserva de propriedade.
A renúncia a esta reserva significaria a imediata aquisição pelo adquirente do bem
(independentemente do pagamento do preço), pelo que não acarreta nenhum prejuízo efetivo
para o adquirente.
Assim a renúncia implica que o bem passe a ser suscetível de ser objeto de penhora em
processo de execução, mas já não permite a defesa através de ações possessórias, nem a
reivindicação do bem.
Por último para se sustentar a insusceptibilidade desta renúncia à reserva e consequentemente
da possibilidade do bem ser executado argumenta-se que esta renúncia nunca poderia ser um
meio idóneo para transmitir a propriedade.
Isto porque ela é na verdade uma estipulação contratual e não um direito estabelecido a favor
do vendedor ao qual este pode renunciar (entendimento que têm tido acolhimento
jurisprudencial).
Para PDA este argumento levado ao limite levaria a que não se pudesse renunciar a nenhum
direito que derive de fonte contratual, assim alerta que se deve distinguir entre cláusulas dos
contratos (essas sim insuscetíveis de ser renunciadas unilateralmente) e direitos relativamente
a essas cláusulas (é em cima destes que se levanta o problema).
-Assim a questão é saber se a renúncia ao direito é possível, mesmo que acarrete um benefício
para o comprador (a aquisição da propriedade plena ao invés da posição real menor em que
este se encontrava investido).
E entende que não existe nenhum interesse do comprador digno de proteção e que nos leve a
concluir que esta renúncia (e a consequente possibilidade de execução) não seja possível.
-Entende ainda não ser necessário o exequente que beneficia de reserva de propriedade
registada , proceder à extinção da reserva no registo (quando esta é necessária), pois estas
situações encontram-se normativamente abrangidas no art 824.
Existe um acórdão uniformizador de jurisprudência no STJ que veio afirmar precisamente o
contrário (a necessidade de extinção da reserva de propriedade no registo), que para o prof
revela um entendimento equivocado relativamente a muitas questões (ver pg 212 a 215).
A reserva de propriedade e a exigência de cumprimento do contrato-alguma doutrina e
jurisprudência têm entendido que só pode o beneficiário da reserva de propriedade exigir a
restituição da coisa se exercer o direito de resolução sem previamente ter exigido o
cumprimento do contrato.
-Este entendimento é sufragado por Galvão Telles e Lobo Xavier que nos diz que quando o
vendedor (que goze de reserva de propriedade) exigir o cumprimento, a reserva de
propriedade não perde todo o seu efeito útil, na medida em que o comprador não pode
validamente vender o objeto (que ainda é propriedade do vendedor)
Pedro de Albuquerque-entende que não existe qualquer razão válida para defender esta
posição.
Sublinha que nada obsta a que o vendedor tenha interesse em exigir o cumprimento e ainda
assim manter a reserva de propriedade (que lhe permite resolver o contrato), contrariando a
regra geral de não ser possível resolver nos termos do art 886.
Assim sublinha que mesmo proposta uma ação de cumprimento pelo comprador, deve manter-
se a reserva de propriedade até ao pagamento do preço, pois é este que faz transmitir a
propriedade e não a exigência de pagamento do preço.
-Pelo contrário a simples mora (do comprador no cumprimento da obrigação de pagar o
preço), nem permite por este ser um contrato bilateral que o vendedor (com reserva de
propriedade) resolver o contrato, na medida em que seria necessário que esta se transforme
em incumprimento definitivo.
Esta passagem da mora para incumprimento definitivo, dá-se nos termos do art 808 nº1
precisamente através da fixação de um prazo para o devedor cumprir (prazo admonitório),
após este ser interpelado para o cumprimento.
Assim esta exigência de cumprimento não só não obsta a que o vendedor com reserva de
propriedade possa resolver o contrato, como é conditio sine qua non desta possibilidade.
Nunca pode por isso a exigência de cumprimento ser vista como uma renúncia à propriedade
por parte do vendedor, mas apenas a satisfação por via judicial do seu crédito.
A transferência do risco na compra e venda com reserva de propriedade-alguns autores
sustentam que se na compra e venda com reserva de propriedade, ainda não se deu a
transferência do direito real, então o risco de perda fortuita deve caber ao alienante (que ainda
é proprietário), entendimento que até parece conforme com o que dispõe o 796.
Pedro de Albuquerque-entende não ser assim na medida em que o propósito da reserva de
propriedade é justamente garantir a posição do vendedor perante o risco de não pagamento
do preço (ou não produção do evento que as partes associaram à transferência de
propriedade), pelo que seria estranho que um mecanismo que visa na realidade reforçar a
tutela da posição do vendedor acabasse por a enfraquecer (quando o gozo e domínio da coisa
não deixou de passar para o comprador).
Romano Martinez-em defesa da solução proposta por PDA (risco de perda fortuita correr pelo
adquirente) avançou com quatro argumentos:
A-função de garantia da reserva de propriedade (semelhante à da hipoteca), mas é o
comprador que têm já o gozo da coisa pelo que se justifica que suporte o risco.
B-art 796 refere que a transferência do risco, se dá com a “transferência do domínio”, isto é a
quem estabelece uma relação material com o objeto/ direito vendido (apesar da reserva de
propriedade) já seria o vendedor a ter o domínio.
C-a reserva de propriedade têm simultaneamente uma natureza de condição suspensiva e
resolutiva pelo que cabe no âmbito do art 796 (o risco transfere-se havendo condição
resolutiva e tradição da coisa).
Nuno Pinto de Oliveira-concordando com a solução proposta discorda de alguns dos
argumentos de Romano Martinez:
-relativamente ao primeiro diz que este é argumento de ordem prática e por isso extrajurídico
(PDA diverge desta opinião), na medida em que as exigências de justiça e adequação não
podem não ser consideradas naquilo que é a análise dos resultados interpretativos.
-no segundo argumento diz-nos que a expressão “contratos que importem a transferência
sobre o domínio de uma coisa, dever ser lido de forma equivalente a “contratos que importem
a transferência do direito de propriedade”.
Pedro De Albuquerque-entende que a “transferência do domínio” prevista no art 796 significa
que há transferência do risco nos contratos onde se transfere o controlo material se
“especialmente qualificado”, sendo que esta resulta do facto de se estar perante negócios
translativos da posse e do gozo da coisa.
Assim entende que o sentido da distinção no art 796nº1 entre “negócios que transfiram a
propriedade” e “negócios que importem a transferência do domínio” é o de desfazer qualquer
dúvida (independentemente da moldura dogmática defendida dobre a natureza da reserva de
propriedade) que a simples transferência do domínio/ controlo material da coisa já irá importar
a transferência do risco (pelo que a reserva de propriedade implica sempre esta transferência
do risco).
Já relativamente ao terceiro argumento de RM não adere a este por não entender a natureza
da reserva de propriedade como um negócio sujeito a condição (suspensiva ou resolutiva)
Assim conclui que o risco corre pelo adquirente e que o alienante apenas suporta o risco de
perder a garantia que se consubstancia na reserva de propriedade.
Moldura dogmática da compra e venda com reserva de propriedade
Teoria da condição suspensiva-esta representa a posição tradicional, PDA entende não ser
aceitável na medida em que não está em causa nenhum evento condicional, o dever de pagar o
preço não traduz uma condição (enquanto facto futuro e incerto), mas antes um efeito
essencial da compra e venda cujo cumprimento pode ser exigido e sujeito a execução coativa
(assim este é um contra-prestação e não uma condição).
Mesmo quando existam situações de reserva de propriedade não sujeitas ao pagamento do
preço não há uma condição suspensiva, uma vez que a aquisição da propriedade só se dá com
a verificação de outro evento e não retroage à data da celebração do contrato, como sucederia
se estivéssemos numa condição suspensiva
-Outro argumento é que aceitando a teoria da condição teríamos de renunciar à possibilidade
de existir uma unidade dogmática no regime da reserva de propriedade (esta seguiria regimes
distintos consoante estejamos perante uma transferência de propriedade que dependa da
obrigação de pagar o preço, ou até à “verificação de qualquer outro evento”.
-isto porque quando existisse incumprimento da obrigação de pagar o preço seguiríamos o
regime do art 798 e ss, enquanto que nas situações em que não se verificasse o “outro evento”
já seguiríamos o regime da condição (art 275).
Assim a teoria da condição suspensiva só poderia valer para os casos em que a transferência da
propriedade estivesse associada a “outro evento” que não o cumprimento das obrigações da
outra parte, algo que quebraria de forma inaceitável a unidade dogmática da reserva de
propriedade.
Teoria da compra e venda com eficácia obrigacional-esta possibilidade tal como defendida por
Assunção Cristas e França Gouveia já foi rejeitada pelo prof PDA.
Teoria da dupla propriedade-o facto do direito de propriedade ser um direito exclusivo (art
1305) não permite este entendimento.
O preceito não é decisivo para PDA na medida em que parece admitir exceções previstas na lei,
assim afasta esta tese na medida em que ela não se adequa ao art 409 e em segundo lugar por
ser desnecessária e supérflua, pois existem abordagens mais adequadas do ponto de vista
jurídico e material á situação da reserva de propriedade.
Tese da eficácia translativa imediata (com possibilidade de reaquisição)-esta enfrenta para PDA
as mesmas dificuldades da tese da condição resolutiva e desadequada face ao esquema do art
409 (que estabelece que o vendedor mantém a propriedade).
-É verdade que podem as partes convencionalmente prever a possibilidade de resolução (o art
886 assim o prevê), mas essa possibilidade não se aproxima do regime do 409.
Pedro de Albuquerque-entende a compra e venda com reserva de propriedade como um
contrato onde o efeito translativo é diferido ao momento do pagamento, permanecendo já o
comprador investido numa posição jurídica que se traduz numa expectativa real de aquisição.
O vendedor detém uma garantia real destinada a assegurar o pleno pagamento do preço.
-O comprador apesar de manter a propriedade, têm este direito limitado pela posição jurídica
que já se formou na esfera do comprador, assim esta não é uma propriedade plena, mas uma
propriedade para efeitos exclusivos de assegurar o pagamento ou outro evento (consubstancia
assim um verdadeiro direito real de garantia).
-Esta posição é geralmente aceite, sendo que parte da doutrina e da jurisprudência não vai tão
longe ao ponto de falar de um verdadeiro direito real de garantia, mas antes de uma
“vizinhança meramente funcional”.
-Será que a necessidade de transferência do gozo da coisa apenas resulta de vínculos
obrigacionais, ou existe uma alteração do conteúdo da propriedade (do direito real que lhe
assiste)?
Menezes Cordeiro-parece pronunciar-se no sentido de que o alienante (ainda proprietário) está
obrigacionalmente adstrito a não embaraçar o aproveitamento da coisa por parte do
adquirente não proprietário.
Pedro de Albuquerque-a própria amplitude do conteúdo do direito de propriedade fica
cerceada e não apenas em virtude de uma obrigação existente perante terceiro.
Assim o ainda proprietário (por ter uma propriedade mais limitada) não poderá por exemplo
transmitir a propriedade a um terceiro (o seu direito real é apenas de garantia) e poderia o
comprador por ser possuidor lançar mão de ações possessórias e da ação de reinvidicação para
defesa do seu direito.
Venda a prestações
Noção, exigibilidade antecipada e resolução
-na venda a prestações, uma das prestações (O pagamento do preço) é fracionada.
-O principio geral regulador das dividas cuja liquidação pode ser fracionada (dividas a
prestações), encontra-se no art 781 que impõe que a não realização de uma das prestações
importa o vencimento das outras.
-Existem, no entanto, regras especiais para a compra e venda nestas situações (presentes no
art 886, 934 e 935).
-O 886 vale de forma geral para todos os casos de não pagamento do preço pelo comprador e
estabelece em desvio da regra geral do art 801 que transmitida a propriedade e pago e feita a
entrega da coisa, não pode o vendedor resolver o contrato com fundamento no
incumprimento da obrigação de pagamento do preço.
-O 934, afastando-se da regra do 781, vale especificamente para os casos de falta de
pagamento de uma das prestações relativas ao preço em contratos de compra e venda a
prestações e estabelece que:
A-vendida a coisa a prestações com reserva de propriedade e feita a sua entrega ao comprador
a omissão de uma prestação cujo valor exceda a oitava parte do preço ou de duas ou mais
prestações, independentemente do seu valor, dá ao vendedor o direito de resolver o contrato
de compra e venda -em qualquer dos cenários (com ou sem reserva de propriedade) -a falta de
pagamento de uma prestação de montante inferior a um oitavo do preço, não determina a
perda do beneficio do prazo.
Explicações adicionais
-noção de preço engloba todas as quantias a pagar pelo comprador, ao vendedor como efeito
da alienação, mesmo que se trate apenas de despesas, juros ou outras importâncias.
-O 934 parece ser peremptório de que tanto a limitação da resolução pelo vendedor, como a
limitação da perda do benefício do prazo dependerem sempre da entrega da coisa (PEDRO DE
ALBUQUERQUE entende que esta solução não deve ser acriticamente aceite).
-Já VASCO DA GAMA LOBO XAVIER E NUNO PINTO DE OLIVEIRA, entendem que faz sentido a
limitação do art 934 (aos casos em que houve entrega da coisa), tratando-se da resolução, mas
que quando está em jogo o vencimento antecipado das restantes prestações, entendem que a
solução se mostra pouco adequada.
-Assim o comprador que não beneficiou da traditio fica neste caso desprotegido (porque
incumprir com uma prestação importa a perda do benefício do prazo das restantes), quando
não faz sentido esta diferença de tratamento face ao comprador que beneficiou da traditio.
O comprador que beneficiou da traditio que já está mais avantajado, ainda beneficia de uma
maior tutela que não se justifica, pelo que uma interpretação deste tipo beneficiaria de forma
arbitrária e sem fundamento plausível o vendedor, só porque o comprador não beneficiou da
traditio.
-Assim PEDRO DE ALBUQUERQUE, seguindo os argumentos dos autores supracitados entende
que se pode aplicar a restrição imposta pelo 934 (de o incumprimento de uma prestação não
importar a perda do benefício do prazo das restantes, nos termos aludidos pelo art), aos casos
em que não houve entrega da coisa.
-Entende que o art 781 consagra antes uma situação de exigibilidade antecipada e não de
vencimento antecipado, uma vez que a solução contrária resultaria em resultados desrazoáveis
na perspetiva do credor.
Este pode não querer beneficiar desse benefício e deve dispor da possibilidade de exigir ou não
o pagamento antecipado (e enquanto não o fizer não está o devedor constituído em mora).
-O mesmo princípio vale então para o 934, pelo que faltando o devedor (comprador) a uma
prestação eu exceda um oitavo do preço, ou a duas (independentemente do valor), têm o
credor (vendedor) a possibilidade de exigir o cumprimento das prestações vincendas e apenas
a partir desse momento é que entrará em mora o comprador relativamente a todas as
prestações não pagas (que se poderá transformar em incumprimento definitivo nos termos do
808).
-O art 934 refere-se apenas á falta de pagamento, não obstante PEDRO DE ALBUQUERQUE
entende que a expressão terá necessariamente normativamente dois sentidos:
-tratando-se da exigência do cumprimento da totalidade das prestações, basta que o devedor
esteja em mora, mas nos casos em que está em causa a resolução do contrato, exige-se o
incumprimento definitivo.
-O 808 nº2 que regula a resolução, diz-nos que o incumprimento parcial da obrigação, terá de
representar sempre um incumprimento grave para o credor ter o direito de resolução, não
obstante coloca-se a questão de saber se os casos do 934 (incumprimento de prestação que
exceda um oitavo do preço ou de duas prestações), serão sempre um incumprimento grave
para efeitos do art 808 nº2 (e por isso fundamentam sempre a resolução sem passar por
nenhum outro crivo).
-PEDRO DE ALBUQUERQUE sublinha que da conjugação dos dois preceitos se retira em
primeiro lugar que se o comprador faltar apenas a uma prestação e que não exceda uma oitava
parte do preço, então não têm o vendedor o direito de resolver o contrato, não podendo haver
qualquer indagação sobre a gravidade desse incumprimento (o que já resulta de forma
inequívoca do 934).
Já nos casos em que o comprador faltar a mais do que uma prestação, ou a uma que exceda
um oitavo do preço, vale o regime geral do 802 nº2 e deve-se averiguar se o incumprimento
assume ou não importância suficiente.
Entende, no entanto, ser o debate algo inútil pois nos casos em que se ultrapassa a barreira do
934 (e os limites mínimos que este estabelece ao nível de incumprimento), poderá sempre o
credor exigir antecipadamente todas as prestações (art 781 e 934), pelo que pode fixar um
prazo para o credor pagar a totalidade das dividas (prazo admonitório do 808), findo o qual
pode resolver o contrato.
-Em coerência com a posição que defende em relação ao mesmo problema na compra e venda
com reserva de propriedade, entende que poderá o vendedor (credor), resolver o contrato,
mesmo que antes tenha exigido o cumprimento.
Natureza supletiva ou imperativa do 934-discute-se se a limitação á resolução e à exigência das
outras prestações têm natureza supletiva ou imperativa.
-A maioria da doutrina e jurisprudência pronunciam-se no sentido da imperatividade do
preceito entendendo que onde se diz “sem embargo de convenção em contrário”, deve-se
entender “apesar de convenção em contrário”.
-PEDRO DE ALBUQUERQUE diz-nos que apesar da ambiguidade literal do preceito, o facto de o
934 ter um regime restritivo em relação ao regime geral e visar tutelar o comprador perante o
vendedor (atribuindo-lhe um regime mais favorável do que o geral tanto no que toca à
resolução como á exigibilidade das restantes prestações, impondo limitações adicionais ao
exercício destas faculdades apontam no sentido da imperatividade da norma).
