Você está na página 1de 9

Ano XXXI - no 1522 Brasília, 31 de março de 2014.

EDIÇÃO SEMANAL

Controle extralaboral realizado Seguro-desemprego ou


pelo empregador sobre a vida "seguro-mamata"
privada do empregado
A Advogada e Professora Rúbia Zanotelli de Alvarenga, com
a didática que lhe é peculiar, publica completo estudo acerca
dos limites do controle extralaboral sobre a vida do empregado.
Conceito fundamental para compreender a temática é o princípio
da ponderação, que consiste no critério solucionador entre os
direitos fundamentais em choque, os direitos do empregado e os
direitos do empregador. A vida pessoal do empregado somente
será relevante ao empregador na medida em que prejudique
o cumprimento do seu contrato de trabalho. "Assim, só haverá
relevância das condutas extralaborais do empregado para fins
de caracterização da sua dispensa por justa causa, se este
comportamento acarretar a inviabilidade da subsistência de sua
reiação de emprego:' (Página 3)

Leia ainda nesta edição


,.._ RESERVA DE MERCADO TRAVA MÉTODO
EXTRAJUDICIAL ................................................................. 11
REPRESEN\"fi..N"I
,.._ DICAS PARA TER UMA EQUIPE MAIS AUTO PEÇP-.S
PARTICI PATIVA ................................................................... 13 M/ F. Estamos :-e:cru~_=:--.·::',·~
ona1s aue .
ate.r.:2.~t. =~ .::..~:~

Na seção Enfoque desta edição, o Especialista em Direito


Empresarial Antonio Carlos Morad analisa os avanços no Brasil
a partir da Constituição Federal comparando-os aos métodos
[Legislação) e pensamentos de nossa sociedade. O autor pinça o caso do
seguro-desemprego, conquista dos trabalhadores, mas que, há
muito tempo, é desvirtuada pelos próprios empregados. "Além de
,... BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS uma legislação eficiente e moderna, necessitamos de pessoas,
Calamidade pública: antecipação do pagamento - normas de homens e mulheres que queiram realmente mudar o País, mas
A Portaria no 105, do Ministério da Previdência Social, de vemos que isso está longe de ser um sonho, quanto mais uma
19.03.14, publicada no DOU de 20.03.14, autoriza o realidade:' (Página 12)
Instituto Nacional do Seguro Social a antecipar benefícios
previdenciários, nos casos de estado de calamidade pública
decorrente de desastres naturais reconhecidos por ato do
Governo Federal, aos beneficiários domiciliados no Município
e) eções iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
de Porto Velho, no Estado de Rondônia. (Página 14)
PROCESSOS & PROCEDIMENTOS ............................ 3
,... MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE)
Superintendência Regional do Trabalho e Emprego:
PONTO DE VISTA .............................................................. 11
trabalho aos domingos e nos feriados civis e religiosos -
ENFOOUE ........................................................................... 12
autorização - delegação
A Portaria no 375, do Ministério do Trabalho e Emprego, de
RECURSOS HUMANOS ................................................ 13
21.03.14, publicada no DOU de 24.03.14, subdelega com-
petência aos Superintendentes Regionais do Trabalho e Em- LEGISLAÇÃ0 ..................................................................... 14
prego para decidir sobre os pedidos de autorização para o
trabalho aos domingos e nos dias feriados civis e religiosos. SEU DINHEIR0 ................................................................. 23
(Página 20)
[ c?))rocessos ~ c?))roceBí1.nentos ]

CONTROLE EXTRALABORAL REALIZADO PELO


EMPREGADOR SOBRE A VIDA PRIVADA DO EMPREGADO
RúBIA ZANOTELLI DE ALVARENGA

O trato das questões justrabalhistas requer redobrada atenção dada à condição inerente da
coexistência de direitos e de deveres dos empregadores e dos empregados. Não raro, e, quase
inevitável, surge o conflito entre uns e outros. Daí, poder-se servir da máxima que preconiza "o
direito de um termina onde começa o de outro" para dirimir tão frequentes situações de choque
entre o poder diretivo do empregador e o direito à privacidade do empregado. Neste enleio, pois,
o presente artigo pretende demonstrar, inclusive ilustrar, situações pertinentes a este possível
eventual conflito na busca de se resguardarem ambas as partes amparadas pela Lei, observando-se
e respeitando-se o ordenamento jurídico vigente no que concerne às atividades extralaborais sob
a ótica de uma preocupação sociojurídica.

Direito à vida privada mais recônditos da vida do trabalhador, ou em tutela indispensável ao exercício da ci-
seja, aqueles que ele deseja guardar só para dadania".6
vida privada está diretamente si, isolando-os da intromissão do emprega- Já segundo Roxana Cardoso Borges:

A ligada aos relacionamentos de


ordem social e familiar estabeleci-
dos pelo empregado para o desen-
volvimento de suas relações humanas no seio
da sociedade.
dor. A esfera da vida privada sobrepõe-se à
da intimidade, porque possui raio maior do
que ela. Por privacidade, deve-se entender
a faculdade assegurada ao empregado de
excluir o empregador do acesso a informa-
"Ao reconhecer o direito à privacidade como direito
da personalidade, reconhece-se a necessidade de pro-
teger a esfera privada da pessoa contra a intromissão,
curiosidade e bisbilhotice alheia, além de evitar a divul-
Como bem expõe José Afonso da Silva: ções e de impedir a divulgação delas capaz gação das informações obtidas por meio da intromissão
de afetar a sua sensibilidade. 3 indevida ou, mesmo, que uma informação obtida legiti-
"A privacidade possui uma dimensão maior do que Então, de acordo com Tércio Sampaio mamente seja, sem autorização, divulgada:''
a intim.,dade, de modo a compreender todas as mani- Ferraz Júnior, a vida privada "abrange situa-
festações da esfera intima, privada e da personalidade:'' ções em que a comunicação é inevitável A propósito, reza o art. 21 do Código
(em termos de relação com alguém que, Civil, verbis:
O direito à privacidade, enquanto di- entre si, trocam mensagens) das quais, em
reito da personalidade, visa resguardar a princípio, são excluídos terceiros".• "Art. 21. A vida privada da pessoa natural é invio-
pessoa natural de interferências externas Ao analisar o direito à privacidade, Gil- lável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as
que possam ser levadas ao espaço público berto Haddad Jabur estabelece: providências necessárias para impedir ou fazer cessar
por meio da revelação de fatos sobre a ato contrário a esta norma."

