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SÍNDROMES DA TIREOIDE

Cristiano Mendonça Sarkis

Luisa Teixeira Hohl

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RESUMO

As doenças da tireoide são frequentes na prática médica e podem ser divididas em duas
grandes síndromes clínicas: síndrome de hipotireoidismo e síndrome tireotóxica. O hipoti-
reoidismo é definido por sinais e sintomas decorrentes da diminuição da atividade dos
hormônios tireoidianos nos órgãos-alvo, podendo cursar com sonolência, déficit de memória,
pele seca com anexos frágeis e quebradiços, constipação intestinal, pressão arterial
convergente, mixedema, dentre outros. Já a tireotoxicose, que pode ocorrer com ou
sem hipertireoidismo, é decorrente do aumento da atividade dos hormônios tireoidianos
nos tecidos periféricos, causando irritabilidade, dificuldade de concentração, insônia,
sudorese, tremor de extremidades, aumento do ritmo intestinal, taquicardia, pressão arterial
divergente, dentre outros.

Palavras-chave: Tireoide, Hipotireoidismo, Tireotoxicose, Hipertireoidismo.


SÍNDROME DE HIPOTIREOIDISMO

Definição:

A síndrome de hipotireoidismo é o conjunto de sinais e sintomas decorrentes da


ausência de efeitos dos hormônios nos tecidos. O hipotireoidismo é a doença endócrina
mais frequente, predominando no sexo feminino e em idosos.

Etiologia:

O hipotireoidismo pode ser primário, quando decorrente de distúrbio da própria


glândula tireoide, ou central, podendo ser secundário, por comprometimento hipofisário com
deficiência de TSH ou terciário, nos casos em que o hipotálamo se encontra disfuncional.
Além disso, o hipotireoidismo pode ser periférico, por defeitos nos receptores de hormônios
tireoideanos. A tabela a seguir resume as principais causas de hipotireoidismo:

Primário

1. Tireoidite autoimune de Hashimoto (causa mais comum)


2. Destruição ou lesão da tireoide: pós-tireoidectomia; iodo radioativo; radioterapia externa; tireoidite su-
baguda, aguda ou silenciosa
3. Drogas: compostos iodados (amiodarona e contrastes), lítio, interferon, tionamidas

4. Déficit congênito enzimático

5. Agenesia de tireoide

6. Resistência ao TSH

Secundário e Terciário ou Central

1. Tumores hipofisários e hipotalâmicos: granulomatose, distúrbios vasculares e iatrogenia (radioterapia)

Periférico

Defeito do receptor de hormônios tireoideanos

Fisiopatologia e Quadro Clínico:

Entendendo a fisiologia dos hormônios tireoideanos, é possível compreender as


manifestações de sua ausência no organismo. O hormônio T3 é o mais potente, mas
corresponde a apenas 10% da produção tireoideana. Já o T4 tem efeitos menos importantes
nos tecidos, e corresponde a 90% da secreção da tireoide. Nos tecidos, por meio das enzimas
desiodases, há a conversão de T4 em T3, sendo esse mecanismo importante para que se
estabeleçam concentrações maiores do hormônio mais ativo nos próprios tecidos que irão
utilizá-lo em seu metabolismo, evitando também toxicidade sistêmica.
Os principais efeitos metabólicos do hormônio tireoideano são lipólise, depuração de
LDL, aumento da taxa metabólica basal e da termogênese, aumento do consumo de oxigênio
nos tecidos, catabolismo da matriz óssea e aumento do turnover proteico, intensificando o