Reserva de propriedade e 934-discute-se se quando não se estabelece reserva de propriedade,
a falta de pagamento de apenas uma das prestações que não exceda um oitavo do preço pode
permitir ao vendedor resolver o contrato, nos termos do 886, isto porque o art fala-nos de
“vendida a coisa a prestações, com reserva de propriedade e feita a sua entrega ao comprador
a falta de pagamento de apenas uma prestação que não exceda a oitava parte do preço não dá
lugar à resolução do contrato”
Pires de Lima, Antunes Varela, Teresa Anselmo Vaz, Batista Lopes e Vasco Lobo Xavier-
-entedem que como o art apenas refere as situações em que se estipula reserva de
propriedade, quando não for estipulada esta reserva, não se aplicam as limitações relativas ao
direito de resolução decorrentes do 934, podendo ser resolvido nos termos do 886 (não
podendo por isso ter havido entrega da coisa).
Romano Martinez
-entende que dada a imperatividade do 934 a solução proposta pelos autores é desajustada,
pois implicaria uma compra e venda sem reserva de propriedade, com entrega da coisa e
cláusula de resolução para a hipótese de falta de pagamento.
Nuno Pinto de Oliveira
-entende que só se poderia alegar a imperatividade do 934 se se entender que este dispõe que
o vendedor só terá direito potestativo de resolver o contrato de compra e venda a prestações:
A-se tiver reservado para si a propriedade; B-se tiver entregue o bem ao comprador; C-se o
comprador faltar ao pagamento de uma prestação superior a um oitavo do preço ou a duas
prestações.
Não obstante para o autor o 934 diz algo distinto, entendo que o vendedor só não terá o
direito potestativo de resolver o contrato se: A-se tiver entregue a coisa ao comprador; B-se o
comprador faltar ao pagamento de uma só prestação que não exceda um oitavo do valor do
preço.
Pedro de Albuquerque-não faz sentido aplicar as limitações do art 934 às situações em que não
existe reserva de propriedade, no entanto não o faz por analogia como sustente Nuno Pinto de
Oliveira3, mas sim pelo facto de se o art 934 limita o direito de resolução, se existir reserva de
propriedade, então confrontando esta solução com os regimes do art 801, 802 e 886 a única
conclusão plausível é que o 934 limita o direito de resolução APESAR DA reserva de
propriedade e não apenas quando exista esta reserva.
Se mesmo ao vendedor que reserva a propriedade lhe é vedado o exercício da resolução, em
falhas de menor relevância (uma única prestação que não excedam um oitavo do preço), então
seria uma profunda contradição valorativa atribuir ao vendedor que não reservou a
propriedade a possibilidade de resolução nestes casos.
-A referência à reserva de propriedade no 934 não procura assim tornar os casos em que esta
não existe isentos das limitações do artigo, mas antes dizer que mesmo havendo esta reserva,
as limitações se aplicam.
3 Até porque sendo o 934 uma “norma excecional”, discute-se esta possibilidade de analogia (apesar de
PDA entender que não faz sentido o argumento de que não valem argumentos analógicos e por
identidade de razão a “normas excecionais”
Cláusula penal-o 935 define o regime da cláusula penal no caso de o comprador não cumprir.
-A estipulação desta cláusula é admitida para todos os contratos e de forma genérica no art
810 do CC, como meio prévio de fixação da indemnização pelo não cumprimento das
obrigações.
-O 935 é uma das diversas disposições do CC que visam evitar a estipulação de cláusulas penais
usurárias (estabelecendo-se que esta não pode exceder metade do preço, salvo a faculdade
das partes de a ajustarem a todos os prejuízos sofridos).
Se este limite for ultrapassado, o montante superior será reduzido a metade (art 935 nº2),
sendo que este art dispõe que se as partes estipularem que o comprador na eventualidade de
incumprimento perderá as prestações já pagas e estas excederem metade do preço não poderá
o vendedor fazer seu o excedente.
Já se os prejuízos forem superiores a metade do preço e as partes não tiverem estipulado a
ressarcibilidade de todo o prejuízo, então a indemnização será até ao limite da indemnização
pactuada pelos contratantes, mesmo se ultrapassar metade do preço (assim a cláusula penal
superior a metade do preço, depois de reduzida passará a funcionar como um teto ou limite
máximo da indemnização de todos os prejuízos sofridos pelo vendedor.
-Discute-se se o limite estabelecido pelo art 935 diz respeito a toda a situação de
incumprimento ou apenas para as situações de resolução por parte do vendedor (ou seja se
vale para os casos em que o alienante exige do comprador o adimplemento da prestação).
VASCO LOBO XAVIER- pronunciou-se no sentido de que só pode valer a cláusula peal para os
casos em que pretende o vendedor resolver o contrato.-isto porque estas são obrigações
pecuniárias para as quais o art 806 (que defende este autor que têm natureza imperativa),
preceitua corresponder a indemnização aos juros devidos (e esta vale igualmente para o
incumprimento definitivo).
Assim o autor entende que o 935 do CC, não vêm derrogar o regime geral do 806, uma vez que
o regime da compra e venda a prestações que tutela particularmente o comprador não poderia
vir autorizar algo que é vedado na venda comum (a sujeição do contraente que falta a
obrigação de pagar o preço, a pagar uma indemnização diversa da traduzida na remuneração
dos juros respetivos).
-O próprio art 935 nº2 ao refere-se às prestações pagas e à sua restituição, o que só será
possível se o vendedor resolver o contrato.
Pedro De Albuquerque-discorda da posição do autor, essencialmente porque não considera
que o regime do art 806 seja imperativo, na medida em que este é manifestamente supletivo
(até por o preceito permitir às partes estabelecer um juro de mora distinto do juro legal).
-já o segundo argumento é pertinente mas insuficiente para determinar que o 935 só é
aplicável aos casos de resolução do contrato, ou se também abrange as hipóteses da exigência
do cumprimento.
Menezes Leitão-também se pronunciou neste sentido dos limites do 935 só valerem para casos
de resolução e já não de exigência do preço.
-Argumenta que o art deve ser objeto de uma interpretação restritiva pois a sua letra vai além
do seu espirito, mas que a baliza que o art cria só fazer sentido se quisermos limitar a
indemnização ao interesse contratual negativo (como acontece para ML nos casos em que
existe resolução do contrato em caso de incumprimento).
-Assim o art 935 só vale para as indemnizações a pedir em cláusulas penais relativas à
resolução do contrato.
Pedro de Albuquerque
-Não concorda com a limitação da indemnização nos casos de resolução, ao interesse
contratual negativo, pelo que não é por aqui que se resolve o problema da aplicabilidade do
935 aos casos em que se exige o cumprimento por parte do vendedor.
Romano Martinez-adota uma posição mais intermédia, na medida em que inicialmente pugna
por orientação semelhante à de Lobo Xavier, entendendo que o 935 só se aplica aos casos de
resolução do contrato.
-Entende que o a propósito do dano positivo se aplica o 806, sendo devidos juros e não a
indemnização do 935.
-PDA entende que os argumentos aludidos contra Lobo Xavier também permitem afastar esta
posição, sendo que não faz sentido querer delimitar o art 935 negativamente através do 806.
Antunes Varela/ Pires de Lima-entendem que atendendo á supletividade do 806 se deve aplicar
o 935 tanto aos casos de resolução, como às que o vendedor exige cumprimento.
Nuno Pinto de Oliveira-entende que subjacentes a todas estas posições parece estar um
uniforme sobre a natureza da cláusula penal, sendo que esta não terá sempre a mesma
natureza.
Refere que é necessário distinguir entre cláusulas penais moratórias ou compensatórias,
consoante se destinem a funcionar em caso de mora ou incumprimento.
-Deve depois distinguir-se se estas são meramente indemnizatórias, compulsórias ou penais
stricto sensu, sendo que:
A-as primeiras visam facilitar a reparação do dano, nos moldes previamente previstos pelas
partes, sem especiais intuitos compulsórios (evitando apenas dividas e litígios em casos de
eventuais incumprimentos), estabelecendo logo o montante da indemnização (caso do 810)
B-as segundas não têm qualquer efeito sobre o montante da indemnização, acrescendo ao
cumprimento da obrigação e à indemnização.
C-a terceira visa compelir o devedor ao cumprimento, legitimando o credor, perante
inadimplemento a exigir a título sancionatório uma outra prestação.
Quando o vendedor optar pela manutenção do contrato
-Neste cenário a proibição de cumulação (art 811 nº1) entre a exigência do cumprimento
coercivo da obrigação e o pagamento da cláusula penal não têm lugar se a cláusula tiver
natureza compulsória (aqui apenas vale o limite do 935).
-Sendo a cláusula penal indemnizatória ou penal stricto sensu, já concorda com o raciocínio do
prof Pinto de Oliveira, não faz sentido aplicar aqui o 935 às situações em que o vendedor
optasse pela manutenção do contrato e pelo funcionamento da cláusula penal.
Isto, pois, este tipo de cláusulas se destinam a acautelar o incumprimento definitivo da
prestação principal (PDA sublinha que estas podem acautelar outras situações como
incumprimento parcial, cumprimento defeituoso etc) e o argumento de NPO só faz sentido
quando este tipo de cláusulas se destina a assistir a um incumprimento total e definitivo.
-Assim entende que não se deve aceitar a sujeição das normas penais compensatórias
indemnizatórias e as normas penais stricto sensu, se elas se destinarem a acautelar um
incumprimento definitivo e total e o comprador desejar manter o contrato, pois por razões
teleológicas o 935 não assimila estas hipóteses.
A aplicação do regime da compra e venda a prestações a outros contratos
-Art 936 diz-nos que o regime da compra e venda a prestações vale para todos os contratos em
que se pretende obter um resultado semelhante.
Venda a prestações no âmbito das relações de consumo-esta sujeita-se a um regime específico
que se traduz numa maior tutela do consumidor (atualmente regulado pelo DL 133/2009),
sendo que este abrange a compra e venda a prestações no âmbito das relações de consumo.
-Este estabelece um regime jurídico específico em matéria de cumprimento do contrato de
compra e venda a prestações no âmbito das relações de consumo que se traduz na faculdade
do comprador realizar antecipadamente o cumprimento.
-Prevê-se ainda um regime específico para os casos de incumprimento, onde se afasta o regime
presente no art 934, estabelecendo requisitos diferentes para a resolução e perda do beneficio
do prazo.
Locação-venda-esta surge mencionada no art 936 nº2 do CC, sendo que este é um contrato em
que as partes estipularam uma locação, mas aceitaram passar a propriedade da coisa locada
para o locatário de forma automática depois deste pagar todas as rendas ou alugueres
acordados.
-As prestações acabam por corresponder não só ao pagamento que compensa o gozo
temporário, mas também a própria transmissão (pelo que se está diante de uma compra e
venda).
-Assim o contrato pode ser resolvido com fundamento em incumprimento do locatário
-Entende PDA que a natureza jurídica deste negócio é o de modalidade específica da compra e
venda onde é diferida a transmissão da propriedade até ao pagamento do preço.
Compra e venda sobre documentos-esta encontra-se prevista nos arts 937 e ss e têm por
objeto bens representados por títulos, sendo que aqui o vendedor não está obrigado a
entregar os bens vendidos, mas apenas os títulos representativos do bem em causa.
-As regras gerais em matéria de transferência do risco são aplicáveis à venda sobre
documentos, existindo apenas uma regra especial prevista no art 938 que nos diz que quando
esta se reportar a uma coisa em viagem, o risco corre pelo comprador desde a data da compra.
-As alíneas b e c do preceito atribuem ao comprador o risco de perecimento ou deterioração
da coisa, desde a data da entrega ao transportador, mesmo se em momento anterior ao da
compra, exceto se o vendedor atuar de má-fé (art 938 nº2).

Perturbações típicas da Compra e Venda


A compra e venda de bens alheios
Pressupostos da venda de bens alheios
Venda como própria de uma coisa alheia
-O CC não nos diz diretamente em que consiste a venda de bens alheios. Mas tratase da
situação de alienação, por alguém, como própria, de coisa cuja titularidade pertence a terceiro,
não tendo o vendedor legitimidade para realizar a venda. Também se inclui no regime da
compra e venda de bens alheios a oneração, mediante contrapartida, de bens alheios.
-A compra e venda de bens alheios pressupõe sempre a ignorância de uma das partes a
respeito da titularidade do sujeito em cuja esfera se deveria repercutir o ato de alienação.
-Assim, o CC entende ser venda de coisa alheia, com a resultante nulidade, a transmissão
onerosa, como próprios, de bens não pertencentes ao alienante.
→ Na eventualidade de as partes entenderem os bens, não pertencentes ao vendedor, como
alheios, o negócio é sujeito ao regime da compra e venda de coisa futura (art. 893º); →
Tratando-se de compra e venda comercial a venda de bem alheio é válida (art. 467º/2 Ccom.);
→ A venda de coisa genérica não pertencente ao vendedor não é tida por nula, pois, para a sua
estipulação não é necessária a qualidade de proprietário ao tempo da estipulação do contrato
(arts. 539º e ss. do CC).
-Em todas estas hipóteses incide sobre o vendedor a obrigação de aquisição e entrega ao
comprador das coisas que prometeu vender não valendo, em virtude disso, o regime da venda
de bens alheios. Com a especialidade, de na primeira das 3 hipóteses mencionadas supra
assumir características aleatórias.
→ Não se aplica o regime da compra e venda de bens alheios aos negócios relativos a coisas
fora do comércio.
O regime da compra e venda de bens alheios, previsto nos arts. 892º e ss. do CC, vale, assim,
apenas para as hipóteses de alienação como própria de uma coisa, que se não mostre fora do
comércio, específica e considerada como presente, fora do âmbito das relações comerciais. Só
se aplica o regime se existir realmente vontade de vender como própria coisa alheia (mesmo se
se ignorar a sua alienabilidade). Havendo simples erro na declaração em que se indicam no
contrato coisas alheias, o erro afeta o negócio nos termos gerais.
Também não vale o regime da compra e venda de bens alheios em situações em que o Direito
excecionalmente assim o estabeleça. Ex. art. 2076º/2 CC- onde se estipula a eficácia da
alienação onerosa de bens da herança por herdeiro aparente a terceiro de boa-fé; art. 291ºCC
e as situações resultantes das regras próprias do registo (arts. 5º, 17º e 122º do Código do
Registo Predial).
REGENTE: a posição referida não é rigorosa. Todos os cenários enunciados são, ainda, situações
de venda de bens alheios. Sucede, porém, que em virtude da produção de determinados
pressupostos, o Direito tutelar o adquirente a non domino em detrimento do verdadeiro
titular. Mas isso não altera a qualificação do negócio como uma autêntica situação de compra e
venda de bens alheios. Apenas, na medida da proteção do terceiro adquirente, não se pode
aplicar a ele a totalidade do regime da compra e venda de bens alheios. No entanto, outros
aspetos do regime poderão ser chamados a depor com as necessárias adaptações. Ex. não se
vê razão para não se manter a obrigação de o vendedor convalidar o negócio.

A admissibilidade, ou não, do contrato-promessa de compra e venda alheia


-A favor da admissibilidade do contrato-promessa de compra e venda de coisa alheia: posição
maioritária. No contrato-promessa de compra e venda de coisa alheia o objeto não é
legalmente impossível, uma vez que o comprador pode adquirir a coisa até ao momento da
celebração do contrato definitivo. De resto, e caso não adquirisse o objeto prometido haveria
um mero incumprimento do contrato, não nulidade;
→ Posição diversa: admite apenas a validade deste contrato incidente sobre coisa alheia se
tiver sido afastada a execução específica- Raúl Ventura e Paulo Olavo Cunha. O art. 830º CC
permite a execução específica do contrato-promessa, desde que não haja convenção em
contrário e a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida. Ora, não havendo
convenção em contrário a natureza da obrigação não se opõe à execução, uma vez que a coisa
foi prometida vender como própria. É, porém, manifesto, não poder nesta hipótese ter lugar
uma sentença que produza os efeitos negociais da declaração do faltoso, pois nessa
eventualidade a decisão do tribunal teria a força de uma compra e venda nula, o que
equivaleria a compelir o tribunal a proferir uma decisão que não poderia provocar os efeitos
essenciais a que se destina. Por isso, o contrato-promessa de compra e venda alheia deve
entender-se nulo, exceto se existir convenção contrária à execução específica (com a
equiparação operada pelo art. 830º/2 CC).
A falta de legitimidade para a venda
O art. 892º CC refere ser nula a compra e venda de bens alheios quando o vendedor, para além
de vender como própria coisa alheia, careça de legitimidade para o fazer. A generalidade da
Doutrina afirma, destarte, ser pressuposto da compra e venda de bens alheios a falta de
legitimidade do alienante; isto é, não dispor ele de poderes para a prática do ato. Por isso não
haveria compra e venda de bens alheios se o alienante dispusesse de poderes para realizar o
ato de disposição, como sucederia com o representante dotado de faculdades representativas.
Outras hipóteses em que não se estaria diante uma venda de bem alheio seriam as da venda
pelo credor pignoratício, mediante prévia autorização judicial (art. 674º CC), ou pelo Estado no
caso de venda executiva dos bens do executado (art. 824º CC). Ressalvar que em todas estas
situações não deixaria de existir compra e venda de bens alheios se o sujeito legitimado para
atuar em determinados moldes, e apenas esses, os vendesse como sendo próprios. Sempre
que alguém vende bens de terceiro como próprios, se isso não resultar de um erro na
declaração, vale o regime da vens de bens alheios.
-Aplica-se, ou não, o regime da compra e venda de bens alheios às situações nas quais o
alienante declara atuar como representante de outrem, mas sem possuir a legitimidade
necessária?
→ Alguns autores alegam não ter lugar a aplicação do regime dos arts. 892º e ss. aos cenários
nos quais se vende algo pertencente a outrem no âmbito da representação sem poderes (arts.