sua intimidade. Logo, estão compreendi- "O direito à vida privada é um agregado do qual
dos nele todos aqueles comportamentos e também depende a manifestação livre e eficaz da per- Em consonância com os ensinamentos
acontecimentos que a pessoa deseja não sonalidade, porque o bem-estar psiquico do individuo, de Adriana Calvo: "A privacidade é uma for-
se tornarem públicos. consubstanciado no respeito à sua esfera intima, con· ma de externar essa intimidade, que acon-
Ensina Arion Sayão Romita que a esfera stitui inegável alimento para o desenvolvimento sadio tece em lugares onde a pessoa esteja ou se
da vida privada é mais ampla e sobrepõe-se de duas virtudes. O resguardo dessa zona reservada, sinta protegida da interferência de estran-
à intimidade. Para o autor, nela se encaixam a subtração da curiosidade, é razão para o bem-viver hos, como a casa onde mora". 8 E a autora
os aspectos que dizem respeito à privacid- e progresso da pessoa. Por isso é que o direito à vida também ressalta: "O direito à privacidade
ade do trabalhador. Por privacidade, assim, privada, corolário de outro valor supremo que é- a dig- constitui-se na escolha entre divulgar ou não
deve entender-se a faculdade que é asse- nidade da pessoa humana-, deve renovar a preocupa· o que é íntimo, e, assim, construir a própria
gurada ao empregado de excluir o acesso ção sociojuridica em conter as ameaças e lesões que imagem. A privacidade é um direito natural". 9
a informações capazes de afetar a sua sen- diariamente sofre. A privacidade é o refúgio impenetráv· Ao traçar a distinção entre intimidade e
sibilidade.2 el pela coletividade, devendo, pois, ser respeitada:' 5 vida privada, esclarece Adriana Calvo:
Ainda consoante Arion Sayão Romita, a
esfera da intimidade, por sua vez, é a interior, Em razão disso, conforme Gustavo Te- "Por íntimo se deve entender tudo o
a de raio menor, que envolve os aspectos pedino: "O direito à privacidade consiste que é interior ou simplesmente pesso-

31 de março de 2014 31-1522/3 IIiD


• [ c?}Drocessos ~ c?}Droce8i~.nentos ]

ai ('somente seu', como se costuma dizer expediente, não diz respeito aos emprega- ralmente, limita ou inibe o exercício de tais
popularmente); e, por privado, o caráter dores de tendência. direitos". 18
de não acessibilidade às particularidades Contudo, há casos em que a conduta Os direitos fundamentais do trabalha-
contra a vontade do seu titular". 10 A autora do empregado em sua vida pessoal ou dor, portanto, não podem ser exercidos de
em comento ainda enfatiza: "O direito fun- privada pode influir diretamente e de forma forma ilimitada, pois, conforme Alexandre
damental de privacidade e intimidade do negativa no seu cotidiano de trabalho e, por Agra Belmonte, nas relações de trabalho,
empregado amparado constitucionalmente consequência, na boa imagem da empresa os limites ao exercício das liberdades de-
(art. 5°, inciso X, CF, ~arts. 20 e 21 do CC) perante o público, bem como no seu bom pendem do ajuste entre os direitos funda-
representa um espaço íntimo intransponí- funcionamento. Trata-se, por exemplo, do mentais aplicáveis aos trabalhadores, pre-
vel por intromissões de terceiros, principal- caso dos animadores ou dos apresentado- vistos na Constituição, e os demais direitos
mente do empregador". 11 res de programas de TV dirigidos a crian- fundamentais, entre eles o poder diretivo,
Em razão disso, conforme Guilherme ças e dos professores de educação infantil decorrente este do princípio da livre ini-
Augusto Caputo Bastos, a vida privada que se dispõem a participar de filmes por- ciativa.19 Ademais, "o exercício, pelo traba-
possui uma conotação mais abrangente do nográficos ou a posar nus para revistas ou lhador, de seus direitos fundamentais, não
que o direito à intimidade, por alcançar, em que se envolvam, constantemente, em bri- pode inviabilizar a realização da finalidade
suas palavras: "além da parte familiar do in- gas ou em escândalos. principal da empresa e nem (sic) gerar o
divíduo, as suas amizades mais próximas, Como observa Alexandre Agra Bel mon- descumprimento do contrato de trabalho
bem como os relacionamentos mantidos te, a função de uma apresentadora é asse- estabelecido com base na lealdade e boa-
com determinados grupos fechados". 12 melhada à de uma educadora, pelo que a -fé". Logo, o autor assinala que "as tensões
Constitui-se, pois, como invasão de pri- sua conduta particular pode afetar o con- entre os direitos fundamentais dos trabalha-