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ciclo degradação-síntese de proteínas. O hormônio tireoideano também tem função primordial
no desenvolvimento ósseo e no sistema nervoso tanto do feto quanto da criança, além de
exercer efeitos cronotrópicos e inotrópicos positivos no coração, aumentar a absorção de
glicose pelo intestino, no qual ainda exerce função pró-cinética.
Dessa forma, fica fácil compreender os seguintes sinais e sintomas decorrentes da
falta de ação desse hormônio:
Mixedema: acúmulo de glicosaminoglicanos, em especial o ácido hialurônico, e,
consequentemente, de água, por efeito osmótico, nos tecidos conjuntivos. É interessante
notar que esse tipo de edema ocorre de forma sistêmica, inclusive em órgãos internos,
apesar de ser mais evidente no subcutâneo e na pele.
HAS leve: um quadro de hipertensão arterial leve pode se instalar, decorrente sobretudo
do aumento da resistência vascular periférica, ocasionado pelo acúmulo dos glicosamino-
glicanos no tecido conjuntivo.
Retardo do crescimento e déficit neurológico: ocorre pela diminuição da síntese de
proteínas, secundária ao baixo turnover proteico.
Obesidade e dislipidemia: há aumento importante do LDL colesterol e acúmulo de tecido
adiposo visceral, o que inclusive eleva o risco cardiovascular desses pacientes.
Pele e anexos: observa-se importante hipotrofia da pele, que se torna mais fina, frágil,
seca, áspera e rarefeita em pelos. O mesmo ocorre com as unhas, que se tornam quebradiças
e hipotróficas. Os cabelos encontram-se também escassos e secos. A diminuição do consumo
de oxigênio e da termogênese, acompanhada de vasoconstrição, evidencia uma pele pálida
e fria. É possível ainda observar em alguns pacientes uma coloração amarelada da pele,
decorrente do acúmulo de precursores da vitamina A, os carotenos, uma vez que a síntese
dessa vitamina encontra-se comprometida.
Bradicardia e arritmias: decorrentes da ausência de efeitos inotrópicos e cronotrópicos
positivos dos hormônios tireoideanos no tecido cardíaco.
Constipação intestinal: secundária à diminuição da motilidade gastrintestinal.
Outros sintomas possíveis em indivíduos hipotireoideos são astenia, intolerância ao
frio, fadiga, câimbras em sítios incomuns, artralgias, mialgias, anorexia, surdez, hipersonia,
desatenção e diminuição da memória, letargia, depressão, queda da libido, voz grave e lenta,
alterações do ciclo menstrual, como poli e hipermenorreia e esterilidade.
No exame físico, pode-se observar ainda a fácies hipotireoidea, caracterizada por edema
palpebral, sobrancelhas ralas, inchaço, impressão dentária e borda miotônica. Pode-se ou
não encontrar bócio, derrame pleural, pericárdico e ascite em casos graves. No exame
neurológico, é possível evidenciar diminuição dos reflexos osteotendinosos.

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Haja vista que a etiologia mais comum do hipotireoidismo é a autoimune, pode haver
sinais e sintomas de outras doenças de fundo imunológico associados, tais como vitiligo,
colagenoses, alopecia areata e universal e oftalmopatia infiltrativa. Além disso, é importante
sempre investigar a associação com outras endocrinopatias, como doença de Addison,
pan-hipopituitarismo, falência ovariana precoce e síndromes de Down e de Turner.

SÍNDROME TIREOTÓXICA E HIPERTIREOIDISMO

Definição:

Conjunto de sinais e sintomas decorrentes de um efeito exacerbado dos hormônios


tireoideanos sobre os órgãos e tecidos. Predomina nas mulheres e entre 1-3% da população.
Denomina-se tireotoxicose o aumento dos hormônios tireoideanos e hipertireoidismo o
aumento da função tireoideana. Esses dois termos muitas vezes são usados erroneamente
como sinônimos, mas expressam conceitos distintos. Um indivíduo em fases iniciais da
tireoidite de Hashimoto, por exemplo, por destruição da glândula e liberação excessiva dos
hormônios armazenados, pode cursar com sinais e sintomas de tireotoxicose, apesar de
apresentar diminuição da função da tireoide (hipotireoidismo).

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Etiologia:

A síndrome tireotóxica pode ser decorrente do hipertireoidismo propriamente dito ou


da tireotoxicose secundária a outros fatores.
Hipertireoidismo: da mesma maneira que o hipotireoidismo, o hipertireoidismo também
pode ser classificado como primário, secundário ou terciário.

1. Doença de Basedow-Graves (a mais frequente, correspondendo a 60-90% dos ca-


sos): presença de anticorpos estimulantes do receptor de TSH.
2. Bócio nodular autônomo ou doença de Plummer: ocasionado por mutações ativa-
doras do receptor de TSH.
3. Bócio multinodular autônomo: decorrente de autonomia tireoideana, com perda das
alças de feedback negativo sobre a glândula.
4. Induzido por iodo: drogas iodadas como amiodarona, compostos de contraste, ali-
mentos como alga e sal marinho.
5. Hipertireoidismo secundário: excesso de TSH, devido à resistência central a hor-
mônios tireoideanos, por alterações em seus receptores, ou tumores hipofisários pro-
dutores de TSH.
6. Excesso de b-hCG: por ser um hormônio também glicoproteico, com estrutura se-
melhante ao TSH (subunidade a e subunidade b), a gonadotrofina coriônica humana
pode funcionar como agonista do receptor de TSH na tireoide, promovendo aumento
da secreção de T3 e T4 com autonomia glandular. Isso pode acontecer em doenças
produtoras de b-hCG, como mola, coriocarcinoma e hiperêmese gravídica.
7. Mutação ativadora congênita do receptor de TSH (rara).