268º e 269º), designadamente, no domínio da gestão de negócios representativa (arts. 464º e
471º), tendo o comprador a possibilidade de 66 revogar ou rejeitar o negócio, enquanto o
proprietário o não revogar, salvo se no momento da celebração conhecia a falta de poderes do
representante;
→ REGENTE: apesar de os arts. 892º e ss. se reportarem à compra e venda de coisa alheia
como própria, abrangem eles também as hipóteses em que o vendedor admite não ser titular
do bem, mas se arroga a legitimidade para alienar. Como observa Pedro Romano Martinez, o
regime da representação sem poderes, com a possibilidade de rejeição do negócio, não pode
conduzir a solução diversa da estabelecida em sede de compra e venda de bens alheios. Não se
afigura aceitável dever o comprador de um bem, em termos indemnizatórios, ficar em situação
diversa consoante tenha negociado com quem indevidamente se arvora como titular de um
direito sobre a coisa alienada ou com um falso representante do legítimo titular. Nestes
termos, quando o art. 268º/4 se reporta à possibilidade de ratificação, está-se diante de um
direito de exercício transitório, enquanto o negócio não for ratificado. Depois de negada a
ratificação aplica-se o regime da compra e venda de bens alheios. Sujeitas ao regime da
compra e venda de bens alheios estão, também, as situações nas quais o vendedor atua em
gestão representativa, sem revelar a sua qualidade, exceto se o dono do negócio vier a
regularizar posteriormente os atos praticados. Mas já não há motivo para aplicação deste
regime se o gestor revelar à contraparte a sua qualidade de gestor de negócios (art. 904º CC),
apenas ficando o negócio subordinado à condição suspensiva de o dominus vir a aprovar a
gestão, nos moldes previstos nos arts. 471º e 1182º CC.
Efeitos da venda de bens alheios
Nulidade
Segundo o art. 892º CC, a compra e venda de bens alheios é sancionada com a nulidade do
negócio. Trata-se, porém, de uma nulidade distinta do regime geral em diversos aspetos:
relativamente à legitimidade para a arguição (art. 286º); a propósito da obrigação de
restituição (art. 289º) e na possibilidade de convalidação.
Pedro Romano Martinez: estamos perante uma invalidade atípica.
Menezes Cordeiro: depois de julgar ser o Direito civil demasiado diferenciado, especialmente
na área das invalidades, para se poder reduzir a exíguas categorias, pensa ser possível ir para
além da aceitação de uma simples nulidade sui generis. A teoria das invalidades deveria ser
reformulada. O regime da compra e venda de bens alheios é, precisamente, no entender do
autor, um dos motores da reforma. Propõe, nestes termos, uma distinção entre nulidades
plenas ou absolutas, de um lado, e nulidades relativas, do outro. Nestas últimas a invalidade só
poderia ser alegada por um dos sujeitos do negócio.
Legitimidade para arguir a nulidade
-A legitimidade para a invocação da nulidade da compra e venda de bens alheios está
fortemente limitada: o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador de boa-fé; o
comprador doloso não pode opor a nulidade ao vendedor de boa-fé. O termo dolo deve
aproximar-se da boa-fé em sentido ético: há boa-fé se se ignora sem culpa a alienabilidade do
bem, má-fé se esse facto for sabido ou ignorado de modo culposo.
-Seguindo a sistematização de Raúl Ventura, é possível distinguir as seguintes situações: ·
Vendedor e comprador de boa-fé:
-o vendedor não pode opor a nulidade ao comprador, mas este pode invocá-la perante aquele;
-Vendedor de má-fé e comprador de boa-fé: só o comprador pode suscitar a nulidade; ·
-Vendedor de boa-fé e comprador de má fé: só o vendedor pode arguir a nulidade; ·
-Vendedor de má fé e comprador de má fé: a nulidade pode ser suscitada por qualquer um.
Tem-se debatido se o proprietário que pretenda clarificar a situação resultante da venda de um
bem, por terceiro, que lhe pertence deve servir-se de uma ação de declaração da nulidade do
negócio ou a uma ação declarativa de ineficácia relativamente a ele.
Raúl Ventura: afirma a prioridade da nulidade sobre a ineficácia. A falta de produção dos
efeitos relativamente ao proprietário seria consequência da nulidade e não da ineficácia. Além
disso é indubitável o facto de o proprietário ter legitimidade para interpor uma ação
declarativa do seu próprio direito, apesar do contrato celebrado entre outras pessoas. Ora,
nesta ação teria que se debater necessariamente a nulidade do contrato de compra e venda de
coisa alheia. Nessa perspetiva mostrar-se-ia contraditório julgar o proprietário parte legítima
para interpor aquela ação, mas não para a outra em que, procurando a mesma solução real,
pedisse a declaração de nulidade do contrato.
REGENTE: discorda. Desde logo, a prova de que a ineficácia não resulta da nulidade é suscetível
de ser extraída do regime da compra e venda de bens alheios em comércio. Como já referido,
nessa eventualidade, o contrato não é nulo, mas nem por isso deixa de ser ineficaz
relativamente ao proprietário. Por outro lado, sendo o direito do proprietário titular de um
direito absoluto, de um direito alicerçado em razões absolutas, na ação declarativa do seu
próprio direito o autor fundar-se-á em razões meramente absolutas e não em argumentos
relativos: apenas terá que demonstrar a respetiva titularidade. Tudo o mais, inclusive o negócio
de compra e venda de coisa alheia passa, feita essa demonstração, a ser irrelevante no seu
confronto.
-O tribunal deve entender improcedente uma ação de declaração da nulidade do contrato de
compra e venda proposta pelo proprietário da coisa?
Antunes Varela: o juiz tem o poder-dever de corrigir o erro na qualificação jurídica do efeito
prático e declarar a ineficácia do contrato.
A nulidade pode ser arguida por qualquer interessado?
→ A favor da possibilidade de arguição por todo o interessado: Galvão Telles, Menezes
Cordeiro etc.
→ Em sentido inverso: Menezes Leitão, por entender ser a nulidade de venda de bens alheios
estabelecida no interesse apenas das partes nos termos definidos pelo regime da compra e
venda de bens alheios.
A nulidade pode ser conhecida oficiosamente?
→ A favor do conhecimento oficioso: Galvão Telles, Raúl Ventura, Pires de Lima, Antunes
Varela. Há posições no mesmo sentido na nossa jurisprudência: STJ 25- 11-1992- o facto de o
art. 892º do CC fazer referência específica ao vendedor e ao comprador (alienante e adquirente
nos outros contratos onerosos) não significa que, ao abrigo do art. 286º, a nulidade não possa
ser invocada por algum interessado, designadamente, pelo titular do bem ou direito alienado,
ou não possa ser mesmo declarada oficiosamente;
→ Contra: Menezes Cordeiro, Menezes Leitão etc.
-REGENTE: esta orientação mostra-se manifestamente preferível, pois, de outro modo estar-se-
ia a afastar, por via indireta, as proibições de invocação da referida nulidade.
O efeito da nulidade: a obrigação de restituição do preço e da coisa vendida
-Em resultado da sanção da nulidade a coisa deve ser restituída, pelo comprador, ao vendedor
esteja este de boa ou de má fé.
-A restituição é feita a quem procedeu à sua entrega, com base no contrato, e não ao
verdadeiro proprietário, exceto se tiver sido intentada ação possessória ou de reivindicação por
este.
-O art. 289º/1 CC estabelece ter a declaração de nulidade ou anulabilidade eficácia retroativa,
devendo ser restituído tudo quanto houver sido prestado ou, se a restituição em espécie não
for possível, o valor correspondente. Por seu turno, o art. 290º CC determina deverem as
obrigações recíprocas de restituição, pendentes sobre as partes por força da nulidade do
negócio, ser cumpridas simultaneamente, sendo extensíveis ao caso, na parte aplicável, as
normas relativas à exceção de não cumprimento do contrato.
Ou seja: havendo nulidade o vendedor deve restituir o preço; o comprador tem de devolver a
coisa recebida. Na eventualidade de isso não ser possível fica obrigado a entregar o valor
correspondente.
-A obrigação de restituir o preço, em caso de nulidade resultante de uma compra e venda de
bens alheios, obedece, porém, a um regime algo distinto do imposto pelo art. 289º CC, dado
variar segunda exista ou não boa fé do obrigado. Na verdade, o art. 894º/1 CC determina ter o
comprador de boa fé, diante da nulidade da venda de bens alheios, o direito de exigir a
restituição integral do preço, mesmo se os bens se hajam perdido, estejam deteriorados ou
tenham diminuído de valor.
A grande maioria dos autores defende, alegando o argumento a contrario, não poder o
comprador de má fé, face a este preceito, pedir a restituição integral do preço, ao invés do
resultante do regime geral da invalidade. Apenas poderia exigir o locupletamento do vendedor.
-Em sentido divergente manifestou-se, porém, Diogo Bártolo. Deve-se isso a 2 fatores. O
primeiro prende-se com a debilidade do argumento a contrario sensu. O segundo tem a ver
com a interpretação do art. 894º/1 donde se retira a inferência a contrario. Diversamente do
aparentemente subentendido, o artigo em referência não visa dar ao comprador de boa fé o
direito à restituição integral do preço. Este direito já resulta do art. 289º/1 CC, onde se não
distingue, de resto, entre sujeitos de boa ou de má fé. O interesse e sentido do art. 894º/1 CC
é, como bem assinala Raúl Ventura, depois seguido por Diogo Bártolo, o de desligar a
restituição integral do preço das vicissitudes sofridas pela coisa, enquanto esta estiver em
poder do comprador de boa fé, e da consequente impossibilidade de o comprador a restituir
ou de a devolver tal como a recebeu. Por isso, não pode inferir-se, do art. 894º/1 CC, não ter o
comprador de má fé jamais direito à restituição integral do preço, mas tão só não possuir o
direito à devolução da totalidade da importância paga naquelas situações de perda do bem,
deterioração ou diminuição de valor, dado ter então de se abater, do montante entregue para
pagamento, a quantia correspondente à compressão da valia do objeto. Ou seja: se o
comprador está de má fé vale, sem mais, o regime geral previsto nos arts. 289º e 290º CC, sem
haver nenhum lugar para uma interpretação a contrario sensu do art. 894º/1. Se o CC prevê no
art. 894º/1 uma regra especial apenas para a compra e venda de boa fé, essa regra não se
aplicará à compra e venda de má fé.
-A ratio do art. 894º/1 CC funda-se na ideia segundo a qual nas situações de boa fé do
comprador e, destarte, de convencimento na validade do contrato, não se lhe pode exigir uma
prudência com o bem similar ao devido se ele fosse alheio.
-Menezes Cordeiro: afirma, ainda, a necessidade de se harmonizar o disposto no art. 894º/1
com a regra estabelecida no art. 1269º relativa à perda ou deterioração da coisa por parte do
possuidor de boa fé. Segundo este preceito o possuidor de boa fé responde pela perda ou
deterioração da coisa se tiver procedido com culpa. Donde o comprador de boa fé de bem
alheio só beneficiaria do regime estabelecido no art. 894º/1 CC se a afetação do valor do
objeto do contrato não se dever a culpa sua.
-REGENTE: como ponto de partida parece de se aceitar remeter-nos o art. 894º, na verdade,
para o ESC. Isso mesmo é demonstrado pelo facto de o art. 894º/2 estipular dever, se houver
proveito para o comprador em virtude da perda ou deterioração dos bens, ser o ganho abatido
no montante da restituição ou indemnização a pagar pelo vendedor. Isto é, havendo perda,
deterioração ou diminuição do valor da coisa, o art. 894º impõe, 70 destarte, para o comprador
de boa fé apenas a restituição do enriquecimento; obrigando o adquirente de má fé a restituir
o obtido à custa de outrem, tudo em harmonia com o regime do ESC. Significará isto um
imediato afastamento do art. 1269º?
-Uma leitura possível seria a de entender apenas se assistir à remissão para o regime do ESC se
o próprio comprador de boa fé não desse origem com culpa aos danos. Desta forma a
referência para a disciplina do ESC não seria integral, mas meramente parcial. O disposto no
art. 480º, ao fazer depender a responsabilidade da ciência, seria afastado pelo facto de o
comprador ter dado origem ao prejuízo. Mas pergunta-se qual a razão de semelhante
entendimento? A resposta só poderia estar no paralelismo com a situação do possuidor de boa
fé. Alegar-se-á não existir semelhante similitude devido ao facto de o comprador de boa fé de
um bem alheio estar persuadido de o bem lhe pertencer. O mesmo não sucedendo com o
possuidor de boa fé que, atendendo ao art. 1260º CC, apenas tem de ignorar estar a lesar um
direito de outrem. Mas, justamente, na maior parte das hipóteses, a ignorância de se estar a
afetar uma posição de outrem resulta da convicção de se estar a exercer um direito próprio.
-Afigura-se ao regente ponderoso o argumento de Mota Pinto no sentido de não se mostrar
razoável entender-se poder o comprador de coisa alheia, mesmo o de boa fé, exigir do
vendedor a restituição integral do preço se, por exemplo, pegou fogo ou deitou fora a coisa,
apenas pelo facto de mais tarde saber ser ela alheia e, portanto, nula a compra. Isto seria
transformar em irrelevante o facto de o comprador, enquanto estava de boa fé, dever, por isso
mesmo, ter noção de que, ao destruir ou danificar o bem, sofreria uma dupla perda (do bem e
do preço por ele pago), não podendo beneficiar de um inesperado prémio resultante do
caráter alheio da coisa. Por isso, a solução da parte final do art. 894º/1 seria semelhante à dos
artigos 289º/3 e 1269º. Mas os exemplos dados de Mota Pinto referem-se a situações de
destruição deliberada. O argumento já não parece vingas nas hipóteses de simples negligência
na destruição por parte do comprador de boa fé. A esta luz subsistiriam ao regente dúvidas
sobre a melhor solução. O regime do art. 1269º estabelece uma responsabilidade, ou não, do
possuidor perante o proprietário. Disciplina, além disso, o direito aos frutos e às benfeitorias,
igualmente, nas relações entre possuidor e proprietário. A generalidade das hipóteses previstas
no art. 289º/1 e 3 são situações em que as partes têm legitimidade para realizar o negócio.
Não a tendo, os atos por ela realizados são, em princípio, ineficazes (em sentido estrito) e não
inválidos. Na venda de bens alheios optou-se, relativamente ao desvalor deste negócio, por
uma solução singular para esta falta de legitimidade e previu-se uma nulidade. Mas trata-se de
uma nulidade atípica diferente do regime geral dos arts. 285º e ss. O art. 894º/1 só pode, a ver
do regente, ser entendido a esta luz. Ele vem regular a obrigação de restituição do preço pago
a (e perante) alguém que não tem legitimidade para o negócio. Destarte, para quem não
vigoram nem podem vigorar, portanto (por não ser proprietário do bem), exceção feita ao
disposto no art. 901º, as regras dos arts. 1269º e ss., para onde remete o art. 289º/3. Nessa
medida, nas relações entre o vendedor e o comprador vale, como defende Menezes Leitão, a
solução do art. 894º independentemente do disposto nos arts. 1269º e ss. Mas nas relações
entre o verdadeiro proprietário e o comprador de boa fé regem os arts. 1269º e ss. Portanto, se
o comprador de boa fé destruir com culpa o bem comprado ele responde perante o dono do
bem pela perda ou deterioração. Exatamente da mesma maneira que o 71 comprador de boa
fé tem, por exemplo, diante do verdadeiro proprietário, o direito a fazer seus os frutos naturais
e civis percebidos até ao dia em que souber estar a lesar com a sua posse o direito de outrem.
Ou seja: ·
-Na eventualidade de perda ou deterioração de coisa alheia vendida, nas relações entre
vendedor e comprador rege o disposto no art. 894º, não valendo, então, o disposto no art.
1269º. No âmbito destas relações, a existência de culpa do comprador de boa fé na perda ou
destruição do bem é irrelevante e não influencia o direito à restituição integral do preço. Até
porque não sendo o bem do vendedor ele não tem qualquer direito a receber dele nenhuma
contrapartida; ·
Nesse mesmo cenário, mas tratando-se das relações entre o verdadeiro dono e o comprador, já
vale o disposto no art. 1269º. O comprador de boa fé responde assim se tiver com culpa
destruído ou deteriorado o bem.
-Ainda assim parece evidente que a partir do eventual momento do conhecimento, pelo
comprador de boa fé, da nulidade da venda ele passa a responder pela perda, deterioração ou
diminuição do valor da coisa devido a culpa sua. Ele receberá, então, do vendedor, nos termos
gerais, o preço diminuído do montante correspondente ao valor dos danos causados, podendo
inclusivamente nada receber se a coisa tiver perecido. A partir do momento em que tenha
ciência do vício da compra é de exigir ao suposto adquirente uma atitude semelhante ao de um
detentor em nome alheio diligente. Mas se o adquirente de boa fé não tiver culpa na perda ou
deterioração do bem terá direito à restituição integral do preço mesmo se posteriormente à
compra ele tiver sabido da nulidade.
-O art. 894º/2 prevê uma limitação ao favorecimento resultante do art. 894º/1, para o
comprador, em matéria de restituição. Se este tiver tirado proveito da perda ou diminuição do
valor da coisa (por exemplo em virtude de contrato de seguro), será esse benefício abatido ao
montante do preço e indemnização a pagar pelo vendedor. Se, eventualmente, o montante
correspondendo ao ganho tiver um valor diferente da importância da diminuição deve atender-
se ao menor dos dois para efeitos de apuramento da importância a abater ao preço. A redução
imposta ao comprador de boa fé pelo art. 894º/2 não depende de nenhuma culpa dele. O
fundamento dela está em evitar-se um enriquecimento injusto do comprador à custa do
vendedor.
-Note-se como segundo o art. 903º/1 CC o disposto no art. 894º tem natureza supletiva: ele
cede perante convenção em contrário, exceto se o contraente a quem a convenção
aproveitaria houver agido com dolo, e de boa fé o outro estipulante. Mas, em função do art.