vacidade o empregador interferir no tipo de trato de trabalho, sendo possível, ademais, dores e o poder diretivo (liberdade de inicia-
amizade nutrida pelo empregado, se é ho- verificar-se lícita a imposição de um padrão tiva) devem ser analisadas em concreto". 20
mossexual, se deseja se casar ou se man- de conduta da vida privada adequada aos Constata-se, no presente artigo, então,
tém um relacionamento íntimo com colega interesses do empregador. 14 E tal se justi- que o controle extralaboral sobre a vida
de trabalho na mesma empresa. E, diante fica: "quando a conduta extralaboral é sus- privada do empregado acarreta a colisão
do exposto, o trabalhador não está obriga- cetível de produzir reflexos no contrato de entre direitos fundamentais, quais sejam:
do a responder a questões relativas à sua trabalho, de modo a ensejar a limitação de de um lado, o direito fundamental à vida
vida íntima ou à sua vida privada e pessoal, direitos fundamentais e até o rompimento privada - assegurado ao empregado; de
quer seja durante a fase pré-contratual, de do contrato". 15 outro, o direito à propriedade privada e o
cumprimento do contrato ou pós-contratu- Por outro lado, Alexandre Agra Bel mon- direito à livre iniciativa - assegurados ao
al, tendo em vista que o direito à intimidade te adverte que a situação é distinta, quando empregador. Ambos estão protegidos pela
e à privacidade visa tutelar a liberdade do a professora de uma escola católica, que Constituição Federal de 1988, mas um dos
ser humano em todas as suas dimensões - não é figura pública, torna-se autora de um dois terá que ceder diante do caso concre-
pessoal, familiar e profissional. livro erótico e não o divulga em sala de aula. to. Essa tensão, por certo, é solucionada
Verifica-se," na hipótese, que a conduta ex- por meio da aplicação do princípio da pon-
limitações aos direitos fundamentais tralaboral da obreira não produz qualquer deração, que consiste no critério soluciona-
do trabalhador reflexo em seu contrato de trabalho, atuan- dor entre os direitos fundamentais em cho-
do a liberdade de expressão em sua pleni- que. Assim sendo, o juiz, ao concretizar um
Segundo Alexandre Agra Belmonte, a tude.16 Também é exemplo de não restrição direito fundamental, deve estar ciente de
vida extraprofissional do trabalhador pos- aos direitos fundamentais do trabalhador, que sua ordem precisa ser adequada, ne-
sui caráter autônomo em relação ao con- quando Alexandre Agra Belmonte estatui: cessária e proporcional em sentido estrito.
trato de trabalho, já que não interessa ao "não se justifica que um professor, que não Ao discorrer sobre o juízo de pondera-
empregador, a priori, a vida extralaboral do utiliza um livro erótico de sua autoria ou as ção, Alexandre Agra Belmonte assinala que
empregado, em relação à qual pode fazer ideias nele contidas como material de ensi- este visa estabelecer a solução de tal con-
atuar, em sua plenitude e sem as limita- no, venha a ser despedido por tê-lo escrito. flito, fundamentando-se em três princípios,
ções contratuais, os direitos fundamentais. É incabível a restrição ao direito fundamen- quais sejam: o da unidade da Constituição,
Trata-se do princípio da irrelevâcia dos tal de liberdade de expressão que não tem que consiste na interpretação sistemática
atos da vida privada do trabalhador para relação com a atividade profissional do tra- das normas e dos princípios; o da concor-
efeitos laborais. 13 Para ilustrar, o autor em balhador (. .. )". 17 dância prática, obtida por meio da harmo-
tela cita o exemplo de um vigilante de uma Vê-se, desse modo, a possibilidade de nização que permita o melhor equilíbrio
entidade detentora de concessão de canal se estabelecerem limitações aos direitos possível entre os princípios colidentes na
de televisão e de um jardineiro de uma ca- fundamentais do trabalhador "em virtude busca da máxima concretização dos direi-
pela católica, que assumem a homossexu- do estado de subordinação na prestação tos envolvidos; e o da proporcionalidade,
alidade e passam, igualmente, a viver com do trabalho e da boa-fé e lealdade contra- que objetiva, por meio do balanceamento
seu respectivo companheiro. A conduta tuais adequar-se ao contrato de trabalho, e do estabelecimento de limites, a preva-
extralaboral desses trabalhadores, fora do impondo a adequação em ajuste que, natu- lência de um direito sobre o outro, quando