Tecido tireoideano ectópico:

1. Estroma ovariano.
2. Metástases funcionantes de carcinoma de tireoide.

Tireotoxicose sem hipertireoidismo:

1. Tireoiditis lesionales: decorrente da destruição da glândula tireoide, com liberação


excessiva dos hormônios tireoideanos armazenados. Pode ocorrer nas tireoidites su-
bagudas, agudas, silenciosas e pós-parto, no carcinoma anaplásico de crescimento
rápido, pelo uso de drogas como amiodarona e interferon, e após radioterapia.
2. Exógeno: doses exageradas de hormônios tireoideanos e uso de agonistas com
atividade tiromimética, como o TRIAC.

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Hipertireoidismo subclínico: definido pela diminuição do TSH com hormônios tireoideanos
dentro dos valores de referência. Suas etiologias mais frequentes são:

1. Administração exógena de hormônios tireoideanos;


2. Bócio nodular e multinodular autônomo;
3. Tireoiditis lesionales.

Fisiopatologia:

Da mesma forma que o hipotireoidismo, a síndrome tireotóxica é facilmente entendida


quando se considera os efeitos dos hormônios tireoideanos no organismo, que nesse
caso estarão intensificados. É fácil compreender, portanto, que muitos dos achados serão
contrários ao visto no hipotireoidismo.
Há aumento do turnover proteico, predominando o efeito catabólico, o que leva à perda
de massa muscular, aumento da glicólise e da gliconeogênese e aumento da degradação
de hormônios como insulina e cortisol. Ocorre também aumento da degradação óssea e
aceleração da idade óssea nas crianças. Há aumento do efeito permissivo catecolaminérgico,
com exacerbação das manifestações simpáticas, bem como da termogênese e do consumo
de oxigênio. Existe aumento da síntese e da degradação lipídica. O efeito estimulatório sobre
o SNC gera irritabilidade, insônia e agitação psicomotora. Há ainda consumo de fatores da
coagulação, de cofatores de vitaminas e de minerais como o ferro.

Quadro clínico:

Os sintomas mais frequentes são nervosismo, irritabilidade, hiper-hidrose, palpitações,


diminuição da força muscular, aumento ou diminuição do apetite, intolerância ao calor, perda
de peso, diarreia e diminuição da libido.
Ao exame físico, geralmente observamos bócio difuso, uni ou multinodular, exceto
em casos de tireotoxicose por administração exógena de hormônios. O bócio doloroso
à palpação fala a favor de tireoidite aguda ou subaguda. À ausculta e mais raramente à
palpação, pode-se evidenciar um frêmito, devido ao hiperfluxo sanguíneo para a glândula.
Taquicardia e outras arritmias supraventriculares, tremores, sudorese e pele úmida e quente
são decorrentes da hiperativação simpática. Retração palpebral, onicólise (descolamento da
unha do leito ungueal), hipocratismo digital, mixedema pré-tibial, esplenomegalia e pressão
arterial divergente também podem estar presentes. Em crianças, pode haver aceleração do
crescimento e da idade óssea. Em casos de doença de Graves, podemos observar a fácies
Basedowiana, caracterizada por exoftalmia, com olhos salientes e brilhantes, devido ao
acúmulo de glicosaminoglicanos na órbita, rosto magro e presença de bócio.

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Podem ser encontradas também evidências de doença autoimune associada, sendo
a mais comum a oftalmopatia infiltrativa. Além disso, pode haver manifestações de vitiligo,
miastenia gravis, alopecia e colagenoses.

REFERÊNCIAS
1. MATHEW. P.; RAWLA, P. Hyperthyroidism. [Updated 2022 Jul 23]. In: StatPearls
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3. PATIL, N.; REHMAN, A.; JIALAL, I. Hypothyroidism. [Updated 2022 Aug 8]. In: StatPe-
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2014.

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6. VILLAR, L. Endocrinologia Clínica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan 2016.

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