903º/2, a declaração segundo a qual o vendedor não garante a respetiva legitimidade ou não
responde pela evicção não envolve derrogação do art. 894º CC.
-A eventual convalidação do contrato de compra e venda de bens alheios e a obrigação de
convalescença.
-Por força do art. 895º CC, logo que o vendedor adquira a propriedade da coisa ou do direito
vendido, o contrato torna-se válido e a dita propriedade ou direito transfere-se para o
comprador. Dado o efeito translativo, resultante do art. 897º, não se poder produzir 72
atendendo à circunstância de o bem não pertencer ao devedor, tornado este proprietário, não
há razão para se não conceder ao negócio os efeitos de uma compra e venda válida.
-O art. 896º CC estabelece, porém, algumas limitações à possibilidade de convalescença da
venda de bens alheios. Art. 896º/d): o negócio não se convalesce se for feita declaração
redigida, por um dos contraentes ao outro, na qual se reconhece a nulidade do contrato.
-Os factos impeditivos da convalescença do contrato constantes do art. 896º/1/a) e d) não
prejudicam, segundo o art. 896º/2, o disposto na segunda parte do art. 892º. Como o alienante
não pode opor a nulidade ao comprador de boa fé e o adquirente de má fé não a pode invocar
perante o vendedor de boa fé, não tem nenhum deles, por sua própria vontade, a faculdade de
consolidar a invalidade do contrato. Nas outras hipóteses há acordo expresso ou tácito de
ambos os intervenientes a respeito da nulidade.
-Além da validação automática estabelecida no art. 895º, o art. 897º/1 consagra um dever
jurídico de validação do contrato de compra e venda de coisa alheia em caso de boa fé do
comprador.
→ Segundo Raúl Ventura, estaríamos aqui diante de uma obrigação de resultado, não uma
obrigação de meios- isto não é equivalente a o devedor garantir o resultado suceda o que
suceder (obrigações de garantia). A ideia de que o vendedor permaneceria obrigado mesmo
que tivesse feito, sem sucesso, tudo ao seu alcance para assegurar a validação adequa-se
especialmente mal às situações nas quais ele esteja de boa fé. Deve, pois, entender-se nestas
situações a obrigação do alienante como qualquer outra: são-lhe aplicáveis os arts. 798º e ss.
do CC, existindo, na eventualidade de incumprimento, uma presunção de culpa nos termos do
art. 799º. O comprador de boa fé pode exigir ao tribunal a fixação de um prazo para
cumprimento da obrigação de convalidação. Por força do art. 897º/2, o comprador pode
também pedir na própria ação de declaração de nulidade a determinação de um prazo para o
vendedor sanar o vício, não prosseguindo a ação enquanto ele não se esgotar e não se
produzindo também o efeito normal do pedido judicial de declaração de nulidade traduzido,
segundo o art. 897º/2, no impedimento da convalidação.
Problema do emolduramento dogmático da obrigação de convalidação
-Tendo ela origem contratual coloca-se a questão de saber como pode ser retirada de um
negócio nulo? Duas saídas são em tese possíveis. Uma passa pela restrição do regime da
nulidade. A outra afirma tratar-se de uma obrigação legal.
Galvão Telles: a obrigação de convalidação filia-se diretamente na lei: não decorre de uma
compra e venda válida, resulta de uma compra e venda nula, como mero facto legal, a que por
razões de justiça se atribui essa consequência ou efeito. Tem razão o autor, mas o problema
reside no facto de o dever imposto, ao vendedor, de convalidar o 73 contrato- em caso de boa
fé do comprador- ter natureza supletiva (art. 903º) se não houver dolo do contraente a quem
aproveitaria essa supletividade e boa fé do outro estipulante.
-Menezes Cordeiro: entende ser esta obrigação de convalidação da mesma natureza prevista
no art. 880º/1, para a hipótese de venda de bens futuros. Estar-se-ia perante uma situação de
conversão legal: a obrigação de convalidação prevista no art. 897º/1 redundaria na
transformação da venda de bens alheios, a um comprador, de boa fé, numa venda de bens
futuros. O regente não segue, porém, o autor por lhe parecer dever, justamente, diferenciar-se
a obrigação de convalidação, no caso da compra e venda de bens alheios, da obrigação de
diligenciar a aquisição na compra e venda de bens futuros. Isto porque na compra e venda de
bens alheios, havendo má fé na conclusão do contrato deve julgar-se haver, sempre, culpa no
incumprimento da obrigação de convalidação (mesmo se, depois da venda, o vendedor a non
domino tiver feito tudo ao seu alcance para adquirir o bem por ele indevidamente vendido),
num fenómeno sem paralelo nas hipóteses de compra e venda de bens futuros. Nesta última
hipótese, só haverá responsabilidade do vendedor se ele, com culpa efetiva (mesmo que
presumida), não tiver feito tudo o possível para a coisa se tornar presente e atual.
REGENTE: parece de reconduzir o dever de convalidação à autonomia privada.
Indemnização fundada na nulidade do contrato.
-Os arts. 898º e 899º impõem um dever de indemnizar em virtude da nulidade do contrato.
Para essa obrigação surgir é necessário, nos termos do art. 888º, que um dos contraentes
tenha atuado com dolo e o outro de boa fé. Porém, o art. 899º só será aplicável se o
comprador se encontrar de boa fé.
-Segundo o art. 898º, o contraente de boa fé, para além de poder suscitar a nulidade do
contrato, pode exigir da parte dolosa o ressarcimento pelos danos sofridos se o contrato fosse
válido desde o início, ou não houvesse sido celebrado, segundo venha ou não a ser sanada a
nulidade. Isto é: se houve validação os prejuízos reparáveis são a totalidade de quantos
resultam de o negócio não ser válido. Se não houve convalidação os danos reparáveis são
todos quantos resultam da realização do negócio nulo, isto é, os que não teriam sucedido se o
contrato não se tivesse celebrado, situação em que se indemniza apenas o interesse contratual
negativo.
-A expressão dolo referida no art. 898º deve ser estendida à má fé e não com o exclusivo
sentido do art. 483º/1 CC. Isso mesmo resulta do facto de, seja no art. 898º, seja no 899º (que
se articula com o 898º), se opor o dolo e a culpa à boa fé. Deve entender-se, normativamente,
face ao art. 898º, haver indemnização na hipótese de mera má fé ética. De outro modo,
chegar-se-ia, segundo refere Pedro Romano Martinez, à solução bizarra de no art. 898º se
prever uma indemnização por dolo e no art. 899º uma responsabilidade objetiva, não se
visionando nenhum ressarcimento na hipótese de mera culpa. Não se vê nenhuma razão para
avantajar a parte que atua com culpa inconsciente- desprotegendo o outro estipulante-
relativamente às regras gerais da culpa in contrahendo.
-O art. 899º estabelece, em relação ao vendedor, uma responsabilidade objetiva pelos danos
causados ao comprador, mas que não institui uma reparação integral. O vendedor fica obrigado
a indemnizar o comprador de boa fé, mesmo se tiver agido sem dolo nem culpa; mas nesta
hipótese a indemnização abrange apenas os danos emergentes não resultantes de despesas
voluptuárias. Ou seja: a responsabilidade objetiva não alcança os lucros cessantes.
Indemnização fundada na obrigação de convalidar o contrato
Em caso de boa fé do comprador, o vendedor é obrigado a sanar a nulidade da venda (art.
897º/1). O inadimplemento desta obrigação altera, de modo relevante, a fisionomia do regime
da compra e venda de bens alheios. Se os arts. 898º e 899º apontam primordialmente no
sentido segundo o qual o regime regra em matéria de compra e venda de bens alheios é o da
indemnização pelo interesse contratual negativo, surge no art. 900º, uma indemnização pela
mora ou não cumprimento da obrigação de convalidar na qual está em jogo o interesse
positivo.
Esta indemnização é, nos termos do art. 900º/1 CC, tratando-se de danos emergentes,
cumulável com as indemnizações dos artigos anteriores exceto na parte em que o prejuízo seja
comum. Estando em jogo lucros cessantes por falta ou retardamento da obrigação de
convalidar o comprador optará entre a indemnização pela celebração do contrato nulo e a
indemnização pela ausência ou atraso na sanação.
Conjugados os arts. 898º, 899º e 900º, observa-se assim que, não se assistindo à convalidação:
· Havendo boa fé de ambos os contraentes o vendedor não pode opor a nulidade do contrato à
outra parte; responde pelo risco e pelo interesse contratual negativo nos termos do art. 899º, e
pelo interesse contratual positivo segundo o art. 900º;
· Se o vendedor estiver de má fé no momento da celebração do contrato e o comprador de boa
fé só o comprador pode suscitar a nulidade; o alienante responde de acordo com o art. 898º,
pelo interesse contratual negativo, e por força do art. 900º pelo interesse contratual positivo;
· Se ambos estiverem de má fé, qualquer um pode suscitar a nulidade do contrato, mas não se
aplica nem a obrigação de convalidação (art. 897º), nem qualquer das indemnizações
constantes dos arts. 899º e 900º. O regime aplicável será o geral, com relevo para o art. 570º
CC;
· Se o alienante se encontrar de boa fé e o comprador de má fé só o primeiro pode suscitar a
nulidade; aplica-se apenas o regime do art. 898º- indemnização pelo interesse contratual
negativo a cargo do comprador.
Assim, o único caso expresso de mera indemnização pelo interesse contratual negativo é, pois,
o de o vendedor estar de boa fé e o comprador de má fé, pertencendo então a este ressarcir o
dano apenas pelo interesse contratual negativo. Mas a verdade é que o CC aceitou a ideia de
uma desvalorização da posição do vendedor, como resulta do facto de responder pelo risco se
ambos os contraentes estiverem de boa fé, de ter também nessa eventualidade feito surgir
uma obrigação de convalidação e ter estabelecido uma obrigação de restituição do preço
manifestamente vantajosa para o comprador (art. 894º).
Em que moldes se pode dar a cumulação?
Há uma situação manifesta em que não se mostra possível nenhuma cumulação de
indemnizações. Trata-se da hipótese de má fé do comprador, pois nesses cenários não há
obrigação de convalidação.
Nos outros cenários coloca-se, realmente, o problema de saber quais os moldes da cumulação.
A justificação para a disciplina do art. 900º residia no facto de, relativamente à cumulação, por
este permitida, ao vício originário se juntar o não cumprimento da obrigação resultante da
necessidade de reparar esse vício, ou da necessidade de convalidar o contrato e- relativamente
à parte final do art. 900º/1 CC- na indispensabilidade de se afastar duplicações de
indemnizações. Por isso mesmo se determina, sendo o prejuízo comum, não poder ser
reclamado duas vezes e, relativamente aos lucros cessantes, ter o comprador de optar entre os
lucros deixados de obter por ter celebrado o contrato e os perdidos no caso de cumprimento
da obrigação de convalidar.
A indemnização pela falta ou mora na obrigação de convalidar tem como medida o interesse
no cumprimento dessa obrigação. Esse interesse é idêntico ao interesse positivo na validade do
contrato e coincidirá, normalmente, com o interesse no cumprimento do contrato. Em jogo
está o interesse na aquisição da propriedade ou titularidade do direito pelo comprador.
A indemnização regulada nos preceitos anteriores ao art. 900º/1 é- com exceção prevista na
primeira parte do art. 898º para os cenários de convalidação, pelos prejuízos que o comprador
não teria sofrido se o contrato fosse válido desde o começo- pelo interesse negativo. Ora,
segundo o entendimento tradicional do art. 900º, esta norma admite a cumulação destas
várias indemnizações pelo interesse positivo e pelo interesse negativo, apenas afastando,
relativamente ao dano emergente (art. 900º/1) a parte em que o prejuízo seja comum. A
propósito dos lucros cessantes (art. 900º/2) deverá o comprador optar pela indemnização do
lucro cessante pela celebração do contrato inválido e do lucro cessante pela mora ou falta de
convalidação.
O primeiro exercício imposto por este regime parece ser, assim, o de distinguir ou comparar os
diversos elementos do prejuízo em concreto para não duplicar a exigência de prejuízos
comuns. Desta forma, e apelando a situações exemplificativas, propostas por Mota Pinto, dir-
se-á ser o prejuízo resultante da mora no cumprimento da obrigação de sanação (art. 900º) em
regra comum ao prejuízo devido à circunstância de o contrato não ser válido desde o início.
Nos danos emergentes, as despesas tornadas inúteis (deslocações, comunicações, custos legais
etc) realizadas pelo adquirente para a celebração do contrato, a preparação da receção da
prestação ou o cumprimento da sua contraprestação são comuns tanto ao prejuízo que o
comprador não sofreria se a compra não tivesse sido realizada (pois não as teria realizado)
como à falta de sanação do negócio (se o contrato fosse válido o comprador teria incorrido
nelas, mas não se teriam tornado inúteis).
A propósito dos lucros cessantes o art. 900º/2 é mais restritivo. Apenas se aplicando às
indemnizações previstas no art. 898º- dado no art. 899º se afastar qualquer indemnização por
este tipo de prejuízo- ele afasta totalmente a cumulação e impõe ao comprador a opção entre
a indemnização pelo lucro cessante pela celebração do contrato inválido e a do lucro cessante
pelo retardamento ou ausência de convalidação. Os lucros cessantes pela celebração do
contrato e pela falta ou retardamento da convalidação podem não ser, e não são muitas vezes,
comuns, razão pela qual o art. 900º/2, limita efetivamente as possibilidades do comprador.
Mota Pinto: vem afirmar que, se se prosseguisse a indagação, perguntando-se quais as
situações hipotéticas cobertas por estas indemnizações deveria concluir-se no sentido de a
exigência simultânea de indemnizações pressupor uma posição contraditória do demandante:
por um lado, exige a convalidação como fundamento da indemnização pelo não cumprimento
da respetiva obrigação; por outro, alega a nulidade, ou baseia-se nela, para efeitos da
indemnização resultante da nulidade. Além disso, a possibilidade de exigir as duas
indemnizações deixaria o comprador em melhor posição do que aquele em que estaria, quer
se o contrato não tivesse sido celebrado, quer se tivesse sido convalidado. Teria, pois, de se
concluir, aplicando os princípios gerais, não permitir o art. 900º/1 a cumulação entre a
indemnização pelo interesse contratual negativo e pelo interesse contratual positivo, mesmo
só para os danos emergentes. O sentido do art. 900º/1 não seria, pois, o de permitir a
cumulação entre as indemnizações, mas apenas o de permitir ao comprador optar pela
indemnização de valor superior, além da parte em que os prejuízos são comuns, sem porém se
poder somar rubricas do prejuízo correspondentes às hipóteses mutuamente excludentes.
REGENTE: não concorda com Mota Pinto. A solução passa, justamente, por admitir a
possibilidade de cumulação das indemnizações referidas no art. 900º/1. A explicação para essa
acumulação reside no facto de ao vício originário do contrato se juntar o não cumprimento da
obrigação de reparação do vício. Embora com recurso a técnicas aparentemente
indemnizatórias a solução do art. 900º/1 tem um claro sentido sancionatório e explica-se
justamente pelo propósito de sancionar o vendedor. A esta luz a restrição do art. 900º/2 deve
ser vista, apenas, como uma limitação da penalidade imposta ao vendedor que não se estende
aos lucros cessantes. Mas nada obsta a que o comprador peça a indemnização por lucros
cessantes relativos a um determinado interesse e subsidiariamente requeira, também, a
satisfação dos referentes ao outro interesse.
Garantia de restituição por benfeitorias
Segundo o art. 901º CC, o vendedor é garante solidário do pagamento de benfeitorias a
reembolsar pelo dono da coisa ao comprador de boa fé. De acordo com o art. 1273º, quer o
possuidor de boa fé, quer o de má fé têm o direito de ser indemnizados das benfeitorias
necessárias por ele feitas e, bem assim, levantar as úteis realizadas na coisa conquanto o
possam fazer sem detrimento delas. Se, para evitar a deterioração do bem, não houver lugar
ao levantamento das benfeitorias, pagará o titular ao possuidor o valor delas de acordo com as
regras do ESC (art. 1273º/2).
Ou seja: tanto pode o comprador reclamar a devolução ou reembolso do proprietário como do
vendedor. Note-se responder, segundo o art. 901º, o vendedor como garante solidário, por
isso, fica sub-rogado em todos os direitos do comprador em relação ao dano da coisa (art.
592º/1 CC).
Se o comprador tiver atuado com má fé continua a poder exigir do proprietário da coisa a
devolução ou reembolso das benfeitorias, nos termos do art. 1273º CC. Porém, já não
beneficiará, face ao vendedor, da garantia contemplada no art. 901º CC.
A disposição do art. 901º tem natureza parcialmente supletiva, cedendo, perante convenção
em sentido contrário, se reunidos os requisitos do art. 903º/1.
Casos singulares de compra e venda de bens alheios: venda de bens parcialmente alheios e de
quota indivisa
Se os bens vendidos só parcialmente forem alheios manda o art. 902º aplicar o disposto no art.
292º CC. Por isso, se se mostrar que o negócio não teria sido realizado sem a parte alheia, o
contrato é totalmente nulo, valendo as regras constantes dos arts. 892º e ss. Se o acordo
tivesse sido celebrado, não obstante o caráter parcialmente alheio, reduz-se, sempre segundo
o art. 902º, proporcionalmente ao preço estipulado e observam-se as disposições
antecedentes a propósito da parte nula.
O regime da compra e venda de bens alheios aplica-se, ainda, relativamente a coisa indivisa,
quando um dos cotitulares vende uma parte especificada da coisa comum sem consentimento
dos outros consortes, considerando como estando a alienar ou onerar coisa alheia. Esta
disposição vale, como observa corretamente Menezes Leitão, pelo seu alcance normativo,
também para as hipóteses de alienação por parte do comproprietário de toda a coisa comum.