om 31-1522/4 31 de março de 2014


·i é}Jrocessos é> é}Jr:oceBimentos ]

absolutamente necessário para a resolução local de trabalho, tendo em vista que o tra- Existem, sim, situações espec1a1s em
do conflito. E destaque-se: o direito à pro- balhador é livre para conduzir a sua vida pri- que o controle extralaboral exercido sobre
priedade do empregador, do qual resulta o vada da maneira que entender conveniente. a vida pessoal do empregado é necessário
poder diretivo, tem por limite a dignidade Além disso, a vida particular do emprega- para tornar viável o atendimento aos interes-
do empregado. Mas este precisa, diante do é protegida pelo direito à privacidade e ses e aos fins pretendidos pelo empregador.
das características próprias e especiais pelo direito à intimidade. Trata-se de casos em que a conduta extra-
das relações de trabalho, ser exercido con- As atividades do empregado fora do laboral do empregado (suas práticas fora do
forme as nece~idades do serviço, o que contexto do contrato de trabalho - relacio- local e do horário de labor) interfere negati-
justifica a harmonização ou a prevalência nadas com a sua vida privada - escapam vamente em seu contrato de trabalho.
diante da máxima operacionalidade confor- da autoridade empresarial, desde que não De acordo com Eduardo Milléo Baracat
me as circunstâncias 21 repercutam prejudicialmente no contrato e com Rosane Maria Vieira Mansur, esse
Desse modo, para que se possa limitar, de trabalho e no exercício das atividades controle será válido desde que esteja rela-
em um caso concreto, um direito funda- laborativas. cionado exclusivamente com as atividades
mental do trabalhador, é preciso averiguar Concorde José João Abrantes, a su- profissionais do empregado e desde que
se a limitação é necessária e proporcional bordinação do trabalhador deve ficar ads- envolva hábitos socialmente reprováveis
para o alcance do objetivo pretendido. Es- trita ao bom funcionamento da empresa e vinculados à atividade econômica desen-
tão, ora, em jogo, a livre iniciativa do em- à correta execução do contrato, isto é, o volvida pelo empregador. 27
pregador e a liberdade do empregado, e, trabalhador é livre para tudo aquilo que não A respeito do tema, ensina Amaury Ha-
ora, tendo ambos os direitos a igual digni- diga respeito à execução do seu contrato, ruo Mori:
dade constitucional, o juiz deve optar pela encontrando-se protegido contra limita-
solução que consiga o equilíbrio menos ções desnecessárias, somente podendo "Os interesses protegidos do empregador referem-
restritivo aos interesses em questão, ou a liberdade ser restringida, quando o res- -se à correta execução do contrato de trabalho. Se o
seja, que o sacrifício de cada um dos bens pectivo exercício colidir com as exigências trabalhador tem uma vida desregrada, tal conduta so·
jurídicos constitucionalmente protegidos próprias da finalidade concreta da empresa mente será relevante ao empregador na medida em que
seja adequado e necessário a salvaguar- e dos deveres contratuais. 24 prejudique o cumprimento do contrato de trabalho. E
dar outro. 22 Ser1G!o assim, é necessário que Existem, nesse sentido, determinadas é este prejuízo ou consequência que deve ser consi·
"a opção seja pela mínima compressão de funções que autorizam uma fiscalização do derado nas decisões tomadas pelo empregador, e não
cada um dos valores em jogo, de modo que empregador fora do horário e do local de tra- as causas relacionadas com a vida extralaboral do tra-
a solução tenda a possibilitar a liberdade balho sobre a vida pessoal do empregado. balhador:' 28
de iniciativa (do empregador), limitando o É o caso, por exemplo, daquele que labora
mínimo possível o exercício da liberdade do no setor de segurança. Trata-se de labor que Maria do Rosário Palma Ramalho tam-
trabalhado r". 23 exige um comportamento extralaboral condi- bém destaca que, para haver o controle do
Nessa linha de raciocínio, serão verifica- zente com a função exercida. Laert Manto- empregador sobre a vida privada do em-
das, a seguir, outras situações exceptivas vani Júnior entende possível o empregador, pregado, é necessário que exista "(. .. ) uma
de proteção à vida privada do empregado no exercício de seu poder diretivo, fiscalizar conexão objetiva entre as referidas con-
nas quais poderá haver o devido controle a vida privada do trabalhador em setor de dutas pessoais ou as restrições a direitos
extralaboral pelo empregador sobre a vida segurança, a fim de verificar se o comporta- fundamentais e um dever especificamente
privada do primeiro. mento adotado por este está de acordo com laboral ou a existência de um interesse rele-
os princípios legais e morais. Negar ao em- vante da empresa que possa ser colocado
Controle extralaboral realizado pelo pregador tal prerrogativa é colocar em risco em perigo por aquelas condutas". 29 São,
empregador sobre a vida privada do a atividade por ele desenvolvida. 25 pois, situações capazes de assegurar o re-
empregado Aqui se assente com o referido autor. gular cumprimento do contrato de trabalho
Todavia, é imprescindível enfatizar-se que ao qual se obrigou o empregado em rela-
O controle extralaboral é aquele realiza- todo controle exercido sobre a vida pessoal ção ao empregador, bern como o correto
do sobre a vida pessoal do trabalhador fora do empregado deve ser realizado de forma funcionamento da atividade empresarial e o
do local e do horário de trabalho. Em prin- justificada e equilibrada, tendo-se em vista bom atendimento da prestação de serviços
cípio, a submissão do trabalhador ao poder que a aplicação indiscriminada e absoluta pelo primeiro ao empregador.
diretivo da empresa deve se limitar aos exa- de tal controle pode conduzir o trabalhador Na lição de Amaury Haruo Mori, o con-
tos contornos da execução das atividades a uma inadmissível situação de sujeição trole sobre a vida pessoal do empregado
laborativas estabelecidas em seu contrato permanente ao interesse contratual do em- acontece em decorrência de "circunstân-
de trabalho. Logo, a vida pessoal do empre- presário. cias excepcionais, necessárias, adequadas
gado não é relevante nem se encontra sob Além disso, conforme Eduardo Milléo e proporcionais para o cumprimento do
o manto do poder empregatício. Baracat, o art. 5°, inciso X, da Constitui- contrato". 30
Assim sendo, não cabe ao empregador, ção Federal de 1988, estabelece limites ao Edilton Meireles também assinala que
a priori, interferir na vida pessoal ou extra- exercício do poder de direcão que se dá esse controle pode ser feito por meio da
laboral do empregado fora do horário e do além dos muros da empresa. 26 pactuação de cláusulas restritivas à condu-