Isso não impede a admissibilidade, nesta hipótese, de uma conversão e redução simultânea do
negócio, transformando-se a venda de coisa comum na venda de uma quota ideal com a
consequente limitação do contrato de compra e venda dessa quota-parte. Em sentido inverso
pode alegar-se, como faz ML, envolver a manutenção do contrato com estas modificações uma
alteração substancial da posição do adquirente. Mas a verdade reside no facto de os critérios
de conversão e redução do negócio jurídico, presentes nos arts. 292º e 293º CC, se fundarem
na vontade hipotética ou conjuntural dos contraentes. Por isso: ou essa vontade á favorável à
conversão e redução, ou não é- e se não é não há redução e conversão.
Supletividade e declaração contratual de que o vendedor não garante a sua legitimidade ou
estipulação de não responder pela evicção
Caráter supletivo de algumas das disposições do regime da compra e venda de bens alheios. O
art. 903º determina ceder o disposto nos arts. 894º, 897º/1, 899º e 900º/1 perante convenção
em contrário. Mas isto, apenas, se o contraente a quem a convenção aproveita não tiver agido
de má fé e de boa fé o outro estipulante. As cláusulas derrogadoras das disposições supletivas
mencionadas são válidas, não obstante a nulidade do contrato onde se encontram inseridas, se
a nulidade proceder de ilegitimidade do vendedor (art. 903º/2).
A declaração contratual do vendedor no sentido de não garantir a sua legitimidade ou de não
responder pela evicção envolve derrogação de todas as disposições mencionadas no art. 903º,
com exceção do preceituado no art. 894º (art. 903º/2). Naturalmente isso será assim, segundo
o art. 903º/1, in fine, apenas se o alienante não estiver de má fé e o comprador de boa fé.
Caracterização do instituto da venda de bens alheios
Várias teses: vícios da vontade, cic, tutela da confiança; garantia do vendedor a propósito da
produção do efeito translativo, incumprimento, proteção da ordem pública relativamente às
consequências da nulidade.
REGENTE: estamos diante de um mecanismo destinado, ora a avantajar a boa fé, ora a
penalizar a má fé, com predomínio dos aspetos sancionatórios da má fé. Repare-se como a
haver má fé da parte beneficiada não se pode afastar o disposto nos arts. 894º/1, 899º e
900º/1 e 901º. Ora, em especial, face ao regime de cumulação das indemnizações resultantes
dos arts. 899º, 900º e 901º/1, vê-se como sob aparente estrutura indemnizatória estes
preceitos contêm uma verdadeira sanção da má fé.
Compra e venda de bens onerados.
Introdução
-A venda de bens onerados encontra-se prevista no artº 905 do CC, onde aparentemente, se
determina a anulabilidade por erro ou dolo, na hipótese de se verificarem no caso os requisitos
legais da anulabilidade, do contrato de compra e venda, se o direito transmitido estiver sujeito
a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos direitos da mesma
categoria.
Com a referência final da norma procura-se afastar do âmbito da respetiva tutela as situações
em que as “onerações” do direito transmitido acompanham, como por inerência, quaisquer
direitos do mesmo tipo ou categoria. Trata-se de limitações que atingem, de forma geral e
abstrata os titulares de direitos sobre determinados bens. Isso mesmo verifica-se, por exemplo,
com as limitações gerais ao direito de propriedade em matéria de relações de vizinhança.
A noção de ónus surge normativamente com um alcance amplíssimo. A ratio da norma consiste
em proteger o adquirente contra o risco de adquirir um bem que, por não estar livre de uma
intromissão limitadora, não corresponde à representação que, de acordo com o contrato dele
se teve. Destarte, nada legitima a restrição dos ónus ou limitações a situações de determinado
tipo ou natureza. Abrangidos ficam tanto os direitos reais de gozo, como as garantias reais,
como, ainda os direitos de crédito ou quaisquer outras 79 posições jurídicas as quais,
independentemente da sua precisa qualificação, se revelem eficazes relativamente ao
adquirente, ignorando-as este tempo da compra. Noutros termos, importa em cada situação
apurar se a limitação existente se pode impor ao comprador, gerando uma diminuição do
direito transmitido e, desse modo, uma falta de correspondência entre o valor do bem
proposto no contrato e o valor efetivamente transmitido.
Pode, pois, dizer-se, com Almeida de Sá e Ferrer Correia, existir um vício de direito se o
vendedor põe à disposição do comprador o objeto da compra, mas não lhe proporciona
simultaneamente a situação que, segundo o contrato, o adquirente pode legitimamente
esperar. Ou seja, o comprador recebe menos, em direito, de quanto o vendedor estava
obrigado a proporcionar-lhe. Nessa perspetiva pode acentuar-se a ideia de o vício de direito
não ser, em rigor, um vício do objeto da compra, mas antes um “vício no direito”
proporcionado pelo vendedor. Quanto o comprador recebe é, afinal, uma posição diminuída
em relação ao resultante do negócio. O decisivo não é a natureza jurídica do ónus, mas a sua
eficácia perante o comprador.
Por outro lado, estão abrangidos pelo âmbito do artº 905º do CC toda a espécie de objetos de
compra, designadamente as patentes, marcas, licenças, direitos de autor, a compra de ações de
uma sociedade, a empresa e títulos de valor mobiliário.
Não são, porém, com frequência, de aplicar a situações como a compra e venda de automóveis
em que se assiste à viciação ou alteração dos respetivos documentos, por se estar diante de
uma situação de incumprimento da obrigação de entrega, art 882º/2. De facto, o artigo 882º/2
CC faz a obrigação de entrega da coisa abranger os documentos a ela relativos. Por isso, se eles
não forem devidamente entregues, há, em princípio, incumprimento dessa obrigação. Menezes
Leitão defende que não tendo o fornecedor de uma viatura automóvel entregue ao comprador
a necessária documentação, se está diante de uma compra e venda de bens defeituosos,
prevista no artº913 do CC, pois, apesar de o carro funcionar perfeitamente não possuía as
qualidades necessárias para a realização daquele fim. Nesse cenário, tal como defende
Menezes leitão está-se perante um incumprimento da obrigação de entrega.
Note-se, porém, que em inúmeros casos de viciação dos documentos se está diante de compra
e venda de bens alheios, cujo regime é diverso do da compra e venda de bens onerados.
Noutras hipóteses, se a viciação se destinar a ocultar características que o veículo não possui
dir-se-á haver mesmo uma situação de compra e venda de bens onerados. Isto, pois o
comprador recebe uma posição diminuída em relação ao resultante do contrato. Em jogo não
está, pois, o mero incumprimento da obrigação de entrega nos termos do art.º 882, nº2 do CC.
Já a compra e venda de bens onerados pode valer perante a existência de irregularidades no
bem vendido, geradoras de impedimento do gozo ou disposição deste pelo comprador, como
sucede com a compra e venda de imóveis construídos sem a respetiva licença de habitação ou
de construção.
O nosso código civil não prevê diretamente a hipótese de o vendedor assegurar ao comprador
a existência de especiais vantagens jurídicas em relação à coisa, que excedam 80 o normal nos
direitos da mesma categoria, refere-se a título de exemplo uma servidão de passagem por
prédio vizinho, ou, por hipótese, a edificabilidade com determinadas características. Pires de
Lima / Antunes Varela propõem a aplicação a esta situação do regime da compra e venda de
coisas defeituosas, por falta de qualidades da coisa. Mas isso envolveria transformar o regime
num instituto mais geral suscetível de comtemplar, além das materiais a falta de qualidades
provenientes de relações jurídicas pertinentes à coisa. Uma via alternativa passaria por aplicar
o regime do incumprimento com as especialidades impostas pela proximidade com a compra e
venda de bens onerados.
Finalmente uma outra solução residiria na aplicação analógica do regime da venda de coisa
onerada.
A pergunta a colocar será então outra: a de saber se normativamente as situações nas quais a
coisa vendida se mostra privada de vantagens adicionais específicas prometidas ainda se
afiguram abrangidas pelo regime do artº905 e ss. A resposta é afirmativa. O problema não é,
então de compra e venda de coisas defeituosas, pois, isso envolveria um alargamento dos artº
913 e ss. para além das situações de vício da própria coisa por forma a abranger também as
suas qualidades jurídicas. Não parece haver margem para a possibilidade de se falar
imediatamente, de forma pura e simples, em incumprimento. Há, todavia, aqui uma clara
perturbação do sinalagma estabelecido entre as partes ou se se preferir do compromisso
translativo assumido pelos contraentes à semelhança, como se verá, de quanto sucede com a
compra e venda de bens onerados. Nenhuma dúvida pode, pois, ficar acerca da aplicabilidade
dos artigos 905.º e seguintes a estas situações.
Efeitos da compra e venda de bens onerados
A chamada anulabilidade da compra e venda
A disciplina da compra e venda de bens onerados assenta na atribuição ao adquirente de uma
série de remédios. O primeiro de entre eles passa, aparentemente, pela anulação do contrato
por erro ou dolo. De facto, tal como se viu já no artº 905º estabelecese: se o direito transmitido
estiver sujeito a alguns ónus ou limitações que excedam os limites normais inerentes aos
direitos da mesma categoria, o contrato é anulável por erro ou dolo, se no caso se derem os
requisitos da anulabilidade.
Face a este preceito, parte da nossa doutrina entende ser, na hipótese de compra e venda de
bem onerado, o contrato anulável a pedido do comprador se ele tiver agido com
desconhecimento da limitação do direito. Ter-se-ia pretendido remeter a tutela do comprador
à doutrina geral do erro e do dolo. Vão nesse sentido Pires de Lima/ Antunes Varela e Menezes
leitão. O direito de anulação só surgiria se estivessem presentes os requisitos da anulabilidade:
essencialidade do erro e a cognoscibilidade da mesma pelo vendedor (art. 247º CC). Estes
factos seriam constitutivos do direito, cabendo a respetiva prova, segundo as regras gerais, ao
comprador. Ressalva-se naturalmente a hipótese de dolo, pois, nesse cenário basta ser ele
determinante da vontade do declarante, art. 254º/1 81 CC, salvo se provier de terceiro,
hipótese na qual se exige também o conhecimento ou dever de conhecimento do destinatário,
art 254º/2.
Mas trata-se de uma orientação inapropriada – professor regente.
Numa linha diversa manifestam-se Batista Machado, Menezes Cordeiro e Pedro Romano
Martinez. Estes autores defendem ser o regime da compra e venda de bens onerados tributário
do regime do incumprimento. E é essa, na opinião do Prof. regente, a melhor solução. O erro a
que se reporta o art. 913º não é o erro em sentido técnicojurídico. O erro a que este regime
dos artigos 905º e ss., se refere, assim como o da compra e venda de coisa defeituosa, diz
respeito, não à fase de formação do negócio, mas, sim à da execução do contrato. No erro,
dado o vício na vontade, o comprador não conseguiu dar expressão adequada ao seu interesse.
O negócio não representa o interesse pretendido obter pelo declarante. Na compra e venda de
bens onerados o problema não reside na falsa representação da realidade ou manifestação
errónea da vontade. Está sim na má execução: o vendedor diz a) e transmite b).
O comprador pretende adquirir a), manifesta, de forma adequada e isenta de vícios, a vontade
de adquirir a), pois ao selecionar o bem o comprador exprimiu a sua vontade de adquirir um
bem ou direito dotado do conteúdo normal inerente a direitos da mesma categoria, mas
identifica um bem que apenas possui as características de b), na convicção errónea de ela
servir para cumprir o programa obrigacional. Ou seja, o erro apenas infirma a fase de execução
ou atuação do negócio. Ele reporta-se, tão-só, à realidade em que se vai realizar o programa
obrigacional delineado pelas partes. Na venda de bens onerados o comprador forma e exprime
em termos apropriados a sua vontade de adquirir um direito de conteúdo normal. Desse modo
o cumprimento pontual do negócio permite-lhe atingir esse objetivo. Por isso, se entende a
obrigação imposta ao vendedor pelo artº 907º CC, de expurgar as limitações do direito. Para
usar um exemplo proposto por Menezes Cordeiro há erro se o comprador disser que compra
branco e, na verdade pretendia comprar preto. Há inadimplemento se se pactuar comprar
branco e o vendedor entregar preto.
Não obstante a remissão do art. 905º CC para o regime do erro e do dolo e para a
anulabilidade, a situação deve ser emoldurada numa hipótese de resolução. Em primeiro lugar,
o regime do erro e do dolo (art. 247º e ss.) não vale para os restantes efeitos previstos no art
905º e ss. Não tem lugar relativamente à expurgação de ónus ou limitações (art. 907), à
redução do preço (art. 911º) e ao pedido de indemnização (art 908 e ss). Todos estes efeitos
mostram-se na dependência do regime do incumprimento dos contratos e não das regras
relativas aos vícios na formação dos negócios jurídicos, não se entendendo afigurarem-se as
várias consequências da compra e venda de bens onerados fundamentos distintos. Na verdade,
o regime do cumprimento defeituoso, estabelecido para a compra e venda, tem por propósito
estabelecer o equilíbrio entre prestações. Não se revelando isso viável pode pôr-se termo ao
contrato. Na eventualidade de erro, parte-se justamente da situação oposta. O contrato é
invalido, mas pode ser confirmado. Ora, esta diversidade de pontos de vista não se harmoniza,
como observa Pedro Romano Martinez, com uma contemporização de regimes. Não se pode
apelar em parte às regras do erro e às regras do incumprimento.
E segundo lugar, nas hipóteses de erro vício, como sucede nas situações de erro e de dolo, há
uma falsa representação da realidade no momento da formação do negócio jurídico. Mas essa
solução não se sintoniza com a convalescença do contrato em virtude de iniciativa do
vendedor. Não por não ser possível a convalidação do negócio anulável, mas por esse meio
estar na dependência da vontade do errante (o comprador), segundo o art. 288º CC, não
daquele que, de algum modo, esteve na origem do erro (ou seja o vendedor no cenário da
venda de bens onerados).
Perante este cenário, a referência do art. 905º CC aos pressupostos legais da anulabilidade tem
de ser devidamente interpretada:
→ Por um lado, na direção de o comprador não poder pôr termo ao contrato com base em
defeito do qual tenha conhecimento efetivo, no momento da celebração do contrato
(enquanto no âmbito do erro a indescupabilidade não afasta a anulação do negócio, a
desculpabilidade da ignorância do comprador parece ser requisito da responsabilidade do
vendedor na hipótese de compra e venda de bens onerados);
→ Por outro lado, julgando só se legitimar a cessação do vínculo contratual, em virtude da
oneração, se o dever obrigacional, por parte do vendedor, for de tal forma grave que não
permita a manutenção do negócio jurídico, segundo ao art 802º/2- surge outra diferenciação
entre o regime da compra e venda de bens onerados e o regime do erro: a essencialidade é
facto constitutivo do direito de anulação do Art. 247º, 251º e 252º. A falta de gravidade do
ónus é um facto impeditivo do direito de resolução nos termos do art 801 e 802. O art 905
funcionará como uma regra que materialmente desonera o comprador da prova de que se
pretendeu transmitir e adquirir um direito livre de ónus ou limitações anormais.
A «anulabilidade» prevista no art. 905º traduz um regime específico destinado a fazer face ao
cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda.
A disputa entre as teses do erro e as do incumprimento apenas dizem respeito à compra e
venda de coisa específica. Tratando-se de compra e venda de coisa genérica ou indeterminada
ninguém impugna haver, então aplicação da figura do incumprimento. Na verdade, é essa a
solução imposta pelo art. 918º. Além disso, e antes da entrega da coisa, vale, igualmente de
forma pacífica o regime do incumprimento.
E isso significa poder, portanto, nos termos do art. 918º, o comprador alegar a exceção de não
cumprimento do contrato, negar-se a aceitar a entrega da coisa, dar o negócio por
definitivamente não cumprido e pedir uma indemnização por inadimplemento nos termos
gerais. Trata-se, na verdade, de um efeito do art. 918º. A desavença entre as teorias do erro, de
um lado e as do incumprimento, do outro, apenas diz respeito à venda de coisa determinada
ou especifica.
Pode todavia, debater-se, tratando-se de uma compra e venda com eficácia real imediata,
apenas o vício manifestado antes da entrega da coisa, mas depois da celebração do contrato
está abrangido pelo art. 918º-como parece resultar de uma interpretação literal do preceito e é
defendido por Nuno Pinto de Oliveira, ou Menezes leitão- ou se, ao invés, 83 também o vício
anterior à celebração do negócio e à entrega, se deve ter por cingido pelo regime geral do
incumprimento, como defende Menezes Cordeiro.
A convalescença do contrato mediante a expurgação dos ónus
À semelhança do sucedido com a compra e venda de bens alheios, o CC previu expressamente,
no art. 906º, a sanação da anulabilidade do contrato desaparecidos por qualquer modo os
ónus ou limitações a que o direito estava sujeito. Não será, todavia, assim, subsistindo a
anulabilidade se a existência de ónus ou limitações já houver gerado prejuízo ao comprador, ou
se este já tiver pedido em juízo a anulação da compra e venda, (art. 906º/2).
Para além da sanação automática, o art. 907º CC impõe ao alienante a obrigação de expurgar o
direito dos ónus ou limitações existentes, podendo ser-lhe fixado um prazo para o efeito (art.
907º/2, em termos paralelos aos do art. 897º). Em causa está a satisfação do interesse do
adquirente no cumprimento ou se se preferir a tutela do interesse contratual positivo do
comprador. Note-se dever o vendedor promover à, sua custa, o cancelamento de qualquer
ónus ou limitação constante de registo, mas na realidade inexistente (art 907º/3).
O pedido de resolução do contrato não está dependente do incumprimento do dever de
eliminar o defeito. O adquirente pode desejar exercer os direitos de forma condicionada:
solicitando a eliminação dos defeitos e, como pedido condicionado, a resolução do contrato.