31 de março de 2014 31-152215 1DD


[ é}Jroce.s.so.s 6 c{}JcocefJimento.s ].

ta do empregado. Tal inserção decorre do razoável, especialmente, quando a empresa Em vista disso é que, no desporto, pelas
princípio da boa-fé, uma vez que o empre- correr o risco de sofrer enormes ou irrepará- suas peculiaridades (necessidade de alta
gado deve manter o seu estado de saúde veis prejuízos, como a perda da partida ou performance para as competições e bom
e a sua capacidade produtiva para melhor do campeonato. E, ainda: "Ora, para a enti- ambiente do grupo nos esportes coletivos),
desenvolver a atividade contratada. 31 A dade desportiva (e para a torcida) não inte- é possível se verificarem cláusulas restritivas
cláusula restritiva de liberdade do empre- ressa punir o jogador. O que importa, sim, é de direito, inclusive relacionadas aos aspec-
gado impõe a este um dever de lealdade que o jogador esteja plenamente apto para tos éticos do vinculo entre os atletas e as
que será estipulaçj__o pelo empregador em laborar, defendendo a entidade esportiva em entidades de prática desportiva.
relação ao cumprimento do seu contrato cada partida. Daí porque, em situações tais, Veja-se, aqui, conforme o esteio de Ale-
de trabalho. Sua finalidade é assegurar, por admite-se a regra de exceção". 35 O autor xandre Agra Belmonte, as cláusulas que
exemplo, a preservação das condições físi- destaca que também se enquadram nesta podem ser verificadas nesse tipo de rela-
cas do atleta que lhe permitirão participar exceção os trabalhos especiais prestados cionamento:
de competição desportiva, obtendo o me- pelas modelos de empresas de desfiles, pe-
lhor desempenho possível. los locutores esportivos, pelos maestros de "Proibição à ingestão imoderada de álcool ou ali-
Edilton Meireles cita o exemplo da em- orquestras e pelos artistas. mentos, por prejudiciais ao condicionamento físico e
presa desportiva que investe milhões na Logo, exige-se do atleta ética e desem- reflexos do atleta; proibição à utilização de substâncias
contratação de um jogador e que exige penha, visto que as competições requerem dopantes; proibição de intensa dedicação a compro-
dele um comportamento extralaboral com- performance diferenciada, a ponto de se missas externos prejudiciais aos jogos, treinos, viagens
patível com a manutenção de sua saúde e exigir períodos de concentração para as e condicionamento físico; proibição de participação em
de sua capacidade física, com o objetivo de mesmas. A ingestão imoderada de álcool, amistosos próximos a uma partida oficial pelo clube;
evitar riscos de acidentes. O autor apresen- por exemplo, é absolutamente prejudicial proibição de declarações que possam revelar táticas de
ta o caso de litígio havido entre o jogador ao condicionamento físico e aos reflexos jogo ao time adversário ou de desavenças entre o atleta
Romário e o clube Valencia Futelo, na Es- do atleta. Edilton Meireles assinala que a e a comissão técnica; proibição de frequência habitual
panha, quando ocorreu a interferência des- intensa dedicação a compromissos exter- a casas noturnas, churrascos e programas de forma in-
te sobre a capacidade física do esportista nos poderá se revelar no desempenho de compatível com o condicionamento físico:'"
por conta da sua· participação em partidas atividade concorrente ou prejudicial aos
de futevôlei na praia, pois ela poderia trazer jogos, aos treinos, às viagens e ao condi- Destarte, assegura Alexandre Agra Bel-
o risco de alguma contusão ou de desgaste cionamento físico do atleta. É o caso do monte que "em relação ao atleta profissional,
muscular. 32 atleta que participará de um jogo amistoso a vedação a dar entrevistas sem autorização
Como observa Alexandre Agra Bel mon- 24 horas antes de uma partida oficial pelo do empregador somente seria cabível em
te: "Além de potencialmente prejudicial à clube e que se submete a uma série de relação a comentários suscetíveis de que-
equipe, o baixo rendimento frustrará tor- compromissos de propaganda com fotos brar a boa-fé e lealdade contratuais, quan-
cedores e repercutirá na boa-fé e lealdade em eventos de forma prejudicial às suas do capazes de revelar planos táticos ou de
contratuais, ensejando a atuação do poder obrigações contratuais. gerar discórdia entre a comissão técnica e
disciplinar do empregador". 33 Em razão Ouarilo ao caráter ético, Alexandre os atletas". 38 Os atletas profissionais, desse
disso, justifica-se a limitação de direitos Agra Belmonte ensina que há limitações modo, possuem a obrigação de se manterem
que, em outras atividades, não seria jus- também absolutamente justificáveis, como permanentemente em boa forma física, tendo
tificável, em nome do resguardo e da alta a de não violar segredos e a de não dar seus hábitos alimentares controlados mesmo
performance do atleta profissional. Dadas declarações que possam comprometer a em gozo de férias. Mesmo nos dias de folga,
as peculiaridades existentes no desporto, imagem do empregador e o bom ambien- os atletas podem ser monitorados por meio
também podem se verificar cláusulas res- te necessário às competições. No Direito de dieta ingerida e até por imposição de res-
tritivas de direitos, inclusive relacionadas a Desportivo, é violação de segredo da em- trições à ingestão de bebidas alcoólicas.
aspectos éticos do vínculo entre os atletas presa a divulgação de táticas de jogo ao Para Amaury Haruo Mori: "Não são
e as entidades de prática desportiva. 34 time adversário. 36 No caso do atleta pro- atos relativos à vida intima e privada do
Assim, em situações especiais, a em- fissional de futebol, portanto, a entidade trabalhador que justificam alguma punição
presa pode não só exigir contratualmente desportiva poderá exigir que este evite disciplinar ao desportista, mas os efeitos
uma vida pessoal condizente com o traba- qualquer atividade que possa reduzir o seu verificados nas suas condições físicas que
lho a ser executado pelo empregado, como bom estado de saúde ou o seu condicio- evidenciam o desrespeito ao dever legal". 39
também manter o controle durante o cum- namento físico, bem como a sua capacida- Determinados hábitos do atleta poderão in-
primento do seu contrato de trabalho. de produtiva, além de exigir recolher-se ao fluenciar sobremaneira a sua capacidade e
Novamente, conforme ensina Edilton domicilio a partir de determinada hora, não resistência física, nomeadamente o consu-
Meireles, todas as vezes em que a saúde e ingerir determinados alimentos ou bebidas mo de bebidas alcoólicas, de tabaco e de
a capacidade do trabalhador forem essen- alcoólicas e seguir um regime durante as drogas, a alimentação inadequada e a ino-
ciais para o melhor desenvolvimento das férias; caso contrário, poderá sofrer puni- bservância das condições de repouso, ou
atividades empresariais, a restrição quanto ções ou, até mesmo, ser dispensado por mesmo circunstâncias ligadas à vida sexu-
à vida pessoal do empregado se mostrará justa causa. al. Apesar de esses hábitos apresentarem