Mas nada impede o comprador de optar por qualquer das pretensões sem nenhuma
dependência entre elas. Da mesma forma, se o comprador optar pela solicitação da eliminação
do defeito e este não for expurgado atempadamente pode o comprador pôr termo ao contrato,
não já pelo vicio inicial, mas resolvê-lo por incumprimento definitivo da obrigação de expurgar
os ónus.
Uma observação, ainda, para o facto de à semelhança do sucedido perante o lugar paralelo
representado pelo art 897º/2 o apelo ao tribunal, para fixação de prazo para o cumprimento da
obrigação de convalidação, poder ser uma via seguida pelo comprador, mas, se não afigurar
obrigatória. O comprador pode, pura e simplesmente, optar pela via geral de constituição de
devedor em mora. Ele tem assim a possibilidade de exigir, assim que saiba do sucedido, a
satisfação da obrigação de convalescença do negócio. Desta forma o vendedor entra em mora.
Não se dando o adimplemento dessa obrigação, pode o comprador impor um prazo razoável,
nos termos do art. 808º/1 CC, terminado o qual o incumprimento se transforma em definitivo.
Problema que se pode debater é o de saber se o direito de exigir a convalescença do contrato
ou a expurgação dos ónus depende dos mesmos requisitos definidos pelo art. 905º para a
resolução ou anulação.
→ Em sentido negativo pronunciam-se Carneiro da Frada, Pedro romano Martinez, Marcelo
Rebelo de sousa, Ferrer Correia;
→ Em sentido positivo e, portanto, na defesa da ideia segundo a qual o direito de exigir o
expurgar dos ónus depende da anulabilidade, manifestam-se Pires de Lima/ Antunes Varela. A
jurisprudência vai no sentido destes autores, sendo que o regime da venda de bens onerados
estabelecido nos art. 905º e ss. supõe erro do comprador. A obrigação de expurgar os ónus ou
limitações impostas pelo art. 907º/1 ao vendedor pressupõe a anulabilidade do contrato, e
esta só existe quando tenha havido erro do comprador.
REGENTE: a melhor solução é a de não fazer depender o direito à expurgação dos pressupostos
do erro. O direito à expurgação do ónus está na dependência estreita do regime do
cumprimento defeituoso. A obrigação de fazer convalescer pressupõe estar o vendedor
obrigado, pelo acordo negocial a transmitir o direito livre de quaisquer ónus. Na verdade, se o
vendedor é, segundo o art. 907º, obrigado a fazer convalescer o contrato e, além disso,
responde nos termos do art. 910º (pelo interesse contratual positivo) pela falta de
convalescença, então, isso indica estar o alienante negocialmente adstrito a transmitir um
direito de conteúdo normal. Por isso, mesmo perante o erro meramente incidental, não
impeditivo da celebração do negócio, poderá exigir-se a expurgação. Trata-se de proteger o
interesse do comprador na aquisição de um direito isento de limitações ou se se preferir de
tutelar o interesse no cumprimento.
Redução do preço
O art. 911º admite ainda a possibilidade de redução do preço. Para isso é necessário
mostrarem as circunstâncias ter o comprador adquirido o bem mesmo sem erro ou dolo, mas
para um preço inferior em harmonia com a desvalorização dos ónus ou limitações. O ónus da
prova dos pressupostos da redução pertence ao alienante interessado em paralisar a ação de
anulação.
Muito embora não seja dada a possibilidade ao comprador de optar entre a anulação ou a
redução do preço, se se provarem as circunstâncias, nada o impede de solicitar
subsidiariamente uma ou outra. Também nada obsta a que o comprador, se não estiver
interessado na anulação, formule o pedido imediato de redução. O circunlóquio “sem erro nem
dolo” deve ser entendido como expressão do conhecimento por parte do adquirente das
onerações.
O regime do art. 911º suscita a dúvida de saber se o preceito deve ser lido em associação com
o art. 292º CC. Nesse sentido depõe, de facto, alguma doutrina. A solução não se afigura,
todavia, a melhor. A redução funciona pelo cumprimento defeituoso da compra e venda.
Havendo dúvidas relativamente ao valor da redução opera o disposto no art. 884º/2. Além
disso, e atendendo ao facto de a redução se filiar no inadimplemento e não no erro, o
vendedor não poderá opor-se à redução do preço com o argumento de que não venderia por
aquele preço.
A indemnização
O CC estabelece um subsistema indemnizatório em matéria de compra e venda de bens
onerados no art. 908º, 909º e 910º e 911º/1 (parte onde se refere a indemnização cumulável
com a redução do preço).
O art. 908º refere “em caso de dolo, o vendedor deve indemnizar o comprador do prejuízo que
este não sofreria se a compra e venda não tivesse sido celebrada”.
Esta repetição sugere estar-se perante uma indemnização apenas pelo interesse contratual
negativo. Vaz Serra defende, no entanto, dever a indemnização ser pelo interesse contratual
positivo, se este for superior ao negativo, na eventualidade de haver dolo do vendedor.
Menezes Cordeiro defende dever a indemnização ser sempre pelo interesse contratual
positivo. Para tanto, onde está “se a compra e venda não tivesse sido celebrada” o autor
propõe que se leia “se não tivesse havido onerações”. Isto dado na compra e venda de bens
onerados o aspeto essencial se traduzir no inadimplemento do negócio. A diferença entre a
posição de Vaz Serra e Menezes Cordeiro não será, porém, significativa se se tiver presente a
noção de dolo no art. 908º.
A expressão dolo deve ser aproximada, não do art. 253º, mas sim dos arts. 892º, 898º e 903º.
Ela exprime, por isso, a má-fé e não a existência de subterfúgios ou silêncios intencionais do
vendedor para enganar o comprador. Portanto haverá dolo (má fé) se o vendedor souber ou
dever saber da existência do ónus. A negligencia está assim, igualmente, abrangida pelo art.
908º.
REGENTE: julgamos ser na verdade, a melhor solução a de incluir a negligência no dolo do art
908. Existem, porém, algumas posições adversas a este entendimento, como a posição do Prof.
Carneiro da Frada.
Além disso, se o bem vendido apresenta um ónus há incumprimento. Logo presunção de culpa
(e também de dolo, mesmo entendido este em sentido próprio no âmbito da culpa). Tudo nos
termos do art. 799º/1.
No art. 909º prevê-se uma situação de responsabilidade na ausência de culpa do vendedor.
Trata-se, pois, de uma situação de responsabilidade objetiva. A indemnização será, nessa
eventualidade, mais limitada. Apenas abrangerá os danos emergentes do contrato. Muito
embora restringido, tão-só, aos danos emergentes, alguma Doutrina entende abranger o
ressarcimento o interesse contratual positivo. Além disso, o afastamento da indemnização
pelos danos laterais ou lucros cessantes depende da elisão da presunção de culpa existente nos
arts. 799º/1 CC. O estabelecimento desta responsabilidade pelos risco afigura-se perfeitamente
apropriada dado o vendedor receber a devida contraprestação: o preço.
Além das indemnizações previstas nos arts. 908º e 909º o art. 910º estabelece uma
indemnização pela falta de convalescença do contrato. Trata-se de uma situação paralela à
resultante do art. 900º para a compra e venda de bens alheios. Não está, porém, ao invés do
sucedido neste último preceito, expressamente prevista a indemnização na 86 eventualidade
de mora na obrigação de fazer convalescer o contrato. Todavia, se ela suceder existirá o dever
de indemnizar nos termos do art. 804º. A outorga do direito de exigir uma indemnização
envolve necessariamente a aplicação à situação das normas gerais sobre o inadimplemento. Na
verdade, a obrigação de fazer convalescer o contrato pressupõe estar o vendedor adstrito, pelo
acordo negocial, a transmitir um direito livre de quaisquer ónus ou encargos. Vale, portanto, o
disposto nos arts. 798º e ss. Haverá, desta forma, de se ter em vista todos os danos
emergentes e lucros cessantes advindos até à sanação e, designadamente, os resultantes da
mora na convalescença.
Portanto, o direito potestativo de pôr termo ao contrato é cumulável com dois direitos de
indemnização, em termos semelhantes ao sucedido na compra e venda de bens alheios. Estas
indemnizações são elas próprias cumuláveis entre si, exceto na parte em que o prejuízo for
comum.
→ Se houver má fé em sentido ético, ao direito de indemnização dos danos resultantes da
celebração de um contrato de compra e venda de coisa onerada (art. 908º) acresce a
indemnização, pelo interesse contratual positivo, pela não convalescença ou atraso nela,
exceto na parte em que os prejuízos forem comuns (arts. 910º/1, 907º, 798º e ss.);
→ Nas hipóteses de inexistência de culpa do vendedor, e, portanto, de boa fé sua, à
indemnização prevista no art. 909º soma-se a indemnização, pelo interesse no cumprimento,
prevista no art. 910º, em ligação com o art. 907º e 798º e ss., sempre ressalvados os prejuízos
comuns.
Uma vez mais, a regra do somatório ou junção das indemnizações pode suscitar problemas de
interpretação. Também na venda de bens onerados, em simetria relativamente à solução do
art. 900º, o regime em análise, sob o manto de uma aparente técnica indemnizatória, reveste-
se, na verdade, de uma natureza sancionatória. Em ambos os cenários se entende a cumulação
das duas indemnizações pelo facto de ao vício originário do negócio se juntar o
inadimplemento do dever de convalescença revela, assi, uma contumácia do devedor
inadimplente justificativa do rigor da solução.
Na eventualidade de cúmulo entre as indemnizações do art. 908º e do art. 910º o comprador
tem, todavia, de optar entre a indemnização pelos lucros cessantes pela celebração do
contrato nulo e os lucros cessantes pelo facto de não ter sido sanado o vício em devido tempo
(art. 910º/3).
Imperatividade e restrições convencionais ao regime da compra e venda de bens onerados
À semelhança do sucedido com ao art. 903º/1, para a compra e venda de bens alheios,
também o art. 912º vem estabelecer um regime de imperatividade para as hipóteses previstas
nos art 907, nº1 e 3, no art. 909º e no art 910, nº1 se o vendedor houver procedido com dolo e
as cláusulas contrárias a essas normas o visem beneficiar. Visto numa outra perspetiva, o art.
903º determina uma solução de supletividade das normas nele referidas se não houver dolo do
vendedor. Sublinhe-se, porém o facto já atrás referido de por dolo se dever entender má fé. A
isso soma-se, ainda, o facto de valer a presunção de culpa do devedor. Mesmo assim, o art.
909º será sempre supletivo por depender da inexistência de culpa do alienante. Da mesma
forma, o art. 908º será imperativo sem possibilidade de afastamento, dado pressupor o dolo.
As normas não mencionadas no art 912, nº1 possuem natureza imperativa. Dessa forma se
devem, portanto, entender, para além do ar.t 908º, os arts. 905º, 906º, 910, nº2 e 911º. Já a
norma do art. 907º/2, não obstante não vir mencionada no art. 912º, como uma norma
suscetível de ser afastada pelas partes não pode ser tida por imperativa dada ela não poder ser
tomada como uma norma de onde resulte o afastamento do regime geral da conversão da
mora em incumprimento definitivo. Seria um intolerável e inaceitável prémio para o devedor
inadimplente.
Compra e venda de coisas defeituosas
Introdução. Noções gerais
A compra e venda de coisa defeituosa vem regulada nos arts. 913º a 922º. O art 913, nº1 parte
final faz uma remissão genérica para o regime da compra e venda bens onerados temperada
pelo regime próprio da venda de bem defeituoso.
No atual regime da compra e venda de coisas defeituosas um dos aspetos essenciais, atinente
ao desvalor do negócio, resulta, da remissão antes referida para a compra e venda de bens
onerados. Atualmente, o propósito dominante é o de proteção dos consumidores e em geral
dos adquirentes, mesmo se produtores.
O art. 913º diferencia quatro cenários distintos:
1) vícios determinantes de uma diminuição do valor da coisa;
2) Vícios impeditivos da realização do fim a que o bem é destinado;
3) Falha de qualidade asseguradas pelo vendedor;
4) Falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que se destina
Surge-nos desta forma, uma diferenciação entre vício e qualidade.
O bem sofrerá de um vício gerador de uma perda de valor se possuir uma imperfeição
determinante do seu posicionamento abaixo do habitual valor de troca ou de mercado-
situação objetiva.
Diversamente, se a coisa objeto de venda padecer de um vício impeditivo da realização do fim
a que se destina está-se perante situações de tipo funcional. Mesmo sem ser atingida uma
perda de valor, por poder ser, por hipótese suscetível de ser vendida pelo mesmo preço, o bem
não é de molde a desempenhar a função padrão no cenário em apreço. Um automóvel é feito
para circular, uma casa para habitar, um celeiro para guardar cereais- o critério é uma vez mais
objetivo. Pode, porém, suceder não ser um celeiro apropriado para guardar cereais ou uma
adega para lá por o vinho. Ainda assim, ambos os bens podem não sofrer de desvalorização por
servirem, mesmo nesse cenário, por hipótese, como garagem, ou então, como armazém para
outros objetos. E nessa medida, poderem satisfazer outros fins que não os seus normais, mas
apresentarão igual valor, mas não servirão o seu propósito normal.
A qualidade é um aumento ou ampliação relativamente ao padrão medio normal: trata-se de
um plus. A sua falta gera uma situação de desconformidade com o contrato. O vendedor, na
celebração do negócio, assegura determinadas qualidades. Na verdade, a qualidade terá de ser
expressa ou tacitamente aceite também pelo vendedor e, nessa medida, ela integra o fim da
compra e venda. Não estando elas efetivamente presentes na coisa vendida e entregue há
compra e venda de coisa defeituosa. Pode, no entanto, o devedor nada ter prometido, mas,
ainda assim, pode resultar da contratação ou das exigências que a rodeiam destinar-se o bem a
uma finalidade que exija um aumento das qualidades normais da coisa. Se isso não suceder
estar-se-á perante a última situação mencionada no art 913, nº1. Está-se agora diante de uma
conceção subjetivista ou concreta de defeito.
Tratando-se de simples vícios será suficiente, ao adquirente, demonstrar o estado do bem e
evidenciar os padrões de valor ou funcionalidade das coisas do mesmo tipo. Se, em vez disso,
se estiver diante de faltas de qualidade, o comprador terá de tornar o manifesto ter o
vendedor assegurado essas mesmas qualidades ou serem elas pressupostas pelo fim a que,
com a ciência do alienante, se destinam. Seja como for, uma vez provado o defeito, no vicio ou,
invés, de falta de qualidade, presume-se, como se verá já de seguida, a essencialidade do erro
e a ciência dele por parte do alienante.
Note-se, o facto de segundo o art 913º/2, se não resultar do contrato o fim a que o bem
vendido se destina a atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.
Diante a existência de vícios patentes suscita-se a interrogação sobre se as partes terão
pretendido negociar a coisa no estado em que se acha.
O vendedor deverá prestar todas as informações necessárias e úteis, designadamente, a
propósito do estado do bem. O comprador deve, porém, tomar alguma atenção à ambiência
negocial. A aquisição por um baixo valor de um bem, numa feira ambulante ou numa venda de
garagem pode levar à necessidade de aceitação de uma coisa menos perfeita- pode ser isso a
explicar o preço diminuto. Ao invés, a obtenção de um artigo de luxo, de alta qualidade,
desempenho ou satisfação por um valor elevado revela o cenário oposto e a necessidade de se
atestar a existência de informações, por parte do vendedor, em sentido adverso, sob pena de
haver compra e venda de coisa defeituosa.
Todavia, se o comprador sabia ou devia saber da existência dos vícios ou falhas de qualidade
não se assiste a nenhum cumprimento defeituoso.
Ainda assim, perante o pagamento de valores importantes, ou até referentes a um bem de
padrão normal, haverá uma presunção hominis (correspondem na verdade a presunções
radicadas nas regras praticas da experiência e alicerçadas nos ensinamentos obtidos através da
observação empírica dos factos), no sentido da ignorância por parte do adquirente do vício. De
outra forma, e a não haver espírito de liberalidade ou animus donandi, como entender a
relevância do preço pago, em toda a sua extensão, se for equivalente ao de um bem sem vício?
Parece, pois, num cenário desses, de preço elevado ou normal, não ser apenas o
valor/utilidade/qualidade a dever presumir-se como sendo desejado pelas. O mesmo deve
suceder relativamente à ausência de ciência do comprador. Pelas mesmas razões, cenários
distintos associados à baixa utilidade/qualidade do estado do bem podem levar a uma
presunção hominis de conhecimento, pelo comprador, da situação degradada ou diminuída da
coisa.
Como refere Menezes Cordeiro na sociedade em que vivemos o preço é normalmente a bitola
para se aferir a utilidade/ qualidade do bem.
A prova da ciência do defeito, por parte do adquirente, pertence ao garante a prova da
existência do defeito ao comprador. Provado ou o vicio ou a deficiência de qualidade há
presunção de culpa e de má-fé do alienante. Presume-se além disso a essencialidade do erro.
Assim, se houver vício ou falta de qualidade da coisa deve, à luz e com auxílio das regras gerais,
de forma a tornar manuseável e dogmática e sistematicamente harmónico o regime da compra
e venda de coisa defeituosa, e portanto, na presença de um defeito deve presumir-se a
existência de um erro- é o alienante a ter de provar a ciência do comprador, não a este a ter de
demonstrar o erro. À falta de outro fundamento, isso mesmo sempre resultará de uma
presunção hominis no sentido de o comprador não pretender adquirir um bem padecedor de
uma falta de qualidade exigida pelo contrato ou de um defeito que ou desvaloriza ou lhe retira
a aptidão para o fim normal ou assegurado.
Na eventualidade de o vendedor ignorar ele próprio o vício ou falta de qualidade o art. 913º é
ainda, assim aplicável. Porém, certos remédios são objeto de uma redução ou paralisação. Se o
vendedor ignorar sem culpa, isto é, se não tiver violado deveres de cuidado ou, dito de outra
maneira, se estiver de boa fé, não se assiste ao dever de proceder à substituição do bem (art.
914º) e não há obrigação de indemnizar num cenário se simples erro (art. 915º). Provado o
vício ou a deficiência de qualidade há presunção de culpa e de má-fé do alienante. A presunção
poderá ser afastada pelo vendedor. No entanto ser-lhe-á difícil fazê-lo se o preço for o de um
bem sem vícios e com certas qualidades asseguradas ou exigidas pelo seu fim.
Note-se, por fim, o facto de a entrega de aliud não está sujeita ao regime da compra e venda
de coisa defeituosa, mas, antes, à disciplina do incumprimento. Portanto, se o vendedor
entrega coisa diversa ou uma quantidade inferior o regime não é do art 913º e ss., mas sim
incumprimento.
Os remédios associados à compra e venda de coisa defeituosa
Anulação/ resolução do contrato e os remédios gerais
Como vimos, há duas teorias a propósito do emolduramento dogmático da compra e venda de
bens onerados: a do erro e a do inadimplemento. O mesmo sucedo para a venda de coisas
defeituosas.
A teoria do erro defende ser a compra e venda de coisa defeituosa ou onerada) uma hipótese
de erro. O acordo negocial sobre coisa especifica dirigir-se-ia apenas à coisa como tal, ao
objeto em si, como efetivamente se apresenta na sua individualidade singular e
espaciotemporal, sem abranger as qualidades da coisa *». Nestes termos, a designação de uma
coisa defeituosa (ou onerada) adviria de um erro do comprador sobre o objeto do contrato.
Já a teoria do incumprimento sustenta representar, precisamente, a designação de um objeto
falho (ou onerado) uma hipótese de cumprimento defeituoso do negócio. Isto pelo fato de a
vontade contratual abranger, ou poder abranger, os atributos do bem. Destarte, a entrega de
uma coisa defeituosa (ou onerada) traduz um cumprimento defeituoso do contrato. A
indicação da coisa objeto do contrato tem uma dupla função: por um lado, ela determina o
bem devido juridicamente por referência às qualidades que usualmente lhe são inerentes. Por
outro lado, ela representa o bem singular tido pelo comprador (ao escolhê-lo no momento do
negócio) como idóneo ao dever ser contratual. Se o bem apresentar vícios ignorados, não se
está perante um problema de erro em sentido técnico, pois, o dever ser contratual está ileso e
ajusta-se ao interesse manifestado pelo comprador. O juízo falso ou inexato a propósito dos
préstimos da coisa, em que o comprador lavrou ao selecioná-la ou designá-la (por exemplo, o
colar x que elege, pensado ser de ouro quando, na verdade, é tão-só de prata), apenas respeita
à persuasão, por parte deste, de que ela serviria para cumprir o programa contratual
apropriadamente expresso e, por isso, sem erro. O comprador pretendia um anel de ouro e
elegeu um de prata. O programa negocial está definido sem erro. O comprador pretende um
anel de ouro e exprime a sua vontade, nesse sentido, de forma livre e sem vícios. Muito
embora tenha selecionado um bem de prata, a voluntas formou-se corretamente. O erro ou
falha não atinge a fase de formação do negócio. Esta mostra-se e permanece incólume. A falta
ou erro faz-se sentir, antes e apenas, numa outra etapa ou aspeto contratual. No da atuação ou
momento executivo do pacto negocial.
Isto, dado o acordo negocial referente a coisa específica abranger as suas qualidades. Nos
termos do artigo 913º, o vendedor deve partir do pressuposto de o adquirente, ao determinar
o bem a entregar, manifestar uma vontade de adquirir um bem com as qualidades próprias do
género ou tipo a que pertence. Nesse sentido, o erro ou falta existente abrange ou incide, e
incide tão-só, na realidade sobre a qual se vai atuar ou desenvolver o programa negocial.
Portanto, a entrega de um bem defeituoso, tal como a de um bem onerado, envolve um
cumprimento defeituoso do negócio.
CARNEIRA DA FRADA procede a uma exemplificação ilustrativa:
→ Hipóteses de erro: ex. A compra a B, vinicultor, por lapso, 5 litros de aguardente vínica. Na
verdade, interessava-lhe, isso sim, aguardente bagaceira; A comprou a um antiquário uma
estatueta por pensar ser de um escultor famoso. Nestas hipóteses, o sentido com que o
negócio vale não serve à vontade do comprador subjacente à celebração do negócio. Há erro.
O erro, sendo exterior ao negócio, não pode obter tutela através das normas negociais
assumindo-se, antes, como uma exceptio;
→ Hipóteses de incumprimento: ex. A comprou 5 litros de aguardente bagaceira, mas foi
entregue pelo vendedor um produto estragada; A entra num stand de venda de automóveis e
compra um carro que vê em exposição. Mias tarde percebe-se apresentar ele defeitos no
motor. Aqui, o negócio exprime apropriadamente a vontade do comprador. Há, é certo, uma
inaptidão da coisa para satisfazer o propósito do comprador. Porém, ela não resulta da
existência de um erro em sentido próprio. Em ambos os cenários, o negócio mostra-se ajustado
à satisfação da finalidade intencionada pelo comprador.
Nas situações de erro valem os arts. 247º e ss., e não os arts. 905º e ss. do mesmo diploma.
Mas estes já são chamados a depor nos cenários de vício da coisa. Nos vícios da coisa o
fundamento da regulamentação é o próprio negócio. Isto, dado o interesse do comprador em
obter um bem sem defeitos ter tido expressão no contrato. As qualidades estão abrangidas e
são designadas pelo negócio. A responsabilidade pelos vícios é assim, não um contra efeito ao
negócio, resultante do erro, mas, antes uma responsabilidade contratual ou ex pacto.
Em sentido adverso, tem-se dito incidir, na venda de bem específico, o negócio apenas sobre a
concreta ou singular entidade espaciotemporal vendida, sem poder abranger as qualidades da
coisa. Seria impensável pretender-se ou desejar-se não ser a coisa como efetivamente é. Ou
seja, ter ela qualidades que não tem. Por isso mesmo, dizer-se reportar-se a declaração ou
negócio às qualidades da coisa, na venda de objeto específico, seria uma contradição em si
mesma. Por isso, a coisa entraria no negócio apenas como o seu objeto singular.
Em oposição a isto, pode, todavia, lembrar-se o facto de a função do negócio jurídico não ser a
de representar a realidade, mas determinar um dever ser. Ou seja, expressar uma vontade de
certo resultado e assegurar a tutela jurídica para os propósitos das partes. O comprador
pretende um bem que lhe ofereça as utilidade próprias do seu género e não, apenas, o bem
concreto por ele selecionado. Ele deseja aquele bem por ele elegido, mas com as qualidades
que lhe são próprias, não com as que efetivamente possui se elas sofrerem de defeito. Por isso,
mesmo se o alienante entrega a coisa selecionada pelo vendedor (por exemplo, o carro X) se o
bem é desprovido das propriedades devidas (o motor por hipótese não funciona) há um
desrespeito pelo estipulado e, destarte, incumprimento.
Dir-se-á, é certo, ter o adquirente individualizado a coisa singular, por ele elegida, apenas por
estar erradamente persuadido de ela servir de forma apropriada à execução do negócio ou
programa contratual. E nessa perspetiva poder-se-ia dizer estar o fundamento do regime da
compra e venda de bem defeituoso no erro. Mas ao regente não parece ser assim. O erro ou
falha não atinge a fase de formação do negócio. Este erro deixa intacta a aptidão instrumental
do negócio para satisfazer a vontade ou o propósito do comprador em adquirir um bem,
dotado de certos préstimos ou utilidades. Apenas é atingido o modo de realização prático, ou
se se preferir a execução, do regulamento ou programa negocial. Portanto, pode dizer-se não
incidir o erro sobre as qualidades que o bem deve possuir, segundo o contrato, mas apenas
sobre a aptidão daquela coisa singular, objeto de designação pelo comprador, para funcionar
como meio de cumprimento. No fundo há um erro apenas sobre a realidade apta ao
cumprimento.
Erro em sentido técnico-jurídico próprio, como fundamento de impugnação nos termos do
regime do erro, só existirá se, com a identificação singular da coisa, o declarante (normalmente
o comprador) pretendeu designar qualidades ou préstimos que não se afiguram daquele tipo
de coisas, mas sim se outro tipo de coisas ou, então, uma qualidade individual que não
pertence àquela coisa, mas a outro do mesmo tipo.
O regime não impede a existência de culpa in contrahendo. Se na fase pré-negocial se assistir
aos respetivos pressupostos esta responsabilidade não é eliminada pelo facto de se dar uma
compra e venda válida. Como bem observa MENEZES CORDEIRO se os remédios dos arts. 913º
e ss. não se afigurarem suficientes para suprimir os prejuízos ilicitamente gerados não há
consumpção.
Além disso, na execução da compra e venda há deveres acessórios para ambas as partes nos
termos do art. 762º/2. Estes deveres não são afastados pelas regras próprias da compra e
venda de coisa defeituosa. Havendo danos resultantes da violação de deveres de proteção,
sejam eles danos acompanhantes ou paralelos, concomitantes com a execução do negócio,
sejam, ainda, danos emergentes da violação ou deficiente cumprimento do contrato e a ela
subsequenciais ou subsequentes e em que a propriedade ou saúde das partes vem a ser
afastada.
Em virtude da presença destes deveres de proteção pode, designadamente, haver
responsabilidade por danos morais em paralelo com a responsabilidade contratual e os
remédios da compra e venda de coisa defeituosa. Na expressão de MENEZES CORDEIRO, a
complementação desses remédios com o dever de compensar danos morais representa uma
das conquistas jurídico-científicas a preservar.
O ponto de partida para o problema da compra e venda de coisa defeituosa terá de ser sempre
o contrato efetivamente negociado e celebrado. Estamos em pleno domínio da autonomia
privada. Não pode, pois, deixar de ser assim. Portanto, se as partes previram um regulamento
para este assunto é de valer.
Não havendo regulamentação a abordá-lo, então, valerá o regime jurídico dos arts. 913º ss.
Estando nós no domínio do inadimplemento ou cumprimento defeituoso, o comprador goza da
possibilidade de não aceitar a coisa (ninguém é obrigado a aceitar uma prestação diversa da
devida), alegar exceção de não cumprimento, valer-se do regime da mora, fixar um prazo
admonitório, perder o interesse na prestação, dar o contrato como não cumprido, resolver o
contrato, e pedir uma indemnização nos termos gerais, incluindo uma indemnização pelo
interesse positivo.
O art. 918º CC dispõe no sentido de, tendo a coisa, depois de vendida e antes de entregue,
sofrido deterioração, adquirindo vícios ou perdendo qualidades, ou a venda respeitar a coisa
futura ou a coisa indeterminada de certo género, serem aplicáveis as regras gerais. 2 regimes
diferentes. Um primeiro referente:
→ À compra e venda de coisa com eficácia real imediata, nos termos do art. 408º/1 CC, em que
o defeito é posterior à conclusão do negócio, ou seja, se mostra superveniente, mas anterior à
entrega;
→ E à compra e venda sem eficácia real imediata, nos termos do art. 408º/2.
E um outro, relativo, agora, à compra e venda dotada de eficácia real imediata, de acordo com
o art. 408º/1, mas em que o defeito ou vício é contemporâneo à celebração do contrato e se
afigura, destarte, originário.
Tratando-se do primeiro cenário valeria, por força do art. 918º, a disciplina do inadimplemento
ou cumprimento defeituoso.
Já no segundo, aplicar-se-ia o regime dos arts. 914º e ss.
Não parece, porém, dever aceitar-se ser essa a melhor solução. Por força do princípio geral da
integralidade do cumprimento, presente no art. 763º/1 CC, e, portanto, do direito ao
cumprimento pontual, subjacente também, de forma manifesta à compra e venda de coisa
defeituosa, em especial por força do art. 914º CC, ninguém pode ser forçado a aceitar um bem
diverso do devido. Se a isso somarmos o facto de:
⎯ O regime da compra e venda de coisa defeituosa deve ser emoldurado, ele próprio, no
regime do cumprimento defeituoso e a anulação prevista no art. 905º, para onde remete o art.
914º, convolada em resolução;
⎯ O prazo de seis meses para a realização da denúncia só se iniciar depois da entrega da coisa
(916º/2), ergo antes dela se seguir o regime comum e , destarte, o comprador não poder ser
forçado a aceitar uma coisa sem defeito;
⎯ Tratando-se de coisas transportadas os prazos de denúncia e garantia só se dão a partir da
receção pelo comprador (art. 922º), donde este pode não aceitar coisas desconformes. Tudo
somado, mesmo na eventualidade de se estar diante de uma compra e venda dotada de
eficácia real imediata, segundo o art. 408º/1, mas em que o defeito ou vício é contemporâneo
à celebração do contrato, se deve julgar valer o regime do cumprimento defeituoso.
Por força do disposto no art. 922º CC, não obstante as regras de distribuição de risco poderem
ditar a sua transferência em data anterior à entrega, o prazo para a realização da denúncia só
se inicia com a referida entrega. Depois, se bem se atentar no art. 918º a regra, prevista,
prevista na sua segunda parte, funciona para além da aquisição da coisa futura pelo vendedor
ou com a determinação e, portanto, para além da transferência do risco. Apenas a entrega
afasta o regime geral. Mas se é assim, por força do art. 918º, para os cenários de defeitos
supervenientes relativamente ao negócio, mas anterior á entrega, atendendo ao disposto nos
arts. 916º/2 2 922º, de onde emergem não se iniciarem os prazos de denúncia antes da
entrega, vale igual solução mesmo tratando-se de defeito 94 originário de um bem vendido
através de uma compra e venda com eficácia real imediata. Ou seja, também aqui, não
havendo entrega da coisa vale o regime geral. Apenas a entrega afastará as regras do
cumprimento defeituoso. Só depois dela terá lugar a regulamentação especial dos arts. 914º e
ss.
Donde, em bom rigor, o art. 918º não faz senão explicitar o facto de, também, nos cenários
nele previstos de defeito superveniente- esteja-se perante uma compra e venda com eficácia
real imediata, nos termos do art. 408º/1 CC, ou diante de uma compra e venda sem essa
eficácia, segundo o art. 408º/2- poder o comprador enquanto não tiver havido entrega, optar
pelo regime geral ou especial. Ao mesmo tempo, e do mesmo espaço, o art. 918º explicita só
valer, nas hipóteses de defeito superveniente, de modo forçoso, o regime especial, após a
entrega. Ou seja: o art. 918º elucida valer para o defeito superveniente a mesma solução que
emerge, por força do disposto nos arts. 916º/2 e 922º CC, para o defeito originário. Isto é: se
não houver entrega vale o regime geral. Apenas após a efetivação desta tem lugar o especial.
Tudo isto com a seguinte ressalva: na medida em que as qualidades do bem estejam
determinadas no contrato e o vendedor venha a fornecer uma realidade diversa temos um
simples inadimplemento. E, sendo as partes livres de estipularem as qualidades da coisa e de
associarem à sua não observância os efeitos que muito bem entenderem, ter-se-á de aceitar
terem as partes, em regra, e no mínimo, pretendido, implicitamente, o perfil funcional comum:
art. 913º/1 CC.
A aplicação das regras gerais não valerá, todavia, mesmo nos cenários em que poderia ter
lugar, se o comprador se pretender valer do regime especial. Ele pode, na verdade, preferir,
eventualmente, por exemplo, a reparação ou substituição da coisa.
Nalguns cenários, em que o preço só deve ser pago depois da entrega poderá mesmo, não
obstante essa entrega do bem, existir igualmente coexistência das regras referentes à exceção
de não cumprimento do contrato e as dos arts. 913º e ss. Destarte, o comprador pode nesses
casos unir as pretensões dos arts. 913º e ss. à exceptio. Se ele optar pelas pretensões do art.
914º, e se o pagamento for licitamente posterior à entrega, poderá alegar a exceção. MENEZES
CORDEIRO limita, porém, ambas as pretensões do art. 914º à existência de culpa. Nesses
termos, faz depender, também, a possibilidade de o comprador alegar a exceptio, depois da
entrega, da culpa do alienante.
REGENTE: deve entender interpretar-se o art. 914º no sentido de este apenas levar, na
ausência de culpa, ao afastamento da obrigação de substituir a coisa. Portanto, mantemos a
exceção mesmo na eventualidade de falta de culpa.
A reparação ou substituição da coisa
O art. 914º determina a existência de uma pretensão do comprador à reparação da coisa se
esta última possibilidade for necessária e o bem tiver natureza fungível. A segunda parte do
preceito estipula, que esta obrigação não existe se o vendedor ignorava sem culpa a falta de
qualidade da coisa, exceto se houver usado de dolo. Uma opinião com adesão na doutrina (AV/
PL) entende assistir-se, se o vendedor ignorava sem culpa 95 o vício ou a falta de qualidade da
coisa, a um afastamento de ambas as obrigações: a de reparar e a de substituir a coisa.
O que pensar deste entendimento?
→ Vale neste domínio a presunção de culpa do devedor. Será, portanto, ele a ter de inverter o
ónus da prova;
Nem a obrigação de reparar, nem a de substituir a coisa serão afastadas na ausência de culpa
se o vendedor estiver obrigado, por estipulação das partes ou por força dos usos, a garantir o
bom funcionamento da coisa vendida. Isto, nos termos do art. 921º CC. Mas mesmo não
havendo garantia de bom funcionamento parece ao regente não ser de afastar a obrigação de
substituição.
As obrigações do art. 914º não estão no mesmo plano. Há uma evidente preferência pela
obrigação de reparar a coisa. É esta a assumir normativamente a primazia. A obrigação de
substituição só terá lugar se o bem tiver natureza fungível e se isso for necessário.