liiD 31-1522/6 31 de março de 2014


[ c?}Drocessos ~ c?}Droce9it.nentos ]

ligações com a vida pessoal do indivíduo, o atleta". 42 Portanto, quando a conduta extra- revelam prejudiciais ao contrato, atingindo a imagem da

empregador terá o direito de ingerência so- laboral do trabalhador repercutir de modo entidade desportiva:' 47

bre tais aspectos do praticante desportivo. grave sobre o contrato de trabalho, o empre-
Desse modo, o clube de futebol pode de- gador poderá reger a sua vida pessoal, esta- No Direito Desportivo, ainda em tela,
terminar ao jogador de futebol que se abs- belecendo deveres acessórios de conduta e poderão acarretar descrédito à reputação
tenha de sair à noite e de ingerir bebidas al- exigindo que o empregado observe determi- da entidade desportiva e à boa perfor-
coólicas durante os dias de concentração, nado comportamento em sua vida pessoal. mance do atleta profissional a frequência
que são três dias por semana, conforme Tal situação compreende uma espécie de a casas noturnas de forma incompatível
estatui a Lei no 12.395/11. limitação aos direitos da personalidade do com o condicionamento físico, a vida des-
Consoante ensina Edilton Meirelles: empregado no Direito do Trabalho. regrada, regada a churrascos, a bebidas
Neste contexto, pertinente a lição de e a programas, a inobservância das horas
"É isso que faz com que a subordinação jurídica Maria do Rosário Ramalho: necessárias de sono, bem como as de-
do atleta profissional de futebol seja distinta em relação clarações impensadas dadas à imprensa
à subordinação jurídica dos contratos de trabalho em "Em contraposição aos princípios gerais de respei· capazes de desestabilizar o grupo do qual
geral. O contrato de trabalho do atleta profissional de to pela vida privada, familiar e social do trabalhador, e o fazem parte a equipe e a comissão técni-
futebol apresenta um caráter mais amplo em sua su· respeito pelos direitos da personalidade do trabalhador, ca, dificultando a união e o ambiente res-
bordinação, que não é estendida às demais relações pode·se justificar a imposição de limites ao exercício peitoso e saudável. 48
empregatícias. Nela se inclui o controle do poder di· dos direitos da personalidade do trabalhador e às suas Como bem expressa Edilton Meireles,
retivo em relação aos aspectos pessoais e íntimos da atuações privadas, em razão da necessidade de com· espera-se de determinados empregados
vida privada do atleta, da sua alimentação, do uso de patibilizar estes direitos do trabalhador com direitos da certa coerência entre a sua vida privada e
bebidas, das horas de sono, do peso e do seu compor· personalidade do empregador, com as suas necessida· os interesses da empresa. É necessário,
tamento sexual.n 40 des organizacionais, por força do caráter intuitu perso- assim, que a restrição aos direitos funda-
nae do contrato de trabalho, mesmo por força dos prin· mentais seja justificada pela intenção de se
Jean Mareei Oliveira também assinala cipios da boa·fé e do abuso do direito, concretizados na evitar um dano grave à empresa, mas des-
que a subordinação jurídica do atleta pro- ideia de que os direitos devem ser exercidos de forma de que também não cause uma grave lesão
fissional de futebol: adequada aos fins para os quais foram concedidos"" ao empregado. 49
Esse também é o entendimento de José
"(. .. ) possui traços muito mais acentuados que Como observa Alexandre Agra Bel mon- João Abrantes. Para o autor, fatos da vida
aquela inerente ao contrato de trabalho em geral, vez te, retomando o que é tocante aos des- extraprofissional não podem constituir cau-
que a atuação do atleta tem interferência direta nos es· portos, "na avaliação da incontinência de sa real e séria para o despedimento de um
pectadores de uma eventual partida e também nos de- conduta do atleta profissional, devem ser trabalhador, a não ser se a sua conduta, em
mais companheiros de equipe, posto que (sic) o futebol consideradas circunstâncias ligadas ao seu virtude da natureza das funções que exerce
profissional é eminentemente de rendimento, buscando comportamento moral e social e ao condi- e da finalidade própria da empresa, criar
sempre resultados positivos. Uma falta praticada por cionamento para a obtenção do melhor ren- uma verdadeira perturbação no seio desta.
um atleta compromete não somente sua imagem, mas dimento possível". 44 É considerado, assim, legítimo o despedi-
também a da equipe como um todo:'" No Direito Desportivo, como o atleta menta de um funcionário de uma empresa
profissional é figura pública, o seu compor- de segurança que cometeu um furto na
De tal modo, tratando-se do período de tamento e as suas declarações públicas empresa cliente da sua empregadora, onde
concentração do atleta profissional de fute- poderão repercutir no contrato, podendo exercia funções de vigilância. Ora, a nature-
bol, o aspecto amplo da sua subordinação não somente atingir a equipe, a comissão za daquelas funções e a finalidade própria
jurídica passa a ter maior intensidade, por técnica e os dirigentes, como também a da empresa justificam, no caso concreto,
compreender este período algo destinado à avaliação da imagem da entidade de práti- um especial rigor, até devido à circunstân-
potencialização do seu rendimento, por ser ca desportiva. 45 cia de o ato do trabalhador repercutir nega-
um momento em que ele deverá descansar, Destarte, "o atleta é um ídolo, capaz de tivamente no crédito e na reputação da sua
alimentar-se corretamente, observar as horas influenciar cortes de cabelo, uso de roupas entidade patronal. 50
de sono, abster-se da ingestão de bebidas e ingresso de novos sócios na entidade Quanto à limitação atribuída ao direito
alcoólicas, visto que o referido período visa desportiva, que se tornam torcedores da à liberdade pessoal do empregado fora do
a resguardar a obtenção de sua melhor atu- agremiação e contribuem para a sua manu- horário e do local de trabalho, o pensamen-
ação no momento da competição e o equilí- tenção econômica e prestígio". 46 to aqui é de que o empregador não poderá
brio de seus aspectos físico e psicológico. Neste sentido, restringi-la. É caso, em caráter ilustrativo,
Conforme expõe Jean Mareei Oliveira, de uma multinacional que proíbe seu alto
o contrato de trabalho do atleta profissional "A ética a ser observada resulta da figura pública executivo de participar, na sua vida pessoal,
de futebol compreende uma "modalidade do atleta, que está ligada à agremiação à qual pertence de almoços ou de jantares com executivos
profissional puramente intelectual, na qual e que serve de exemplo para a sociedade e influi na de empresas concorrentes ou de se rela-
toda a técnica para a realização do esporte é formação moral dos jovens. Dai que amizades publica· cionar afetivamente com altos empregados
fruto da habilidade e criatividade do próprio mente reconhecidas com traficantes, por exemplo, se de empresas concorrentes. Trata-se de

31 de março de 2014 31-1522/7 ID!I


[ é}Jrocessos 0 é}Jroce()imentos ]·

"A vida pessoal do empregado somente será relevante ao empregador na medida em que

I prejudique o cumprimento do seu contrato de trabalho. Assim, só haverá relevância das condutas
extra laborais do empregado para fins de caracterização da sua dispensa por justa causa, se este
comportamento acarretar a inviabilidade da subsistência da sua relação de emprego."