E também não se deve entender serem as duas obrigações excluídas na falta de culpa do
vendedor: o art. 914º tutela o direito ao cumprimento pontual. O vendedor está, por força do
contrato, obrigado a entregar uma coisa isenta de vícios ou defeitos. Ora, o afastamento seja
do dever de reparar, seja do de proceder à substituição, se se assistir à falta de culpa,
pressuporia um favor debitoris de se mostrar apropriado. Na verdade, o direito ao
cumprimento, a ação de adimplemento, é independente da culpa do devedor. Pacta sunt
servanda, o devedor está adstrito a um cumprimento conforme e pontual.
O comprador que pede a reparação da coisa ou substituição da coisa está, ainda, a manifestar a
vontade de obter a originária prestação a que tem direito. Pede, assim, a condenação in
natura. A ação de reparação ou substituição da coisa é uma ação de cumprimento. Nela o
comprador pede a condenação do vendedor na prestação devida. A culpa representa um
aspeto relevante para a valoração do comportamento do vendedor e, também, do direito à
reparação detido pela outra parte. Já o direito do credor de exigir o cumprimento da obrigação,
através da imposição da satisfação do seu interesse no adimplemento, não depende de culpa
do devedor. Inimputável, ou não, o atraso no cumprimento ou o cumprimento imperfeito não
impede o credor de exercer o seu direito.
Por isso, Calvão da Silva, não obstante o teor da segunda parte do art. 914º, entende, dado se
estar neste preceito ainda diante de uma manifestação do cumprimento, ter o comprador
sempre o direito de exigir a eliminação do vício ou a substituição da coisa, independentemente
da culpa do vendedor, diferentemente do sucedido com a indemnização, essa sim filiada na
culpa. Assim como um incumprimento inimputável da entrega da coisa pelo vendedor não
pode suprimir o direito do comprador de exigir judicialmente a realização da prestação devida,
assim, também, a entrega de coisa defeituosa, mesmo se na ausência de ciência por parte do
alienante da desconformidade, não deveria impedir o adquirente da satisfação in natura do seu
interesse mediante a 96 reparação. Calvão da Silva defende desta forma a necessidade de
revogação da segunda parte do art. 914º.
Regente acha que esta posição não pode ser aceite em toda a sua extensão. Na verdade,
apesar de o art. 914º traduzir apenas uma manifestação do direito ao cumprimento pontual, a
segunda parte do preceito em análise é manifesta no sentido de, na ausência de culpa do
vendedor, não haver direito à substituição da coisa. Parece, pois, haver nesse cenário um
propósito de atenuar os deveres do vendedor em homenagem à sua boa fé. Mas existe de
facto aqui uma contradição valorativa.
No âmbito da compra e venda de bens onerados estabelece-se uma convalescença do contrato
se desaparecerem os ónus (art. 906º CC). Este preceito é aplicável à compra e venda de coisa
defeituosa, por força da remissão presente no art. 913º. Assim, se for vendido um animal
doente e este recuperar a saúde o negócio não poderá ser anulado/resolvido.
Por sua vez, sempre no âmbito da compra e venda de bens onerados estabelece-se a obrigação
de fazer convalescer o negócio. Todavia, na compra e venda de coisa defeituosa essa obrigação
é substituída, precisamente, pela regra do art. 914º, ou seja, pelo dever de reparar ou
substituir o bem vendido.
Na eventualidade de a obrigação de reparar ou substituir a coisa ser objeto de adimplemento
vale o art. 910º CC, referendo à indemnização pelo incumprimento da obrigação de não fazer
convalescer o negócio além das regras gerais do incumprimento. Haverá, então, mora e
responsabilidade dela adveniente. Pode ser-lhe fixado prazo admonitório ou valer o
desinteresse objetivo do comprador sendo, nessa situação, aplicável o regime do
incumprimento definitivo: a indemnização mostrar-se-á integral.
Redução do preço
Um outro efeito da compra e venda de coisa defeituosa é a possibilidade de redução do preço.
Trata-se de um efeito resultante da aplicação, também, à compra e venda de bem defeituoso
do regime estabelecido pelo art. 911º.
Trata-se de uma solução alternativa à anulação / resolução do contrato. Não há, neste domínio,
especialidades relativamente ao regime da compra e venda de bens onerados. A redução é,
igualmente, imposta ao comprador em determinados cenários já antes analisados a respeito da
compra e venda de bens onerados. Segundo MENEZES CORDEIRO as hipóteses documentadas
judicialmente são referentes à compra e venda de bens imóveis. Assim é, na verdade, na
generalidade das situações. Mas o tema aparece igualmente, deforma mais direta ou mais
indireta, nalgumas outras decisões respeitantes a outros tipos de bens
Indemnização
No âmbito da compra e venda defeituosa existem três fundamentos de indemnização:
a) Indemnização havendo dolo: resulta do funcionamento integrado no art. 913º/1 e do art.
908º;
b) Indemnização se existir simples erro: sucede por força da remissão do art. 913º, mas agora
parar o art. 909º. Há, todavia, uma especialidade. No âmbito da compra e venda de bens
onerados assiste-se a uma responsabilidade objetiva do vendedor. Essa solução é afastada, na
compra e venda de coisa defeituosa, pelo art. 915º CC. Na verdade, estipula-se aí não ter lugar
a indemnização prevista no art. 909º se não houver culpa do alienante. Esta decisão tem sido
objeto de censuras de iure condendo por se mostrar hoje desajustada. Mesmo perante a
presunção de culpa do vendedor, nos termos do art. 799º/1 CC, o comprador é posto numa
situação de especial vulnerabilidade situado perante uma série de danos emergentes não
ressarcidos.
c) Indemnização por inadimplemento da obrigação de fazer convalescer o contrato: a obrigação
de convalidar o contrato é representada pelas obrigações previstas no art. 914º CC. Não sendo
elas observadas e objeto de adimplemento pontual, abrem-se portas à mora, podendo ser
fixado prazo admonitório ou valer o desinteresse objetivo do comprador sendo, nessa situação,
aplicável o regime do incumprimento definitivo: a indemnização afigurar-se-á integral.
É admissível, nos termos do art. 910º e à semelhança do visto a propósito da compra e venda
de bens alheios e da compra e venda de bens onerados o cúmulo nos termos do art. 910º/1,
exceto na parte em que o prejuízo for comum. Tratando-se na hipótese prevista no art. 908º,
por remissão do art. 913º, em relação aos lucros cessantes, o comprador deverá optar entre a
indemnização dos lucros cessantes pela celebração do contrato que veio a ser anulado e a dos
lucros cessantes pelo facto de não ser sanada a anulabilidade.
A denúncia e caducidade das pretensões e a caducidade da ação de anulação, de reparação, de
substituição ou de indemnização
Existe a necessidade de distinguir os prazos para a denúncia do vício ou defeito dos prazos para
interposição da ação destinada a fazer valer os direitos do comprador.
Relativamente à primeira, a denúncia da desconformidade, apurado o defeito o comprador
deve proceder à respetiva denúncia (artigo 916º/1, do Código Civil). A denúncia só não será
necessária se o comprador houver usado de dolo.
O CC prevê dois prazos para a efetivação da denúncia: até trinta dias depois de conhecido o
defeito e dentro dos seis meses após a entrega da coisa. O prazo de seis meses é um prazo de
manifestação da imperfeição. Se ela se manifestar para além desses seis meses o comprador já
nada poderá fazer. Mas, se a exteriorização for dentro do primeiro semestre após a venda, o
comprador terá trinta dias a partir da exposição da falha. O prazo de seis meses conta-se a
partir da entrega. O de trinta dias a partir da manifestação do defeito.
Tratando-se de bens imóveis estes prazos serão, respetivamente, de um e cinco anos. Pedro
Romano Martinez sustenta, porém, só valer esse prazo alargado para defeitos graves.
Na eventualidade de se estar diante de uma situação de dolo do vendedor vale o disposto no
artigo 287º/1. O comprador tem, então, um ano, a contar do conhecimento do vício e do dolo,
para reagir, podendo fazê-lo diretamente na ação de anulação, sem denúncia prévia.
Pergunta-se se, nesta hipótese de dolo, o artigo 287º/1 continua a valer na eventualidade de se
estar perante a venda de um bem imóvel?
A resposta poderá parecer negativa. De outro modo, dir-se-ia, o comprador teria melhor
proteção na hipótese de simples erro do que na de dolo.
Valeria, para o simples erro, o prazo do artigo 916º/3 (um ano a contar da manifestação e cinco
a contar da venda), a que se seguiria depois um prazo de seis meses para a interposição da
ação de anulação. Portanto, o comprador teria um ano e meio, a partir da ciência do vício, para
atacar o negócio.
Já na situação de dolo, o adquirente teria apenas o de um ano do art. 287º/1, a determinar
desde a ciência do defeito, para intentar a ação de anulação. Deveria, por isso, entender-se
valer sempre o prazo de um ou cinco anos na eventualidade de se estar diante da compra e
venda de um bem imóvel, para a realização da denúncia, independentemente de haver dolo ou
erro a que se somaria, ainda, o prazo de seis meses, do art. 917° CC.
Não obstante poder haver situações de algum encurtamento do prazo para o comprador
objeto de dolo, a verdade reside no facto de não se poder dizer haver, para este, sem mais,
invariavelmente, um prejuízo relativamente ao comprador que errou. E que, muito embora o
que simplesmente errou possa vir a ter um ano e meio (em virtude da soma dos prazos do art.
916º/3 e 917 CC), a partir do conhecimento do vício, para interpor a ação, e o adquirente,
vítima de dolo, só ter um ano a partir da mesma data para o fazer, a verdade está no facto de o
primeiro estar sujeito a um prazo máximo de cinco anos para denunciar o vício (destarte, se
neste período não tiver ciência do defeito já não pode fazer nada), mais seis meses para
intentar a ação, e o segundo o poder fazer sempre, no prazo de um ano a partir do vício,
independentemente da altura da respetiva manifestação (donde, sem dependência do período
máximo de cinco anos) e, portanto, não se poderá dizer ser sempre a sua situação pior do que
a do mero errante.
Pense-se, por exemplo, na seguinte hipótese: o vendedor usa de dolo na venda de um bem
imóvel. O comprador só vem a aperceber-se do vício após o decurso de cinco anos e um dia.
Pode, no prazo de um ano a partir dessa data da ciência do defeito, atacar o negócio. Todavia,
se tivesse havido simples dolo já nada poderia fazer. O prazo de mais seis meses do artigo 917ª
de nada lhe valeria. Portanto, não necessariamente verdadeira a afirmação segundo a qual o
comprador, vítima de dolo, estaria sempre em pior situação, 99 relativamente ao mero errante,
se ao prazo de um ano, do artigo 287º/1, se não somasse, ainda, o de seis meses do artigo
917º. Na medida em que tem sempre no mínimo um ano para reagir, mesmo se o vício se
manifestar para além do horizonte temporal dos cinco anos, pode afirmar-se ser, ao invés, a
sua posição melhor do que a do mero errante, não obstante a partir da sua ciência só dispor de
um ano (quando o comprador que lavrou em mero erro, dispõe, tratando-se de bens imóveis,
de um ano a partir do respetivo conhecimento e meio). Portanto, depende da perspetiva.
Uma tentativa de solução poderia passar por defender valer o prazo de um ano mais seis
meses (resultantes da soma do prazo do artigo 287/1 ao do artigo 917, ambos do CC) apenas
aos vícios manifestados dentro dos cinco anos após a venda e, vencido esse quinquénio sobre a
data da venda, apenas o prazo de um ano do artigo 287.9/1. Mas mesmo aí teríamos
problemas para harmonizar todas as situações. Pois, se se adotasse essa solução, e o defeito se
manifestar no último dia do prazo de cinco anos, o comprador teria um ano e meio para atacar
o negócio. Mas se a exteriorização do problema se desse um dia para além dos cinco anos o
comprador já só teria um ano para o fazer. E, portanto, entrar-se-ia numa espécie de escada
sucessiva em que o prazo adicional de seis meses, a ser dado, como pretende NUNO PINTO DE
OLIVEIRA, teria de se ir estendendo, de modo contínuo, numa espiral interminável, de forma a
aproximar as sucessivas distinções que as outorgas desses seis meses iriam gerando. Isto, só
não seria assim se se entendesse haver uma valoração de merecimento adicional do
comprador, e de desmerecimento do vendedor, se o vício se manifestasse nos primeiros cinco
anos após a venda, e isso já não sucedesse a partir da entrada para o primeiro sexénio.
Perante isto, não se pode dizer ser melhor ou mais adequada, do ponto de vista jurídico-
valorativo, a pura e simples aplicação do artigo 287º/1, às hipóteses de dolo (portanto, sem o
limite máximo de cinco anos sobre a data da venda e sem o prazo de um ano e meio a partir da
ciência do vício, valendo sempre o prazo de um ano previsto no art. 287º) ou, ao invés, a
aplicação conjugada dos artigos 916º/3 e do artigo 917, ambos do CC (de forma a permitir ao
comprador a impugnação do negócio até ao período máximo de um ano e meio a partir do
conhecimento - um ano do artigo 916/3, mais seis meses do art. 917º, mas sem possibilidade
de o vício se manifestar depois de passado o primeiro quinquénio sobre a data da venda).
Portanto, deverá valer o regime geral do dolo: ou seja, o do artigo 287º/1.
Não havendo imposição de forma para a realização da denúncia ela pode ser feita de qualquer
modo podendo, até, ser meramente tácita. A prudência postula, todavia, a sua realização
através de forma escrita. Além disso, ela não se poderá traduzir em meras observações de
natureza genérica. Tem de assinalar o vício. A denúncia será ou poderá, porém, ser dispensável
de tiver havido ciência do defeito por parte do vendedor por alguma outra forma. Será, assim,
designadamente, se o vendedor reconhecer, por si, a existência do defeito.
Os prazos de denúncia previstos no art. 916º valem para todos os remédios associados à
compra e venda de bem defeituoso: ou seja, abrangem também a redução do preço, a
reparação ou substituição da coisa e a indemnização. Isto, tratando-se de uma situação de
simples erro. Já na eventualidade de haver dolo, na medida da aplicação a 100 estas situações
do art. 287º/1 (não do art. 916º/2), que permite a interposição da ação de anulação sem
denúncia e no prazo de um ano, a contar da ciência do dolo e do vício, temse perguntado qual
o prazo para fazer valer os outros direitos atribuídos ao comprador. PIRES DE LIMA/ ANTUNES
VARELA e MENEZES CORDEIRO afirmam valer, então, o prazo geral da prescrição de vinte anos
(art. 309º CC). A solução tem merecido a divergência de outros autores e de alguma
Jurisprudência.
O regente tem dúvidas relativamente à melhor solução. Havendo dolo do vendedor não parece
não haver motivo para o beneficiar, aplicando o prazo curto do art. 916º.
O prazo do art. 917º conta-se a partir da denúncia. Tal como na hipótese do art. 916º, também
o prazo do art. 917º se afigura supletivo. A vontade das partes pode levar ao seu afastamento.
Situações especiais de compra e venda (defeito superveniente, venda sob amostra, venda de
animais defeituosos, venda de coisas a serem transportadas)
A par do regime geral existem algumas situações especiais. A primeira delas emerge do art.
918º. O preceito intenciona, prima facie, três situações diversas:
→ A de a coisa, depois de vendida e antes de entregue, se deteriorar;
→ A de isso se passar relativamente a coisa futura;
→ Se dar com coisa indeterminada.
Tratando-se de venda sob amostra também existe um regime próprio: o do artigo 919º.
Este preceito tem, no entanto, suscitado dúvidas PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA, assim
como MENEZES LEITÃO, entre outros, apontam no sentido de a norma remeter para os artigos
913º e ss.
BAPTISTA MACHADO e MENEZES CORDEIRO, igualmente entre outros, discordam e apelam,
precisamente, para o art. 918º. O prof. regente segue estes dois últimos autores. A
argumentação no sentido de a compra e venda sob amostra ser afinal uma venda sem entrega
da coisa. A isso soma-se a indeterminação da espécie, no final, a ser usada no cumprimento.
Os valores subjacentes ao artigo 919º alinham, além disso, manifestamente com os presentes
no art. 918º. Portanto, se o comprador adquire a, através de amostra e, mais tarde, vem a
receber b haverá, certamente, de alegar incumprimento.
Admite-se ainda a possibilidade de, por força de convenção ou dos usos, resultar que a
amostra serve apenas para revelar de modo aproximado as qualidades do objeto.
O art. 920º CC reporta-se, ainda, à venda de animais defeituosos. Fá-lo para dizer serem
ressalvadas as leis especiais (Decreto de 16 de dezembro de 1886, em especial os respetivos
arts. 49º e 50ç) ou, na falta delas, os usos sobre a venda de coisa defeituosa.
Nos termos do art. 922º, na venda de coisas que devam ser transportadas de um sítio para
outro os prazos, que segundo os artigos 916° e 919 principiam a contar a partir da entrega, só
se iniciam a partir do dia em que o credor as receber. Não vale, pois, a mera entrega ao
transportador. Além disso, na esfera do transporte internacional de coisas e, mas também
interno, preponderam práticas comerciais traduzidas em siglas como os incoterms e os trade
terms.
Garantias de bom funcionamento
Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o
bom funcionamento da coisa vendida, deve repará-la, ou substituí-la se a substituição for
necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do
comprador (art. 921º CC). Trata-se, pois, de uma responsabilidade objetiva a envolver uma
obrigação de facere e não propriamente de uma garantia, em sentido próprio, não obstante
terminologia usada.
Na eventualidade de as partes não terem disposto de outro modo, o prazo de garantia expira
seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem um prazo mais amplo (art.
921º/2 CC).
O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo de garantia e,
salvo estipulação diversa, até trinta dias depois de conhecido (artigo 921º/3).
A ação caduca logo que termine o tempo de denúncia sem o comprador a ter realizado, ou
passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi feita (art. 921º/4).

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