proibição que extrapola os limites do poder gador. Tal limitação atribuída à liberdade o emprego é de extrema importância por
de direção do empregador, pois este fato de aquisição de veículo de outra marca é constituir exceção. 55
não inviabiliza o correto funcionamento da estabelecida com a finalidade de assegu- Ouando a prática de atos de libertina-
atividade econômica de produção do em- rar a proteção à imagem da empresa e à gem e de pornografia ou a ocorrência do
pregador, muito menos a reputação da em- credibilidade do produto perante os con- próprio desregramento da conduta sexual
presa perante a sociedade. sumidores. Essa situação, contudo, não do trabalhador, dependendo da função exer-
No que se refere à liberdade de consu- deve ser estabelecida a um empregado cida por ele no local de trabalho, interferir na
mo do empregado fora do ambiente e da não exercente de alto cargo por não abalar sua prestação de serviços de modo a refletir
jornada de trabalho, também se entende, a imagem da empresa. negativamente na imagem da empresa e no
aqui, como abusiva, a conduta do empre- Edilton Meireles apresenta a mesma próprio ambiente de trabalho, tornando invi-
gador que proíbe o empregado de consu- visão. Para ele, os altos empregados per- ável o cumprimento do seu labor e o bom
mir produtos de empresas concorrentes sonificam a figura do empregador, tendo funcionamento da atividade econômica de
em local público. Como ilustração, pode-se em vista que a compra, o uso de produ- produção, haverá necessidade de controle
citar o caso de uma empresa fabricante de tos ou a prática de atos em benefício da do empregador sobre a conduta extralaboral
famosa marca de cerveja que obriga seus concorrente causa sério dano à imagem do empregado. Trata-se do caso menciona-
funcionários, não altos funcionários, a so- do empregador. Seria hipótese do diretor- do alhures da professora de educação infan-
mente consumir a bebida fabricada pela -empregado de montadora de veículo que til ou da apresentadora de programa infantil
mesma. adquirisse automóvel da concorrente, do que participa de revistas ou de filmes porno-
Todavia, cabe destacar que, em se tra- diretor-empregado que preferisse via- gráficos. Tal comportamento irá influenciar,
tando de empregada considerada "garota- jar em companhia aérea concorrente ou sobremaneira, em seu labor, podendo a tra-
-propaganda" de marca de cerveja, reco- mesmo de apresentador de noticiário que balhadora ser dispensada por justa causa,
nhecida nacionalmente, a proibição quanto manifestasse maior simpatia pelo progra- por motivo de incontinência de conduta ou
ao consumo de bebidas de outras marcas, ma similar do concorrente, sem um moti- mau procedimento, conforme estatui a alí-
em público, revela-se legítima. vo suficientemente forte para justificar tal nea b do art. 482 da CLT.
3
Nos dizeres de Marlon Marcelo Murari, conduta. 5 Vólia Bomfim Cassar, tratando a in-
"( ... ) por acarretar prejuízos à imagem da De igual sorte, assinala Alexandre Agra continência de conduta, relata o caso do
empregadora, abalando a fidelidade dos Belmonte admitir-se a limitação a um comen- empregado que aparece na mídia inva-
seus clientes, atuando como contrapro- tarista político de jornal pertencente a deter- dindo festas, comemorações e passeatas
paganda do produto. Entretanto, quando minado partido político de se manter, durante para, sem autorização, beijar a celebridade,
a garota-propaganda està recolhida à sua a execução do contrato, em comunhão de podendo ter esta sua imagem social ma-
privacidade e intimidade, é livre para con- pensamento, também em sua vida privada, culada. Se ficar conhecido como o "beijo-
sumir os produtos que bem entender, sem com órgão de comunicação que o emprega, queiro" e exercer função de relevância na
qualquer restrição". 5 1 sob pena de comentário distinto da diretriz empresa, como a de diretor executivo de
Também aqui se considera válida a li- do órgão de comunicação levar ao descrédi- uma multinacional, negociando diretamente
4
mitação atribuída à liberdade de consumo to da orientação ideológica do jornal. 5 com os clientes, porá sua posição ou a da
fora do local e do horário de trabalho aos Sabe-se que os direitos da personali- empresa em descrédito. 5 6
empregados exercentes de cargo de che- dade do empregado podem ser limitados, De acordo com Alexandre Agra Bel-
fia, de direção ou de supervisão na empre- quando houver a finalidade de salvaguar- monte, a incontinência de conduta:
sa, em decorrência do caráter de fidúcia dar a imagem da empresa. A respeito,
que resguarda esta relação jurídica. Segun- assevera Vólia Bomfim Cassar que o em- "Diz respeito ao caráter ético e pode influir no con-
do Marcelo Marlon Murari: "quanto menor pregador não pode nem deve interferir na trato. Ela revela-se pelos excessos, pela inconveniência
a subordinação, maior a autonomia privada vida pessoal do empregado. Entretanto, de hábitos e costumes, falta de pudor, imoderação de
do empregado para negociar limitações à a vida social do empregado também não linguagem ou de gestos, caracterizado pelo uso de
sua liberdade". 52 pode influenciar na relação de emprego. palavras ou de atos obscenos. São exemplos: assédio
É possível ao diretor de uma multi- Os aspectos da vida privada do empre- sexual, ligações para disque sexo e utilização de e-mai/
nacional fabricante de automóveis firmar gado são irrelevantes para o empregador, corporativo para a remessa de material pornográficoc' 57
cláusula contratual que estabelece a obri- salvo quando refletirem negativamente na
gatoriedade de circular somente com o empresa. Dessa maneira, o nexo causal Por derradeiro, devidamente exemplifi-
veículo da marca fabricada pelo empre- entre a conduta social do trabalhador e cados os casos de atletas, bem como de

lliD 31-1522/8 31 de março de 2014


,,..
~
l'l
é}Jrocessos 6 é)Jroce8imentos }

I
"O direito de uma parte não pode prevalecer sobre o direito de outra sem as devidas considerações
e pertinentes análises dos casos, levando-se em conta a primazia dos direitos da personalidade
e sua observância na aplicação no Direito do Trabalho."

garotas-propaganda e assim também de CONCLUSÃO comportamento acarretar a inviabilidade da


altos empregad-os e de artistas, resta que, subsistência da sua relação de emprego.
como bem relata Alice Monteiro de Bar- Fica patente, então, a obrigatoriedade Para tanto, utilizaram-se, nesta oportu-
. ros, o poder diretivo varia de acordo com de se respeitarem os limites dos poderes nidade, diversas fontes notabilíssimas na
a natureza da relação de emprego. Logo, do empregador e o cumprimento dos direi- seara justrabalhista, tanto por seu caráter
no tocante aos empregados ocupantes tos do empregado - em especial a privaci- teórico-discursivo acerca de questões mais
de cargo de confiança, o poder diretivo dade deste em suas esferas de atuação ex- amplas ou abrangentes, quanto por seu
do empregador é muito tênue, ao passo tralaboral, desde que atitudes ou compor- teor amplamente ilustrativo ou exemplificati-
que, no trabalho desportivo, é mais rigo- tamentos deste não afrontem prerrogativas vo em sua origem jurisprudencial nos casos
roso.58 Quanto à aplicação da justa cau- contratuais daquele. específicos em tela.
sa, somente há relevância das condutas A vida pessoal do empregado, portanto, Ressalte-se, por fim, que o direito de
extralaborais do trabalhador para a confi- somente será relevante ao empregador na uma parte não pode prevalecer sobre o
guração desta para fins de despedimento, medida em que prejudique o cumprimento direito de outra sem as devidas conside-
quando tais condutas, por sua gravidade do seu contrato de trabalho. Assim, só ha- rações e pertinentes análises dos casos,
e por suas consequências, tornarem pra- verá relevância das condutas extralaborais levando-se em conta a primazia dos Direi-
ticamente impossível a subsistência da do empregado para fins de caracterização tos da Personalidade e sua observância na
relação de trabalho. da sua dispensa por justa causa, se este aplicação no Direito do Trabalho. G

NOTAS

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional po- 16 lbid., p. 75.
sitivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 208. 17 lbid., p. 237.
2 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações 18 lbid., p. 56.
de trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 290. 19 BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas
3 lbid., p. 290. relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 50.
4 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o di- 20 lbid., p. 256.
reito à privacidade e os limites à função fiscalizadora do Es- 21 ld. O monitoramento da correspondência eletrônica nas re-
tado. Cadernos de Direitos Tributários e Fina!lças Públicas. lações de trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p. 74.
São Paulo, v. 1, n. 15, p. 149-162, out./dez. 1992, p. 151, 22 BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas
5 JABUS, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e di- relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 236.
reito à vida privada: conflitos entre direitos da personalida- 23 lbid., p. 236.
de. São Paulo: RT, 2000, p. 254. 24 ABRANTES, José João. Contrato de trabalho e direitos fun-
6 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de damentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2005, p. 11 5.
Janeiro: Renovar, 2004, p. 475. 25 MANTOVANI JUNIOR, Laert. O direito constitucional à in-
7 BORGES, Roxana Cardoso. Disponibilidade dos direitos timidade e à vida privada do empregado e o poder diretivo
de personalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, do empregador. São Paulo: LTr, 201 O, p. 102.
2005, p. 162. 26 BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do
8 CALVO, Adriana. O conflito entre o poder do empregador e trabalhado. São Paulo: LTr, 2003, p. 156.
a privacidade do empregado no ambiente do trabalho. Bo- 27 BARACAT, Eduardo Milléo; MANSUR, Rosane Maria Vieira.
letim de Recursos Humanos, São Paulo, v. 9, n. 1 2, 2009, Controle extralaboral. in: BARACAT, Eduardo Milléo (Co-
p. 63. ord.). Controle do empregado pelo empregador: procedi-
9 lbid., p. 64. mentos lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2008, p. 233.
1 o lbid., p. 64. 28 MORI, Amaury Haruo. O direito à privacidade do traba-
11 lbid., p. 65. lhador no ordenamento jurídico português. São Paulo: LTr,
1 2 BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. O dano moral no Di- 2011' p. 1 06.
reito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 23. 29 RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do Trabalho.
13 BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas Parte 11: situações laborais individuais. Coimbra: Almedina,
relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 73. 2006, p. 815.
14 BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas 30 MO RI, op. cit., p. 1 05, nota 28.
relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 74. 31 MEl RELES, Edilton. Abuso do direito na relação de empre-
15 lbid., p. 74. go. São Paulo: LTr, 2005, p. 171.

31 de março de 2014 31-1522/9 om


·[ é}Jrocessos & é}JrocefJimentos ]

NOTAS

32 lbid., p. 171. 46 lbid., p. 76.


33 BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas 47 lbid., p. 76.
relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 79. 48 BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas
34 lbid., p. 75 e 11 O. relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 76.
35 MEIRELLES, Edilton. Abuso do direito na relação de em- 49 MEIRELLES, Edilton. Abuso do direito na relação de em-
prego. São Paulo: LTr, 2005, p. 172. prego. São Paulo: LTr, 2005, p. 1 22.
36 BELMONTE; Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas 50 ABRANTES, José João. Contrato de trabalho e direitos fun-
relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 75. damentais. Coimbra: Coimbra editora, 2005, p. 162.
37 ld., lbid. 51 MURARI, Marlon Marcelo. Limites constitucionais ao poder
38 lbid., p. 11 O.
de direção do empregador e os direitos fundamentais do
empregado: o equilíbrio está na dignidade da pessoa hu-
39 MORI, Amaury Haruo. O direito à privacidade do traba-
mana. São Paulo: LTr, 2008, p. 11 7.
lhador no ordenamento jurídico português. São Paulo: LTr,
52 lbid., p. 117.
2011, p. 107.
53 MEIRELLES, Edilton. Abuso do direito na relação de em-
40 MEIRELLES, Edilton. Abuso do direito na relação de em-
prego. São Paulo: LTr, 2005, p. 122.
prego. São Paulo: LTr, 2005, p. 172.
54 BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas
41 OLIVEIRA, Jean Mareei Mariano. O contrato de trabalho do
relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 11 O.
atleta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2009, p. 115. 55 CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do trabalho. 5. ed. Rio de
42 lbid., p. 52. Janeiro: lmpetus, 2011, p. 1.1 22.
43 RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do Trabalho. 56 ld., lbid.
Parte 11: situações laborais individuais. Coimbra: Almedina, 57 BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas
2006, p. 815. relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2013, p. 76.
44 lbid., p. 76. 58 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho.
45 lbid., p. 76. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 578.

REFERÊNCIAS

ABRANTES, José João. Contrato de trabalho e direitos funda- Cadernos de Direitos Tributários e Finanças Públicas. São
mentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2005. Paulo, v. 1, n. 15, p. 149-162, out./dez. 1992.
BARACAT, Eduardo Milléo. A boa-fé no direito individual do tra- JABUS, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à
balhado. São Paulo: LTr, 2003. vida privada: conflitos entre direitos da personalidade. São
BARACAT, Eduardo Milléo; MANSUR, Rosane Maria Vieira. Con- Paulo: RT, 2000.
trole extralaboral. In: BARACAT, Eduardo Milléo (Coord.). MANTOVANI JUNIOR, Laert. O direito constitucional à intimi-
Controle do empregado pelo empregador: procedimentos dade e à vida privada do empregado e o poder diretivo do
lícitos e ilícitos. Curitiba: Juruá, 2008. empregador. São Paulo: LTr, 201 O.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 7. MEIRELLES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego.
ed. São Paulo: LTr, 2011. São Paulo: LTr, 2005.
BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. O dano moral no Direito MOR I, Amaury Haruo. O direito à privacidade do trabalhador no
do Trabalho. São Paulo: LTr, 2003. ordenamento jurídico português. São Paulo: LTr, 2011.
BELMONTE, Alexandre Agra. O monitoramento da correspon- MURARI, Marlon Marcelo. Limites constitucionais ao poder de
dência eletrônica nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, direção do empregador e os direitos fundamentais do em-
2004. pregado: o equilíbrio está na dignidade da pessoa humana.
BELMONTE, Alexandre Agra. A tutela das liberdades nas rela- São Paulo: LTr, 2008.
ções de trabalho. São Paulo: LTr, 2013. OLIVEIRA, Jean Mareei Mariano. O contrato de trabalho do atle-
BORGES, Roxana Cardoso. Disponibilidade dos direitos de per- ta profissional de futebol. São Paulo: LTr, 2009.
sonalidade e autonomia privada. São Paulo: Saraiva, 2005. RAMALHO, Maria do Rosário Palma. Direito do Trabalho. Parte
CALVO, Adriana. O conflito entre o poder do empregador e a 11: situações laborais individuais. Coimbra: Almedina, 2006.
privacidade do empregado no ambiente do trabalho. Bole- SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo.
tim de Recursos Humanos, São Paulo, v. 9, n. 1 2, p. 1 2-25. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 5. ed. Rio de Janei- ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de
ro: lmpetus, 2011. trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2009.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Sigilo de dados: o direito à TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. Rio de Janei-
privacidade e os limites à função fiscalizadora do Estado. ro: Renovar, 2004.

RÚBIA ZANOTELLI DE ALVARENGA é Doutora e Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Professora Adjunta da Universidade
Federal Fluminense e membro pesquisadora do Instituto Cesarino Junior. Integrante do grupo de pesquisa da UFF- Direito, Estado, Cidadania e Políticas Públicas e Advogada

liiD 31-1522/1 o 31 de março de 2014

Você também pode gostar